Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5/18.5GAORQ.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
RELATÓRIO SOCIAL
Data do Acordão: 06/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A elaboração de relatório social sobre os arguidos é facultativa, devendo a ponderação da necessidade de tal elaboração ser feita, pelo tribunal, caso a caso, em função da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, e ainda em função da factualidade dada como provada na sentença, sendo irrelevante, nessa ponderação e sem mais, o tipo de pena a aplicar, porquanto tal pena sempre será uma consequência a retirar da matéria dada por assente.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Sumário com o nº 5/18.5GAORQ, do Juízo de Competência Genérica de Almodôvar, em que é arguido AA, após audiência de discussão e julgamento, e mediante pertinente sentença, a Exmª Juíza decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo totalmente procedente a acusação e, por consequência:

a) Condeno o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, alínea b), do Cód. Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão efetiva; e

b) Condeno o arguido AA no pagamento dos encargos do processo (cfr. art. 514.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal), fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC (cfr. art. 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este diploma)”.
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Inconformado com a sentença condenatória, interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“I. Atendendo aos factos provados, aos seus antecedentes criminais e ainda à moldura penal do crime em causa (multa até 120 dias e prisão até um ano), considera o recorrente que a pena concretamente aplicada - 4 meses de prisão - mostra-se razoável e adequada, e conforma-se com a mesma.

II. Porém, a gravidade dos factos, os critérios de prevenção especial e a existência dum juízo de prognose favorável, não justificam o cumprimento efetivo de tal pena.

III. A Douta Sentença ora recorrida considera, e salvo o devido respeito, quiçá de forma demasiado simplista e pouco fundamentada, que “consideramos que no caso vertente não deve ser determinada a suspensão da execução desta pena de prisão ou a sua substituição por pena de multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade ou mesmo determinar a sua execução sob o regime de permanência em habitação, devido às imperativas e evidentes necessidades de prevenção especial, que se prendem desde logo com o percurso de delinquência do arguido e a sua total insensibilidade e indiferença, mesmo perante anteriores condenações em prisão efetiva, de curta, média e longa duração”;

IV. Ora, antes de ter optado pela solução punitiva final, a pena de prisão efetiva, deveria o Tribunal a quo ponderar os factos que militam a favor do Arguido, apreciando de forma mais sustentada a possibilidade (ou não) da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

V. Sendo evidente o arguido tem antecedentes criminais que em nada o podem beneficiar, certo é que o último facto ilícito praticado pelo ora recorrente e pelo qual veio a ser condenado por sentença transitada em julgado, remonta a abril de 2015.

VI. De onde se retira que, e sem direito a qualquer menção honrosa, durante cerca de dois anos e meio o Arguido pautou a sua vida pela normalidade social e legal.

VII. O que, sendo o mínimo exigível, não deixa de ser uma inversão significativa nos episódios de delinquência que pautaram o histórico do arguido.

VIII. Dever-se-ia ter diligenciado pela elaboração de relatório social ao Arguido, de forma a que a Douta Sentença refletisse todos os factos essenciais à boa decisão da causa e a um juízo de prognose alicerçado em mais do que os antecedentes criminais.

IX. Dever-se-ia ter ponderado a suspensão da execução da pena de prisão mediante obrigação de cumprimento de obrigações ou injunções adequadas.

X. Deveria ainda a Douta Sentença posta em crise ter ponderado, e justificadamente afastado, outras penas de substituição.

XI. No caso específico do recorrente, o cumprimento efetivo de uma pena de prisão, ao invés de contribuir para a sua reintegração, terá graves efeitos dessocializantes, uma vez que implicará uma rutura na sua situação profissional.

XII. As finalidades da punição, no caso concreto, serão melhor alcançadas mediante a aplicação, ao recorrente, de pena de substituição não privativa da liberdade, do que através do cumprimento de prisão efetiva.

XIII. A suspensão da execução da pena de prisão, acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento de injunções, revelar-se-á eficaz na prossecução das exigências de prevenção geral e especial.

XIV. Como, aliás, bem se decidiu no Douto Acórdão proferido pelo TRE, em 10/05/2016, no âmbito do processo 142/14.5GTABF.E1, e para o qual foi elaborado o seguinte sumário: “face à ausência de um critério estabelecido na lei, na ponderação e fixação de uma pena de substituição, o tribunal deve aplicar a pena de substituição que melhor realiza as finalidades da punição (cfr. artigo 40º, nº 1, do Código Penal), dando preferência a uma pena substitutiva não privativa da liberdade, considerando nomeadamente as circunstâncias da prevenção especial de ressocialização”.

XV. A sentença recorrida violou, assim o disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 2, e 40.º, n.º 1, do Código Penal, e 120.º, n.º 2, alínea d), e 420.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.ªs Doutamente suprirão, deverá a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a suspensão da execução da pena de prisão, ou, em alternativa, que determine o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à matéria da escolha e determinação da pena e ao apuramento dos factos relativos à personalidade do arguido, às suas condições pessoais e económicas, assim se habilitando o tribunal a proferir a decisão sobre a pena, assim se fazendo a costumada Justiça”.
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O Exmº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, e concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“I – O relatório social apresenta-se como um elemento probatório meramente facultativo, devendo a ponderação pelo Tribunal da sua concreta necessidade assentar na prova produzida em audiência e dada por provada na sentença, sendo irrelevante nessa ponderação o tipo de pena, que sempre será uma consequência a retirar da matéria dada como provada [cfr. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 05.09.2007, in www.dgsi.pt, que: “independentemente de se considerar ser ou não ser obrigatória a requisição do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social aos quais alude o art. 370º, nº 1, do C. de Processo Penal para aplicação de uma pena de prisão efetiva, a letra da lei sugere francamente que se trata de uma faculdade do Tribunal e o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 182/99) processo nº 759/98, de 22.03.1999. já decidiu não ser inconstitucional a norma do n.º 1 do art. 370º do C. de Processo Penal quando interpretada no sentido de não ser obrigatória essa solicitação (…)”];

II – As declarações do arguido em audiência e o CRC respetivo, permitem aferir, e bem, como fez o Tribunal recorrido, das condições socioeconómicas e pessoais do arguido, e, consequentemente, afirmar a sua desintegração social, com as necessárias consequências ao nível das necessidades de prevenção especial, e bem assim, ponderar a escolha e determinação da medida da pena, e bem assim, a forma de execução da mesma, não se afigurando necessária a elaboração de relatório social;

III - No que à ponderação da escolha e forma de execução da pena diz respeito, a sentença ora em crise procede a uma análise, de resto, exaustiva, percorrendo e analisando todos os pressupostos necessários à respetiva decisão;

IV - O próprio arguido, na sua motivação recursória, se sustenta exclusivamente na matéria de facto provada em julgamento para concluir pela inadequação da pena de prisão que lhe foi aplicada, circunstância reveladora de que a factualidade apurada é suficiente para tal desiderato, não se justificando a realização de relatório social. Pode o recorrente, é certo, perante tais factos, extrair conclusão diversa e não concordar com o Tribunal a quo, mas não pode daí partir para a afirmação que faz de que ficaram por determinar suficientemente as condições pessoais e sociais daquele.

V - As penas a aplicar visam essencialmente fazer face às concretas necessidades de prevenção geral e especial nas suas vertentes positivas [isto é, de reforço da confiança comunitária na validade e eficácia da norma jurídica violada, e reintegração do agente do crime na sociedade], sem prejuízo de, a latere, funcionarem também as vertentes negativas daquelas, como elementos dissuasores da restante comunidade e do agente para o cometimento de crimes no futuro;

VI - Uma análise mais detalhada e pormenorizada dos factos, da personalidade do arguido, e concretamente dos antecedentes criminais do mesmo, como aquela a que se procede na sentença ora em crise, resulta que nem outra pena, nem outra forma de execução poderia ter sido escolhida pelo Tribunal a quo para aplicar ao arguido;

VII – Como bem se salienta na sentença recorrida e decorre do CRC do arguido, este sofreu já, entre 1992 e 2017, doze condenações, dez das quais em prisão efetiva, sendo a última em prisão efetiva datada de 11.04.2017, pelo que, e contrariamente ao alegado por aquele na conclusão V. e VI. das suas motivações, o mesmo não esteve os últimos dois anos sem sofrer qualquer condenação;

VIII – A incriminação dos factos por que foi condenado o arguido nos presentes autos serve precisamente o mesmo propósito, isto é, protege precisamente o mesmo bem jurídico do crime de resistência e coação, pelo qual o arguido já averba duas condenações anteriores, e em prisão efetiva, com a última pena a ser cumprida pelo arguido em 05.01.2015;

IX – A reiteração pelo arguido na prática de factos típicos, mesmo após o cumprimento de penas de prisão efetiva, consubstancia a negação, ela própria, de qualquer prognose favorável de que a mera ameaça do cerceamento total da sua liberdade, através do cumprimento efetivo de uma pena de prisão, o afastará da prática de crimes no futuro;

X – Não obstante a letra da lei, a mera ponderação de outras formas de execução da pena de prisão sempre consubstanciaria uma inversão de toda a lógica legal na escolha das penas posta no Código Penal. Assim, revelando-se insuficientes as penas de prisão anteriormente aplicadas ao ora recorrente para o reconduzir na orientação da sua vida com respeito por aquele bem jurídico, é patente que nenhuma outra pena, e menos ainda uma menos gravosa - não privativa da liberdade - poderá corresponder às necessidades, desde logo elevadas, de prevenção especial neste caso concreto;

XI – Nenhum dos vícios apontados pelo recorrente à sentença ora em crise se verificam;

XII - Dada a prova produzida em sede de audiência de julgamento e, bem assim, o teor da sentença recorrida, não resulta qualquer justificação que objetivamente determine o reenvio do processo para novo julgamento, mesmo que restrito à matéria da escolha e determinação da pena e ao apuramento dos factos relativos à personalidade do arguido, e às suas condições pessoais e económicas.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se na íntegra a douta sentença condenatória proferida nos presentes autos”.
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Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, entendendo também que o recurso deve ser julgado improcedente.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos, foi designada data para conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Duas questões, em síntese, são suscitadas no presente recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal:

1ª - A necessidade de elaboração de relatório social ao arguido, para efeitos de aplicação de uma pena de substituição.

2ª - A substituição da pena de prisão efectiva por pena de prisão suspensa na sua execução.

2 - A decisão recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e no tocante à motivação da decisão fáctica):

Factos Provados
Da audiência de julgamento e com relevo para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 04.01.2018, pelas 17:35 horas, na Estrada Nacional 123, em Castro Verde, o arguido conduziu o veículo com a matrícula -MS quando foi fiscalizado pela Guarda Nacional Republicana.

2. Como o veículo não tinha seguro obrigatório de responsabilidade civil, foi lavrado auto de apreensão de veículo acima identificado, tendo o arguido tomado conhecimento da apreensão por ter sido nomeado o fiel depositário da viatura e sido advertido pessoalmente por militar da GNR de que não podia utilizá-la sob pena de praticar um crime de desobediência.

3. No dia 13.01.2018, pelas 02:40 horas, o arguido decidiu conduzir o veículo com a matrícula -MS na Rua Nova da Feira, em Castro Verde, desobedecendo à ordem que lhe havia sido transmitida.

4. O arguido bem sabia que não podia utilizar o veículo em causa enquanto se mantivesse a apreensão do mesmo, o que fez, apesar de ciente das consequências legais em que incorria, bem sabendo ainda que, ao fazê-lo, desobedecia a uma ordem legítima de um agente da autoridade que lhe foi regularmente comunicada e de que ficou ciente.

5. Agiu o arguido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.

6. O arguido é trabalhador agrícola, auferindo cerca de € 30,00 por cada dia de trabalho.

7. Vive sozinho em casa própria.

8. Tem o 9º ano de escolaridade.

9. Possui os seguintes antecedentes criminais registados:

- Por sentença datada de 09.01.1992, transitada em julgado em data não concretamente apurada, do Tribunal Judicial de Ourique, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º ---/91, o arguido foi condenado pela prática em concurso efetivo, por factos de 05.09.1991, de um crime de furto de uso de veículo, de um crime de furto qualificado e de um crime de detenção de estupefacientes, na pena única, em cúmulo jurídico, de 8 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos na condição de pagar em 2 meses 40.000$00 ao ofendido, e na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00;

- Por sentença datada de 19.10.1992, transitada em julgado em data não concretamente apurada, da 2.ª Secção do Tribunal Judicial de Silves, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º ---/91, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 02.08.1991, de um crime de furto simples na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pena essa que foi declarada perdoada por despacho datado de 28.04.1995, nos termos do art. 8.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 15/94, de 11 de maio;

- Por acórdão datado de 24.03.1995, transitada em julgado em data não concretamente apurada, da 8.ª Vara, 2.ª Secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, proferida no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º ---/94, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 15.01.1994, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, sendo-lhe declarado o perdão de 1 ano de prisão nos termos do art. 8.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 15/94, de 11 de maio.

- Por acórdão datado de 03.04.1995, transitada em julgado em data não concretamente apurada, do Tribunal de Círculo de Beja, proferida no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º --/95, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 22.09.1994, de um crime de furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão;

- Por acórdão cumulatório datado de 14.06.1995, transitada em julgado em data não concretamente apurada, do Tribunal de Círculo de Beja, proferido no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º---/95, o arguido foi condenado na pena única de 20 de meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas neste processo e no Processo Comum Coletivo n.º 110/94.

- Por sentença datada de 19.06.1995, transitada em julgado em data não concretamente apurada, do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º --/95, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 07.04.1994, de um crime de furto na forma consumada na pena de 2 anos de prisão;

- Por sentença cumulatória datada de 27.06.1996, transitada em julgado em data não concretamente apurada, do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º --/95, o arguido foi condenado na pena única de 37 meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas neste processo, no Processo Comum Coletivo n.º ---/94 e no Processo Comum Coletivo n.º --/95.

- Por sentença datada de 20.05.1996, transitada em julgado em data não concretamente apurada, do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º --/96, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 21.09.1994, de um crime de furto simples na pena de 7 meses de prisão;

- Por sentença cumulatória datada de 21.12.1995, transitada em julgado em data não concretamente apurada, do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º --/96, o arguido foi condenado na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas neste processo e no Processo Comum Singular n.º --/95, extinta pelo cumprimento 21.01.1998;

- Por sentença datada de 09.06.1999, transitada em julgado em data não concretamente apurada, do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º --/99, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 28.03.1998, de um crime de furto qualificado pena de 10 meses de prisão, tendo sido declarada perdoada ao abrigo do art. 1.º da Lei n.º 29/99, de 12 de maio, sob a condição resolutiva de não praticar infração dolosa nos 3 anos subsequentes à data da entrada em vigor da lei à data aplicável (de 13.05.1999), declarada extinta em 09.02.2003 uma vez que foi considerada cumprida a condição resolutiva da aplicação da pena de prisão;

- Por acórdão datado de 26.05.1999, transitada em julgado em data não concretamente apurada, do Tribunal de Círculo de Beja, proferida no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º --/99, o arguido foi condenado pela prática, em concurso efetivo, por factos de 24.10.1992, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, de um crime de furto qualificado, na forma consumada, e de um crime de dano pena única em cúmulo jurídico de 3 anos de prisão, declarada extinta pelo cumprimento em 09.10.2002;

- Por sentença datada de 09.11.2005, transitada em julgado em data não concretamente apurada, da Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º --/03.7GAORQ, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 12.01.2003, de um crime de furto de uso de veículo na pena de 13 meses de prisão;

- Por sentença datada de 23.12.2005, transitada em julgado em 09.01.2006, do 5.º Juízo Criminal de Lisboa, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º ----/05.4PULSB – 2.ª Secção, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 18.09.2005, de um crime de roubo na pena de 2 anos de prisão, extinta pelo cumprimento em 06.10.2007;

- Por acórdão datado de 07.07.2006, transitada em julgado em data 24.07.2006, da Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, proferida no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º --/02.2GAORQ, o arguido foi condenado pela prática, em concurso efetivo, por factos de 12.09.2002, de dois crimes de resistência e coação sobre funcionário, três crimes de ofensa à integridade física qualificada, nove crimes de injúria agravada, dez crimes de ameaça, um crime de furto simples e um crime de introdução de lugar vedado ao público, na pena única em cúmulo jurídico de 6 anos de prisão;

- Por acórdão cumulatório datado de 13.10.2008, transitado em julgado em 10.11.2008, da Secção Única do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, proferida no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º ---/02.2GAORQ, o arguido foi condenado na pena única de 8 anos e 10 meses, em cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas neste processo e no Processo Comum Singular n.º --/05.4PULSB, extinta pelo cumprimento em 01.08.2014;

- Por sentença datada de 09.04.2015, transitada em julgado em 30.04.2015, do Juízo de Competência Genérica de Almodôvar, proferida no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º ---/14.9GAORQ, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 30.12.2014, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, extintas pelo cumprimento, respetivamente, em 04.02.2016 e 28.08.2015;

- Por sentença datada de 16.09.2016, transitada em julgado em 11.04.2017, do Juízo de Competência Genérica de Silves - Juiz 1, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º --/15.8GESLV, o arguido foi condenado pela prática, por factos de 01.04.2015, de um crime de furto simples na pena de 6 meses de prisão.

Factos Não Provados
Com pertinência para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar.

Motivação da matéria de facto
O Tribunal firmou a sua convicção positiva e negativa na análise crítica, ponderada e global da prova produzida em audiência de julgamento, bem assim como dos documentos juntos aos autos e examinados em audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da normalidade da vida (cfr. art. 127.º do Cód. Proc. Penal).

Concretizando.
Os factos descritos em 1 a 3 resultam provados pelo teor do auto de notícia de fls. 4 e 4v, dos autos de contraordenação de fls. 12 e 14, do auto de apreensão de veículo de fls. 13, do aviso para apresentação de documentos de fls. 15 e da informação de fls. 16, tudo concatenado com o depoimento da testemunha PP, militar da GNR que elaborou o auto de notícia de fls. 4 e 4v, o qual, de uma forma que se afigurou espontânea, objetiva e sincera, confirmou na íntegra a factualidade em causa.

Mais explicou a testemunha PP que foi também ele e um colega, militar da GNR, quem fiscalizaram o arguido no dia 04.01.2018, data em que foi apreendido o veículo, e que, pese embora não tenha sido ele a elaborar os autos de contraordenação e de apreensão, assinou-os na qualidade de testemunha, atestando que o arguido se recusou a assinar aquela documentação.

Note-se que, em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido optou por prestar declarações quanto aos factos de que vem imputado, admitindo que na sequência de fiscalização realizada pela GNR no dia 04.01.2018 o veículo em causa ficou apreendido por falta de seguro de responsabilidade civil obrigatória e que, não obstante, no dia 13.01.2018 conduziu o mesmo veículo tal como descrito no auto de notícia de fls. 4 e 4v. Porém, negou o arguido que tivesse sido advertido pelos militares da GNR de que não poderia conduzir o veículo apreendido sob pena de cometer um crime de desobediência.

A versão do arguido, na parte em que nega os factos dados como provados, resulta no entanto infirmada pelo depoimento da testemunha PP que, quando diretamente indagado a esse respeito, asseverou que o seu colega advertiu verbalmente o arguido de que não poderia conduzir o veículo sob pena de cometer um crime de desobediência, conforme procedimento habitual. Além do mais, o auto de apreensão de fls. 13 - que o arguido admitiu sem reservas ter-lhe sido entregue pelos militares da GNR no referido dia 04.01.2018 - diz expressa, específica e inequivocamente, que o veículo com a matrícula -MS ficaria apreendido, mas na posse do seu proprietário, o aqui arguido, que o recebeu como fiel depositário, ficando este proibido de, nomeadamente, o utilizar, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348.º do Cód. Penal.

No que tange aos factos mencionados em 4 e 5, sendo os mesmos do foro interno, psicológico e íntimo do arguido, a sua prova há de resultar, não de prova direta, mas de prova indiciária (a não ser que haja confissão). Com efeito, partindo de factos indiciários - ou, se preferirmos, de factos instrumentais - provados nos autos, o Tribunal, analisando, ponderando e relacionando os mesmos sob a lente das regras da lógica, da normalidade da vida e de experiência comum, dará (ou não) como provados os factos integradores do tipo subjetivo do ilícito. Pode - e deve - pois o Tribunal socorrer-se, sempre que necessário, da presunção judicial.

Ora, analisando os factos acima descritos em 1 a 3, à luz das regras de experiência comum e da normalidade da vida, não podem sobrar dúvidas de que, ao agir como agiu, o arguido sabia que não podia conduzir o veículo por este se encontrar apreendido (apesar de estar na sua posse), assim como sabia que, ao fazê-lo, estava a desobedecer a uma ordem que lhe tinha sido comunicada de forma expressa e presencialmente (de forma escrita e verbal) e por quem de direito, tendo ficado ciente das consequências da sua desobediência e, mesmo assim, quis atuar desrespeitando a ordem regulamente comunicada, agindo deliberada, livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

As condições pessoais e socioeconómicas do arguido, especificadas supra nos pontos 6 a 8, mostram-se provadas pelas declarações daquele, que nessa parte se afiguraram críveis.

Por último, os antecedentes criminais registados do arguido, mencionados em 9, resultam provados pelo teor do respetivo CRC - fls. 17 a 31”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Do relatório social.

Invoca o recorrente a necessidade de elaboração de relatório social, relativamente à sua personalidade e condições de vida, com vista a decidir-se, fundadamente, sobre de aplicação de uma pena de substituição.

Assim, entende-se, na motivação do recurso, que o processo deve ser reenviado para novo julgamento, restrito ao apuramento dos factos relativos à personalidade do arguido e às suas condições pessoais e económicas, de modo a habilitar o tribunal a proferir decisão sobre a aplicação de uma pena de substituição.

Cabe decidir.

Sob a epígrafe “relatório social”, estabelece o artigo 370º do C. P. Penal:

1 - O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo.

2 - Independentemente de solicitação, os serviços de reinserção social podem enviar ao tribunal, quando o acompanhamento do arguido o aconselhar, o relatório social ou a respetiva atualização.

3 - A leitura em audiência do relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social só é permitida a requerimento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo seguinte.

4 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 355º”.

Do teor deste dispositivo legal decorre, em primeiro lugar, que ao tribunal não é imposto, obrigatoriamente, pedir relatórios sociais sobre os arguidos (na primeira parte do nº 1 refere-se que “o tribunal pode” solicitar a elaboração de tais relatórios, e não que “o tribunal tem” de os solicitar, ou que “o tribunal deve” solicitá-los).

Em segundo lugar, o tribunal só deve solicitar a elaboração de relatório social sobre os arguidos se, em função da prova para o efeito produzida em audiência de discussão e julgamento, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada.

Ora, in casu, o tribunal de primeira instância não solicitou a elaboração de relatório social porque não o considerou necessário para formular o seu juízo sobre a pena a aplicar ao ora recorrente.

Dito de outro modo: a elaboração de relatório social sobre os arguidos é facultativa, devendo a ponderação da necessidade de tal elaboração ser feita, pelo tribunal, caso a caso, em função da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, e ainda em função da factualidade dada como provada na sentença, sendo irrelevante, nessa ponderação e sem mais, o tipo de pena a aplicar, porquanto tal pena sempre será uma consequência a retirar da matéria dada por assente.

Em terceiro lugar, e neste concreto caso, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento é, em nosso entender, manifestamente suficiente para a decisão proferida, não se justificando a elaboração do pretendido (na motivação do recurso) relatório social.

Ou seja, e a nosso ver, a sentença revidenda contém todos os factos e todas as circunstâncias indispensáveis à avaliação do estado atual de socialização (ou não) do arguido, das suas atuais condições de vida e da sua conduta até ao momento presente, factos e circunstâncias esses que permitem ao tribunal (quer o tribunal a quo, quer este tribunal ad quem), com inteira suficiência, proferir decisão (fundamentada) sobre a pena a aplicar ao arguido.

Senão vejamos.

Foi dado como provado que o arguido “é trabalhador agrícola”, que aufere “cerca de € 30,00 por cada dia de trabalho”, que “vive sozinho em casa própria”, que possui como habilitações literárias “o 9º ano de escolaridade”, e, por último, que tem averbados no seu certificado de registo criminal inúmeros antecedentes criminais (todos eles devidamente elencados e descritos na sentença sub judice).

Essa matéria fáctica (com exceção, obviamente, dos antecedentes criminais, que decorrem do C.R.C. junto aos autos) foi dada por assente com base nas próprias declarações do arguido, que, nesses aspetos, se mostraram consistentes e credíveis.

À luz de tal matéria, é possível aferir (como o fez o tribunal recorrido) das condições socioeconómicas e pessoais do arguido, e até da sua personalidade, e, consequentemente, é legítimo concluir pela desintegração social do arguido (pelo menos no respeitante ao cumprimento das normas vigentes que tutelam os valores jurídico-penalmente protegidos) e pela existência de uma personalidade desconforme ao Direito.

Com efeito, e além do mais, o arguido, nascido em 1967, possui 12 condenações criminais anteriores, pela prática de diversos crimes, tendo sofrido a primeira condenação aos 25 anos de idade (em 1992) e a última aos 50 anos de idade (em 2017).

Atendendo à variedade de crimes pelos quais o arguido foi condenado durante todos esses anos, ponderando a relativa gravidade de alguns desses crimes, sopesando a cadência temporal do cometimento desses crimes, e olhando às penas aplicadas (muitas delas penas de prisão efetiva), mostra-se evidente (a nosso ver) que o arguido revela clara indiferença pelos mais variados bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico-penal e que, além disso, possui uma personalidade acentuadamente criminógena, totalmente indiferente às reações penais que já sofreu.

Por último, resta apenas salientar, relativamente à questão que agora nos ocupa (necessidade da elaboração de relatório social), que o próprio arguido, na motivação do seu recurso, argumenta (de forma concreta, integral e sustentada) e pede (com argumentos completos) a substituição da pena de prisão efetiva por pena de prisão suspensa na sua execução com base, exclusivamente, na matéria de facto dada como provada na sentença revidenda.

Isso quer dizer, em nosso entender, que a factualidade apurada na sentença é suficiente para se discutir, ponderar e decidir sobre a pena a aplicar ao arguido, não se justificando (a não ser com propósitos puramente dilatórios) a realização de relatório social.

Em conclusão: os elementos de prova constantes dos autos e os factos vertidos na sentença revidenda são suficientes para ponderar e decidir sobre a pena a aplicar ao arguido.

Por conseguinte, e ao contrário do alegado na motivação do recurso, não há necessidade de se proceder à elaboração de relatório social.

Nos termos expostos, é de improceder, nesta primeira vertente, o recurso do arguido.

b) Da suspensão da execução da pena de prisão.

O recorrente alega que não lhe deve ser aplicada pena de prisão efectiva, requerendo a suspensão da execução da pena (artigo 50º do Código Penal).

Cumpre decidir.
Dispõe o artigo 50º, nº 1, do Código Penal: “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que agora nos ocupa, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, e não qualquer correcção ou melhora das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zift, uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência” (Prof. Figueiredo Dias, in ”Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, págs. 343 e 344).

Como bem esclarece este ilustre professor (ob. citada, pág. 344), apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (...). Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.

Revertendo ao caso dos autos, constata-se que o arguido já foi condenado anteriormente, por 12 vezes, pela prática de uma variada panóplia de crimes, sendo que, analisando as penas aplicadas, só duas delas não foram penas de prisão (efetiva ou suspensa), e sendo ainda que os intervalos de tempo decorridos entre as diversas condenações nunca foram superiores a 2 anos.

Na última dessas condenações, o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão (efetiva), tendo a sentença condenatória transitado em julgado em 11-04-2017 (e sendo os respetivos factos delitivos datados de 01-04-2015).

Ora, logo em janeiro de 2018, o arguido incorreu, de novo, na prática de crime (o crime em apreciação nos presentes autos).

Afigura-se-nos que a existência dessas várias condenações criminais anteriores do arguido, por crimes da mais diversa natureza, algumas delas proferidas em datas recentes (e a última poucos meses antes dos factos destes autos), é de molde a não justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada as finalidades da punição.

Assim sendo, porque da matéria de facto dada como assente não é possível extrair um juízo de prognose positiva relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, entende-se que a pena encontrada não deve ser suspensa na sua execução.

Não merece provimento, pois, a pretensão recursiva agora em análise.

Por fim, e face ao teor da motivação de recurso apresentada pelo arguido, cumpre deixar consignados os seguintes considerandos:

1º - Ao contrário do alegado na motivação do recurso, o tribunal a quo, ao optar pela aplicação de pena de prisão efetiva, ponderou, como lhe competia, os factos que militam a favor do arguido, apreciou, de forma sustentada, a possibilidade da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, e ponderou também (afastando-as) outras penas de substituição.

Com efeito, escreve-se na sentença revidenda a propósito da pena a aplicar ao arguido (sublinhado nosso): “voltando a nossa atenção para a situação vertente, verifica-se que as necessidades de prevenção geral relativamente ao crime de desobediência pelo qual o arguido vai condenado são de nível elevado, porquanto o interesse da comunidade e a manutenção da ordem pública impõe que se combatam fortemente os atos de desrespeito às ordens legítimas emitidas pelos agentes da autoridade. Por seu turno, as exigências de prevenção especial afiguram-se in casu muitíssimo prementes, porquanto o arguido possui antecedentes criminais relevantes. Destarte, entre 1992 e 2017 sofreu doze condenações pela prática de trinta e dois crimes distintos, tendo sido já condenado em penas de multa, penas de prisão suspensas na sua execução, e dez penas de prisão efetiva (algumas das quais foram objeto de cúmulo jurídico superveniente). Ademais, o arguido já foi condenado pela prática de dois crimes de resistência e coação sobre funcionário, os quais têm natureza idêntica ao crime de desobediência em causa nestes autos. Constata-se igualmente que, após ter cumprido uma pena única de prisão efetiva de 8 anos e 10 meses em agosto de 2014, o arguido voltou a prevaricar pouco tempo depois, tendo sido condenado em 2015 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez cometido em 30.12.2014, e, posteriormente, em 2017, foi condenado pela prática de um crime de furto por factos de 01.04.2015. (…) As necessidades de prevenção especial que se fazem sentir são, como se disse, elevadíssimas. Com efeito, o arguido, atualmente com 50 anos de idade, já sofreu várias penas de prisão efetiva e, não obstante isso, revela uma enorme insensibilidade à censura penal. Em julgamento, manifestou uma atitude desculpabilizante da sua conduta. (…) Atendendo a que a pena de prisão aqui concretamente aplicada ao arguido é de curta duração, deverá ponderar-se a possibilidade da respetiva substituição por uma medida não privativa da liberdade. Com efeito, elucida a este respeito FIGUEIREDO DIAS (in Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 334) que «desde que imposta ou aconselhada à luz das exigências da prevenção especial de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não seja posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos, e a estabilização das expectativas comunitárias». Consideramos que no caso vertente não deve ser determinada a suspensão da execução desta pena de prisão ou a sua substituição por pena de multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade ou mesmo determinar a sua execução sob o regime de permanência em habitação, devido às imperativas e evidentes necessidades de prevenção especial, que se prendem desde logo com o percurso de delinquência do arguido e a sua total insensibilidade e indiferença, mesmo perante anteriores condenações em prisão efetiva, de curta, média e longa duração. Note-se que o arguido foi bem recentemente - em abril de 2017 - condenado numa pena de prisão efetiva de 6 meses, o que não o impediu de voltar a cometer crimes. Por conseguinte, não é mais possível concluir, mediante um juízo de prognose, que a mera ameaça da pena de prisão ou a sua execução em regime de permanência em habitação seria suficiente para, a um passo, afastar o arguido de delinquir e reintegrá-lo na sociedade e, a outro passo, não colocar em causa a confiança coletiva no sistema penal. Destarte, impõe-se, da perspetiva das necessidades de prevenção geral e especial que o caso exige, que o arguido cumpra de forma efetiva a pena de 4 (quatro) meses prisão em que vai condenado nestes autos”.

2º - Ao contrário do alegado na motivação do recurso, a aplicação ao arguido, neste concreto caso, de pena de prisão efetiva, não se mostra desadequada, excessiva ou desnecessária à satisfação das exigências de prevenção (geral e especial) que o caso exige.

Na verdade, apesar de a gravidade do crime cometido pelo arguido não ser (pelo menos em abstrato) muito elevada, a análise dos factos, a ponderação da personalidade do arguido (espelhada nos factos e no seu passado criminal), e a consideração, atenta e detalhada, dos antecedentes criminais do mesmo, levam-nos a concluir, sem hesitações (como bem concluiu o tribunal a quo), que nenhuma outra pena, nem nenhuma outra forma de execução da pena, se mostram adequadas e suficientes para satisfazer as finalidades da punição (proteção de bens jurídicos e reintegração do arguido na sociedade - não ultrapassando a pena aplicada os limites impostos pela medida da culpa do agente -).

Mais: a reiteração, pelo arguido, da prática delitiva, mesmo após o cumprimento de penas de prisão efetiva (em termos sucessivamente repetidos, variados e longamente persistentes no tempo, como sucede in casu), consubstancia a negação, ela própria, da possibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável de que a mera ameaça da prisão (do cumprimento efetivo de uma pena de prisão) afastará o arguido do cometimento de crimes no futuro.

3º - Também ao contrário do invocado na motivação do recurso, a aplicação ao arguido de uma outra pena, que não a pena de prisão efetiva, não satisfaz as exigências de prevenção especial existentes neste caso concreto, olhando à insensibilidade, à indiferença e até ao desprezo manifestados pelo arguido, a partir dos seus 25 anos de idade e até ao momento presente, relativamente aos valores jurídico-penalmente protegidos.

Face ao exposto, entende-se que bem andou o tribunal recorrido ao aplicar a pena de prisão efetiva ao arguido.

Improcede, portanto, também na segunda vertente, o recurso.

Por tudo o que se deixou dito, o recurso é totalmente de improceder.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs..
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 26 de junho de 2018

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Maria Filomena de Paula Soares)