Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
193/15.2T8PTM-A.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
RECONVENÇÃO
CAUSA DE PEDIR
APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário:
I- Não existe incompatibilidade (para efeitos de ineptidão da p.i.) entre os pedidos de reconhecimento do direito de compropriedade em comum e sem determinação de parte ou direito de uma fracção autónoma e o de inscrição registral como titular de metade desse direito; a solução passa por ordenar a inscrição dos termos do reconhecimento do direito.
II- Se a causa de pedir do pedido reconvencional se achar incompleta ou imperfeita, deve o tribunal convidar o reconvinte a apresentar novo articulado, nos termos do art.º 590.º, n.º 4, Cód. Proc. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


A R. AA deduziu pedido reconvencional nestes termos:
- Declaração da Ré como comproprietária em comum e sem determinação de parte ou direito da fracção autónoma identificada no art.º 1.° da Petição Inicial;
- Seja efectuada a inscrição predial da Ré como proprietária de metade da fracção autónoma designada pela letra "O" do prédio urbano;
- Seja efectuada a inscrição matricial da Ré como proprietária de metade da fracção autónoma designada pela letra "O";
- Subsidiariamente seja atribuída à Ré a fracção autónoma objecto dos autos a título de protecção de casa de morada de família após o término da união de facto entre Ré e Autor;
- Seja o Autor condenado a restituir à Ré, a título de enriquecimento sem causa todas, as verbas pagas pela mesma no âmbito das prestações bancárias respeitantes ao empréstimo bancário usado para a compra da fracção autónoma.
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Os pedidos reconvencionais não foram admitidos pelos seguintes motivos:
Existe incompatibilidade entre o primeiro pedido (reconhecimento do direito de propriedade) e os segundo e terceiro (pedido de inscrição do direito no registo predial e nas Finanças).
O pedido subsidiário não foi admitido por não ser este o tribunal competente.
O quinto pedido não foi admitido porque não se encontra devidamente concretizado; as únicas realidades que alega são a celebração de empréstimo bancário, entre o Autor e a instituição financeira, e que pagou metade das prestações bancárias do empréstimo destinado à compra da fracção autónoma. Metade de que valor, relativo a que contrato, de quantas prestações se trataram e em que montante foram, é o que fica por concretizar, ónus que cabia à Ré, em sede de alegação e de petitório.
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Deste vem interposto o presente recurso (em separado), terminando a recorrente a sua alegação nestes termos:
O despacho não se encontra fundamentado substancialmente, ou seja, não sabemos em que consiste essa contradição entre os mencionados
Mesmo que o Juiz do Tribunal recorrido considerasse haver alguma irregularidade ou imperfeição, deveria, findos os articulados, despachar no sentido do seu aperfeiçoamento dando prazo para a sua correção, nos termos do art.º 590.º, n.º 2, alínea b), e n.º 3, do C.P.C..
Em relação ao último pedido, à Recorrente era impossível na data do seu pedido reconvencional concretizar melhor o seu pedido além do que fez.
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Os recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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O relatório contém os elementos suficientes para a decisão.
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Em primeiro lugar, fica registado que a recorrente não incluiu no objecto do recurso o pedido que havia formulado subsidiariamente.
Restringe o seu recurso aos demais pedidos.
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Como se sabe, a p.i. é inepta quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis — art.º 186.º, n.º 2, al. c, Cód. Proc. Civil.
Os pedidos são incompatíveis entre si quando a procedência de um deles inviabiliza a procedência do outro (não se pode pedir a resolução de um contrato e pedir, também, a condenação no seu cumprimento).
Mas aqui não há, a nosso ver, qualquer incompatibilidade.
Parece-nos que o problema é que a recorrente pede o reconhecimento do seu direito de compropriedade em comum e sem determinação de parte ou direito de uma fracção autónoma; mas pede, em simultâneo, a inscrição registral e tributária como titular de metade. Onde num pedido se fala em indeterminação de parte ou direito, no outro fala-se em metade. Cremos que é ir longe de mais afirmar que a «condenação (eventualmente) no primeiro dos pedidos nunca poderia fundar a procedência dos outros dois» só por aquela razão.
Temos de ter em conta que os dois pedidos em questão são consequência do primeiro, isto é, se for reconhecido o direito alegado pela recorrente ele será inscrito nos precisos termos desse reconhecimento. O mais que haveria a fazer seria julgar parcialmente improcedente os pedidos e neste sentido: não se ordena a inscrição de metade do direito mas sim de uma quota sem determinação de parte. Esta alteração permite conjugar os três pedidos (o segundo e o terceiro como decorrência lógica do primeiro). Sendo esta conjugação possível (e não vemos que o não seja), é natural, é imperativo concluir que entre eles não existe incompatibilidade substancial.
Assim, nesta parte, procede o recurso.
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Em relação ao último pedido, cumpre notar o seguinte:
Se existem dúvidas quanto à completude da causa de pedir, o tribunal só tem um remédio: convidar as partes a apresentar novos articulados (no caso, a contestação e a réplica). O art.º 590.º, n.º 4, Cód. Proc. Civil, não permite outra coisa que não seja a formulação desse convite.
O que a lei pretende com esta solução (e há bastante tempo) é que, findos os articulados, todo o objecto da causa esteja bem definido; o que a lei não quer é que a acção prossiga e seja, adiante, julgada improcedente por vícios que existiam já naquelas peças processuais.
Isto no que diz respeito à causa de pedir do pedido reconvencional. Quanto ao pedido em si mesmo, a lei permite que se profira uma condenação genérica — seja como resultado directo do pedido assim formulado [art.º 556.º, n.º 1, al. b)], seja como consequência da impossibilidade de fixar o objecto ou a quantidade da condenação (art.º 609.º, n.º 2).
Assim, também aqui procede o recurso.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga o despacho recorrido, declarando-se que a p.i. não é inepta, e determinando que ele seja substituído por outro que convide a recorrente a apresentar novo articulado.
Custas pelo recorrido.
Évora, 16 de Junho de 2016

Paulo Amaral


Rosa Barroso


Francisco Matos