Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
195/15.9GCCUB.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÂO DE CONTACTOS
Data do Acordão: 11/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - Tendo o arguido e a ofendida na pendência do processo, no uso das suas livres vontades, voltado a residir um com o outro, em condições análogas às dos cônjuges, não se pode aplicar, nessas circunstâncias, a pena acessória de proibição de contactos com a vítima (nomeadamente impondo o afastamento do arguido da residência onde vive com a ofendida), sob pena de ilegítima ultrapassagem da liberdade e da autonomia de vontade da própria ofendida.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO
Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 195/15.9GCCUB, da Comarca de Beja (Cuba - Instância Local - Secção de Competência Genérica - Juiz 1), realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, onde se decidiu nos seguintes termos:

“Pelos fundamentos de facto e de Direito supra expostos, o Tribunal julga a acusação deduzida pelo Ministério Público procedente por provada e, em consequência,

A) Condena o arguido A., pela prática, em autoria material e pela forma consumada, um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1 als. a) e c), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

B) Suspende a execução da pena a que se alude em A), por igual período de tempo de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses sujeita, tal suspensão, a regime de prova (devendo o arguido cumprir o plano de reinserção social a efetuar pela DGRSP, e ainda responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social, receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, e informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego) e à condição de arguido pagar à vítima, no prazo do período da suspensão, o montante que venha a ser arbitrado a título de indemnização, demonstrando nos autos tal pagamento, nos termos dos art. 50.º e 51.º, n.º 1 al. a), ambos, do Código Penal;

C) Condena o arguido nas sanções acessórias de proibição de contactos com AC, para tanto se determinando o afastamento do arguido da residência e do local de trabalho de AC, respetivamente sitos …em Pedrógão do Alentejo - Pastelaria “X”, a fiscalizar através de meios técnicos de controlo à distância, a proibição de uso e porte de armas por parte do arguido, e a frequência, por parte do arguido, do programa para arguidos em crimes no contexto da violência doméstica orientado pela DGRSP, fixando-se o período de duração de cada uma das sanções acessórias aplicadas em 3 (três) anos.

D) Decreta cassação de quaisquer licenças de detenção, uso e porte de armas concedidas ao arguido, pelo período de 3 (três) anos;

E) Condena o arguido a pagar a AR uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 1000€ (mil euros);

F) Determina a entrega à PSP da arma apreendida a fls. 72, em cumprimento do n.º 3 do art. 93.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Mais se condena o arguido A., no pagamento das custas do processo criminal, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) Unidades de Conta - cfr. arts. 513.°, 374.°, n.° 4, ambos, do C. P. Penal e art. 8.°, n.° 5, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Sem custas cíveis – art. 4.º, n.º 1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais”.
*
Inconformado com a sentença condenatória, dela interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. O arguido, por ter praticado um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1 a) e c) do C.P., foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova e sob condição de, no prazo da suspensão, pagar à vítima uma indemnização no montante de € 1.000,00.

2. Foi também condenado nas penas acessórias de proibição de contactos com a vítima, com o consequente afastamento da residência e local de trabalho da mesma, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância; proibição de uso e porte de armas e a frequência do programa para arguidos em crimes de contexto de violência doméstica orientado pela DGRSP.

3. Foi decretada a cassação de quaisquer licenças de detenção, uso e porte de armas concedidas ao arguido.

4. A duração de tais sanções acessórias e medida de segurança foi fixada em três anos.

5. O presente recurso prende-se com o facto de considerarmos excessiva a pena aplicada ao arguido e, especialmente, por não concordarmos com a aplicação da sanção acessória de proibição de contactos com a vítima e consequente afastamento da residência e local de trabalho da mesma.

6. No entanto, também consideramos injusta a proibição de uso e porte de armas imposta ao arguido e a consequente cassação de quaisquer licenças de detenção, uso e porte de armas concedidas.

7. No que concerne à pena aplicada ao arguido pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º , nº 1 a) e c) do C.P. entendemos que a mesma é elevada.

8. Porquanto, na determinação da medida da pena deve atender-se ao previsto no art. 71º do C.P.

9. In casu, importa considerar as especiais necessidades de prevenção geral associadas ao crime cometido, a ilicitude dos factos, a qual é razoavelmente elevada e o dolo direto.

10. Todavia, não podemos olvidar as condições pessoais do agente, as suas habilitações literárias, situação económica e o facto do arguido não ter antecedentes criminais registados da mesma natureza.

11. Donde, parece-nos que as exigências de prevenção geral e especial são moderadas.

12. As finalidades da pena, conforme disposto no art. 40º, nº 1 do C.P., são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

13. A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual entendemos que a pena aplicada ao arguido deve ser reduzida e fixada próximo do limite mínimo, ou seja, em dezoito meses de prisão.

14. Tanto mais que, se nos debruçarmos sobre a jurisprudência dos tribunais, constatamos que as penas aplicadas a crimes semelhantes ao dos autos são inferiores à que foi aplicada ao arguido.

15. Relativamente à aplicação da sanção acessória de proibição de contactos com a vítima e consequente afastamento da sua residência e local de trabalho, entendemos que a mesma não tem cabimento, atento o facto dado como provado sob o nº 30 da douta sentença.

16. Pois, arguido e ofendida vivem juntos desde Fevereiro de 2016.

17. Foi a ofendida que decidiu ir viver com o arguido em condições análogas às dos cônjuges e até à presente data não há conhecimento de um relacionamento conflituoso entre ambos.

18. Além de que, o Ministério Público, após análise da prova recolhida em sede de inquérito, entendeu não ser necessário a aplicação daquelas sanções, donde, não as requereu aquando do despacho de acusação.

19. As penas acessórias são verdadeiras penas, pelo que a sua aplicação pressupõe e exige que, logo na acusação, se faça alusão aos preceitos que as consagram.

20. Destarte, a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima patenteia uma situação de injustiça, na medida em que se afigura exagerada e desproporcional.

21. Tal sanção deve ser fiscalizada através de meios técnicos de controlo à distância e relativamente a esta fiscalização não foram cumpridos os requisitos previstos no art. 36º, nºs 1 e 2, da Lei nº 112/2009, tão-pouco a sentença faz qualquer referência sobre a imprescindibilidade da aplicação dos meios eletrónicos, ou, em alternativa, fundamenta a dispensa do consentimento.

22. Aliás, no que se reporta ao consentimento das pessoas afetadas pela fiscalização, saliente-se que a própria ofendida recusou o controlo de vigilância eletrónica.

23. Pelo que deve o arguido ser absolvido da aplicação daquela sanção acessória.

24. Ao arguido foi também aplicada a sanção acessória de proibição de uso e porte de arma e consequente cassação das respetivas licenças.

25. Os pressupostos para a aplicação da medida de segurança sobredita, de facto, estão preenchidos.

26. Contudo, atente-se que o crime cometido pelo arguido não foi praticado com o recurso a arma de fogo/caça.

27. O facto de o arguido ser proprietário de uma arma e titular de licença de uso e porte de arma não potencia a reincidência na prática de um crime de violência doméstica.

28. Uma vez que tal crime não é, apenas, cometido com recurso a armas de fogo, pelo que, atenta esta realidade, teriam de proibir vários objetos usados na sua prática, como, por exemplo, facas, martelos, etc., objetos que qualquer pessoa possui na sua residência.

29. Nessa sequência, entendemos que o arguido deveria ser absolvido da aplicação da referida sanção acessória, outrossim da medida de segurança de cassação de licenças de detenção, uso e porte de arma.

30. Pelo exposto, consideramos que o arguido deve ser condenado, apenas e tão só, numa pena de prisão, suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, porquanto a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

31. Além de que, a frequência do programa em que foi condenado, promove o controlo do arguido e a sua integração social, impedindo-o de comportamentos de violência, satisfazendo dessa forma as exigências de prevenção geral e especiais que se fazem sentir.

32. Assim sendo, foram violados os arts. 40º, 71º e 152º, nºs 4 e 5, do C.P..

Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento e ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que:

- Reduza a pena de prisão aplicada ao arguido, fixando-a próximo do limite mínimo, mantendo-se a suspensão da sua execução conforme decidido na sentença ora recorrida;

- Absolva o arguido relativamente às sanções acessórias de proibição de contactos com a vítima e consequente afastamento da sua residência e local de trabalho, bem como de proibição de uso e porte de arma e consequente cassação das licenças concedidas ao arguido”.

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu, pronunciando-se pela improcedência do recurso, e concluindo nos seguintes termos (em transcrição):

“1.ª A pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, em que o ora recorrente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, demonstra-se adequada, suficiente e proporcional aos factos praticados, atendendo à culpa do agente, bem jurídico violado, o carácter lucrativo da conduta, as suas repercussões sociais e às elevadas exigências de prevenção geral e especial.

2.ª O arguido molestou, de forma reiterada, física e psicologicamente a sua ex-mulher, mãe dos seus filhos, em locais públicos e no local de trabalho da vítima, humilhando-a e menosprezando-a, em frente a familiares e terceiros, gerando receio e intranquilidade na vítima.

3.ª A personalidade manifestada pelo ora recorrente, que desvalorizou a sua conduta e não interiorizou a gravidade das suas ações, conjugada com os factos praticados, justifica a aplicação das penas acessórias que foram decididas pelo Tribunal a quo.

4.ª Como resulta da matéria dada como provada, e no seguimento das medidas de coação a que o ora recorrente está sujeito, a reiteração da conduta de perseguição e importunação do arguido justifica o afastamento do arguido da residência e local de trabalho da vítima, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, cumprindo o disposto no artigo 152.º, n.º 5, do Código Penal.

5.ª A personalidade e postura reveladas pelo arguido quanto aos factos que praticou e a relevância do bem jurídico violado, fundamenta a condenação nas penas acessórias de proibição de uso e porte de armas e na obrigação de frequência de programa para arguidos em crimes no contexto de violência doméstica.

6.ª O Tribunal a quo fez uma determinação ponderada e correta da pena principal e penas acessórias aplicadas ao arguido, que lhe foram comunicadas previamente, não tendo violado o artigo 40.º, 71.º e 152.º, n.º 4 e 5, do Código Penal.

Pelo que, deve ser mantida a sentença proferida nos presentes autos e negado provimento ao douto recurso, para que se faça Justiça”.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, aderindo à resposta dada pelo Exmº Magistrado do Ministério Público na primeira instância.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.
Três questões, em breve síntese, são suscitadas no recurso interposto pelo arguido, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal:

1ª - Medida concreta da pena de prisão aplicada.

2ª - Não aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a vítima (e consequente afastamento do arguido da residência e do local de trabalho da vítima).

3ª - Não aplicação da pena acessória de proibição de uso e porte de arma (e consequente cassação das licenças concedidas ao arguido).

2 - A decisão recorrida.
A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica):

“Factos provados:
Com relevo para a decisão da presente causa resultaram provados os seguintes factos:

1. O arguido e AC foram casados entre 13 de Outubro de 1976 e 30 de Setembro de 2010;

2. Desse casamento nasceram três filhos, C, S e AL;

3. Após a separação, o arguido, de forma quase diária, dirige-se à pastelaria que a ofendida AC explora, denominada “X” e sita…, Pedrógão;

4. Nesse local, por diversas vezes, o arguido enceta discussões com AC, onde lhe diz que a mata e lhe dirige expressões como “parto-te os cornos”, “eu prego-te com os cornos na parede”, “qualquer dia tens um fim triste” e “és uma grande puta”, “puta”, “vaca”, “metes nojo”, “vai p’rá puta da tua mãe e da tua mana”, mesmo na presença de clientes;

5. Nas conversas que mantém com AC, o arguido rejeita que a mesma conviva com outras pessoas, comentando as atividades da sua ex-mulher, como as excursões em que participa, dizendo que, se vai às excursões, é porque deve andar com outro;

6. Numa dessas ocasiões, em data não concretamente apurada, por AC não o ter avisado de uma viagem que iria fazer, o arguido deslocou-se à pastelaria e ao constatar que a ofendida não se encontrava presente, disse a JC para fechar o estabelecimento, usando expressões não concretamente apuradas;

7. Em seguida, o arguido dirigiu-se a JC e disse, em tom sério, que “Se ela aqui estivesse matava-a, depois matava-me a mim!”;

8. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido pede-lhe para reatarem o relacionamento, o que esta recusa, perante tal resposta, este chama-a de “puta” e “vaca” e que esta já tem alguém na sua vida;

9. No decurso das mencionadas discussões na pastelaria, o arguido, por vezes, atira copos e garrafas ao chão;

10. Em data não concretamente apurada, o arguido aproximou-se de AC e levantou as mãos na direção do seu pescoço, baixando-as antes de o alcançar;

11. Noutra ocasião, em data não apurada, o arguido deslocou-se à pastelaria “X” e, no uso da sua força muscular, empurrou AC causando a sua queda;

12. Em data que não foi possível apurar, em finais de 2015, o arguido deslocou-se à mencionada pastelaria e pediu um café, ao que AC lhe referiu que precisava de o pagar;

13. Ato contínuo, o arguido disse-lhe em tom sério que não pagava nada e gerou-se discussão entre ambos de teor não concretamente apurado;

14. Em data não concretamente apurada, no início de 2016, arguido dirigiu-se à pastelaria “X” e abordou AC, dizendo-lhe “Vai para a cozinha que eu quero falar contigo”, ao que esta acedeu.

15. Aí chegados, o arguido pediu para a ofendida voltar para casa, ao que esta respondeu que não iria.

16. Perante aquela recusa, o arguido, no uso da sua força muscular, apertou a cara de AC e abandonou o local em seguida.

17. Em data que não foi possível concretizar, situada em Janeiro de 2016, entre as 20 horas e as 20 horas e 30 minutos, o arguido encontrava-se na pastelaria “X”, quando se dirigiu a AC e ordenou-lhe para fechar imediatamente o estabelecimento e ir para a casa que era do casal, dizendo, em tom sério, que se não o fizesse, a matava;

18. AC recusou, dizendo que iria para a casa de sua mãe;

19. Em seguida, por AC ter receio do que o arguido lhe pudesse fazer, fechou a pastelaria e avisou I, que ali se encontrava, que iria embora, momento em que pediu para esta a acompanhar;

20. Após, na altura em que AC e I. caminhavam na Rua das Lages, Vidigueira, o arguido surgiu de frente para estas, conduzindo um veículo automóvel na sua direção e aproximou-se com velocidade, levando a que estas se resguardassem no passeio;

21. Em seguida, o arguido imobilizou o veículo, saiu do mesmo, e disse a AC para esta ir para casa e dirigiu-lhe, em tom sério, as expressões “Vai já para casa! Se não te mato hoje, mato-te amanhã. Seja em que dia for”, e “Entra no carro! Vamos agora para casa!”

22. AC obedeceu e disse que iria para casa;

23. Em consequência da conduta do arguido, AC sofreu dores e arranhões na face;

24. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente;

25. Com esta conduta, o arguido pretendeu e conseguiu maltratar física e psicologicamente AC, bem sabendo que é a sua ex-mulher, mãe dos seus filhos, perseguindo-a, após a separação, até ao local de trabalho, pressionando o reatamento da relação, molestando-a fisicamente e dirigindo-lhe expressões de cariz insultuoso e ameaçador da integridade física e a vida da mesma, que conseguiu;

26. As condutas do arguido constituem um desgaste emocional para AC, que vive em constante receio pela sua integridade física e vida, por aquilo que o arguido possa vir a fazer no futuro contra si, dados os episódios de violência ocorridos anteriormente, dada a forma séria e agressiva com que dirige tais expressões ameaçadoras;

27. O arguido sabia que toda a sua conduta era proibida e punida por lei penal;

Mais se provou que:

28. Os rendimentos de AC provêm da exploração do estabelecimento comercial a que se alude em 3., constituído na constância do casamento entre o arguido e a ofendida, mas que esta assegura exclusivamente;

29. No contexto das discussões havidas entre o ex-casal no estabelecimento comercial e nas circunstâncias de tempo a que se reportam os factos provados, por diversas vezes, o arguido ordenou o fecho do mesmo, durante o seu funcionamento, invocando que também é o seu proprietário, ao que AC, com receio do arguido, se viu obrigada a aceder, sendo os clientes obrigados a abandonar o estabelecimento;

30. Há cerca de 4 meses, desde Fevereiro de 2016, o arguido voltou a residir com AC;

31. O arguido encontra-se desempregado há cerca de sete anos, produzindo carvão com o que aufere rendimentos de, pelo menos, um salário mínimo nacional, por mês;

32. Reside em casa própria com a ofendida, sua ex-mulher e não tem filhos menores a seu cargo;

33. Como habilitações literárias, possui o 4.º ano de escolaridade;

34. O arguido foi condenado pela prática, em 16.06.2012, de um crime de incêndio florestal, no âmbito do proc. n.º ---/12.9GCCUB que correu termos pelo, então, Tribunal Judicial da Cuba, por sentença de 23.06.2014, transitada em julgado em 01.09.2014, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5 €, perfazendo o total de 300 €.

Factos não provados:
Da prova produzida em audiência, resultaram não provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:

a) Nas circunstâncias a que se refere 4. dos factos provados, o arguido disse a AC “dormes com um e com outro”;

b) No circunstancialismo referido em 12. dos factos provados, a ofendida disse ao arguido que ele tinha de pagar o consumo que tinha efetuado na noite anterior, tendo o arguido dito a AC que “a matava com as próprias mãos”;

c) Nas circunstâncias a que se alude em 14. e 15. dos factos provados, o arguido disse a AC em tom de voz alto e sério “Vai para casa porque eu quero acabar com aquilo”;

d) No circunstancialismo referido em 18. dos factos provados, o arguido reagiu, procurando agarrar a ofendida, não o conseguindo;

e) No circunstancialismo referido em 20. e 21. dos factos provados, o arguido disse a AC que a matava e disse-lhe que, se não fosse para casa, iria à sua atual residência, arrombaria a porta e a matava;

Motivação:
Nos termos dos artigos 97.º n.º 5 e 374.º n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, para a formação da sua convicção, o Tribunal procedeu ao exame crítico e conexo da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, concretamente:

- As declarações do arguido que, tendo-se inicialmente remetido ao silêncio, apenas se referiu às suas condições pessoais, optando mais adiante no julgamento por referir, que na ocasião a que se reporta 17. a 20. dos factos provados, não teve intenção de assustar a ofendida, mas tão só de falar com ela, referindo, a final, que os factos só aconteceram nessa altura e que depois continuaram a viver juntos e nunca mais se passou nada. Estas declarações, no que aos factos que integram o ilícito concerne, pela sua inconsistência, não foram decisivas na formação da convicção do Tribunal relativamente aos concretos factos, se bem que reforçaram a sua convicção no sentido da credibilidade dos relatos prestados e que o arguido procurou desvalorizar com aquelas intervenções, no que tange às condições pessoais em que o arguido, as suas declarações foram credíveis e consideradas;

- O depoimento da testemunha AC, ex-mulher do arguido que, revelando evidente constrangimento e procurando desvalorizar as situações, relatou e esclareceu, de forma que se afigurou fiel à sua memória, alguns dos episódios constantes dos factos provados, negando alguns dos factos da acusação e transparecendo da sua postura em juízo o ascendente que o arguido tem sobre si e, bem assim, os sentimentos de tristeza, humilhação e mau estar vivido como consequência dos atos do arguido, enquadrando o seu relato com pormenores e contextualização reveladores de espontaneidade, memória e objetividade, de tal sorte que o Tribunal se socorreu do seu depoimento para a formação da sua convicção quanto aos factos provados e não provados;

- O depoimento da testemunha I, companheira de um dos filhos do arguido e da ofendida, pessoa próxima desta e frequentadora do estabelecimento explorado pela mesma, que efetuou um relato objetivo dos factos que presenciou, prestando um depoimento sério e merecedor de credibilidade;

- O depoimento da testemunha C, filho do arguido e da ofendida, prestou um depoimento muito emotivo mas sério, contextualizando os factos dos autos numa conduta do arguido reiterada desde os seus tempos de criança, denotando conhecimento direto dos factos que relatou e evidenciando o clima de controlo, medo e perturbação que o arguido provoca na vida da ofendida, sendo merecedor, portanto, de credibilidade por parte do Tribunal;

- O depoimento da testemunha L, cliente do estabelecimento explorado pela ofendida, que deu nota, num relato sério e credível dos factos que presenciou, contribuindo para a formação da convicção do Tribunal;

- O depoimento da testemunha PL, cliente do estabelecimento explorado pela ofendida, embora se tenha apresentado a desvalorizar tudo a quanto assistiu no estabelecimento comercial explorado pela ofendida, acabou por relatar alguns factos que presenciou, contribuindo para a formação da convicção do Tribunal;

- O depoimento da testemunha JM, amigo do arguido e da ofendida, substituiu a ofendida, na sua ausência e a seu pedido, na exploração do estabelecimento comercial dos autos, dando nota, num relato sério e credível dos factos que presenciou, contribuindo para a formação da convicção do Tribunal;

- O depoimento da testemunha AP, fornecedor do estabelecimento explorado pela ofendida, que deu nota, num relato sério e credível dos factos que presenciou, contribuindo para a formação da convicção do Tribunal;

- Documentalmente, o Tribunal louvou-se no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 26/27 e 28/29 – certidões dos Assentos de nascimento da ofendida e do arguido; a fls. 72 – auto de apreensão; a fls. 390 – certificado de registo criminal do arguido.

O crime de violência doméstica apresenta, as mais das vezes a dificuldade de prova decorrente de os factos ocorrerem tendencialmente no domínio das relações privadas do agressor e da vítima, longe dos olhares de terceiros, e de, não raras vezes, pelas mais diversas razões, desde a vergonha, ao medo, ao desejo de que seja uma situação isolada e de que a relação ainda possa subsistir, a vítima não relate imediatamente os factos, não recorra a serviços hospitalares e esconda até as marcas da agressão.

Na ponderação da prova deste tipo de crimes, impende sobre o Tribunal um especial dever de apreciação da postura dos intervenientes processuais no relato dos factos, dos sinais de veracidade e dos sinais de desvio dessa veracidade.

Na situação sub iudice, o Tribunal sopesou as declarações do arguido e os depoimentos prestados pelas testemunhas.

Tudo considerado, o Tribunal, fazendo a análise e a ponderação da prova produzida considerou, desde logo, provado o facto constante do ponto 1. dos factos provados, com base no teor das certidões dos Assentos de nascimento da AC e do arguido de fls. 26/27 e 28/29.

A convicção do Tribunal relativamente à factualidade constante do ponto 2. dos factos provados, resulta do cotejo dos depoimentos de AC, I, C, PL e JM que de tanto deram nota.

Que o arguido, mesmo depois do divórcio, continuou a frequentar o estabelecimento “X” em Pedrógão, que AC explora, foi um facto que todas as testemunhas ouvidas confirmaram de forma unânime, pelo que o Tribunal formou a sua convicção acerca do facto constante do ponto 3. dos factos provados.

As discussões e expressões constantes do ponto 4. dos factos provados dirigidas pelo arguido a AC foram consideradas como provadas pela análise conjunta dos depoimentos da própria AC e das testemunhas I, C, LC, PL e JM que permitiram, cada uma contribuindo com as expressões cujo proferimento presenciou e logrou de identificar, formar a convicção do Tribunal relativamente ao teor dos factos praticados pelo arguido no interior do estabelecimento comercial “X”.

A testemunha I, ouvida em audiência de julgamento, deu nota de que ouviu o arguido dizer a AC que, se a mesma participa nas excursões, é porque deve andar com outro [homem], a testemunha C, por seu turno, também deu nota de que o arguido reage mal à atividade de organização de excursões de AC, relatos com base nos quais o Tribunal logrou de formar a convicção do Tribunal relativamente ao facto constante do ponto 5. dos factos provados.

O relato dos factos constantes dos pontos 6. e 7. dos factos provados foi efetuado, na primeira pessoa pela testemunha JM que deles deu nota reproduzindo a expressão constante do ponto 7., textualmente e reforçando perante o arguido, presente na audiência, a veracidade do seu depoimento, tendo o Tribunal fundado a sua convicção em tal relato, sério, consistente e espontâneo. Também a testemunha PL confirmou a factualidade constante do ponto 6. dos factos provados, na sequência do que ele próprio saiu do estabelecimento.

Que depois do divórcio, o arguido tem tentado reatar o relacionamento com AC, e que a mesma por diversas vezes respondeu negativamente, desencadeando uma reação negativa por parte do arguido que a chama de “puta” e “vaca”, foi a própria que confirmou no seu depoimento, o que igualmente foi referido pelas testemunhas I e C, considerando o que o Tribunal formou a sua convicção relativamente ao facto constante do ponto 8. dos factos provados.

O facto constante do ponto 9. dos factos provados foi expressamente referido pela testemunha C, tendo AC confirmado que no decurso das discussões o arguido, por diversas vezes, deu murros nas mesas, fazendo cair copos (se bem que tenha procurado referir que este era um comportamento normal e, quase, acidental, o que o Tribunal não valorou, já que, como se começou por referir, AC apresentou-se a depor muito influenciada pelo ascendente do arguido), cotejando o que o Tribunal formou a sua convicção quanto à verificação do aludido facto.

O facto constante do ponto 10. dos factos provados foi relatado por C que deu nota de que foi a sua chegada que fez o arguido cessar tal comportamento, tendo o Tribunal formado a sua convicção quanto à verificação do mesmo.

A factualidade referida em 11. dos factos provados, resulta provada atentos os depoimentos de AC e de I que confirmaram o episódio, tendo esta última testemunha esclarecido que AC não chegou a cair no chão, mas em cima de um caixote do lixo. Pela testemunha C foi referido, sem concretização, que o arguido frequentemente bate a AC no interior do estabelecimento, o que a mesma já presenciou, a reforçar a convicção do Tribunal relativamente ao indicado facto, atenta a natureza dos factos e o modo da sua prática.

Os factos constantes dos pontos 12. e 13. dos factos provados foram relatados pelas testemunhas AC, I e LC, que os presenciaram, com base no que o Tribunal logrou de formar a sua convicção quanto à sua verificação.

Os factos constantes dos pontos 14., 15. e 16. dos factos provados, assim foram considerados por referência ao depoimento de AC, tendo a testemunha I confirmado ter visto marcas na cara daquela que, na ocasião, lhe referiu que resultaram de o arguido lhe ter apertado a cara.

A factualidade que integra os pontos 17. a 22. dos factos provados foi considerada provada tendo em conta os depoimentos de AC e de I que dos mesmos deram nota, tendo esta ultima testemunha logrado de localizar temporalmente os factos e confirmar as expressões proferidas pelo arguido, denotando-se que, no seu depoimento, se recordou da frase “Se não te mato hoje, mato-te amanhã. Seja em que dia for” dirigida pelo arguido a AC, referindo-a textualmente e de memória, a instâncias do Digno Magistrado do Ministério Público.

Muito embora AC tenha referido que não sofreu dores ou lesões, em resultado da conduta do arguido, fê-lo, o Tribunal está convicto, na sua postura de desvalorização dos factos, motivada pelo ascendente e pelo receio que evidenciou do arguido, sendo que a testemunha I. foi clara ao referir tais marcas de arranhões na face de AC e a sua origem, sendo que as dores físicas, independentemente do seu grau, são consequência necessária, à luz das regras da experiência comum, de condutas como apertar a cara ou desferir empurrões, tendo o Tribunal, tanto considerando, formado a sua convicção quanto ao facto constante do ponto 23. dos factos provados.

A convicção do Tribunal quanto aos factos constantes dos pontos 24. e 27. dos factos provados resulta das regras da experiência comum, considerando que o arguido é um homem medianamente sagaz, não padece de nenhuma afetação da sua vontade de entender e querer e que não pode deixar de entender o significado e os efeitos da sua conduta e querer essa conduta, ainda assim.

O resultado da conduta do arguido é evidente desde logo analisando a postura da testemunha AC, a visada com a mesma, uma mulher amedrontada, preocupada em apaziguar o arguido, derrotada na defesa da sua personalidade e, acima de tudo, resignada ao “poder” do arguido sobre si. De notar que o exercício de domínio do arguido sobre AC abrange todas as áreas da sua vida, desde a tentativa de reatamento forçado da relação, às expressões ofensivas da sua honra e consideração, proferidas em público, às expressões de cariz ameaçador da sua vida e integridade física, passando ainda pelo exercício de poder sobre a sua atividade profissional, fazendo AC notar que é ele quem determina se o estabelecimento pode ou não funcionar, tudo a evidenciar o âmbito da perseguição, do molestamento físico e psicológico que perpetra sobre AC e que determinam a forma como esta vive a sua vida, com medo – tal como confirmam as testemunhas I e C – factualidade esta que, considerada, sustenta a convicção do Tribunal relativamente aos factos constantes dos pontos 25. e 26. dos factos provados.

A prova dos factos constantes dos pontos 28. e 29. dos factos provados resulta do depoimento de AC e, bem assim, das testemunhas I, C, LC, PL, JM e de AP que tanto confirmaram.

O facto constante do ponto 30. dos factos provados resulta do cotejo das declarações do arguido relativamente às suas condições pessoais, com os depoimentos de AC e C.

No que tange às condições pessoais do arguido, constantes dos pontos 31., 32. e 33. dos factos provados, o Tribunal fundou a sua convicção com base nas declarações pelo mesmo prestadas.

Relativamente aos antecedentes criminais registados do arguido, o Tribunal formou a sua convicção pela análise do CRC de fls. 390.

Quando aos factos não provados, eles foram assim considerados porquanto não foi feita prova da sua verificação”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da medida concreta da pena aplicada.

Alega o recorrente que a pena que lhe foi aplicada na sentença revidenda (2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução) se mostra excessiva, devendo ser reduzida para medida concreta que se aproxime do limite mínimo abstratamente aplicável ao crime em questão.

Cumpre decidir.
O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, als. a) e c), do Código Penal, crime este que é punível, em abstrato, com pena de prisão de um a cinco anos.

É de acordo com o disposto no artigo 71º do Código Penal que há de fazer-se a pertinente determinação da pena em concreto adequada.

Dispõe o artigo 71º, nº 1, do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

Vários modelos têm surgido para solucionar a questão de saber a forma como estas entidades distintas (culpa e prevenção) se relacionam no processo unitário da medida da pena.

De todo o modo, face ao disposto no artigo 40º, nº 1, do mesmo Código Penal, as finalidades da punição são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

A medida da pena há de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expetativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, isto é, que fornece um “quantum” de pena que varia entre um ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.

A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no acórdão do S.T.J. de 10-04-1996 (in C.J., Acs. S.T.J., ano IV, tomo II, pág. 168) - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao princípio de respeito pela dignidade da pessoa do agente.

Como muito bem salienta o Prof. Figueiredo Dias (in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida concreta da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável -, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

Ainda, no dizer da Prof.ª Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25), “a proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A proteção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.

Como bem refere o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, pág. 214), “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.

No caso dos autos, a prevenção geral, no sentido de prevenção positiva (ou seja, no dizer do Prof. Figueiredo Dias - ob. agora citada, pág. 72 - o “reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”), faz-se sentir de forma premente e clara. Com efeito, este tipo de criminalidade (violência doméstica) tem sido fonte de crescente alarme social, dadas as suas nefastas consequências para as vítimas e para a sociedade em geral, pelo que grandes são as necessidades de prevenção geral agora em análise.

Também ao nível da prevenção especial, entendida como dissuasão do próprio delinquente, as necessidades reveladas são elevadas, ponderando o modo de execução dos factos, o prolongado tempo de execução, e a postura revelada pelo arguido perante os atos que ia praticando.

Além disso, e é também significativo neste ponto (das exigências de prevenção especial), o recorrente já sofreu uma condenação criminal anterior, por factos praticados em 2012, por crime de incêndio florestal.

Ora, ponderando todos estes elementos, e atendendo à medida abstrata da pena aplicável (pena de prisão de 1 a 5 anos), afigura-se-nos que a pena aplicada na sentença revidenda (2 anos e 6 meses de prisão) o foi em medida justa e correta: abaixo do meio da moldura penal abstratamente aplicável.

Conclui-se, assim, que a medida concreta da pena não é excessiva, ao contrário do que alega o recorrente (não se mostrando violado, por conseguinte, o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal).

Face a tudo quanto fica dito, e nesta parte, soçobra, pois, o recurso do arguido.

b) Da pena acessória de proibição de contactos com a vítima.
Invoca o recorrente, em resumo, que, perante o facto dado como provado na sentença revidenda sob o nº 30 (“há cerca de 4 meses, desde fevereiro de 2016, o arguido voltou a residir com AC”), não se pode aplicar a pena acessória de proibição de contactos com a vítima (com o consequente afastamento do arguido da residência e do local de trabalho da ofendida).

Cabe decidir.
Ao que consta dos autos, e como decorre da factualidade tida como assente em primeira instância (e não questionada por qualquer sujeito processual), a ofendida, de sua livre vontade, decidiu voltar a viver com o arguido, em condições análogas às dos cônjuges (pois está divorciada do arguido desde setembro de 2010).

Do mesmo modo, da análise dos autos (e da factualidade neles tida por provada) não podemos concluir, minimamente, pela existência de um qualquer relacionamento conflituoso entre o arguido e a ofendida a partir do momento em que, de comum acordo, decidiram viver, de novo, em comunhão de leito, mesa e habitação.

Acresce que os factos delitivos cometidos pelo arguido, e dados como provados na sentença sub judice, não se revestiram, no essencial, de atitudes de violência física sobre a pessoa da ofendida, ou seja, não nos revelam uma personalidade do arguido especialmente perigosa ou invulgarmente violenta.

Os factos provados traduzem, no essencial e bem vistas as coisas, reiteradas e contínuas agressões de índole verbal (proferindo o arguido, repetidamente, após a separação do casal, expressões ofensivas da honra e da dignidade da ofendida, bem como verbalizando ameaças à vida da mesma).

Neste enquadramento, e com o devido respeito por diferente opinião, as instâncias formais de controlo (nomeadamente os tribunais) carecem de legitimidade para, sem mais, proibirem a ofendida e o arguido de viverem, de novo, em comunhão de mesa, leito e habitação.

A ofendida e o arguido casaram em 1976 e divorciaram-se em 2010.

Ambos nasceram em 1960, não revelando a vítima qualquer sintoma de especial vulnerabilidade ou debilidade, explorando até um estabelecimento comercial (uma pastelaria).

Após o divórcio, o arguido praticou os factos ilícitos pelos quais vem condenado em primeira instância.

Em fevereiro de 2016, o arguido e a ofendida, no uso das suas livres vontades, voltaram a residir um com o outro, em condições análogas às dos cônjuges.

Por isso, e a nosso ver, não se pode aplicar, nessas circunstâncias, a pena acessória de proibição de contactos com a vítima (nomeadamente impondo o afastamento do arguido da residência onde vive com a ofendida), sob pena de ilegítima ultrapassagem da liberdade e da autonomia de vontade da própria ofendida.

Em conclusão: é de proceder, nesta vertente, o recurso do arguido, revogando-se a pena acessória prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 152º do Código Penal (proibição de o arguido contactar com a ofendida).

c) Da pena acessória de proibição de uso e porte de arma.
Entende o recorrente que não lhe deve ser também aplicada a pena acessória de proibição de uso e porte de arma (com a consequente cassação das respetivas licenças), porquanto o crime em causa não foi praticado com o recurso a arma de fogo/caça, e uma vez que o facto de ser proprietário de uma arma e titular de licença de uso e porte de arma não potencia a reincidência na prática de crimes de violência doméstica.

Há que decidir.

Dispõe o artigo 152º, nº 4, do Código Penal (sob a epígrafe “violência doméstica”): “nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica”.

A pena acessória agora em apreciação, e como resulta da sua própria natureza, não visa, em primeira linha, finalidades de natureza retributiva, pretendendo antes dar satisfação a exigências cautelares ou preventivas, ligadas à necessidade de efetiva proteção da vítima no futuro.
Ora, a esta luz, ponderando a natureza dos factos em apreciação, mostra-se adequado aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de uso e porte de arma, não devendo correr-se o risco (que não seria prudencial) de deixar, nas mãos do arguido, livre acesso a armas de fogo.

Por outro lado, deve ainda aplicar-se ao arguido a medida de segurança de cassação de quaisquer licenças de detenção, uso e porte de armas, que lhe tenham sido concedidas.

Na verdade, sob a epígrafe “medidas de segurança” estabelece o artigo 93º, nº 1, al. a), e nºs 2 e 3, da Lei nº 5/2006, de 23/02 (“Regime Jurídico das Armas e Munições”):

1 - Pode ser aplicada a medida de segurança de cassação de licença de detenção, uso e porte de armas ou de alvará a quem:

a) For condenado pela prática de crime previsto na presente lei, pela prática de qualquer um dos crimes referidos no nº 2 do artigo 14º ou por crime relacionado com armas de fogo ou cometido com violência contra pessoas ou bens; (…)

2 - A medida tem a duração mínima de 2 e máxima de 10 anos.

3 - A cassação implica a caducidade do ou dos títulos, a proibição de concessão de nova licença ou alvará ou de autorização de aquisição de arma pelo período de duração da medida e ainda a proibição de detenção, uso e porte de arma ou armas, designadamente para efeitos pessoais, funcionais ou laborais, desportivos, venatórios ou outros durante o mesmo período, devendo o arguido ou quem por ele for responsável fazer entrega de armas, licenças e demais documentação no posto ou unidade policial da área da sua residência no prazo de 15 dias contados do trânsito em julgado”.

Prevê-se, no nº 2 do artigo 14º do mesmo diploma legal, a condenação pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão.

No caso sub judice, ao arguido foi apreendida uma espingarda de caça, sendo o arguido detentor de licença de uso e porte de tal arma.

Ora, olhando aos factos e à natureza do crime em questão nestes autos (crime doloso, de violência doméstica), e ponderando a medida concreta da pena aplicada nestes autos (2 anos e 4 meses de prisão), mostram-se preenchidos, a nosso ver, os pressupostos de aplicação da medida de segurança de cassação da licença de detenção, uso e porte de arma, licença que foi concedida ao arguido.

Justifica-se, pois, a cassação das licenças existentes, tal como decidido em primeira instância, pelo que, neste segmento, é de improceder o recurso do arguido.

Posto tudo o que precede, é de conceder parcial provimento ao recurso do arguido, revogando-se a sentença revidenda na parte em que aplicou a pena acessória de proibição de o arguido contactar com a ofendida.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso, eliminando-se a pena acessória de proibição de o arguido contatar com a ofendida ou de permanecer na sua habitação ou no seu local de trabalho, e, em consequência, altera-se a sentença sub judicem,na alínea C) do seu dispositivo, a qual fica a ter a seguinte redação:

“C) Condena o arguido na sanção acessória de proibição de uso e porte de armas por parte do arguido, e a frequência, por parte do arguido, do programa para arguidos em crimes no contexto da violência doméstica orientado pela DGRSP, fixando-se o período de duração da sanção acessória aplicada em 3 (três) anos”.

Em tudo o mais, que não tenha a ver, expressamente, com a referida pena acessória de proibição de o arguido contatar com a ofendida (pena que fica derrogada), mantém-se o decidido na sentença revidenda.

Cessa também, em conformidade com o agora decidido, a medida de coação de proibição de o arguido contatar com a ofendida ou de permanecer na sua habitação ou estabelecimento comercial.

Sem custas, por ter sido dado parcial provimento ao recurso.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 29 de novembro de 2016

João Manuel Monteiro Amaro

Maria Filomena de Paula Soares