Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
19/10.3TBBJA.1.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- Sendo necessário apurar qual o montante relativo a outros encargos contratualmente fixados, além de juros, a obrigação constante do título não é líquida.
II- Assim sendo, estava o exequente obrigado a lançar mão do incidente de liquidação nos termos do disposto no art. 358.° CPC, não lhe assistindo a faculdade prevista nos n.ºs 4 e 5 do art. 716.°, CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
BANCO S.A., melhor ido nos autos, instaurou em 09.09.2015 a presente execução para pagamento de quantia certa a correr nos próprios autos contra AA, indicando como título executivo: “Decisão Judicial Condenatória”, identificando na espécie “Exec Sentença próprios autos (Ag. Exec) c/ Desp Liminar”
Na exposição de “Factos” faz ainda constar “Implementação da condenação constante de decisão judicial quantificada no campo liquidação da obrigação”.
No campo “Liquidação da obrigação”, aponta o valor líquido descrevendo a forma como alcançou tal valor.
Notificado para se pronunciar nos termos do despacho de 18.09.2015, veio o exequente sustentar a liquidação no requerimento executivo “nos termos e de harmonia (…) com o que decidido foi na sentença proferida na acção declarativa dada a execução (…)”.
Foi proferida decisão a indeferir liminarmente o requerimento executivo.
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Inconformada recorreu a exequente tendo formulado as seguintes conclusões:
A decisão recorrida violou o disposto nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 716.º do Código de Processo Civil, o disposto também no n.º 4 do referido normativo legal, o disposto também nos artigos 358° a 361°, do referido normativo legal, donde, atento o que dos autos consta, e por violação dos citados preceitos, o recurso dever ser julgado inteiramente procedente e provado e a sentença recorrida ser substituída por acórdão que determine que o Tribunal em 1.ª Instância ordene o normal e regular prosseguimento dos autos, com o prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei, se fazendo, em suma, justiça.
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Não se mostram juntas contra-alegações.
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Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.
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A factualidade relevante para a apreciação do objecto do recurso é a seguinte:
A Autora, no exercício da sua actividade comercial mediante escrito particular datado de 10 de Agosto de 2007, concedeu à R. um crédito directo, sob a forma de mútuo, tendo-lhe emprestado a quantia de € 5.575,00;
Nos termos desse contrato, a Autora emprestou a sobredita importância à taxa de juro nominal de 17,89% ao ano, e ficou acordado que o capital mutuado, os respectivos juros, a comissão de gestão, as despesas de transferência de propriedade, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida seriam pagos em 72 prestações mensais e sucessivas, a primeira delas com vencimento em 10/09/2007 e as seguintes no dia 10 de cada mês subsequente, no montante de 131,03.
A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes.
Acordaram ainda A. e R., na al. e) da cláusula 5 que “No valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a Cláusula 14 das Condições Gerais”.
No titulo dado à execução (sentença condenatória) a ora executada foi condenada a pagar ao exequente ora recorrente uma quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente ao montante da 19.ª prestação não paga, acrescida do capital em dívida relativo às restantes prestações não pagas (com exclusão do valor correspondente à 23.ª prestação), acrescido de juros à taxa de 21,89% vencidos desde 10 de Março de 2009 e vincendos, a que acresce o imposto do selo respectivo, até integral pagamento e abatida a quantia de Euros 300.00 entregue em 17 de Novembro de 2009.. (…).”
O valor de cada prestação é o de 131,03 Euros.
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É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.
Discute-se se, in casu, a liquidação depende de simples cálculo aritmético ou não e neste caso se assiste à exequente a faculdade de proceder à liquidação no requerimento executivo nos termos previstos no n.º 4 ex vi n.º 5 do art. 716.° NCPC ou se deveria ter deduzido o incidente de liquidação previsto no arte 358.° e ss. e nessa medida se dispõe de título executivo.
Sustenta o recorrente que do titulo dado à execução (interpretando naturalmente o dispositivo com a fundamentação da sentença) constam todos os elementos necessários para proceder à respectiva liquidação (valor em dívida e taxa de juros aplicável e qual o montante de capital sobre que deve incidir tal taxa) bastando fazer contas.
O Titulo dado à execução é uma sentença condenatória (art.º 703.º, n.º 1, CPC).
Nos termos do disposto no art.º 716.º, n.ºs 4 e 5, CPC, quando a execução se funde em título extra judicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568.º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam–se os n.ºs 3 e 4 do artigo 360.º
O disposto no número anterior é aplicável às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração.
A R foi condenada a pagar ao exequente ora recorrente uma quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente ao montante da 19.ª prestação não paga, acrescida do capital em dívida relativo às restantes prestações não pagas (com exclusão do valor correspondente à 23.ª prestação), acrescido de juros à taxa de 21,89% vencidos desde 10 de Março de 2009 e vincendos, a que acresce o imposto do selo respectivo, até integral pagamento e abatida a quantia de Euros 300.00 entregue em 17 de Novembro de 2009. (…).”
Sabe-se da fundamentação da sentença dada a execução que as prestações que se venceram após a 19.ª prestação incluem não só uma parcela do capital a amortizar, mas ainda a parcela correspondente ao juro remuneratório estipulado, à taxa anual de 12,590%, contado dia a dia sobre o capital que em cada momento se encontrar em dívida e que foi entendimento expresso na sentença que o vencimento imediato e antecipado das prestações vincendas deve limitar-se à parcela do capital em falta, ficando de fora a parcela respeitante aos juros remuneratórios, que só seriam devidos se fossem mantidos os prazos de vencimento dessas prestações.
No valor dessas mesmas prestações mensais inclui-se ainda o montante relativo a impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a Cláusula 14.ª das Condições Gerais.
No requerimento executivo o ora recorrente procedeu ao apuramento da quantia exequenda, mencionando o valor imputado a título de capital indicando o valor de cada uma das prestações de capital, remetendo para o plano financeiro que anexou ao requerimento executivo e ainda juros e taxa de justiça.
Como refere a decisao recorrida importa então saber se a liquidação depende de simples cálculo aritmético ou não e neste caso se assiste à exequente a faculdade de proceder à liquidação no requerimento executivo nos termos previstos no n.º 4 ex vi n.º 5 do art. 716.° NCPC ou se deveria ter deduzido o incidente de liquidação previsto no arte 358.° e ss. e nessa medida se dispõe de título executivo.

A liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução.
Diversamente, não depende de simples calculo aritmético (embora implique também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo, e que não são notórios nem de conhecimento oficioso;
Tal não ocorre no circunstancialismo em que o título executivo é uma sentença que condenou a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declarou o mesmo ilícito, deduzidas as importâncias recebidas por este a título de subsídio de desemprego, situação em que a obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam a liquidação, o que implica que se observe o contraditório e que este realize na própria acção declarativa através do incidente de liquidação, seguindo-se para o efeito o regime processual previsto nos artigos 358.ª a 361.º, do novo CPC, e só fixada tal liquidação a sentença constitui tltulo executivo. (ac. RP, de 20-10-2014, in dgsi.pt também citado na decisao recorrida).
Como refere a decisao recorrida no caso em apreço a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, tanto mais que assenta em factos que não estão abrangidos pela segurança do título executivo (determinação em cada uma das prestações da parte que configura capital e do restante respeitante a juros e encargos…).
Se é certo que quanto aos juros sempre se poderia dizer que sabendo qual o montante do capital mutuado e a taxa de juro contratualmente fixada sempre se poderia, através de operação aritmética, chegar ao valor liquido, a verdade é que para essa operação se concretizar é também necessário apurar (e não está apurado) qual o montante relativo a outros encargos contratualmente fixados.

Assim sendo, estava o exequente obrigado a lançar não do incidente de liquidação nos termos do disposto no art. 358.° CPC, não lhe assistindo a faculdade prevista nos n.ºs 4 e 5 do art. 716.°, CPC, considerando que vigora o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração. Não o tendo feito, carece de título executivo.
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Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível dó Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam decisao recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Évora, 7 de Abril de 2016

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Rosa Barroso