Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
72/19.4GDSRP.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: ARMAS DE FOGO
LICENÇA DE USO E PORTE DE ARMA
DETENÇÃO NO DOMICÍLIO
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Um anexo ligado interna e externamente a uma casa de habitação, no qual o arguido guarda ferramentas e outros objetos de sua propriedade, mas onde igualmente se guardam ferramentas e alfaias alheios, mas à sua responsabilidade, às quais permite o acesso de terceiros, ainda se deve considerar integrada na habitação do arguido, sobretudo se este como tal assim o considera.

II. Só as pessoas que sejam titulares de licença de uso e porte de arma da classe C ou D, podem deter no seu domicílio armas de fogo, de funcionamento tiro a tiro, com cano de alma lisa superior a 30 cm, em conformidade com o disposto no artigo 8.º, § 2.º do RJAM.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO

a. No Juízo Local de Serpa, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal singular de AA, natural do concelho de …, nascido a …, residente em …, …, com os demais sinais dos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada de:

- um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º al. a), § 2.º, 4.º e 5.º do Código Penal;

- e um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º, al. c), por referência aos artigos 2.º, § 1.º, al. s) e 3.º, § 6.º, al. a) e c), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro);

Mais tendo sido requerido pelo Ministério Público o arbitramento de indemnização à vítima.

O arguido não apresentou contestação.

A final o tribunal proferiu sentença, na qual absolveu o arguido da prática do crime de crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º do Código Penal; igualmente o absolvendo do pedido de pagamento de uma indemnização que contra ele havia sido apresentado.

Mas condenou-o pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º, al. c), por referência aos artigos 2.º, § 1.º, al. s), p), aj), e 3.º, § 6.º, al. c), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM), previsto na Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro), na pena de 200 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 1200€.

b) Inconformado com esta decisão recorreu o arguido, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões (transcrição):

«(…)

III- Os concretos pontos de facto que se considera incorretamente julgados são os constantes em 7, 9, 11, 12 e 24 dos Factos Provados da douta sentença.

IV- Impõem decisão diversa, no sentido propugnado nesta motivação, os concretos meios de prova que ora se indicam:

- as declarações do arguido AA (gravadas entre as 15:05:26 e as 17:16:18 horas, do dia 30-11-2021

– Registo de gravação 20211130150524_1060455_2870373) segmentos de 36m:22s a 38m:07s e de 39m:56s a 40m:15s, e os depoimentos das seguintes testemunhas:

- Testemunha R, militar da GNR (gravadas entre as 09:50:04 e as 10:02:18 horas, do dia 07-12-2021 – Registo 2021112070955003_1060455_2870373), segmentos 06m:17s a 07m:08s, 07m:26s a 09m:14s, 10m:13s a 10m:36s e 11m:13s a 11m:46;

- Testemunha D (gravadas entre as 10:03:05 e as 10:19:35 horas, do dia 07-12-2021 – Registo 20211107100304_1060455_2870373), segmentos 07m:39s a 08m:04s, 10m:16s a 10m:27s e 15m:00s a 16m:08s.

V- A Meritíssima Juíza deu por provados os factos, relativamente ao Arguido AA, constantes nos pontos 7, 9, 11, 12 e 24 dos Factos Provados da douta Sentença, sem que, em audiência de julgamento, tenha sido feita qualquer prova que sustente tais factos. Razão pela qual aqui se impugnam os mesmos.

VI- A Mm.ª Juiz terá alicerçado a sua convicção e tomado a decisão unicamente com base no depoimento de uma única testemunha, o militar da GNR R, o qual, em relação a essa matéria apenas se limitou a dar a sua opinião no sentido de que o “casão” ou armazém deveria considerar-se como fazendo parte da habitação do arguido. (por ex. passagens aos 07m:26s a 09m:14s e 11m:13s a 11m:46s – gravação 2021112070955003_1060455_2870373).

VII- Diz-se na Motivação de Facto e na Fundamentação de Direito da douta sentença, e resultante dos factos dados por provados, que o arguido reconheceu que as armas estavam na sua residência, o que é exatamente o contrário daquilo que foram as suas declarações em sede de audiência de julgamento (registo de gravação 20211130150524_1060455_2870373, passagem de 36m:22s até 38m:07s), além de que nem ter sido produzida prova bastante que sustente a posição da Mm.ª Juiz

VIII- A Mm.ª Juiz não atendeu às declarações do arguido e ao depoimento de um dos proprietários da Herdade de … onde aquele é caseiro, a testemunha D, de onde resulta que o armazém onde as armas se encontravam não integra a parte habitacional ocupada por aquele. (declarações do Arguido, segmentos da gravação de 39m:56s até 40m:15s e 36m:22s a 38m:07s; depoimento da testemunha D, segmentos da gravação de 10m:16s a 10m:27s e 15m:00s a 16m:08s ).

IX- Se a Mm.ª Juiz considera como a residência do arguido todas as construções ou partes edificadas que compõem o designado “monte alentejano”, desde logo se impugna esse raciocínio pelas razões que infra se explanam; se considera como residência do arguido apenas a parte habitacional que este ocupa, igualmente se impugna que as armas aí se encontrassem em razão de não ter sido produzida qualquer prova nesse sentido.

X- Com o devido respeito, a Mm.ª Juiz não atendeu às regras da experiência comum para avaliar a questão em apreço.

XI- Resulta claramente das regras de experiência comum que o “casão” ou armazém do denominado “monte alentejano” se destina a guardar maquinaria e utensílios agrícolas afetos aos trabalhos da exploração agrícola e/ou pecuária e, como tal, esse espaço não se confunde com a habitação dos caseiros.

XII- Mais, na parte de armazém/casão são guardados e depositados utensílios e maquinaria agrícola, cereais, adubos, etc. que, como resulta das regras da experiência comum, são pertença do(s) proprietário(s) da propriedade rústica e, logo, os objetos aí depositados, por regra, não são pertença dos caseiros.

XIII- Pelo facto de existir uma porta de acesso que liga a zona habitacional, ocupada pelo arguido e pela sua ex-mulher, ao armazém agrícola, não implica que este espaço seja uma dependência da habitação, ou que o armazém e a parte do edifício ocupada pelo arguido constituam a residência deste, como parece ter sido assumido pela Mm.ª Juiz.

XIV- O que se deveria ter concluído é que esse espaço de armazém, onde as armas se encontravam, está afeto à exploração agrícola, conforme decorre do depoimento de um dos proprietários da herdade, D (registo da gravação 20211107100304_1060455_2870373, no segmento da gravação a 10m:16s a 10m:27s), ao esclarecer que o armazém é “… onde a gente guarda a maquinaria”.

XV- O próprio arguido explicou ao tribunal que, não obstante a sua habitação ter acesso direto ao armazém, o mesmo é servido de um portão grande por onde entra e sai a maquinaria agrícola passagens aos (registo de gravação 20211130150524_1060455_2870373, segmento de 37m:48s até 38m:07s), o que revela que não se acede aquele espaço apenas pela parte habitacional e, consequentemente, são várias pessoas a aceder ao local.

XVI- Não só o arguido nunca reconheceu que as armas estavam na sua casa (ou seja, na parte habitada por si e pela companheira, caseiros do monte), contrariamente ao que resulta expresso na douta sentença, como também é verdade que estando as mesmas guardadas no armazém da herdade encontravam-se na disponibilidade fáctica de várias pessoas para além do arguido, nomeadamente da sua ex-mulher e de todos os “patrões” (sócios da empresa agrícola).

XVII- O arguido, pelo simples facto de ser caseiro da herdade ou por via das suas funções, não pode ser responsabilizado criminalmente pelo facto as armas se encontrarem num espaço ao qual ele, para além de outros, também acede.

XVIII- É certo que o Juiz pode apreciar a prova de acordo com o livre principio de livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do CPP, mas esse principio não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva.

XIX- O que parece resultar, então, é que a MM.ª Juiz encaminhou-se para um raciocínio de presunções e é com base nestas que decide pela condenação do arguido.

XX- Não sendo a presunção judicial um meio de prova proibido por lei, permitindo-se ao julgador retirar dos factos conhecidos as ilações que se apresentem como evidentes ou como razoáveis, à luz das regras da experiência comum e da livre convicção, para concluir um facto como provado, certo é que a livre apreciação da prova não pode ir tão longe como se verificou no caso em apreço.

XXI- Não foi feita prova que permita concluir que o arguido detinha ou guardava as armas in casu e, consequentemente, deveria o mesmo ter sido absolvido do crime de detenção de arma proibida de que vinha acusado, que mais não fosse em aplicação do princípio in dubio pro reo.

XXII- A deficiente avaliação da matéria de facto, não só viola o art. 127.º do CPP, como consubstancia também erro de julgamento e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (neste caso, artigo 410.º, al. a) CPP), bem assim fez errada aplicação do artigo 86.º, nº 1, al. c) RJAM ao condenar o Arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida.

XXIII- Termos em que, deve a decisão agora objeto de recurso ser substituída por outra que absolva o arguido AA da prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86.º, nº 1, al. c), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. s), p), aj) e 3.º, n.º 6, al, c) todos do Regime Jurídico das Armas e Munições.

Sem prescindir,

XXIV- O arguido considera que a pena de multa aplicada foi excessiva, por não ter tido em devida atenção os princípios da proporcionalidade e de equidade na determinação da pena aplicada ao arguido.

XXV- Por todo o exposto anteriormente, a ilicitude e culpa dever-se-iam ter consideradas baixas ou medianas, para além de abonar a favor do Arguido as circunstâncias de ter 51 anos de idade à data dos factos sem quaisquer antecedentes criminais e, ainda, estar profissional, familiar e socialmente inserido.

XXVI- Considera o arguido que o Tribunal a quo não valorou devidamente todas as circunstâncias atenuantes que militam a favor do recorrente e, consequentemente, não fez uma equitativa e justa ponderação para a determinação da medida da pena, revelando-se a pena de multa desadequada no seu quantum e pecando por excesso.

XXV- Termos em que, a decisão recorrida violou as normas contidas no art.º 40.º, n.ºs 1 e 2 do 70.º e 71.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal.

Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o acórdão recorrido na parte condenatória e absolver-se o Arguido do crime em que foi condenado, tudo com as demais consequências.»

c. O recurso foi recebido.

d. O Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª instância respondeu, sustentando, na sua própria síntese, que:

«1. (…)

2. Discordando da sentença proferida, veio o recorrente invocar que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro de julgamento, considerando os factos 7, 9, 11, 12 e 24 incorretamente julgados.

3. Ora, o Tribunal a quo elucidou na sentença proferida quais os elementos de prova a que atendeu para dar como provados os factos elencados pelo arguido, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do Tribunal.

4. Ademais, os trechos transcritos no âmbito do recurso apresentado aparecem isolados das demais provas apresentadas, nomeadamente retirando o contexto anterior e posterior referido pelo próprio arguido aquando das suas declarações, tal como melhor resulta evidenciado da motivação da presente resposta a recurso.

5. Mais resulta a desconsideração de outras testemunhas relevantes, que conjugadas com os trechos invocados pelo arguido em matéria de recurso, alicerçam a convicção do julgador, nomeadamente M e A.

6. Acresce que, considerando globalmente toda a prova apresentada, designadamente a prova documental, resulta que o arguido praticou tais factos.

7. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, crê- se que não deverá proceder a argumentação expendida pelo recorrente quanto a esta matéria.

8. Por outro lado, invoca o recorrente que a medida concreta da pena é excessiva. Também quanto a este ponto não concorda o Ministério Público com a argumentação expendida pelo recorrente, atendendo aos elementos que depõem a favor e contra o arguido tal como refere o Tribunal a quo em sede de sentença. Senão vejamos.

9. Por um lado, o Tribunal a quo atendeu à ilicitude mediana e à culpa elevada do arguido, revelando que as exigências de prevenção geral eram elevadas, por contraste às exigências de prevenção especial que são medianas.

10. Por outro lado, verificou que o arguido se encontrava inserido profissional e socialmente.

11. Assim, assume o Ministério Público que a sentença proferida não merece qualquer censura na determinação concreta da pena aplicada.

12. Em suma, crê-se que o Tribunal a quo com a decisão proferida não violou qualquer normativo legal e nenhuma censura se pode dirigir à decisão recorrida, uma vez que a mesma nos parece justa e equilibrada, devendo improceder o recurso apresentado.»

e. Neste tribunal superior o Ministério Público pronunciou-se, aliás criteriosa e mui doutamente, sustentando, em síntese, que não só não há erro de julgamento na questão de facto; como também a decisão não padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; nem há erro na qualificação jurídica dos factos provados; mostrando-se a pena aplicada ajustada aos critérios definidos na lei.

f. No exercício do contraditório o recorrente nada acrescentou.

g. Foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – artigos 403.º, § 1.º, 410.º, § 2.º e 412.º, § 1.º CPP. E, nessa sequência, as questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes:

i) Vício da decisão recorrida (insuficiência para a decisão da matéria de facto – artigo 410.º, § 2.º, al. a) CPP);

ii) Erro de julgamento da questão de facto relativamente aos factos constantes dos pontos 7, 9, 11, 12 e 24 do acervo factológico julgado provado na sentença recorrida;

iii) Erro de direito relativamente à qualificação jurídica dos factos;

iv) Erro de direito quanto à medida da pena.

2. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:

«1. Desde data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2014, o arguido e a BB iniciaram uma relação de namoro e passaram a viver um com o outro como se de marido e mulher se tratassem.

2. No dia 06/01/2016 o arguido casou com BB.

3. No inicio da relação referida no articulado 1.º, ambos fixaram a sua residência na Rua …, …, … e a partir de fevereiro de 2017 e até ao dia 13/04/2019, ambos fixaram a sua residência na Herdade …, em ….

4. A partir de fevereiro de 2017 e até ao dia 13/04/2019, CC, nascida a …2002, filha de BB, passou a residir com a sua mãe e com o arguido.

5. No dia 13/04/2019, BB, na companhia da sua filha, abandonou a residência onde residia com o arguido e decidiu que não voltaria a residir com o mesmo.

6. No dia 16/09/2020 foi decretado o divórcio do arguido e de BB.

7. No dia 15/04/2019, pelas 16h05, encontravam-se as seguintes armas no interior da residência do arguido:

a. - uma arma de fogo, destinada para a caça, da marca …, modelo …, com 2 canos de 71 cm e alma lisa, de carregamento manual, calibre 12, com o n.º ….

b. - uma arma de fogo, destinada para a caça, da marca …, com um cano de 59 cm e alma lisa, carregamento manual, calibre 16, com o n.º ….

8. O arguido não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma de fogo e não é titular de autorização/licença de detenção de armas de fogo.

9. O arguido sabia que a propriedade, a posse e mesmo a simples detenção das armas referidas era legalmente condicionada à titularidade da respetiva licença de uso e porte de arma e ao registo das armas em seu próprio nome.

10. O arguido sabia que não era titular de licença de uso e porte de arma, nem de licença de simples detenção de armas de fogo.

11. O arguido bem sabia que não podia, nem devia possuir, nem deter as aludidas armas por não ter a necessária licença de uso e porte de armas e sem que as mesmas estivessem registadas e manifestadas e, não obstante, detinha e guardava essas armas na sua residência, como quis e conseguiu.

12. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou que:

13. De 03.05.2011 a 26.07.2018, o veículo com matrícula …, esteve registado em nome de BB.

14. Desde 24.04.2019, encontra-se registado em nome de BB o veículo com matrícula …

15. …, S.A. intentou processo executivo contra BB, para pagamento da quantia exequenda de €932,65, ao qual foi atribuído o número de processo ….

16. O processo identificado no ponto anterior foi extinto, em 09.06.2015, por inexistência de bens.

17. S intentou processo executivo contra BB, para pagamento da quantia exequenda de €3.706,70, ao qual foi atribuído o número de processo ….

18. Foi registada à ordem do processo mencionado no ponto anterior uma penhora incidente sobre o Prédio urbano, descrito sob a inscrição …, da freguesia de …, concelho de …, com o artigo matricial n.º …, situado na Rua …, n.º ….

19. O processo referido em 17. foi extinto, em 27.04.2021, por pagamento voluntário.

20. Na presente data, o nome de BB não consta da lista pública de execuções;

21. A arma descrita em 7., alínea a), encontra-se registada em nome de G;

22. G é irmão do patrão do Arguido e proprietário do Monte onde o Arguido trabalha e reside.

23. G levou a arma descrita em 7., alínea a) para o Monte e deixou-a ficar nesse lugar.

24. O local onde as armas foram encontradas é uma divisão da residência do Arguido, à qual aquele acede livremente.

25. O arguido trabalha como caseiro no monte da Herdade ….

26. Aufere 700€ mensais.

27. Reside no monte onde trabalha e não suporta custos de residência.

28. Tem despesas mensais no valor de 500€.

29. Tem 3 filhos, maiores de idade e financeiramente independentes.

30. Estudou até à 4.ª classe.

31. Não tem antecedentes criminais.

3. Motivando-se tal elenco factológico do seguinte modo:

«Para a formação da sua convicção o Tribunal atendeu às declarações do arguido, e à prova documental e testemunhal indicada na acusação pública.

Tais elementos probatórios foram sujeitos a contraditório em sede de audiência de julgamento, tendo sido apreciados e ponderados à luz das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer que sempre devem presidir à formulação da livre convicção do Julgador.

Os factos narrados nos pontos 1., 3., 4. decorreram das declarações prestadas pelo Arguido e pela Ofendida, BB, sendo certo que os factos em apreço são pessoais e comuns a ambos, tendo sido narrados pelos dois de forma harmoniosa, não suscitando, por esse motivo, qualquer reserva quanto à sua veracidade.

Os factos vertidos no ponto 2. e 6. foram extraídos da análise do teor do assento de casamento, junto aos autos a fls. 27 e 238, fazendo prova plena da data do casamento e respetiva dissolução.

Já os factos espelhados no ponto 7 adveio da análise do auto de apreensão de fls. 61, o qual foi elaborado por um agente da GNR, fazendo fé pública do que foi percecionado pelo OPC, mormente, a presença de armas no local de residência do arguido.

No que respeita à descrição das armas apreendidas, atendeu-se integralmente ao teor do relatório pericial de fls. 226, o qual foi elaborado por técnicos com conhecimentos especiais em armas e munições, inexistindo nos autos elementos que infirmem os factos que sustentaram os juízos técnicos vertidos no relatório.

O facto descrito no ponto 8 decorreu da análise da informação facultada pela PSP a fls. 171, sendo certo que esta é entidade pública com competência no território nacional para facultar a informação relativa à titularidade ou não de licenças de uso e porte de armas de fogo.

Os factos constantes nos pontos 9 a 12 foram extraídos, desde logo, das declarações do arguido que confirmou ter conhecimento da presença das armas na sua residência, das respetivas caraterísticas e, bem assim, que não era titular de autorização para deter as armas.

Acresce que é um facto do conhecimento geral que só quem é titular de licença de uso e porte de arma pode ter armas de fogo, pelo que dúvidas não restaram que o arguido sabia que não podia ter as referidas armas numa divisão da casa onde reside e à qual tem acesso direto.

Por outro lado, a mera circunstância de saber que tinha as armas na sua disponibilidade fáctica, e de nada fazer para mudar a situação, denota a voluntariedade da sua conduta.

Por sua vez, os factos descritos nos pontos 13 e 14 decorreram da informação facultada pela autoridade tributária e junta aos autos a fls. ….

Já os factos vertidos nos pontos 15 e 16 advieram da análise da certidão emitida pelo processo n.º …, junta aos autos com ref. elec ….

De igual modo, os factos espelhados nos pontos 17. a 19. advieram da análise da certidão emitida pelo processo n.º …, junta aos autos com ref. elec. …

O facto narrado no ponto 20 decorreu da consulta à lista pública de execuções, cujo resultado está junto aos autos sob ref. elec. ….

O facto constante no ponto 21 foi extraído da informação facultada pela PSP a fls.…, entidade com competência nacional para informar os registos de propriedade das armas.

Os factos narrados nos pontos 22 e 23 resultaram do depoimento da testemunha D, patrão do arguido e proprietário da Herdade onde o arguido e a ofendida trabalhavam e residiam. Esta testemunha prestou declarações sobre factos de que tem conhecimento pessoal, narrando-as de forma distanciada e serena, razão pela qual mereceu o acolhimento dos autos.

A este propósito a testemunha explicou a sua relação de parentesco com o Sr. G, confirmou a propriedade da arma pelo irmão, e clarificou a razão pela qual a arma foi encontrada na residência do arguido.

Já o facto 24 foi extraído do depoimento da testemunha R, agente da GNR que apreendeu as armas, o qual, depôs de forma escorreita e objetiva, logrando convencer o Tribunal.

A este respeito a testemunha descreveu a residência do arguido, e clarificou o local onde se encontravam as armas.

Os factos elencados nos pontos 25 a 30 decorreram das declarações prestadas pelo Arguido, que, quanto a este aspeto incidiram sobre questões pessoais, merecendo acolhimento dos autos, até por inexistirem elementos que infirme as informações prestadas.

Já os factos descritos no ponto 31 decorreram da análise do certificado de registo criminal junto aos autos.»

4. Apreciando.

4.1. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto

No contexto da discordância com o julgamento de facto, o recorrente faz menção expressa à «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada»! Contudo não explicita, minimamente, como é que tal vício da decisão se possa revelar da leitura da decisão recorrida! Parece não ter atentado que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410.º, § 2.º, al. a) CPP), se verifica nas situações em que da simples leitura da sentença (conforme expressamente refere o corpo do § 2.º do artigo 410.º), por si ou conjugada com as regras da experiência comum, permite concluir que a matéria de facto provada na sentença não suporta a decisão de direito, quer quanto à culpabilidade quer quanto à determinação da pena. Isto é, tal vício da decisão só ocorre nas situações em que a matéria de facto que se considerou provada não suporta a decisão de direito, nomeadamente quando a insuficiência de substrato factual é tal que inviabiliza a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do tribunal. (1) Verifica-se, nomeadamente, quando o tribunal, podendo fazê-lo, não esgotou todos os seus poderes funcionais de indagação da matéria de facto essencial - de que podia conhecer - para a decisão da causa. Daí que por insuficiência de substrato factual não seja possível a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do tribunal. A referida falta de indicação mínima do substrato do alegado vício da decisão logo indicia, aliás fortemente, que a invocação deste fundamento pelo recorrente está desalinhada do seu efetivo propósito, que é claramente a impugnação ampla do julgamento de facto, nos termos previstos no artigo 412.º, § 3.º CPP, o que de resto também faz, com referência (aqui sim, expressa) aos pontos 7, 9, 11, 12 e 24 dos factos julgados provados na sentença recorrida. Em suma: nem o recorrente assinala de que modo a pressuposta incongruência se verifica na sentença recorrida; nem nesta, deveras, se vislumbra tal vício (que ademais é de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso), já que o acervo fáctico julgado provado na sentença se mostra suficiente para integrar os elementos objetivos e subjetivos do ilícito em referência, bem assim como para a graduação da respetiva pena, tal como melhor adiante se precisará, quando se conhecer do também alegado erro de julgamento em matéria de direito.

Improcede, pois, este fundamento do recurso.

4.2 Do erro de julgamento da questão de facto

O recorrente expressa a sua discordância acerca do juízo feito pelo tribunal a quo sobre as provas produzidas na audiência. Concretamente no concernente à detenção das armas de fogo apreendidas e à imputação do respetivo domínio e detenção intencional por banda do arguido, espelhado no juízo dos factos alinhados em 7, 9, 11, 12 e 24 da sentença. Pois bem. Vejamos se tem razão. Há erro de julgamento relativamente à matéria de facto, quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado, um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Nestes casos pretende-se com o recurso que o tribunal ad quem reaprecie a prova produzida e documentada na 1.ª instância. E, nessas circunstâncias, o tribunal de recurso não se aterá apenas ao texto da decisão recorrida, antes procederá a uma análise das provas efetivamente produzidas na audiência.

Necessário é que o recorrente indique os factos que considera incorretamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal recorrido (artigo 412.º, § 3.º CPP).

Neste caso o universo factológico impugnado mostra-se claramente delimitado: cinge-se aos factos provados alinhados nos pontos 7, 9, 11, 12 e 24 da sentença. E as provas indicadas pelo recorrente, são: as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas R (militar da GNR) e D (empresário da empresa …, Lda. – patrão do arguido).

Os referidos factos respeitam ao local onde foram encontradas as armas de fogo apreendidas e à descrição destas (ponto 7); ao conhecimento da proibição de detê-las sem licença (pontos 9, 11 e 12); e ao facto de o local onde as armas se encontravam ser uma divisão do espaço residencial do arguido, ao qual ele tinha livre acesso (ponto 24).

Relativamente ao ponto 7. o tribunal a quo firmou a sua convicção com base no auto de apreensão (fls. 61), nas declarações testemunhais do militar apreensor (A), no auto de exame às armas (fls. 226) e nas declarações do arguido.

Quanto ao segmento descritivo do local onde se encontravam as armas e as características destas, as provas referidas são concludentes e o recorrente nenhuma apresentou que as pudesse (sequer) contrariar!

Ainda relativamente ao referido ponto 7.º insurge-se o recorrente contra a circunstância de o tribunal a quo ter firmado a sua convicção relativamente à questão do domínio (pelo arguido) do local e das armas de fogo apreendidas, nas declarações do próprio arguido. Pretende que tais declarações não permitem essa conclusão.

Mas equivoca-se. Com efeito, em diversas ocasiões do seu depoimento, seja quando descreve o modo como as armas foram parar ao local onde vieram a ser apreendidas (no «casão»); seja quando instado a esclarecer o domínio sobre o «casão» do monte da Herdade … de que era «caseiro»; o arguido não apenas confirmou que sabia que as armas se encontravam no local onde vieram a ser apreendidas (no «casão»), como em diversos passos das suas declarações mostrou conhecer bem as armas de fogo apreendidas (as suas características e antiguidade - «devia ser da guerra da Espanha»).

Relativamente ao seu domínio (detenção) sobre as ditas armas, afirmou, em resposta a pergunta direta feita pela Mm.a juíza, acerca do local onde as mesmas foram encontradas, ter sido «lá dentro, lá em casa»… Referindo-se à sua casa. Tanto que perguntado diretamente se referia à casa onde vivia, ele respondeu: «exato».

E daqui resulta que a ligação feita ao meio de prova indicado na sentença (declarações do arguido) encontra base sólida.

A mais disso, esse sentido da prova mostra-se confortado por diversos depoimentos testemunhais, nomeadamente de R (militar da GNR que apreendeu as armas) e de A, os quais descrevem (de acordo com o conhecimento direto que tiveram com o local) a ligação física e funcional do «casão» à área de habitação do arguido, como se uma e outra fossem partes da mesma unidade (do espaço de domínio do arguido). Por isso mesmo R indicou no auto de apreensão o arguido como sendo o possuidor de tais armas.

Tal circunstância não contraria que num grande segmento daquele espaço (do «casão»), também se guardassem ferramentas e alfaias agrícolas afetas à herdade (como igual e incontroversamente se provou).

Acresce, em reforço da demonstração do domínio do arguido sobre as ditas armas de fogo, que já anteriormente à data da apreensão das armas havia notícias dessa detenção. Isto é, havia notícia que o arguido detinha armas de fogo na sua casa. É o que resulta, com meridiana clareza, dos depoimentos das testemunhas CC e A.

Finalmente, o conhecimento que o arguido demonstrou ter sobre as armas apreendidas não é o próprio de quem teria uma vaga noção acerca dos bens em causa e do lugar onde se encontravam. Antes o conhecimento demonstrado sobre os mesmos é o próprio de quem, por qualquer razão (por qualquer fonte da detenção), sobre eles tem domínio.

Os pontos 7 e 24 do acervo fáctico provado da sentença recorrida, respeitantes aos factos materiais impugnados, mostram-se, pois, muito bem firmados nas provas que se deixaram referidas.

Claro está que para julgar todos os factos da causa o tribunal se serviu da prerrogativa de avaliar livremente as provas declaratórias, por exame e documentais. É assim que tem de ser, para tanto lançando mão das regras da lógica e as máximas da experiência comum para ligar os pontos que cada uma das provas objetivas, só por si, pode não demonstrar.

Já Alberto dos Reis (2) ensinava, a este propósito, que «o que está na base do conceito [da livre valoração da prova] é o princípio da libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, no entanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas (….) O sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica» (3).

Relativamente aos factos internos (temos agora em vista a matéria dos pontos 9., 10. e 11.), ensinava Michele Taruffo (no contexto do direito civil mas transponível para o processo penal e para o caso vertente), que salvo no caso das declarações provenientes do próprio «autor» do facto psíquico, a única forma de determinar factos deste tipo consiste em utilizar técnicas de reconstrução direta.

Esses factos, prossegue o mesmo autor, não podem ser conhecidos com os habituais meios de prova. O que se pode conhecer com esses meios de prova são os factos materiais a partir de cuja existência e modalidades pode arguir-se que um determinado sujeito tem uma determinada vontade, o conhecimento de algum facto, uma determinada atitude valorativa4. E foi o que sucedeu relativamente aos factos dos pontos 9., 10. e 11. (5)

Em suma: não só nenhuma das provas indicada pelo recorrente impõe decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal recorrido, relativamente ao segmento factológico impugnado (artigo 412.º, § 3.º, al. b) CPP); como as provas produzidas (às quais se fez expressa referência) mostram ser justificada a conclusão a que chegou o tribunal a quo, acerca da detenção e domínio do arguido sobre as armas de fogo apreendidas. Bem assim, que tal realizava com cabal ciência de ser necessária licença, que nunca obteve, querendo ainda assim, intencionalmente, manter tal detenção.

4.3. Da qualificação jurídica dos factos

Refere o recorrente que os factos provados não são integradores do crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º, § 1.º da Lei das Armas e Munições, pelo que dele deveria ter sido absolvido.

Esta afirmação conclusiva não se conforta em nenhum fundamento que não seja o pressuposto de que a factualidade impugnada, nos termos referidos supra, não se encontraria provada.

Mas está, como ficou visto.

Não obstante sempre se dirá que preceitua o artigo 86.º, § 1.º da Lei das Armas e Munições, que:

«quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:

(…)

c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objeto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas ae) a ai) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;

Ora, as duas armas identificadas no ponto 7. dos factos provados, apreendidas e que se encontram sob domínio (detidas) pelo arguido, nos termos referidos, são armas de fogo, de funcionamento tiro a tiro (artigo 2.º, § 1.º, als. p) e aj) do RJAM) e que, por terem cano de alma lisa, superior a 30 cm são qualificadas como armas de fogo longas da classe D (artigo 3.º, § 6.º, al. c) do RJAM).

Tais armas apenas podem ser detidas por titulares de licença de uso e porte de arma da classe C ou D, em conformidade com o disposto no artigo 8.º, § 2.º do RJAM.

Sucede que o arguido não é titular de licença de uso e porte de armas de fogo, nem de qualquer autorização de detenção de tais objetos, o que ele bem sabia, não obstante querendo detê-los, tendo assim atuado com dolo direto.

A sentença recorrida refere:

«Os bens jurídicos tutelados pela incriminação legal são a segurança e a tranquilidade públicas, bem como, a vida, a integridade física e os bens patrimoniais dos membros da comunidade, visando a punição de toda e qualquer atividade idónea a perturbar a convivência social, conhecidos que são os riscos que derivam da livre circulação dos objetos qualificados legalmente como arma proibida.

O crime ora em apreço é um crime de perigo abstrato, que não pressupõe a ocorrência de um dano efetivo, nem a criação de uma concreta situação de perigo para qualquer dos bens jurídicos protegidos, bastando-se com o perigo de lesão que é inerente às ações proibidas. Por esse motivo para a sua consumação é irrelevante que a arma tenha, ou não, sido utilizada.

Ademais, estamos perante um crime de perigo comum, porque o «perigo se expande relativamente a um número indiferenciado e indiferenciável de objetos de ação sustentados ou iluminados por um ou vários bens jurídicos» [cfr. José de Faria da Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial: Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 867]

Da previsão legal resulta que a ação típica proscrita pelo tipo objetivo de ilícito abarca diversas modalidades de conduta, entre as quais, a detenção de tais objetos.

A cabal compreensão do tipo objetivo de ilícito impõe o domínio das noções que o integram, para o que importa atentar às definições constantes do artigo 2.º do RJAM, o qual procura caraterizar de modo preciso e rigoroso os vários tipos de armas, os seus componentes e munições, fornecendo, ainda, os conceitos das condutas em que o artigo 86.º se decompõe.

(…)

Aqui chegados, importa atentar ao disposto no artigo 3.º, n.º 6, alínea c) do RJAM que classifica como armas da classe D, as armas de fogo longas de tiro a tiro de cano de alma lisa, acrescentando o artigo 8.º, n.º 2 RJAM, a aquisição, detenção, uso e porte armas desta classe, só são lícitas aos titulares de licença de uso e porte de arma das classes C ou D.

Concluídas as considerações indispensáveis à compreensão do tipo objetivo de ilícito, e entrando, de imediato, na análise do tipo subjetivo, salientamos que o mesmo apenas admite a prática dolosa, abrangendo qualquer das suas modalidades.

(…)

as armas identificadas no ponto 7., são armas de fogo, de funcionamento tiro a tiro e que, por ter um cano de alma lisa, superior a 30 cm são qualificadas como arma de fogo longas da classe D [cfr. artigo 3.º, n.º 6, alínea c) do RJAM], apenas podendo ser detida por titulares de licença de uso e porte de arma da classe C ou D [cfr. artigo 8.º, n.º 2 do RJAM].

Sucede que resultou provado que o arguido não é titular de licença de uso e porte de armas, nem de autorização de detenção destes objetos, o que sabia.

É certo que não se provou que o arguido seja o proprietário das armas.

Todavia, não é menos verdade que o arguido reconheceu que sabia que as armas estavam na sua casa.

Ao fim e ao resto é incontestável que as armas em apreço encontravam-se na disponibilidade fáctica do Arguido, o qual, além do mais, as guardava numa divisão da sua casa.

Ademais, face aos factos vertidos nos pontos 9. a 12. é manifesto que o arguido atuou com dolo direto.

Assim sendo, inexistindo causas de exclusão da ilicitude da conduta ou da culpa do arguido há que concluir que cometeu, em autoria material, na forma consumada, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea c), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. p), s), aj), e 3.º, n.º 6, al. c), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições.»

A motivação jurídica extratada é cabalmente demonstrativa da comissão do crime pelo qual o arguido foi condenado, razão pela qual se dispensam aqui maiores considerações. Concluindo-se, pois que o arguido cometeu o crime pelo qual foi condenado.

4.4. Da medida da pena

Insurge-se também o recorrente contra a pena de 200 dias de multa à razão diária de 6€, por a considerar excessiva. Aduz, nomeadamente:

- que o tribunal não teve «em devida atenção os princípios da proporcionalidade e de equidade na determinação da pena aplicada» (conclusão XXIV);

- que a medida da ilicitude e da culpa são baixas ou medianas, abonando ademais a seu favor as circunstâncias de à data ter 51 anos de idade, não registar antecedentes criminais e estar profissional, familiar e socialmente inserido (conclusão XXV);

- que o tribunal a quo não valorou devidamente todas as circunstâncias atenuantes (conclusão XXVI);

- tendo sido violadas as normas contidas no artigo 40.º, 70.º e 71.º do CP (conclusão XXVII). Atentemos, pois. O crime praticado é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. Sendo a pena abstrata alternativa de prisão ou multa, cabe em primeiro lugar fazer essa escolha. Sobre este segmento da decisão o recorrente nada refere, decerto por considerar ajustada a opção pela pena de multa. E assim é, efetivamente. Nestes casos, estatui o artigo 70.º do Código Penal que o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que conclua que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Considerou o tribunal recorrido que:

«No caso concreto, as exigências de prevenção geral são altas, considerando a frequência elevada com que este tipo de ilícito é praticado nesta Comarca.

Por sua vez, as exigências de prevenção especial são reduzidas, uma vez que o Arguido não tem qualquer antecedente criminal

Por conseguinte, entende este Tribunal que, relativamente ao crime de dano qualificado, a pena principal de multa ainda assegura de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir nos presentes autos, permitindo firmar um juízo de prognose favorável à sensibilização do Arguido relativamente à danosidade social inerente ao crime cometido e à programação da sua vida em conformidade com o Direito.

Já no concernente à determinação da medida concreta da pena, preconiza a lei que a mesma não possa exceder a medida da culpa do infrator (artigo 40.º, § 1.º e 2.º CP); ajustando-se dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º do CP). Breve: dentre os limites fixados pela medida da culpa (máximo de pena) e pela prevenção geral (mínimo da pena) são as necessidades de prevenção especial que determinam o quantum certo da pena. Atentemos, pois, nos termos da ponderação feita pelo tribunal recorrido:

«Vejamos, então, os concretos fatores a influenciar a medida da pena aplicar ao arguido no caso vertente:

A ilicitude afigura-se mediana, dentro do tipo objetivo de ilícito, considerando a modalidade de atuação do arguido (simples detenção), o número de armas detidas pelo arguido (2) e o tipo de armas detidas (armas de fogo, ambas da Classe D).

A culpa é elevada, moldando-se no dolo direto.

As exigências de prevenção geral são elevadas pelos motivos supra enunciados [«no caso concreto, as exigências de prevenção geral são altas, considerando a frequência elevada com que este tipo de ilícito é praticado nesta comarca»].

As exigências de prevenção especial são reduzidas, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais.

Em abono do arguido pondera, ainda, o facto de estar social e laboralmente integrado.

Tudo visto e ponderado, julga-se justo e adequado aplicar ao arguido uma pena de 200 dias de multa

Estabelecido o número de dias da pena de multa a aplicar ao Arguido, impõe-se determinar o quantitativo diário da mesma, o qual poderá variar entre os 5€ e 500€ consoante a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais (cf. artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal).

Em todo o caso, a opção pela aplicação de uma pena multa como pena principal jamais poderá transparecer «uma forma disfarçada de absolvição ou de uma dispensa ou isenção de pena» impondo-se, outrossim, que, realize as finalidades da pena, exprimindo «uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma» [Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 119].

Atendendo, por um lado, a que o arguido se encontra empregado, aufere rendimentos mensais que ascendem a 700€, tem encargos no valor de 500€, reputa-se justo e adequado fixar o quantitativo diário em 6€.

Pelo exposto, vai o arguido condenado na pena de 200 dias de multa à razão diária de 6€ num total de 1 200€.»

Os recursos são «remédios jurídicos», não constituindo um novo (um segundo) julgamento da mesma causa. Servem para que se corrijam erros de direito ou de procedimento. Também na matéria relativa à escolha e medida da pena o recurso se mantém esse arquétipo. Daí que o tribunal ad quem só poderá alterar a pena quando detetar incorreções na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem este segmento da decisão penal ou distorções no processo de aplicação. O mesmo é dizer que a sindicância a realizar não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena quando esta, decorrendo da correta aplicação dos princípios e regras constitucionais e legais, ainda se revele proporcionada (6). Neste conspecto, pronunciou-se, com integral pertinácia e acerto, o Ministério Público junto deste tribunal superior, na vista prevista no artigo 416.º CPP, concluindo que:

«Da leitura da decisão recorrida resulta terem sido considerados os fatores relevantes: ilicitude mediana, culpa elevada, feita corresponder ao dolo direto, exigências levadas de prevenção geral, exigências de prevenção especial reduzidas, estar o arguido social e laboralmente inserido e não ter antecedentes criminais.

Afigura-se que, de forma suficiente, tanto na escolha, como na medida da pena, o tribunal a quo alicerçou-se corretamente na consideração da culpa e da prevenção como princípios regulativos dessa medida, e foi fiel à medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto.»

Subscrevemos integralmente esta síntese, porquanto a sentença revela, como meridiana clareza, uma correta compreensão do quadro legal relativo à escolha e medida da pena. Evidenciando terem sido ponderadas todas as circunstâncias pertinentes. E a pena aplicada mostra-se proporcionada no quadro da medida da culpa do arguido e das necessidades de prevenção (geral e especial). Como assim, nada há que justifique qualquer alteração.

Termos em que o recurso não é merecedor de provimento.

III – DISPOSITIVO

Destarte e por todo o exposto decidimos:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente a douta sentença recorrida.

b) Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.

Évora, 10 de maio de 2022

J. F. Moreira das Neves (relator)

José Proença da Costa (adjunto)

Gilberto da Cunha (presidente)

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1 Neste sentido decidiram entre muitos outros os seguintes arestos: Ac. TRLisboa, de 29/1/2020, proc. 5824/18.0T9LSB-3; Ac. TRPorto, de 9/1/2020, proc. 1204/19.8T8OAZ.P1; Ac. TRÉvora, de 7/5/2019, proc. 112/14.3TAVNO.E1 , todos disponíveis em www.dgsi.pt .

2 CPC Anot., vol. III, ed. 1981, pp. 245.

3 Neste mesmo sentido pode ver-se Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. II, ed. 1981, pp. 297 ss.); e também Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, ed. 1993, pp. 111 ss.). O mesmo tem vindo a ser sublinhado pela jurisprudência (cf. acórdão STJ, de 18/1/2001, proc. 3105/00 – www.dgsi.pt).

4 Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil, in Revista do CEJ, 2005, n.º 3, p. 139, em sentido semelhante, e no específico âmbito criminal cf. o Acórdão da Relação de Évora de 08 de Maio de 2012, relatado por António João Latas, proc. 139/09.7GAABF.E1, disponível in www.dgsi.pt . 5 Cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 391/2015, de 12/08/2015, publicado D.R. n.º 224/2015, Série II, de 16/11/2015; no mesmo sentido cf. Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, vol. I, 1992, Verbo, pp. 297/298.

5 Cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 391/2015, de 12/08/2015, publicado D.R. n.º 224/2015, Série II, de 16/11/2015; no mesmo sentido cf. Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, vol. I, 1992, Verbo, pp. 297/298.

6 Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 197, Aequitas – Editorial Notícias, 1993.