Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8214/16.5T8STB-A.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE
CONVERSÃO EM DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - Na ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges convertido em divórcio por mútuo consentimento, não havendo acordo, nomeadamente, quanto à casa de morada de família, terá o tribunal em regra, que seguir a tramitação processual própria da resolução da questão da atribuição da casa de morada de família no contexto de uma ação de «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges».
II - De qualquer modo, atento o facto de estarmos no âmbito de um pedido sujeito ao regime geral dos processos de jurisdição voluntária e desde que se mostrem respeitados os vários princípios gerais do processo civil aplicáveis, nada impede que o mesmo seja apreciado e decidido em incidente autonomamente tramitado no processo instaurado como «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges», mas que entretanto foi convertido em «divórcio por mútuo consentimento».
III - No caso concreto, tendo sido fixado à ré o prazo de 10 dias para apresentar alegações relativamente a dois incidentes – atribuição de casa de morada de família e pensão de alimentos -, considerando as razões invocadas pela ré, justificava-se a concessão da prorrogação do prazo para aquele efeito, a isso não obstando o disposto no artigo 141º do CPC invocado na decisão recorrida, pois o referido prazo de 10 dias foi fixado pelo juiz na sequência da conversão do processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em processo de divórcio por mútuo consentimento judicial, não sendo portanto um prazo fixado por lei.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Na ação de “divórcio sem consentimento do outro cônjuge”, intentada por AA contra BB, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Setúbal – Juiz 2, realizou-se em 02.03.2017 a tentativa de conciliação, na qual, após conciliação parcial das partes foi proferido despacho a determinar o prosseguimento dos autos como divórcio por mútuo consentimento.
Não tendo sido obtido acordo dos cônjuges quanto à casa de morada de família, foi determinada a notificação de ambos para produzirem alegações e apresentarem meios de prova com vista à decisão sobre a atribuição da casa de morada de família, e a ré também para alegar o que tivesse por conveniente relativamente ao incidente de alimentos, uma vez que a mesma pretende obter uma pensão de alimentos do autor.
Em 13.03.2017, o autor requereu lhe fosse concedida a prorrogação de prazo para a junção da relação de bens e, bem assim, que lhe fosse atribuída até à partilha, o direito à casa de morada de família.
Em 16.03.2017 foi a vez de a ré pedir a prorrogação de prazo para junção de prova e requerer a suspensão da instância, atenta a vislumbrada possibilidade de as partes chegarem a acordo.
Em 27.04.2017 o autor respondeu dizendo não vislumbrar a necessidade de a instância ser suspensa e apresentou a relação dos bens comuns.
Em 17.05.2017 foi proferido o seguinte despacho:
«Inexistindo fundamento para a requerida suspensão da instância para apresentação dos articulados referentes aos incidentes de atribuição de casa de morada de família e da pensão de alimentos, atenta a oposição do Réu[1] (ver artigo 141º CPC) e uma vez que se aplica a regra geral prevista nos artigos 292º a 295º e 149º CPC, indefere-se a referida suspensão da instância requerida pela Autora.
Tendo as partes sido notificadas em 02/03/2017 para apresentação de alegações, o prazo geral de 10 dias cessou em 13/03/2017. Tendo a Autora/Requerida sido notificada das alegações do Réu/requerente referentes ao incidente da casa de morada de família em 13/03/2017, o prazo terminou em 16/03/2017 (art. 255º CPC).
Nestes termos, decorrido que estão todos os prazos os autos deverão prosseguir os seus termos.
Para inquirição das testemunhas arroladas pelo Réu/requerente no âmbito do incidente de atribuição de casa de morada de família, designo o próximo dia 28/06/2017, pelas 10h00.
Notifique, sem prejuízo do disposto no art. 151º CPC.»
Inconformada, a ré apelou do assim decidido, finalizando as alegações com as seguintes conclusões (transcrição):
«A - Primeiramente ter-se-á que referir que a R./requerida/recorrente não solicitou a suspensão da instância para entrega dos articulados dos dois incidentes, logo a decisão recaiu sobre um pedido que não foi feito. Pelo que tal decisão enferma de nulidade nos termos do artº 615º, nº1, al. d) e e) do CPC.
B - O Tribunal a quo fundamenta a negação dos dois pedidos da R como se só de um pedido se tratasse com base na oposição do R. (presumimos que seja lapso e se pretendia referir do A.). Nos termos do artº 1778º-A, nº 4, o Juiz pode determinar a prática de actos e a produção de prova eventualmente necessária, não está balizado, impedido de estabelecer novos prazos mesmo que haja oposição do A. A decisão sofre de ambiguidade ou obscuridade o que determina a sua nulidade de acordo com o artº 615º, nº 1, al. c) “in fine”.
C - A impossibilidade da R. carrear para os autos a sua versão dos factos pela decisão negativa sobre a prorrogação dos prazos, face á aceitação até sem decisão da entrega de peças pelo A. fora de prazo, colide com o previsto no artº 2º e 4º do CPC, o P. da Igualdade das Partes, empobrecendo a decisão e atingindo as garantias constitucionais.
D - No despacho de que se recorre fala-se indiscriminadamente em alegação e incidente como se fossem uma e a mesma realidade. A R. interpretou que haveria que interpor um incidente tal como previsto na lei processual.
E - A própria decisão de que se recorre socorre-se desse formalismo fixado na lei para a fundamentação da própria decisão quando se refere aos artº 292º a 295º do CPC que consubstancia o regime processual dos incidentes. Ora se o Tribunal a quo adopta para os referidos incidentes o regime dos mesmos estabelecido em Lei, tem de aplicar tal regime integralmente, sob pena das partes ficarem sem saber que regras são permitidas e ou não permitidas no processo, podendo no limite surgir decisões surpresa baseadas em formalismo que não se adivinhavam. A decisão padece de nulidade prevista no artº 615º, nº1, al c) do CPC.
F - Embora o art° 1778º-A do CC permita mitigar o P. da legalidade dos trâmites ou das formas processuais não permitirá concerteza o arbítrio no estabelecimento dos trâmites, sob pena de total anarquia na Justiça e desigualdade dos cidadãos perante situações iguais ou similares, violando-se o direito fundamental à Igualdade, previsto no artº 13º da CRP, ao qual se aplica o regime dos direitos, liberdades e garantias artº 17º, 18º e ss da CRP.
G - A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Nos termos do artº 20º, nº4 da CRP “Todos tem direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo ”. Não existe equidade nesta acção quando o A. apresenta o suposto incidente por mero requerimento e sem qualquer formalismo, nomeadamente o previsto no artº 552º do CPC e os trâmites estabelecidos por lei para os incidentes, na lei processual e de custas. Não existe equidade quando o A. pede tal como a R. prorrogação de prazo para entrega da relação de bens por dificuldade em obter a documentação, e, sem esperar a decisão sobre tal pedido, entrega a relação de bens desacompanhada de qualquer documento. As partes não decidem solicitam uma decisão e esperam pela mesma.
H - A R. interpretou que se era para interpor um incidente, seria cumprindo as regras deste tipo de articulado/acção e de acordo com essa interpretação procurou documentação e dados/factos que pudesse coligir para fazer os respectivos articulados, nomeadamente, por falta de meios económicos solicitou apoio judiciário, que no caso do incidente de atribuição da casa morada de família, já foi deferido, junta em anexo os dois pedidos de apoio e o deferimento de um deles. O pedido de novo prazo com fundamento na dificuldade de organizar a matéria de facto, coligir a prova e arranjar meios de pagamento ou apoio judiciário não obteve resposta, pelo que a decisão nos termos do artº 615º, nº1, al. d) do CPC é nula.
I - O artº 147º, nº2 do CPC refere “nas acções, nos incidentes e nos procedimentos cautelares, havendo mandatário constituído, é obrigatória a dedução por artigos dos factos que interessem à fundamentação do pedido ou da defesa, sem prejuízo dos casos em que a lei dispensa a narração de forma articulada”. Nada sobre o formalismo ou a falta dele foi estabelecido para que as partes soubessem exactamente o que se considerava um incidente e quais os formalismos exigidos, apenas se deu um prazo de 10 dias para a sua interposição. Só o prazo e nada mais estava estabelecido pelo que era de supor que incidente queria mesmo dizer incidente em termos processuais. Na medida em que na lei não há prazo estabelecido para a interposição dos incidentes considerou-se que perante a liberdade concedida pelo artº 1778º-A, nº 4 do CC ao Tribunal, o pedido de prorrogação do prazo era justo e legal perante o circunstancialismo em causa, ou seja, a entrega de dois incidentes e a relação de bens em 10 dias que se contam seguidos. A estrutura óssea do processo ou a sua matriz essencial não deverão ser objecto de grandes alterações. Em qualquer das circunstâncias em que o juiz faça uso do Principio da adequação formal ou do dever de gestão processual deve apresentar ás partes os detalhes da programação processual que irá adoptar, sendo essa esquematização mais justa se for feita em colaboração com as partes.
Assim, requer a V.ª Ex.ª se digne admitir o presente recurso e revogar o despacho de que se recorre, estabelecendo-se um prazo para entrega dos incidentes definindo-se as formalidades a cumprir por A. e R.»

Não foram apresentadas contra-alegações[2].

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões essenciais a decidir no presente recurso consubstanciam-se em saber:
- se é nula a decisão recorrida;
- se é de conceder a prorrogação de prazo para a ré recorrente apresentar as alegações e prova relativamente aos incidentes de atribuição de casa de morada de família e da pensão de alimentos.

III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos e a dinâmica processual a considerar para a decisão do recurso, são os que constam do relatório que antecede, a que acresce o seguinte:
No decurso da diligência realizada em 28.06.2017, já depois de interposto o recurso pela ré, foi proferido o seguinte despacho:
«Após prolação do despacho de 17/05/2017, apresentou a ré recurso onde invoca a nulidade do referido despacho.
O autor prescindiu do prazo do contraditório.
Quanto à nulidade importa referir e reconhecer que o despacho em crise contém lapsos, mas não nulidade como se invoca.
Analisando as normas citadas, designadamente o artigo 141.º do CPC, verifica-se que o objetivo do Tribunal era pronunciar-se quanto à prorrogação do prazo requerida e não quanto à suspensão da instância.
Por outro lado verifica-se também um lapso de escrita no último prazo a que se refere a parte final do segundo parágrafo do referido despacho, uma vez que o prazo de resposta da ré no âmbito do incidente de atribuição de casa de morada de família não terminou a 16/03/2017 mas em 27/03/2017.
Pelo exposto julgo retificado o despacho em causa devendo ler-se prorrogação do prazo onde se lê suspensão da instância e 27/03/2017 onde se lê 16/03/2017.
No mais e porque os prazos em curso já haviam decorrido à data do referido despacho, mantenho o teor do mesmo.
Incumbe ainda referir quanto à suspensão da instância requerida apenas pela ré, com fundamento no artigo 272.º, n.º 4 do CPC e porque a mesma teria, obviamente, que ser requerido por ambas as partes e por acordo, carece o requerido de fundamentação legal pelo que se indefere.
Notifique».

O DIREITO
Da nulidade da decisão recorrida
A recorrente invoca como causas de nulidade da decisão recorrida, as previstas nas alíneas c), d) e e) do nº 1 do artigo 615º do CPC.[3]
Dispõe a referida alínea c) que a sentença é nula «quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
Reconhece-se que a decisão recorrida, ou seja, o despacho proferido em 17.05.2017 e acima transcrito, encerra em si alguma ambiguidade, pois no mesmo parece terem-se confundido os dois pedidos formulados pela ré: suspensão da instância e prorrogação do prazo para apresentar alegações.
Na verdade, escreveu-se naquele despacho: «Inexistindo fundamento para a requerida suspensão da instância para apresentação dos articulados referentes aos incidentes de atribuição de casa de morada de família e da pensão de alimentos, atenta a oposição do Réu (ver artigo 141º CPC) e uma vez que se aplica a regra geral prevista nos artigos 292º a 295º e 149º CPC, indefere-se a referida suspensão da instância requerida pela Autora.»
Assim, prima facie, parece que a Sr.ª Juíza a quo fundamentou a negação dos dois pedidos da ré como se apenas de um pedido se tratasse e tendo em conta a oposição do autor (e não réu como por lapso escreveu), sendo certo que aquilo a que o autor se opôs foi à requerida suspensão da instância.
No entanto, nesse mesmo despacho escreveu-se: «[t]endo as partes sido notificadas em 02/03/2017 para apresentação de alegações, o prazo geral de 10 dias cessou em 13/03/2017. Tendo a Autora/Requerida sido notificada das alegações do Réu/requerente referentes ao incidente da casa de morada de família em 13/03/2017, o prazo terminou em 16/03/2017[4] (art. 255º CPC).
Nestes termos, decorrido que estão todos os prazos os autos deverão prosseguir os seus termos.
Significa isto, lendo o despacho no seu conjunto e tendo em consideração as normas invocadas, nomeadamente o artigo 141º do CPC, que o que foi tido em conta no despacho recorrido foi a prorrogação do prazo solicitada pela ré e não a suspensão da instância, como a Sr.ª Juíza a quo, aliás, esclareceu no despacho em que se pronunciou sobre as nulidades da decisão recorrida[5], antes de admitir o recurso, procedendo à respetiva retificação, o que não foi objeto de qualquer impugnação pela recorrente.
Diz a recorrente que a sentença padece também da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC. Estatui esta norma que a sentença é nula “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do artigo 608º do CPC., no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Ora, no caso em apreço, não há dúvidas que a Sr.ª Juíza a quo se pronunciou sobre o pedido de prorrogação do prazo solicitado pela autora, indeferindo-o.
Se a recorrente discorda do modo como a questão foi julgada, é porque percebeu o alcance da decisão e a sua razão de ser. Porém, a discordância quanto à interpretação e aplicação da lei não é fundamento de nulidade.
A recorrente invoca ainda a causa de nulidade prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC. Dispõe esta norma que a sentença é nula quando: «O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».
Não é manifestamente o caso dos autos, pois embora a decisão recorrida encerre alguma ambiguidade e padeça de alguns lapsos, como se viu supra, a mesma pronunciou-se efetivamente sobre o pedido de prorrogação do prazo solicitado pela recorrente, não sendo por isso correto afirmar-se que “a decisão recaiu sobre um pedido que não foi feito”, o qual segundo a recorrente seria a solicitação da “suspensão da instância para entrega dos articulados dos dois incidentes”.
Em suma, a decisão recorrida não enferma das nulidades que lhe são apontadas pela recorrente.

Do mérito da decisão
Tendo sido in casu requerido o divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, realizou-se a tentativa de conciliação prevista no nº 2 do artigo 931º do Código de Processo Civil [CPC], tendo as partes acordado na convolação do divórcio para mútuo consentimento, dispondo aquele nº 2, in fine, que nestas situações o juiz deverá procurar “obter o acordo dos cônjuges quanto à utilização da casa de morada de família durante o período de pendência do processo, se for caso disso”.
Ainda no que respeita ao destino da casa de morada de família, preceitua o nº 7 do citado artigo 931º que «[e]m qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.».
O regime processual contido no nº 2 e no nº 7 do citado artigo 931º constitui incidente na tramitação da ação de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família [vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” – art. 931/2]; é provisória, também a decisão do juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes [“regime provisório” como expressamente o define o nº 7 do art. 931º].
Em suma, quer o acordo das partes previsto no nº 2 do artigo 931º do CPC, quer a decisão do juiz (na ausência de acordo), prevista no nº 7 do mesmo normativo, têm à partida natureza provisória.
A conclusão enunciada leva-nos à fronteira entre a atribuição da casa de morada de família (com natureza provisória) na tramitação do divórcio iniciado na modalidade de “sem consentimento do outro cônjuge” [artigo 931º do CPC], e o processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 990º do mesmo diploma legal.
Dispõe a norma em apreço, sob a epígrafe: “Atribuição da casa de morada de família”:
«1 - Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793.º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1105.º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
2 - O juiz convoca os interessados ou ex-cônjuges para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 931.º, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 293.º.
3 - Haja ou não contestação, o juiz decide depois de proceder às diligências necessárias, cabendo sempre da decisão apelação, com efeito suspensivo.
4 - Se estiver pendente ou tiver corrido ação de divórcio ou separação, o pedido é deduzido por apenso.».
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que na tentativa de conciliação a que alude o nº 2 do artigo 931º CPC, na sequência da convolação do divórcio para mútuo consentimento e na ausência de acordo quanto à atribuição da casa de morada de família, foram as partes notificadas para, no prazo de 10 dias, produzirem alegações e apresentarem meios de prova com vista à decisão do respetivo incidente, sendo a ré também para alegar o que tivesse por conveniente relativamente ao incidente de alimentos, uma vez que a mesma pretende obter uma pensão de alimentos do autor.
Em 13.03.2017 o autor apresentou um requerimento onde, invocando que em virtude da ré se ter ausentado do lar conjugal e ter levado consigo toda a documentação relativa aos bens comuns do casal, se viu “na contingência de requerer nova documentação através de buscas” e, nessa medida, requereu a prorrogação do prazo, em 10 dias, para apresentar a relação de bens.
Nesse mesmo requerimento e quanto ao destino da casa de morada de família, afirmou o autor:
«(…) apraz apenas registar que não se compreendem os motivos pelos quais a R. pretende lá residir quando, por vontade própria, a deixou».
«(…) ao deixar a casa e ir viver com a filha, a R. teve a oportunidade de deixar bem claro, pelo punho dos seus filhos, e manuscrito num guardanapo de papel».
«Os filhos, por outro lado, deixaram de falar ou manter quaisquer tipos de relações com o A., pelo que, sendo atribuída à R. a casa de morada de família, o A. Deixaria de ter local para viver».
No referido requerimento o autor não enuncia factos concretos que permitam concluir quais as suas verdadeiras necessidades, considerando o disposto no artigo 1793º, nº 2, do CC[6], pelo que seria de ponderar proferir despacho a convidar o autor a apresentar novas alegações com a indicação de factos concretos dos quais resultasse a sua efetiva necessidade de habitar a casa de morada de família.
Seja como for, a ré através de requerimento datado de 16.03.2017, além de solicitar a suspensão da instância atenta a alegada possibilidade de as partes chegarem a acordo, requereu que lhe fosse concedida a prorrogação de prazo, «tendo em conta o nº de peças a elaborar e prova a coligir que não está na posse da R., o que obriga a fazer buscas e pedir documentos para redigir tais peças”, acrescentando que «[t]al elaboração é difícil de levar a cabo tanto para a R. quer para o A., tanto é que este na resposta dada aos autos também solicitou prazo e não elaborou o incidente mas apenas um requerimento».
Relembre-se, a este propósito, que a ré, além de ter de apresentar alegações relativamente ao incidente da atribuição da casa de morada de família, tinha ainda de alegar relativamente ao incidente da pensão de alimentos provisórios, pelo que não se pode considerar descabida a sua pretensão de ver alargado o prazo para apresentar alegações em ambos os incidentes.
Acresce que, segundo o nº 4 do artigo 1778º-A do Código Civil [CC], o juiz, a fim de fixar as consequências do divórcio, «pode determinar a prática de atos e a produção de prova eventualmente necessária».
A este propósito afirma Rita Lobo Xavier[7], que «suscita alguma perplexidade a ordem de tarefas cometidas ao Tribunal no caso do divórcio por mútuo consentimento», acabando por concluir que não obstante a ideia de que as consequências do divórcio devem em princípio ser apreciadas «de forma “global e integrada”», o certo é que com o regime legal atualmente em vigor, «a solução de um processo único será sempre inviável».
E continua referindo que «se, por um lado, o nº4 do art.º1778º-A implica que o juiz deverá determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, de acordo com o princípio da adequação formal previsto no art.º 265º-A do CPC, não se pode deixar de considerar que a aplicação (remissiva) do regime do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges conduz a que cada uma das consequências do divórcio enunciadas continua a ser tratada com autonomia relativamente à acção de divórcio”.
Perante tal perplexidade a mesma autora dá mesmo como exemplo, a questão da atribuição da casa de morada de família, em relação ao qual o artigo 1413º, nº 4, do CPC prevê que o pedido seja deduzido por apenso à ação de divórcio. Assim admite que o processo de divórcio por mútuo consentimento judicial, em muitas situações, «se multiplicará nas numerosas peças processuais e audiências de julgamento mais próprias de um divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges”», (…).
Perante o que se deixa exposto, parece não restar dúvidas que a lei concebe um divórcio por mútuo consentimento judicial em que haja acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, mas não quanto às consequências do divórcio – entenda-se, quanto às questões referidas no art.º 1775º, nº 1, do Código Civil, caso em que cumprirá ao tribunal fixar essas consequências.
E, por maioria de razão, pode haver acordo quanto ao divórcio e algumas dessas questões, mas não quanto a todas – como poderá ser mais concretamente a questão da atribuição da casa de morada de família.[8]
Ora, é esta a situação do presente processo no qual, a partir de determinada altura, passou a haver acordo das partes quanto ao divórcio propriamente dito, razão pela qual a Sr.ª Juíza a quo converteu o processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em processo de divórcio por mútuo consentimento judicial.
A partir daí, apenas ficou a restar a questão relativa à casa de morada de família e da pensão de alimentos da ré, sendo que estes incidentes teriam de ser dirimidos pelo tribunal «como se se tratasse de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges» (artigo 1778º-A, nº 3, do CC).
Neste conspecto, tendo em conta a situação concreta dos autos, em que foi fixado à ré o prazo de 10 dias para apresentar alegações relativamente a dois incidentes e considerando as razões por aquela invocadas, justificava-se plenamente a concessão da prorrogação do prazo requerido para o efeito, a isso não obstando o disposto no artigo 141º do CPC invocado na decisão recorrida, pois o referido prazo de 10 dias foi fixado pelo juiz na sequência da conversão do processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em processo de divórcio por mútuo consentimento judicial, não sendo um prazo fixado por lei.
O recurso merece, pois, provimento

Sumário:
I - Na ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges convertido em divórcio por mútuo consentimento, não havendo acordo, nomeadamente, quanto à casa de morada de família, terá o tribunal em regra, que seguir a tramitação processual própria da resolução da questão da atribuição da casa de morada de família no contexto de uma ação de «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges».
II - De qualquer modo, atento o facto de estarmos no âmbito de um pedido sujeito ao regime geral dos processos de jurisdição voluntária e desde que se mostrem respeitados os vários princípios gerais do processo civil aplicáveis, nada impede que o mesmo seja apreciado e decidido em incidente autonomamente tramitado no processo instaurado como «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges», mas que entretanto foi convertido em «divórcio por mútuo consentimento».
III - No caso concreto, tendo sido fixado à ré o prazo de 10 dias para apresentar alegações relativamente a dois incidentes – atribuição de casa de morada de família e pensão de alimentos -, considerando as razões invocadas pela ré, justificava-se a concessão da prorrogação do prazo para aquele efeito, a isso não obstando o disposto no artigo 141º do CPC invocado na decisão recorrida, pois o referido prazo de 10 dias foi fixado pelo juiz na sequência da conversão do processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em processo de divórcio por mútuo consentimento judicial, não sendo portanto um prazo fixado por lei.

V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida, concedendo-se à ré/recorrente novo prazo de 10 dias para apresentar alegações e prova relativamente aos incidentes de atribuição provisória da casa de morada de família e da pensão provisória de alimentos, seguindo-se os demais termos do processo.
Custas pela parte vencida a final.
*
Évora, 10 de Maio de 2018
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião

__________________________________________________
[1] Neste despacho confundiu-se uma vez mais, certamente por lapso, as posições das partes, pois ré no processo é BB, sendo autor AA.
[2] O autor prescindiu de contra-alegar.
[3] Esta norma é aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º, nº 3.
[4] Esta data foi objeto de retificação no despacho em que a Sr.ª Juíza a quo se pronunciou sobre as nulidades da decisão recorrida, antes de admitir o recurso, devendo por isso ler-se 27-03-2017.
[5] Transcrito supra.
[6] Apesar de ser diverso o regime processual e o âmbito temporal de vigência do regime provisório previsto nos n.ºs 2 e 7 do art. 931º do CPC, e do processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 990º do mesmo código, nada impede, antes tudo aconselha, que no regime provisório se utilizem os critérios previstos no artigo 1793.º do Código Civil, na escolha do cônjuge beneficiado com a atribuição da casa de morada de família (cfr. acórdão do STJ de 26.04.2012, proc. 33/08.9TMBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[7] Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, Almedina, 2009, p. 19 e ss..
[8] Cfr. acórdão da Relação do Porto de 27.03.2014, proc. 10731/10.1TBVNG.P2, in www.dgsi.pt.