Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5569/18.0T8STB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Para efeitos de ser decretada a sua insolvência, não basta a empresa ser devedora, ter diversas dívidas a várias pessoas; o fundamental é que ela esteja impossibilitada de cumprir por não ter os meios necessários à sua disposição (é este o sentido do artigo 3.º, n.º 1, do CIRE).
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 5569/18.0T8STB.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) requereu a declaração de insolvência da sociedade (…), Construções, Lda..
Alegou, em síntese, que acordou com a Requerida a realização de uma obra, a executar pela Requerida, na Calheta, Madeira, pelo valor orçamentado de € 110.105,00 acrescido de IVA, tendo a mesma o prazo de execução de 6 meses.
A Requerente acabou por resolver o contrato de empreitada em 31.10.2017 e exigir à Requerida a devolução da quantia de € 31.830,00 paga a mais. A Requerida não pagou tal montante até à data, sendo que deve a vários fornecedores e clientes, tendo vários processos a correr contra si. Tem ainda dívidas a trabalhadores e à Autoridade Tributária e apresenta prejuízos fiscais. É proprietária de diversos bens móveis, os quais estão arrestados e de 6 veículos automóveis. Não depositou as contas anuais do ano de 2017.
Conclui que a requerida se encontra em situação de insolvência nos termos do disposto no artigo 20º, nº 1, als. b), d), e), g) e h), do CIRE.
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A requerida contestou.
Aceitou parcialmente o alegado quanto à celebração do contrato com a Requerente.
Conclui que nada deve à Requerente sendo, antes, credora da mesma.
Refere que em relação a fornecedores, apenas deve ao subempreiteiro parte do valor respeitante aos muros, e apenas porque a Requerente não lhe pagou. Os processos que correm termos contra si referem-se a acções declarativas pendentes, nas quais deduziu pedido reconvencional, pelo que não se pode considerar ter dívidas a clientes.
Nada deve a trabalhadores, tendo realizado um acordo com a Autoridade Tributária para pagamento da dívida de forma faseada. Já depositou as suas contas do ano de 2017.
Conclui referindo que não estão reunidos os pressupostos legais para que seja declarada insolvente.
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Realizada a audiência, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, não decretou a insolvência da requerida.
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Desta sentença recorre a requerente impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.
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A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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Quanto à matéria de facto, a recorrente defende que os que foram dados por não provados, e por si alegados, devem ser provados.
São eles:
a) A Requerida deve a outros fornecedores, para além do subempreiteiro contratado para a obra, o Sr. (…);
b) A Requerida tem várias acções judiciais pendentes contra si, para além das referidas em 53.;
c) A Requerida deve a trabalhadores;
d) A Requerida tem apresentado prejuízos fiscais;
e) A Requerida não submeteu nem depositou as suas contas anuais do ano de 2017.
Devem ser não provados os factos 61 e 64 que são estes:
61. A Requerida depositou as suas contas anuais do ano de 2017 em 19.07.2018.
64. A Requerida, no ano de 2017, apresentou um resultado líquido positivo de € 107.864,59.
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Um dos fundamentos da impugnação é a confissão feita pela recorrida na sua contestação onde esta indica os seus cinco maiores credores:
1 – Autoridade Tributária e Aduaneira, com o NIF (…), com sede na Rua da (…), 10, em Lisboa, e com o crédito no montante de € 63.665,40 euros.
2 – (…), Unipessoal Lda., NIF (…), com sede no Caminho das (…), n.º 71, Arco da Calheta, e com o crédito no montante de € 19.000,00 euros.
3 – (…), NIF (…), residente na Vereda da (…), n.º 44, Caniço, e com o crédito no montante de € 17.068,15 euros.
4 – Instituto de Segurança Social, com NIF (…), com sede na Avenida (…), 58, 3.º, em Lisboa, e com o crédito no montante de € 12.000,00 euros.
5 – (…) – Comunicações, SA, NIF (…), com sede na Rua (…), n.º 9, Campo Grande, Lisboa, e com o crédito no montante de € 5.934,44 euros.
Uma vez que é a própria recorrida quem indica estes credores devemos aceitar tal lista como boa, isto é, como provada.
Assim, adiante se incluirá este facto.
Isto significa que se retirará o facto provado n.º 54 que se refere a dívidas fiscais mas de outro montante.
Por outro lado, entendemos que se deve dar por não provada a al. a) uma vez que, segundo cremos, o credor referido é o mesmo que consta da lista citada. O mais é demasiado vago para se poder provar o mesmo se devendo dizer a respeito da al. b) e da al. c).
Em relação à al. e), é certo que não apresentou as suas contas no prazo devido mas isso bem diferente de dizer que as não apresentou de todo. Por isso, deve ser mantido o facto n.º 61.
Por último, a al. d), que se refere a prejuízos fiscais. Está junto aos autos documento comprovativo que a recorrida apresentou um resultado líquido positivo de € 107.864,59 e por isso foi dado por provado o facto n.º 64. Daí que se não possa dar por provado o facto contrário, ou seja, o descrito na alínea d).
Assim, nada se altera além da referida confissão feita nos articulados.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. (…), Construções, Lda. é uma sociedade comercial por quotas com sede na Avenida dos (…), Lote (…), r/c, Direito, Quinta do Conde, 2975-310 Sesimbra, NIPC (…).
2. A Requerida tem por objecto social a “Construção e remodelação de edifícios, comércio de materiais de construção”.
3. A Requerida é uma empresa familiar constituída por dois sócios gerentes, (…) e (…).
4. A Requerida obriga-se com a assinatura dos dois sócios gerentes.
5. A Requerente é a dona e legítima proprietária dos seguintes prédios:
-prédio misto inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo (…) e a parte urbana sob o artigo (…), localizado no Sítio dos (…), no Arco da Calheta, concelho da Calheta;
-prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo (…), localizado ao Sítio dos (…), no Arco da Calheta, concelho da Calheta;
-prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo (…), localizado ao Sítio dos (…), no Arco da Calheta, concelho da Calheta.
6. Em Julho de 2016, a Requerente decidiu avançar com um projecto de construção e ampliação de duas moradias e um escritório/recepção em LSF (Light Steel Frame), no imóvel acima identificado.
7. Para o efeito e face à especificidade do sistema de construção em questão, a Requerente requereu dois orçamentos para a realização da dita obra, um deles à Requerida.
8. O Sr. (…), gerente da Requerida, apresentou à Requerente, em 09/11/2016, um primeiro orçamento global no valor de € 100.000,00, com IVA incluído.
9. Posteriormente, a 06/12/2016, o Sr. (…) apresentou à Requerente outro orçamento no valor de € 110.105,00, acrescido de IVA à taxa de 23%, conforme cópia do orçamento junto como documento nº 4 a fls. 28 e segs. e que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
10. No dia 09/12/2016, a Requerente assinou a nova versão do contrato, conforme cópia do contrato junto como documento nº 5, a fls. 32 e segs., e que aqui se por reproduzido para os devidos efeitos legais.
11. O contrato previa, essencialmente, as seguintes condições:
-Preço global da empreitada: € 110.105,00 + IVA à taxa de 23%; -Prazo de execução da obra: 6 meses – até 09/06/2017;
-Prazo e condições de pagamento:
a) 5% com a assinatura;
b) 35% com o começo dos trabalhos;
c) 20% com a estrutura metálica pronta;
d) 20% com a obra fechada;
e) 15% com redes e acabamentos executados;
f) 5% com a entrega da obra.
12. Nos termos do contrato, a Requerida estava ainda obrigada a cumprir o contrato em conformidade com a proposta, projecto, caderno de encargos, plano de trabalhos, legislação aplicável e as instruções que fossem dadas pela Requerente ou fiscalização.
13. Ficou ainda estipulado no contrato que os trabalhos a mais apenas podiam ser realizados desde que:
-aprovados e ordenados por escrito pela Requerente;
-fossem feitas alterações ao plano convencionado; e
-fossem fornecidos os planos, desenhos, perfis, mapa da natureza e volume dos trabalhos a mais.
14. O projecto de arquitectura para a construção e ampliação das duas moradias deu entrada na Câmara Municipal da Calheta no dia 07/12/2016.
15. E foi aprovado pela Câmara Municipal da Calheta em 26/01/2017.
16. À data em que ambos os orçamentos foram apresentados (09/11/2016 e 06/12/2016), o projecto de arquitectura ainda não tinha dado entrada na Câmara Municipal da Calheta, nem sido aprovado.
17. À data em que o contrato de empreitada foi assinado (09/12/2017), o projecto de arquitectura ainda não tinha sido aprovado, nem tinham ainda sido apresentados os competentes projectos de especialidade junto da Câmara Municipal da Calheta.
18. Com a assinatura do contrato, a Requerente entregou ao Sr. (…), gerente da Requerida, no dia 9/12/2016, € 5.830,00, através do cheque nº (…), sacado da Caixa Geral de Depósitos.
19. Cheque esse emitido à ordem do próprio Sr. (…) e não à ordem da Requerida, por solicitação expressa deste.
20. A Requerida entrou na obra no início de Fevereiro de 2017.
21. No mesmo dia em que entrou na obra, o Sr. (…) exigiu à Requerente o pagamento de € 38.500,00, correspondente aos 35% do valor da obra acordado.
22. O que a Requerente fez, mediante três transferências bancárias realizadas para a conta indicada no orçamento, com o IBAN PT50.(…), junto da Caixa Geral de Depósitos, conforme de seguida se discriminam:
-€ 22.000,00 – no dia 08/02/2017;
-€ 9.500,00 – no dia 17/02/2017;
-€ 7.000,00 – no dia 22/02/2017.
23. Conta bancária essa que não era da Requerida mas sim da Sra. (…), mulher do Sr. (…) e mãe da Sra. (…), gerentes da Requerida.
24. Durante largas semanas, apesar de terem sido colocadas algumas máquinas na obra, não foram executados quaisquer trabalhos.
25. Entretanto, os trabalhos de escavação e terraplanagem iniciaram-se lentamente.
26. Bem como se iniciaram os trabalhos de construção dos muros de betão ciclópicos.
27. No dia 08/08/2017 foi realizada uma reunião entre a Requerente, o Sr. (…), o engenheiro … (fiscal e representante da Requerente em obra), e os arquitectos (…) e (…), no escritório dos arquitectos, no Funchal.
28. Nessa reunião, foi acordado que, tendo em conta que os muros de betão ciclópico estavam a ser executados e não estavam incluídos no preço da empreitada (ainda que orçamentados em € 20.000,00), a Requerente iria pagar de imediato 50% do valor dos muros, no valor de € 10.000,00.
29. E que os restantes 50% dos muros, no valor de € 10.000,00, seriam pagos quando a Requerida acabasse as fundações e a estrutura metálica da 1ª moradia e caso já tivessem sido executados, pelo menos, 95% dos muros, o que levaria cerca de 3 semanas a concluir.
30. A Requerente, no dia 14/08/2017, efectuou a transferência bancária de € 10.000,00 para a conta indicada no orçamento, com o IBAN PT50.(…), junto da Caixa Geral de Depósitos, pertencente à Sra. (…).
31. Nessa mesma reunião, ficou acordado que a Requerida iria apresentar um plano com prazos de trabalhos mais detalhado, enviar algumas medições, apresentar orçamento para alguns trabalhos não previstos, bem como que a encomenda da piscina ficaria em stand-by.
32. O que foi aceite pela Requerida, mediante email enviado ao engenheiro (…), fiscal e representante da Requerente em obra, no dia 12/08/2017.
33. Perante a ausência de resposta ou envio dos elementos solicitados e acordados na reunião realizada no dia 08/08/2017, no dia 15/08/2017, o engenheiro (…) solicitou por email à Requerida que respondesse e cumprisse com o que havia sido combinado.
34. Sem que tivesse obtido qualquer resposta.
35. No final de Agosto de 2017, o Sr. (…) mostrou-se disponível para reunir na obra e discutir as questões pendentes.
36. Essa reunião em obra realizou-se no dia 04/09/2017.
37. Nessa reunião participaram o engenheiro (…), o Sr. (…) e o subempreiteiro Sr. (…).
38. O conteúdo dessa reunião foi transmitido pelo engenheiro (…), no dia 06/09/2017, por email, à Requerente, com o conhecimento do seu mandatário, bem como, dos arquitectos (…), (…) e (…).
39. Nessa reunião, o Sr. (…) veio indicar os metros lineares considerados no orçamento dos muros ciclópicos, sem contudo definir os prazos dos trabalhos, a data final ou de entrega da obra. 40. Nessa reunião, a Requerida exigiu à Requerente o pagamento de um conjunto de trabalhos a mais que nunca foram aprovados e/ou ordenados por escrito pela mesma.
41. Alegando, através do Sr. (…) que os valores pagos pela Requerente, no valor de € 54.330,00, destinaram-se ao pagamento dos seguintes trabalhos e materiais:
a) Valor pago da 1.ª fase da escavação: € 4.800,00;
b) Valor pago ao Sr. … (escavação e muros): € 12.700,00;
c) Valor pago ao Sr. … (escavação e muros): € 5.000,00;
d) Valor pago das Piscinas: € 5.000,00;
e) Valor pago do Aço, Parafusos e Placas OBS: € 35.000,00.
42. Perante o sucedido, no dia 20/09/2017, a Requerente, através do seu mandatário, enviou para a Requerida um email a retratar a situação existente e apresentou-lhes duas soluções possíveis:
- Continuação da empreitada, em caso de cumprimento de determinadas condições; ou
- Resolução contratual e restituição da quantia de € 31.830,00 paga a mais pela Requerente.
43. E solicitou à Requerida o envio de cópia da nota de encomenda do aço, perfis, plataformas e piscinas, e cópia da confirmação das fábricas ou fornecedores da data prevista para a sua entrega na Madeira.
44. O que nunca sucedeu.
45. No dia 27/09/2017, o Sr. (…) enviou um email ao mandatário da Requerente a informar que estava à espera dos dados da fiscalização da obra, sem, contudo, responder ao solicitado.
46. E sem enviar qualquer documento que comprovasse que efectivamente encomendou e pagou os materiais referidos nas alíneas d) e e) do facto 41.
47. A Requerente, através do seu mandatário, enviou, no dia 11/10/2017, novo email à Requerida, informando que a Requerente aguardava impreterivelmente até ao dia 13/10/2017 por uma resposta ao email de 20/09/2017.
48. O que uma vez mais não sucedeu.
49. Desde 27/09/2017, nenhum outro contacto ou resposta foi dada ou enviada pela Requerida ou seus representantes.
50. A Requerente, através do seu mandatário, no dia 31/10/2017, por email e carta registada com aviso de recepção, resolveu o contrato de empreitada em questão e exigiu à Requerida a restituição da quantia adiantada e paga a mais de € 31.830,00.
51. Email e carta essa que, uma vez mais, não obteve qualquer resposta por parte da Requerida, nem surtiu qualquer efeito.
52. A Requerida tem uma dívida para com o subempreiteiro contratado para a obra, o Sr. (…) no montante de € 23.370,00.
53. A Requerida é Ré em duas acções pendentes, intentadas por (…) e (…), nas quais é pedida a sua condenação em valores que ascendem a € 32.607,50 e € 106.984,61, respectivamente.
54. (eliminado).
55. Os representantes legais da Requerida indicaram, deliberadamente, no contrato de empreitada, para efeitos de pagamentos e recebimentos, a conta bancária pessoal da Sra. (…), mulher do Sr. (…) e mãe de (…), gerentes da Requerida.
56. O Sr. (…) deliberadamente solicitou à Requerente que emitisse o primeiro cheque à ordem do próprio e não à ordem da sociedade Requerida.
57. Nenhum valor pago pela Requerente foi depositado ou entrou na conta bancária da sociedade Requerida.
58. A Requerida tem seis (6) veículos automóveis registados em seu nome, designadamente:
- 94-57-… (Marca – Jeep / Modelo – Grand Cherokee (ZG);
- 46-98-… (Marca – Volkswagen / Modelo – Polo);
- 33-62-… (Marca – Renault / Modelo – Clio);
- 64-87-… (Marca – Mitsubishi / Modelo – Canter);
- 92-18-… (Marca – Mercedes-Benz / Modelo – 190-E;
- 86-04-… (Marca – Citroen / Modelo – Jumper).
59. A Requerida é propriedade de diversos bens móveis que se encontram localizados na Madeira e em Sesimbra.
60. A grande maioria desses bens móveis encontram-se arrestados nos processos judiciais n.ºs 3768/17.1T8FNC e 1340/18.8T8FNC-A, que correm termos no Juízo Central Cível – J1 e J4, respectivamente, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira.
61. A Requerida depositou as suas contas anuais do ano de 2017 em 19.07.2018.
62. O projecto de especialidade foi entregue pela requerente junto da Câmara Municipal da Calheta em Março ou Abril de 2017.
63. Tendo o referido projecto só sido aprovado em Junho de 2017, momento em que foi emitido o alvará de licenciamento de obras de construção.
64. A Requerida, no ano de 2017, apresentou um resultado líquido positivo de € 107.864,59.
65. Os seus cinco maiores credores da requerida são:
1 – Autoridade Tributária e Aduaneira, com o NIF (…), com sede na Rua da (…), 10, Lisboa, e com o crédito no montante de € 63.665,40 euros.
2 – (…), Unipessoal Lda., NIF (…), com sede no Caminho das (…), n.º 71, Arco da Calheta, e com crédito no montante de € 19.000,00 euros.
3 – (…), NIF (…), residente na Vereda da (…), n.º 44, 9125-134 Caniço, e com o crédito no montante de € 17.068,15 euros.
4 – Instituto de Segurança Social, com NIF (…), com sede na Av. (…), 58, 3.º, Lisboa, e com o crédito no montante de € 12.000,00 euros.
5 – (…) – Comunicações, SA, NIF (…), com sede na R. (…), n.º 9, Campo Grande, Lisboa, e com o crédito no montante de € 5.934,44 euros.
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Começaremos por afirmar que, mesmo que a impugnação da matéria de facto procedesse na íntegra, ainda assim a insolvência não seria decretada.
Com efeito, não basta a empresa ser devedora, ter diversas dívidas a várias pessoas. O fundamental é que ela esteja impossibilitada de cumprir por não ter os meios necessários à sua disposição. É este o sentido do artigo 3.º, n.º 1, CIRE. E mesmo que o passivo seja superior ao activo, tal superioridade tem de ser manifesta, enorme, evidente.
A recorrida é uma sociedade comercial e nada nos autos indica que tenha perdido o seu crédito bancário; conforme se escreve na sentença, «não se provaram dívidas à banca» (p. 24). Embora actualmente a condição de comerciante não seja relevante para efeitos de insolvência, o certo é que a falta de dívidas à banca não deixa de perceber disponibilidade de crédito. O devedor pode cumprir as suas obrigações mesmo que com recurso ao crédito (cfr. Miguel Pupo Correia, Direito Comercial, Univ. Lusíada, Lisboa, 1988, p. 125; de igual modo, cfr. Luís Brito Correia, Direito Comercial, 1.º vol., AAL, 1987, p. 156).
Desaparecendo a distinção entre falência e insolvência, a lei não deixou de ter em linha de conta esta possibilidade de recurso ao crédito como forma de ir cumprindo os seus compromissos. Sinal claro disto é o citado art.º 3.º. Como escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda, o «que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos» (CIRE Anotado, 3.ª ed., QJ, Lisboa 2015, p. 86).
Não basta uma dívida tal como não basta um conjunto de dívidas. O que basta é a impossibilidade evidente de cumprir.
A lei desenvolve esta ideia no art.º 20.º ao indicar os factos que indicam a situação de insolvência. Sem dúvida que a se verificarem, a insolvência deve ser decretada caso o devedor não ilida a presunção; mas se bem olharmos para a descrição contida nas alíneas do seu n.º 1, constatamos que a lei exige bem mais do que dívidas ou passivo. Isto reflecte-se no uso das expressões suspensão generalizada de pagamentos, incumprimento generalizado, fuga do titular da empresa, dissipação de bens, etc.. Mesmo a alínea chave (a que prevê diversas dívidas em que isso implique insolvência) que é a da al. b), exige que o incumprimento das obrigações revele, pelo seu montante ou circunstâncias do incumprimento, a «impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações».
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Especificamente, a recorrente defende que se verificam as situações das alíneas b), d), e), g) e h).
Em relação às alíneas d) e e), podemos facilmente descartá-las por não se verificarem quaisquer factos que preencham as respectivas previsões.
Quanto à al. b), as considerações feitas acima são de molde a concluir que não se pode afirmar um incumprimento generalizado e relevante.
No que respeita à al. h), subscrevemos na íntegra as considerações da sentença recorrida (p. 26):
«Esta alínea é invocada por força do não depósito das contas de 2017 por parte da Requerida.
«Como se provou, as contas foram depositadas em 19.07.2018.
«É certo que a Requerida está obrigada a fazer o depósito das contas (art.ºs 70º do CSC e 3º, nº 1, al. n) e 15º, nº 1, do CRC).
«No entanto, estando estas depositadas, não se mostra preenchido o estabelecido na al. h) do nº 1 do art.º 20º do CIRE».
E o mesmo se diga a respeito da al. g) que se refere às dívidas tributárias (onde também se exige o incumprimento generalizado).
Existe dívidas desta natureza, sem dúvida, mas «entende-se que o facto de a Requerida ter uma dívida tão elevada à AT não implica desde logo a sua insolvência. De facto, como acima se referiu, tendo em conta os resultados positivos da Requerida no ano de 2017, e em especial o seu montante, não pode deixar de se concluir que a mesma tem condições para suportar esse pagamento» (p. 26).
Em conclusão, cremos o pedido de insolvência não tem base que o sustente, sendo de notar que não existem sinais de a recorrente ter tentado cobrar o seu crédito por qualquer outra forma, isto é, antes de recorrer a este tipo de processo cujas consequências são demasiado graves.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Évora, 31 de Janeiro de 2019
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos