Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1/12.6TBPTM.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
PROVAS
DEPOIMENTO DE PARTE
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Presentemente, à luz do artº 466º, n.º 1, do NCPC, a própria parte detém legitimidade para, até ao início das alegações orais em 1ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, sendo que o valor probatório dessas declarações, caso respeite a factos favoráveis ao declarante é apreciado livremente pelo Julgador segundo o seu prudente critério.
2 - Não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção esclarecida e racional do julgador, isto é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1/12.6TBPTM.E1 (2ª secção cível)




ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

(…), residente em (…), intentou no Tribunal de (…) ação declarativa de condenação, com processo sumário, contra (…) e (…), residentes em (…), com fundamento na celebração, com estes, de um contrato de mútuo que não foi cumprido, não sendo restituído o capital mutuado nem pagos os juros acordados, tendo concluído por peticionar a condenação dos réus, a pagarem-lhe a quantia de € 12.052,00.
Quer o réu, quer a ré, contestaram declinando a celebração de qualquer contrato de mútuo com o autor, concluindo não terem para com ele qualquer dívida, devendo a ação ser julgada improcedente.

Realizada audiência de julgamento veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:
Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e condena-se o 1º R. a pagar ao A. a quantia de € 8.200, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento e absolve-se a 2ª R. do contra ela peticionado.
Custas por A. e 1º R., fixando-se a responsabilidade do A. em um terço e do R. em dois terços.
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Inconformado com a decisão veio dela interpor recurso o réu, terminando, nas suas alegações, por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
1. O Recorrido não fez a prova que lhe competia, nomeadamente ter emprestado, ou sequer entregue, quaisquer quantias ao Recorrente;
2. Os documentos apresentados pelo Recorrido não atestam os factos alegados, nomeadamente a entrega de quaisquer quantias do Recorrido ao Recorrente, nem a que título tais entregas teriam ocorrido, bem como não identificam qualquer das partes, sendo que a menção de “recebido por conta” confere-lhe carácter de quitação e não de reconhecimento de dívida ou obrigação de restituição;
3. Além dos referidos documentos, a prova do A. restringiu-se ao seu próprio depoimento e ao depoimento da sua companheira, (…), os quais por serem interessados no desfecho da causa, não podem constituir o único elemento de prova, sem outro que os corrobore e que, em conjunto, permitam chegar a um juízo seguro sobre a alegada entrega de dinheiros e a que título.
4. É pois notório e inegável, salvo o devido respeito, o erro grosseiro cometido pelo tribunal a quo, na apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, vício sem o qual não poderia deixar de ser dado como não provado que:
- “O A. emprestou ao 1º R. € 8.600, em 2009.” (ponto 3 da factualidade dada como provada);
- “Os montantes emprestados deviam ser restituídos passados alguns meses.” (ponto 4 da factualidade dada como provada);
- “Como retribuição do empréstimo feito ao Réu este prometeu uma contrapartida.” (ponto 5 da factualidade dada como provada);
- “O R. apenas restituiu ao A. a quantia de € 400” (ponto 6 da factualidade dada como provada);
- “Inicialmente não era intenção do A. emprestar o dinheiro.” (ponto 7 da factualidade dada como provada);
- “O A. instou o R. para lhe restituir o dinheiro emprestado, e este, apesar de admitir que restituirá o dinheiro ao A., ainda não o fez.” (ponto 8 da factualidade dada como provada);
- “O R. escreveu e assinou alguns papéis a atestar o recebimento de quantias.” (ponto 10 da factualidade dada como provada).
5. Não se tendo provado que o Recorrente pediu ou recebeu do Recorrido a quantia cuja restituição é peticionada, nem que se obrigou a devolvê-la, deveria a ação ter improcedido por inteiro, sendo o Réu, aqui Recorrido, absolvido da totalidade do pedido contra si formulado.
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Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, importará apreciar do alegado erro de julgamento da matéria de facto, que a ser reconhecido poderá influenciar na sorte (procedência) que mereceu a ação.
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Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual:
1- O Autor e o 1º Réu conheceram-se e passaram a conviver frequentemente, um com o outro, no decurso da primeira metade do ano de 2008, altura em que o 1º Réu deu um cartão identificativo ao Autor.
2- O A., aquando do convívio com o 1º R., também conheceu a 2ª R..
3- O A. emprestou ao 1º R. € 8.600, em 2009.
4- Os montantes emprestados deviam ser restituídos passados alguns meses.
5- Como retribuição do empréstimo feito ao Réu este prometeu uma contrapartida.
6- O R. apenas restituiu ao A. a quantia de € 400.
7- Inicialmente não era intenção do A. emprestar o dinheiro. 8- O A. instou o R. para lhe restituir o dinheiro emprestado, e este, apesar de admitir que restituirá o dinheiro ao A., ainda não o fez.
9- O R. passou a ser difícil de contactar.
10- O R. escreveu e assinou alguns papéis a atestar o recebimento de quantias.
11- Dos docs. de fls. 13 a 20 não consta o nome do A..
12- A 2ª R. conhece o A..
13- A 2ª R. não pediu dinheiro emprestado ao A..
14- O A. não entregou à R. qualquer quantia.
15- A 2ª R. nunca foi interpelada pelo A. para realizar qualquer pagamento.
16- A 2ª R. não tem montantes em dívida para com o A.. *
Conhecendo da questão
O recorrente vem pôr em causa o julgamento da matéria de facto, requerendo que se deem como não provados os factos supra aludidos nos n.ºs 3 a 8 e 10, por em seu entender, embora não ponha em causa o seu conteúdo, os depoimentos do autor e da sua companheira (a testemunha …) não podem ser valorados como o foram, atento o interesse que têm na causa, não existindo, também documentos juntos aos autos idóneos a provar a existência do contrato de mútuo a que o autor de arroga.
O Julgador a quo motivou as respostas de provado, salientando:
O tribunal formou a sua convicção, desde logo com base no depoimento do próprio A., que confirmou a existência do mútuo celebrado com o R., mas não com a R.. O seu depoimento foi corroborado pelo de (…), sua companheira, que igualmente confirmou a existência de empréstimo feito ao R., mas não à R.. Os depoimentos em questão foram prestados de forma serena, lógica e convicta, com coerência e espontaneidade, não tendo sido contrariados pelas testemunhas dos réus, (…) e (…), que, conquanto igualmente evidenciassem coerência e serenidade, claramente pouco sabiam dos factos em causa nos autos, de nada tendo conhecimento direto e pouco podendo com relevância esclarecer.
Foram tidos ainda em conta os documentos de fls. 12 a 20 e 130 a 141.
Presentemente, à luz do artº 466º n.º 1 do NCPC a própria parte detém legitimidade para, até ao início das alegações orais em 1ª instância requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto,[1] sendo que o valor probatório dessas declarações, caso respeite a factos favoráveis ao declarante é apreciado livremente pelo Julgador segundo o seu prudente critério.[2]
A garantia constitucional do direito à prova consagrada no artº 20º da CRP conduz a que “não sejam impostos limites injustificados aos meios de prova de que a parte pode lançar mão para demonstrar os factos que sustentam o seu direito, sobretudo quando messes instrumentos probatórios escasseiam” nomeadamente nos casos em que apenas as partes têm intervenção pessoal ou conhecimento direto.[3]
“Não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção esclarecida e racional do julgador, isto é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz” podendo até, quando “integrado num acervo probatório mais vasto, ser decisivo na prova desse facto, pois proporciona um material probatório necessário à prova do facto”, assumindo particular importância como, no caso em apreço, em que está em causa uma relação contratual, que poderá afirmar-se, ser conhecida apenas pelas partes.[4]

Como resulta da exposição as respostas e respetiva motivação o Julgador a quo, que teve o privilégio da imediação, mostra-se convicto em afirmar que quer o depoimento do autor, quer o depoimento da testemunha, sua companheira foram prestados de forma serena, lógica e convicta, com coerência e espontaneidade, não tendo sido contrariados pelas testemunhas apresentadas pelos réus, pelo que, também, nós perante tal evidência e tendo em atenção a análise conjugada destes depoimentos, com os documentos juntos aos autos, temos de reconhecer o acerto na decisão sobre o julgamento da matéria de facto, não obstante a posição do recorrente, pelo que entendemos não se mostrar adequado afastar o âmbito do princípio da livre apreciação da prova, de que goza o Julgador, ou seja, do livre convencimento objetivado através de uma apreciação crítica dos elementos probatórios produzidos no processo e que em seu entender foram determinantes para a opção feita e plasmada em sede de fixação da matéria de facto.
No caso em apreço, no que se refere aos pontos da matéria que o recorrente pretende modificação, diremos que o veredito não denota, nem arbitrariedade nem discricionariedade, de modo que não podemos deixar de confirmar e sufragar a motivação supra explicitada, que conduziu ao veredito de “provado” dos factos em causa.
Donde os elementos probatórios em causa não consentem as modificações, pretendidas pelo recorrente, pois, deles não se pode retirar a conclusão de ter havido erro de julgamento, por parte do julgador a quo, não havendo, por isso, que operar qualquer modificação ao circunstancialismo dado como provado.
Assim, perante a inalterabilidade da matéria de facto, haverá que manter, também, em termos de direito, a solução dada à causa pelo Tribunal a quo assente num contrato de mútuo que, atento o seu valor e o modo como foi celebrado, é nulo por falta de forma, nos termos do art.º 220º do Cód. Civil, o que acarreta, nos termos do art.º. 289º do mesmo Código, o dever de restituição de tudo quanto foi prestado, conforme foi reconhecido na decisão impugnada.
Nestes termos, haverá a apelação que improceder na totalidade.

DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Évora, 12 de Março de 2015

Mata Ribeiro

Sílvio Teixeira de Sousa

Rui Machado e Moura


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[1] No caso dos autos o autor usou dessa prerrogativa legal.
[2] v. Rui Pinto in Notas ao Código de Processo Civil, 1ª edição, 283-284.
[3] v. Paulo Faria e Ana Loureiro in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, 363.
[4] v. Paulo Faria e Ana Loureiro in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, 364.