Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
465/11.5GAVNO.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: ROUBO
SEQUESTRO
COACÇÃO GRAVE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 11/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – A reapreciação pelo Tribunal da Relação das provas gravadas só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1.ª Instância caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, do Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, a arguida PP foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenada pela prática, em autoria material e concurso real, de:

Ø Um crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158.º, n.º 1 e 2 al.ª b), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

Ø Um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e

Ø Um crime de coacção agravada, p. e p. pelo art.º 154.º, n.º 1, 155.º, n.º 1 al.ª a) e 131.º, do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, pena única de 4 anos, suspensa na sua execução por idêntico período, mediante regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social.
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Inconformada com o assim decidido, a arguida interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:


Salvo o devido respeito por opinião contrária, que sempre é muitíssimo, jamais os Meritíssimos juízes "a quo" poderiam ter dado como provados os pontos 1 a 29 dos factos provados, pelo que, nos termos do artigo 412°, n° 3 do Código de Processo Penal se impugna a matéria de facto em apreço.


Se analisarmos a prova documental carreada para os autos, designadamente auto de notícia (fls. 29 e ss), o aditamento (fls. 33), o relato de diligência externa (fls. 165 e ss) e a documentação clínica (fls. 202 e ss), não temos dúvidas de que não existem indícios suficientes para imputar a autoria da prática dos crimes em apreço à Arguida.


O auto de notícia e respectivo aditamento, traduzem única e exclusivamente a versão da ofendida.


Do relato de diligência externa não resulta qualquer facto ilícito, qualquer elemento, qualquer prova que possa ser imputado à Arguida (e também não poderia existir, pois a Arguida não praticou os factos em apreço nos presentes autos).


Nenhuma prova documental foi carreada para os autos relativamente ao envio da alegada mensagem, dos alegados telefonemas.


Também não foi encontrado na posse da Arguida, o telemóvel da ofendida ou qualquer outro elemento utilizado na prática dos aludidos crimes, designadamente, piripiri, toalha molhada, corda...


Quanto ao relatório clínico, o mesmo refere que existem escoriações na face a na região dorsal, e que a ofendida se queixa de dores no braço esquerdo.


Inexiste qualquer referência à utilização de piripiri na vagina ou à existência de escoriações na zona do pescoço da Ofendida.


Se o Arguido SS tivesse colocado um pé no pescoço da Ofendida conforme consta dos factos provados, era normal que existisse uma escoriação no pescoço.

10°
Aliás, o relatório clínico refere que a Ofendida se queixava com dores do braço esquerdo, o que não é corroborado pelo seu depoimento, nem pelo depoimento das testemunhas.

11°
No que diz respeito ao corte de cabelo, nenhuma foto foi junta aos autos que corrobore tal versão.

12°
Quanto aos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, entendemos que não restam dúvidas de que a arguida PP não praticou os factos em apreço.
Senão vejamos,

13°
A Ofendida manteve uma postura muito descontraída e risonha, o que é no mínimo estranho, depoimento, este, que se encontra gravado no sistema informático citius de 00:00:00 a 00:25:08:

"no dia 31... nós íamos po trabalho juntas... era para ser eu levar carro... e ela de manhã ligou-me a disse-me que já tinha carrinha arranjada...fomos na carrinha dela... chegou a uma altura no pinhal...Almoster... ela disse que tinha vontade de fazer coco... virou carrinha pinhal.. logo ai tirou telemóvel... depois parou carro e disse-me... agora estás fodida... na parte trás da carrinha vinha o companheiro dela... SJ... eu sai da carrinha para fugir.. ele agarrou-me, bateram-me com uma toalha molhada... meteram piripiri na vagina.. o SS segurava-me e ela fazia.. obrigaram a ligar para mulher de patrão... disseram que iam deixar atada toda nua num pinheiro... com uma corda.. pensa nas minhas filhas porque tu também tens filhos.. disseram se contasse alguém as minhas filhas e a minha família iam pagar por isso..

Quando questionada sobre se cortaram o cabelo:
Refere que cortaram cabelo

Mais menciona que:
Diz que enviou uma mensagem por engano para PP...
- Antes de parar viatura tirou telemóvel...
Nunca mais foi trabalhar...

Quando interpelada sobre o salário diz que foi a própria que o recebeu. Mais refere que não colocaram nada na boca.

14°
O depoimento de PF (namorado da ofendida e ex-marido da arguida), que se encontra gravado no sistema informático citius de 00:00:00 a 00:14:36, demonstra que:

minha irmã me ligou a dizer que a dona SJ apareceu em casa da minha irmã...
tinha cabelo cortado...
tinha parado para fazer xixi...

Quando questionado sobre se tinha ferimentos disse:
nos lábios.. principalmente na cara...

Refere que irmã lhe ligou a um sábado entre meio-dia e duas da tarde.
A SJ e a irmã não se conheciam, a SJ não sabia onde era a casa mas foi lá ter.

Mais diz que deixou de pagar a pensão de alimentos, talvez fosse a razão da presente situação.

Acha que a Arguida lhe ligou mais tarde, não sabia o que lhe disse, mas depois já sabia que tinha dito "não a matei mas ainda pode vir a acontecer". Depois não sabe quem ligou.

15°
Depoimento algo confuso e muito parcial.

16°
Por sua vez, a testemunha AG (irmã da ofendida), o qual se encontra gravado no sistema informático citius de 00:00:00 a 00:14:30, refere que:

- "ela chegou a casa um pouco atrapalhada...

Mais disse que não sabe a que horas a irmã apareceu lá em casa. E que trazia uns arranhões perto do pescoço, nos braços e nos lábios.
A irmã não disse por que motivo tal aconteceu.
Não sabe se a irmã queria apresentar queixa.

17°
Ora, analisando também a prova testemunhal produzida no decurso da audiência de julgamento, os Meritíssimos Juízes "a quo" não poderiam ter dado como provados os pontos 1 a 29 dos factos provados, devendo a Arguida PP ser absolvida pela prática dos crimes de sequestro, roubo e coacção agravada.

18°
Unicamente existe o depoimento da Ofendida que alega que "eles bateram, meteram, obrigaram...", fica-se sem saber quem efectivamente perpetrou os alegados factos.

19°
Nem mesmo o próprio relatório médico evidencia as agressões de que a Ofendida diz ter sido vítima.

20°
O Tribunal deu como provados factos que a Ofendida negou ou que nem sequer foram mencionados pela mesma ou pelas testemunhas.

21°
Designadamente, datas, horas que ninguém referiu, teor mensagem, pretensão de ir comer um bolo, exigir PIN, pano na boca, etc...

22°
Não se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crimes em apreço, pelo que, a Arguida PP absolvida em conformidade.

23°
Assim sendo, estamos perante um erro de julgamento - ínsito no artigo 412°/3 -, na medida em que o Tribunal "a quo" considerou provados os pontos 1 a 29, inexistindo prova suficiente para serem considerados como provados.

24°
Salvo o devido respeito, ao contrário da fundamentação apresentada pelos Meritíssimos Juízes "a quo" , certo é que, a Arguida e a Ofendida eram amigas, frequentavam a casa uma da outra, existindo um litígio entre a testemunha PF e a Arguida sobre o pagamento da pensão de alimentos aos filhos menores, razão que terá originado a apresentação de uma queixa nestes moldes como forma de vingança.

25°
Não se concebe que pessoas que eram amigas, sem existir qualquer discussão, qualquer zanga, de um dia para o outro pratiquem os factos supra referidos.


26°
Contudo, já é plausível a apresentação de uma queixa nestes moldes, atendendo ao facto de entre a Arguida e o PF existir litígio quanto ao pagamento da pensão de alimentos dos filhos menores.

27°
Em obediência ao princípio "in dúbio pro reu", previsto no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, deverá a arguida ser absolvida, por nenhuma prova existir, além do depoimento da Ofendida que se mostrou sempre risonha em plena audiência de julgamento.

28°
Nesta situação de erro de julgamento, o presente recurso pretende que se reaprecie a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância, analisando a prova produzida, através da audição dos depoimentos gravados, o auto de denúncia, o relato de diligência externa e todos os demais relatórios médicos, tudo confrontado com a motivação da decisão de facto, sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento.
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A Exma. Procuradora-Adjunta do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:

1. Pretendendo, como pretende a recorrente, impugnar a matéria de facto, PP não observou o disposto no artigo 412.º, n.º 3 do CPPenal quanto à necessidade de especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) as provas que devem ser renovadas.

2. Se pode aceitar-se que na motivação em apreço se cumpre, ainda que de forma muito deficiente, a exigência da alínea a), é evidente que o mesmo já não sucede no respeitante às prescrições estabelecidas nas alíneas b) e c), uma vez que nessa motivação não se especificam de modo satisfatório as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, nem se faz a mais ténue menção às provas que, no entender da recorrente, devem ser renovadas.

3. Sendo certo que a especificação exigida nunca poderá satisfazer-se com a alusão enxuta ao auto de notícia e respectivo aditamento, ao relato de diligência externa e ao relatório clínico e com a transcrição truncada dos depoimentos da ofendida SG e das testemunhas PF e AD como faz a recorrente.

4. Visando impugnar no seu recurso a matéria de facto e impondo-se, por conseguinte, a confrontação entre a prova produzida e o alegado na motivação, mas não satisfazendo a recorrente de modo algum tal imposição, não pode ser apreciado o thema decidendi, por ser inviável a dissecação ideológico-anatómica da prova.

Termos em que, rejeitando o recurso, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2, ambos do CPPenal, farão Vossas Excelências, como sempre,
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Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II
No acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

-- Factos provados:

1)- No dia 29 de Julho de 2011, cerca das 6 horas, SG, redigiu uma sms dirigida ao seu namorado, PF ex- marido de PP, na qual era perceptível a relação amorosa que existia entre os dois mas que não era do conhecimento desta.

2)- SG, por engano, enviou para o telemóvel de PP a referida mensagem escrita.

3)- Cerca das 7h 50m, naquele mesmo dia, PP, também colega de trabalho de SG e com quem esta se deslocava habitualmente para o local de trabalho, telefonou à mesma e combinaram encontrar-se no “Café X”, sito em São Jorge, Ourém, para se deslocarem para o trabalho, sito em …., Pombal.

4)- Após o encontro, cerca das 8h 30m, PP, já na companhia de SG, em vez de se dirigir para o local de trabalho de ambas, conduziu o seu veículo em direcção a Ansião, Alvaiázere, alegando pretender ir comer um bolo, situação que não provocou desconfiança na ofendida.

5)- Todavia, a certa altura da viagem, PP referiu que estava com "dor de barriga", pelo que dirigiu-se para uma estrada de terra batida, numa zona de pinhal, sito em Almoster.

6)- Imobilizado o veículo num local ermo, PP retirou o telemóvel das mãos de SG, contra a sua vontade, e disse-lhe “Enganaste-te! Mandaste a mensagem para a pessoa errada! E estás fodida que eu não estou sozinha”.

7)- Nesse momento surge da traseira do veículo SS que aí estava escondido, tendo-se dirigido, de imediato junto da porta de SG, que abriu, puxando-a pelos braços para o exterior.

8)- Logo de seguida surge PP junto de SG, ordenando-lhe que lhe dissesse o PIN do telemóvel, a fim de consultar as mensagens escritas trocadas entre a mesma e o seu ex-marido PF, o que foi cumprido pela mesma.

9)- Em acto contínuo, SS imobilizou SG no chão colocando-lhe um pano na boca para a impedir de gritar.

10)- SG conseguindo retirar o pano da boca, pediu que não lhe tapassem a boca prometendo não gritar.

11)- Nesse momento, enquanto SS agarrava SG, PP puxou-lhe as calças e as cuecas, forçando a mesma a abrir as pernas.

12)- Como SG se debatia, a PP disse “temos de ir buscar a corda para a prender que ela não abre as pernas”.

13)- Nesse momento, SG receando o que lhe pudessem fazer, abriu as pernas ao mesmo tempo que pedia para que a deixassem ir embora.

14)- Quando SG abriu as pernas PP colocou uma grande quantidade de piripiri na vagina da mesma, o que lhe provocou fortes dores.

15)- Então, SG conseguiu desferir um pontapé em PP, a fim de tentar com que a mesma parasse o que estava a fazer, contudo, nessa altura SS imobilizou-a, colocando um pé sobre o seu pescoço.

16)- De seguida, deixaram SG sentar-se e sob a ameaça de uma pedra de grandes dimensões que SS mantinha suspensa sobre a sua cabeça, obrigaram-na a telefonar para o seu patrão e a dizer que não voltaria mais ao trabalho, pelo que deveria entregar o seu salário a PP.

17)- Após o telefonema, PP e SS agrediram SG com uma toalha molhada nas zonas lombar, abdominal e na cabeça.

18)- Ao mesmo tempo SS disse “vou-te pendurar num pinheiro pelo pescoço”, ao que SG suplicou dizendo “oh PP tu tens dois filhos eu também tenho duas filhas, pensa nas minhas filhas, eu faço o que vocês quiserem mas não me matem”.

19)- Seguidamente, SS agarrou nas mãos de SG e PP cortou-lhe o cabelo.

20)- Após, mandaram-na vestir e SS disse “ouve bem, demos-te uma segunda oportunidade. Se vais fazer queixa ou falar alguém sobre isto, tenho colegas meus que já têm a tua fotografia e sabem onde tu moras e tu vais pagar por isso”.

21)- Entretanto, SS e PP transportaram SG até ao local onde esta tinha o seu veículo automóvel, junto ao "Café X", em São Jorge, Ourém, não lhe tendo devolvido o seu telemóvel.

22)- Desde o momento em que chegou ao supra referido pinhal até que regressou ao seu veículo passou cerca de uma hora, tendo durante todo esse tempo SG pedido a SS e PP que a deixassem ir embora, ao que estes nunca acederam até ao momento em que a deixaram junto do seu veículo.

23)- Posteriormente, no dia 2 de Agosto de 2011, PF também recebeu um telefonema de PP, onde esta lhe disse “Não a matei daquela vez, mas pode vir a acontecer”.

24)- SG apenas acedeu a apresentar queixa pelos factos supra descritos contra os arguidos após muitas insistências de PF, seu namorado.

25)-PP ao actuar da forma supra descrita, agiram, em conjugação de esforços com SS, com o propósito de privar, como privou, SG, pelo menos durante uma hora, da sua liberdade de movimentos, contra a sua vontade.

26)- PP agiu ainda de forma livre e com o propósito, não conseguido por motivos alheios à sua própria vontade, ao afirmar, em conjugação de esforços com SS, “ouve bem, demos-te uma segunda oportunidade. Se vais fazer queixa ou falar alguém sobre isto, tenho colegas meus que já têm a tua fotografia e sabem onde tu moras e tu vais pagar por isso”, dirigindo-se a SG, de molde a evitar que a mesma denunciasse os factos pelos mesmos praticados, assim procurando limitar a sua liberdade de determinação pessoal, o que representou e quis.

27)- PP ao retirar das mãos de SG da forma descrita o telemóvel daquela, em conjugação de esforços com SS, agiu em conjugação de esforços com a intenção de se apropriar do mesmo, fazendo-o seu, como de facto ocorreu, causando-lhe, dessa forma, prejuízo patrimonial, resultado que representou e quis.

28)- PP agiu em conjugação de esforços com SS, em cumprimento de um plano previamente por ambos gizado, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as condutas que adoptavam eram ilícitas e criminalmente punidas.

29)- PP agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

30)- PP vive com dois filhos num imóvel, propriedade da família, que fica situado mesmo ao lado da casa de seus pais.

31)- O filho mais novo de PP, de 13 (treze) anos de idade, sofre de problemas de saúde significativos, necessitando de cuidados especiais diários, tomando medicação e sendo acompanhado no âmbito do ensino especial.

32)-Dada a proximidade com o agregado dos pais, PP tem beneficiado do seu apoio no processo educativo dos filhos, mantendo uma dinâmica de relacionamento familiar alargada.

33)- PP é uma pessoa doente, usufruindo assim, de uma reforma por invalidez de cerca de €270,00 (duzentos e setenta euros) mensais.

34)- A este montante acresce a prestação de alimentos no valor de cerca de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) e apoios estatais no valor de aproximadamente €280,00 (duzentos e oitenta euros) correspondentes ao abono de família, subsídio destinado a pessoa com deficiência e a pessoa que cuida de pessoa com deficiência.

35)- As crianças de 15 (quinze) e 13 (treze) anos, frequentam estabelecimentos de ensino, pelo que PP, não tendo uma ocupação estruturada ao nível do seu quotidiano, faz por vezes, algumas horas de trabalho a passar a ferro, em casas particulares, como forma de melhorar a sua situação económica.

36)- PP perspectiva a sua situação económica como muito frágil, não se encontrando em causa as necessidades básicas do agregado.

37)- A nível da ocupação de tempos livres PP integra a Associação da Escola e participa de forma activa nas festas da Igreja, dedicando-se também de forma constante ao convívio com familiares, uma vez que quer os pais, quer as duas irmãs, residem na mesma aldeia.

38)- A nível da sua trajectória de vida, PP integrou um núcleo familiar constituído pelo casal e três filhas, em que os pais desempenhavam a actividade de comerciantes, fazendo feiras e mercados, assegurando desse modo, a manutenção económica do agregado.

39)- A dinâmica familiar era normativa, assinalando-se, contudo, um modelo educativo autoritário protagonizado pelo pai.

40)- PP nasceu com problemas de saúde, que ao longo do tempo foram condicionando o seu percurso; tendo sido sujeita a diversas intervenções cirúrgicas.

41)- PP iniciou o percurso escolar em idade normativa, tendo concluído o 5º ano de escolaridade.

42)- Com cerca de 12 (doze) anos o pai tirou-a da escola, tendo PP ficado bastante desgostosa e passado, a partir dessa altura, a acompanhar os pais, ajudando-os nas feiras e mercados da região.

43)- Aos 20 (vinte) anos de idade, PP estabeleceu uma relação afectiva, tendo casado e tido dois filhos dessa união.

44)- Durante nove anos, o marido, pedreiro, e PP, operária fabril, asseguraram uma dinâmica familiar estável, que no entanto, gradualmente se veio a deteriorar, culminando com a separação do casal e o posterior divórcio.

45)- A separação do casal coincidiu com uma fase em que PP teve de se sujeitar a uma intervenção cirúrgica e a um longo período de baixa, que acabou por a levar a decidir dedicar-se exclusivamente à prestação de cuidados aos filhos, tendo assim, solicitado a reforma por invalidez.

46)- Há alguns anos a arguida estabeleceu uma nova relação afectiva, com o SS, mas o casal acabou por se separar, não voltando a ter contacto.

47)- PP não revelou fragilidades ao nível das suas competências pessoais e sociais, não denotando a mínima interiorização da gravidade dos factos em apreço, mas demonstrando aquisição de competências a nível do pensamento consequencial e percebendo os efeitos que as suas acções podem provocar.

48)- PP não tem antecedentes criminais.
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-- Factos não provados:
I) No dia 31 de Julho de 2011, pelas 13h 30m, AG, irmã de SG, recebeu um telefonema de PP, tendo esta dito “A tua irmã pode sair do país, mas fica cá alguém para pagar por ela”.

II) PP, ao afirmar à irmã de SS que “A tua irmã pode sair do país, mas fica cá alguém para pagar por ela” e, dirigindo-se ao namorado da ofendida “Não a matei daquela vez, mas vou a matar” agiu livre e conscientemente bem sabendo que as palavras que proferiu eram aptas a causar na mesma medo e inquietação, o que efectivamente logrou alcançar.
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Fundamentação da decisão de facto:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente as declarações da arguida, os depoimentos das testemunhas e os elementos documentais produzidos e examinados em audiência.

O critério de valoração da prova é o da livre apreciação, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

A factualidade dada como provada em 1) a 24) alicerçou-se na concatenação do depoimento da vítima SG e das testemunhas PF e AG.

Na verdade, a arguida prestou declarações, confirmando a relação profissional e de amizade que na altura mantinha com a vítima, a circunstância do co-arguido SS ser o seu companheiro à data da prática dos factos e a relação pessoal que mantinha com o seu ex-marido PF, então pautada por um litígio atinente ao incumprimento da obrigação de alimentos relativa aos filhos menores.

No mais, a arguida negou a prática dos factos que lhe foram imputados num tom arrogante e de sobranceria em relação ao Tribunal, afirmando nem sequer estar “dentro do assunto” e não ter nada para falar sobre algo que afirma que não aconteceu. Assim, a arguida limitou-se a negar genericamente a prática dos factos.

Referiu ainda que já se encontrava divorciada do ex-marido há anos pelo que não faz sentido a imputação de que actuou motivada por ciúmes como sugere o libelo acusatório.

Sucede que, esta objecção suscitada pela arguida não infirma a consistência da prova produzida em sede de audiência de julgamento, como se especificará de seguida, uma vez que somente se logrou demonstrar o facto instrumental que antecedeu a prática dos factos objectivos consubstanciado no envio de uma mensagem escrita à arguida em que se alude ao relacionamento amoroso existente entre a ofendida e o ex-marido daquela, mas não necessariamente o nexo de causalidade entre os dois factos. Com efeito, a circunstância da arguida ter actuado em conjugação de esforços com o seu companheiro (à data) parece afastar a possibilidade da mesma ter tido ciúmes do ex-marido, mas gera a convicção de que a mesma podia pretender recuperar (com o produto do roubo), dirigido à namorada do mesmo (a vítima), algum dinheiro que que este lhe devia a título de prestação de alimentos devidos aos filhos. A reforçar o entendimento preconizado, atente-se que a arguida visava, para além do mais, receber as quantias monetárias devidas à ofendida pela entidade patronal de ambas.

Seja como for, embora não seja claro o motivo que determinou a arguida a actuar da forma descrita, não existem dívidas quanto à sua intenção delituosa, nem quanto aos factos que efectivamente praticou.

Senão vejamos.
A ofendida SG depôs de forma absolutamente sincera, espontânea, circunstanciada e credível, descrevendo detalhadamente todo o desenrolar dos acontecimentos, as ofensas que lhe foram perpetradas, o objecto que lhe foi subtraído e as palavras que concretamente foram proferidas pela arguida e pelo companheiro desta, Sandro Souza, nos moldes elencados na factualidade assente.

Por sua vez, PF, ex-marido da arguida e namorado (à data) da ofendida (sendo presentemente o seu cônjuge), prestou um depoimento objectivo, honesto, convincente e absolutamente coincidente com o depoimento da ofendida. Na verdade, esta testemunha contactou com a vítima poucas horas após o sucedido e comprovou pessoalmente as lesões físicas que a mesma apresentava, o corte no seu habitualmente longo cabelo (de forma irregular e muito curto) e a grande alteração emocional e psicológica que a mesma evidenciava na ocasião. Esclareceu pormenorizadamente que a ofendida, apesar de, na altura, ainda não conhecer pessoalmente a irmã de PF, deslocou-se pessoalmente à casa da mesma com o intuito de, através desta, entrar em contacto com o namorado e pedir a sua ajuda – o que estava impossibilitada de fazer por outra via uma vez que lhe foi subtraído o seu telemóvel onde se encontrava registado o contacto do mesmo. Mais referiu que a ofendida manifestava um enorme medo da arguida e do companheiro SS, ao ponto de só ter decidido apresentar queixa depois de muita insistência de PF e de ter antecipado a sua deslocação para o estrangeiro com o mesmo a fim de fazerem uma vida em comum, apesar ter namorado apenas à distância e durante um relativamente curto período. Por fim, esta testemunha confirmou de um modo muito sincero e convincente que efectivamente existiam dificuldades de pagamento da prestação de alimentos dos filhos menores e que, na altura, falou ao telefone com a arguida, que lhe referiu precisamente, referindo-se à ofendida, “Não a matei daquela vez, mas pode vir a acontecer”.

Acresce que, a testemunha AG, irmã da ofendida, prestou um depoimento natural, imparcial, sincero e manifestamente credível. Esta testemunha contactou igualmente com a vítima pouco depois da consumação do crime e corroborou as lesões corporais da mesma, o corte no seu habitualmente longo cabelo (de forma irregular e muito curto) e a grande alteração emocional e psicológica que a mesma evidenciava na ocasião. Mais asseverou esta testemunha que a vítima se ausentou para o estrangeiro pouco depois da perpetração do crime e que a arguida a contactou inesperadamente (já que nunca lhe tinha fornecido o seu número de telefone) alguns dias após o sucedido para lhe falar sobre a irmã, mas afirmou não se recordar concretamente do teor da conversa, daí que tenha sido dada como não provada a factualidade vertida em I) e II).

O Tribunal ateve-se ainda à análise do auto de notícia de fls. 29 e ss; ao aditamento de fls. 33; ao relato de diligência externa de fls. 165 e ss; e à documentação clínica de fls. 202 e ss; documentos cuja autenticidade e veracidade de conteúdo não só não foi, por qualquer modo, posta em causa, mas sobretudo corroboram integralmente o relato da ofendida e das mencionadas testemunhas. Com efeito, as lesões apresentadas pela vítima e as características dos locais que a mesma visitou com a autoridade policial coincidem totalmente com a sua descrição de todo o desenrolar dos acontecimentos.

Cotejada toda a prova produzida, supra sumariada, concretamente da conjugação da prova documental e testemunhal supra elencada, resulta para o Tribunal, à saciedade, de toda a prova produzida a convicção segura e fundada face às regras da experiência comum e da livre apreciação da prova produzida, de que efectivamente a arguida praticou os factos em apreciação nestes autos, que por tal razão fizemos reverter para os factos provados supra elencados.

Os factos subjectivos provados em 25) a 29) porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se dos factos objectivos provados, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir tal factualidade.

A factualidade provada em 30) a 47), respeitante às condições sócio-económicas e familiares da arguida e à personalidade revelada pela mesma, alicerçou-se na análise do relatório social elaborado pela DGRSP juntos a fls. 341 e ss, elemento documental que se nos afigura ser manifestamente idóneo e cujo teor não foi igualmente posto em causa por qualquer outro elemento probatório. Pelo contrário, a situação pessoal da arguida vertida no relatório social foi até corroborada, no essencial, pelas declarações prestadas pela mesma, bem como pelo depoimento das testemunhas CG, vizinho da arguida, PR, amiga da arguida, e GS, amigo da arguida. Estas testemunhas revelaram não ter qualquer conhecimento sobre a factualidade controvertida, sendo que nem sequer mantinham grande proximidade com a mesma naquela altura, mas demonstraram ter essa proximidade no presente e conhecer bem a situação pessoal, profissional e familiar da arguida, que descreveram de foram imparcial, honesta e crível.

A ausência de antecedentes criminais da arguida, factualidade provada em 48), resulta do teor dos Certificados de Registo Criminal da mesma junto a fls. 668.

Os factos não provados resultaram de não ter sido, como se disse, produzida prova concludente sobre esta matéria. Com efeito, testemunha AG, irmã da ofendida, referiu não se recordar do teor da conversa que manteve com a arguida.

III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que a questão posta ao desembargo desta Relação é a seguinte:

– Que foi por ter avaliado mal a prova testemunhal e documental produzida em julgamento que o tribunal a quo deu como provado que a arguida praticou os crimes pelos quais depois a condenou, violando o princípio "in dubio pro reo".

Temos pois que ir ouvir as gravações da prova produzida em julgamento, designadamente a indicada pelo recorrente, bem como consultar os documentos citados pela mesma, para aferir o que se passou, uma vez que o recorrente impugnou a matéria de facto pela forma prevista no art.º 412.º, n.º 3 e 4.

Vejamos.
Acreditar num depoente e não acreditar noutro é uma questão de convicção. Essencial é que a explicação do tribunal porque é que acredita naquele e já não acredita no outro seja racional e tenha lógica.

E quem está numa posição privilegiada para avaliar essa credibilidade é, sem dúvida, o tribunal da 1.ª Instância, que beneficiou da oralidade e da imediação que teve com a prova.

Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.

Aliás, segundo recentes pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação presencial, apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra, sendo que o tom de voz e a fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder – vide Lair Ribeiro, “Comunicação Global”, Lisboa, 1998, pág. 14. Ora se a audição de uma gravação permite fruir com fidelidade aqueles 7% de capacidade de influência exercida através da palavra e ainda, mas nem sempre, os 38% referentes ao tom de voz, sobram os 55% referentes à fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, a que o tribunal de 2.ª Instância nunca terá acesso.

É que há sempre coisas que os juízes de julgamento viram enquanto ouviam e não ficaram na gravação e às quais, por isso, o tribunal de recurso nunca terá acesso, sendo por vezes precisamente essas que fazem a diferença e levam o tribunal a quo a tombar para o lado do provado em vez do não provado ou vice-versa.

Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal. Assim, a reapreciação pelo Tribunal da Relação das provas gravadas só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1.ª Instância caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.

Ora consultados os documentos mencionados pela recorrente (auto de notícia de fls. 29 e ss. e seu aditamento a fls. 33, relato de diligência externa de fls. 165 e ss. e documentação clínica de fls. 202 e ss.) e ouvida a gravação dos depoimentos prestados em julgamento pela ofendida (SG), o seu na altura namorado e ex-marido da arguida (PF) e a irmã da ofendida (AG) – e constatamos que a convicção formada pelo tribunal "a quo", adquirida com base em ter acreditado nestes três depoentes, é, efectivamente, uma das duas convicções possíveis de formar sobre o assunto, sendo a outra, a defendida pela arguida, a sua vice-versa.

Mas por mais que se esmiúcem os depoimentos daquelas 3 pessoas, não há neles qualquer pormenor ou detalhe que imponha decisivamente a convicção da arguida à do tribunal recorrido – isto é, que permita a esta Relação, com base em pormenores evidentes da prova gravada, impor ao tribunal "a quo" que uma convicção diferente da que assumiu seja mais adequada face à prova produzida.

Aliás, diga-se que os excertos de depoimentos citados pela arguida em seu recurso só sedimentam é o bem fundado da opção do tribunal "a quo":

Da ofendida:
"no dia 31... nós íamos po trabalho juntas... era para ser eu levar carro... e ela de manhã ligou-me a disse-me que já tinha carrinha arranjada...fomos na carrinha dela... chegou a uma altura no pinhal...Almoster... ela disse que tinha vontade de fazer coco... virou carrinha pinhal.. logo ai tirou telemóvel... depois parou carro e disse-me... agora estás fodida... na parte trás da carrinha vinha o companheiro dela... SS... eu sai da carrinha para fugir.. ele agarrou-me, bateram-me com uma toalha molhada... meteram piripiri na vagina.. o SS segurava-me e ela fazia.. obrigaram a ligar para mulher de patrão... disseram que iam deixar atada toda nua num pinheiro... com uma corda.. pensa nas minhas filhas porque tu também tens filhos.. disseram se contasse alguém as minhas filhas e a minha família iam pagar por isso...

Do na altura namorado da ofendida e ex-marido da arguida, PF:
minha irmã me ligou a dizer que a dona SG apareceu em casa da minha irmã...
tinha cabelo cortado...

Quando questionado sobre se tinha ferimentos disse:
nos lábios.. principalmente na cara...

Da AG, irmã da ofendida:
ela chegou a casa um pouco atrapalhada...
Mais disse que não sabe a que horas a irmã apareceu lá em casa. E que trazia uns arranhões perto do pescoço, nos braços e nos lábios.

Estes excertos, citados pela recorrente, o que demonstram é, como já acima se disse, o bem fundado da opção do tribunal "a quo" em termos de matéria de facto assente como provada.

Como bem diz o Desembargador António Latas no ac. TRE de 17-9-2009, proc. 524/05.3GAABF.E1, www.dgsi.pt, que passamos a seguir de perto, nos recursos em que se impugne a decisão sobre a matéria de facto, a censura do tribunal ad quem não incidirá sobre a opção do tribunal a quo por uma das versões em confronto, quando este assenta a convicção sobre a credibilidade da prova produzida em elementos que relevam dos princípios da imediação e da oralidade, aos quais o tribunal de recurso não tem acesso.

Tal não significa que o tribunal ad quem não controle o processo de formação da convicção do tribunal de 1ª instância e da respectiva decisão sobre a matéria de facto, quer no que respeita à exigência fundamental de que a decisão sobre os factos resulte de prova produzida no processo, quer quanto à sua conformidade com as regras da experiência, da lógica e os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, nomeadamente as que dispõem sobre a validade da prova ou o especial valor de alguns meios de prova, como a confissão, a prova pericial ou a derivada de certos documentos. Afirma-se apenas que, não visando o recurso em matéria de facto um novo julgamento, que aquele apenas deve constituir um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância, não pode o tribunal de recurso, sem imediação e oralidade, limitar-se a sobrepor à do tribunal a quo a sua convicção sobre a credibilidade das pessoas ouvidas em audiência.

Assim – e concluindo no mesmo sentido que aquele acórdão conclui –, tendo presente o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127.º) e considerando que no caso presente a decisão sobre a matéria de facto assenta em prova efectivamente produzida, conforme ressalta da gravação da prova testemunhal e dos documentos juntos, que não é exigida a prova por determinado meio e que não está em causa a violação de algum dos apontados princípios, regras ou máximas da experiência, concluímos pela falta de fundamento para censurar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, a qual se mostra suficientemente fundamentada e racionalmente explicada, nomeadamente no que respeita aos pontos de facto questionados pela recorrente.

Nada há, pois, a censurar à decisão sobre a matéria de facto que julgou provados os pontos de factos ora impugnados pelo recorrente.

Por outro lado, queixa-se a recorrente, designadamente na conclusão 27ª, de ter o tribunal "a quo" violado o princípio "in dúbio pro reu". Sobre a violação do princípio "in dubio pro reo", quando da prova produzida emerge a possibilidade de se formarem duas convicções, isso não implica, como pretende a recorrente, que ambas se anulem reciprocamente, fazendo funcionar de modo automático aquele princípio.
De resto, da leitura da fundamentação da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo não teve dúvidas sobre os factos que deu como assentes, dúvidas que este Tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, também não tem, pois que só se a fundamentação revelasse que o tribunal a quo tivesse ficado em dúvida "patentemente insuperável", como se referiu no Ac. do STJ de 15-6-00, publicado na Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.000, II-228, é que se podia afirmar que havia sido postergado o princípio in dubio pro reo, que sendo um corolário da presunção de inocência, só vale até ser, como foi, elidida em julgamento. Ou se, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, esta resultasse evidente do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência, ou seja, quando fosse verificável que a dúvida só não era reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal – acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3-3-1999 e 4-10-2006, ambos acessíveis em www.dgsi.pt e ainda da Relação de Évora de 30-1-2007, no mesmo sítio da Internet.

Ora a fundamentação da decisão de facto da sentença recorrida não evidencia qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor da arguida.

Nesta perspectiva e como já acima se disse, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

IV
Termos em que se decide negar provimento ao recurso e manter na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC’s (art.º 87.º, n.º 1 al.ª b), do Código das Custas Judiciais).
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Évora, 19-11-2019

(elaborado e revisto pelo relator)

João Martinho de Sousa Cardoso
Ana Maria Barata de Brito