Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
726/19.5T9TNV.E1
Relator: MARIA FERNANDA PALMA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - A imputação de uma contraordenação ao agente acarreta a censurabilidade do facto (cfr. artigo 1.º do RGCO), sob a forma de dolo ou negligência (cfr. artigo 8.º do RGCO), devendo a culpa ser excluída se o agente atuar sem consciência da ilicitude do facto e o erro lhe não for censurável (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do RGCO).
- Esse juízo de censura característico do direito contraordenacional não contempla a «atitude ético-reprovável do agente», assentando antes na «responsabilidade social pela evitação da conduta infratora», isto é, «a censurabilidade da culpa do agente mede-se pela sua responsabilidade social pela evitação da conduta infratora e não pela sua atitude interna, ao invés do que sucede no âmbito do direito penal». Vide, Paulo Pinto de Albuquerque, in «Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», Universidade Católica Editora, 2011, página 67.
- A censurabilidade da falta de consciência da ilicitude é passível de ser aferida através da análise de elementos como a experiência profissional do agente e a inserção no círculo de atividade em que labora, o critério do esforço de reflexão e de informação exigível ao papel social ou à disponibilidade de conhecimento ou capacidade de acesso ao regime legal em vigor.
- O princípio da investigação obriga o Tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, pelo que, a falta das mesmas, não pode de forma alguma desfavorecer a posição do arguido. Como refere o Professor Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, volume primeiro, pg. 213, "um non liquet na questão da prova - não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão - tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo".
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora

No Recurso de Contraordenação nº 726/19.5T9TNV, do Juízo Local Criminal de Torres Novas, da Comarca de Santarém, datada de 9 de Janeiro de 2020, foi proferida a seguinte sentença (parte interessante para o conhecimento do presente recurso):
“Da prova produzida resultaram os seguintes Factos Provados com relevância para a decisão da causa:
1. No dia 26 de agosto de 2015, pelas 11h15m, na Rua ………., …….., Torres Novas, nas coordenadas Lat. .. e Long……, o veículo de matrícula ….., conduzido por FMFF, portador do cartão de cidadão n.º ………………., procedia ao transporte de lamas de ETAR.
2. Questionado sobre a Guia de Acompanhamento de Resíduos (GAR) do transporte acima referido, o condutor apresentou a GAR n.º ……………. onde foi possível verificar que no campo 1, cujo preenchimento é da responsabilidade do produtor, onde deve ser indicado o destino do resíduo, apenas constava a menção «R3», não sendo possível saber deste modo (através da GAR) se o resíduo se encontrava a ser encaminhado para um destinatário devidamente autorizado (operador de gestão de resíduos devidamente licenciado).
3. Por sua vez, no campo destinado à designação do resíduo consta a informação «Lamas de ETAR», bem como o código «020304».
4. Na Lista Europeia de Resíduos, o Código «02 03 04» corresponde a materiais impróprios para consumo ou processamento e não a lamas de ETAR.
5. Da GAR consta como produtor do resíduo a ora arguida e como transportador a empresa T………, Lda..
6. O transporte em referência fazia-se acompanhar também da Declaração de Expedição Internacional CMR 55952 A, na qual vinha identificada como expedidor a empresa arguida, como transportador a empresa Internacional T……… - T………, Lda., com a licença n.º ……….., alvará ……….., NIF ………………….e como destinatário a empresa T……..l, no ………, na Carregueira, Chamusca.
7. A GAR n.º ……que acompanhava o transporte não permite identificar o destinatário do resíduo.
8. Da guia objeto dos presentes autos não resulta que a mesma corresponda ao transporte em causa.
9. Assim, a arguida efetuava o transporte sem se fazer acompanhar da respetiva guia de acompanhamento de resíduos, modelo A.
10. Os factos acima descritos foram detetados durante uma ação de fiscalização por elementos da Guarda Nacional Republicana, Comando Territorial de Santarém, Destacamento Territorial de Torres Novas.
11. A arguida não agiu com a diligência necessária e de que era capaz para cumprir com as obrigações legais.
12. À arguida não é conhecida notícia de comportamentos semelhantes, anteriores e/ou posteriores à prática dos referidos factos, em matéria de transporte de resíduos, nomeadamente sem se fazer acompanhar da respetiva guia de acompanhamento de resíduos.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexiste matéria de facto não provada.
No que concerne aos demais factos constantes na decisão contraordenacional ora recorrida, bem como da impugnação judicial respetiva, que não tenham sido objeto de pronúncia ou de específico juízo acerca do seu resultado como provado ou não provado, consigna-se que os mesmos ou são a repetição ou negação de outros já dados como provados na sua formulação positiva, ou são juízos conclusivos, em termos factuais ou jurídicos (matéria de direito), ou são irrelevantes para a presente decisão.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação e ponderação de todos os meios de prova produzidos.
Com efeito, ponderou-se o teor do auto de notícia de fls. 8, a fotografia do veículo junta a fls. 9, a fotografia da GAR junta a fls. 10 e a fotografia da Declaração de Expedição Internacional junta a fls. 11.
Atento o teor do auto de notícia e as fotografias juntas a fls. 9 a 11, conjugados com as regras da experiência comum, não podemos deixar de concluir que a arguida, enquanto produtora de resíduos (no caso, lamas de ETAR), não assegurou que o seu transporte fosse acompanhado da competente guia de acompanhamento de resíduos, dado que a ausência de indicação do destinatário e a incorreção na identificação do Código LER dos resíduos não permitia fazer a correspondência entre o transporte efetuado e a GAR apresentada pelo condutor do veículo que efetuava o transporte.
Quanto aos factos atinentes ao elemento subjetivo, os mesmos extraem-se dos respetivos factos objetivos, atendendo o tipo de conduta empreendida e às circunstâncias do caso, sendo certo que qualquer entidade que leve a cabo a atividade empreendida pela arguida tem que conhecer as normas legais que lhe são aplicáveis, conforme resulta das regras da normalidade social e da experiência comum e atentas as circunstâncias do caso.
Conhecendo a arguida os deveres que lhe incumbiam, ao não se assegurar o cumprimento dos mesmos, atuou com descuido e falta de diligência, mas consciente da ilicitude do facto, porquanto não podia deixar de conhecer aqueles regras e de tratar de as observar com zelo.
Tinha a arguida o dever de assegurar que o veículo automóvel em apreço não iniciava viagem sem se fazer acompanhar da GAR devidamente preenchida, sendo certo que a própria arguida admitiu existir lapso de escrita na indicação do Código LER dos resíduos. Esta era uma obrigação da empresa arguida que a mesma tinha o dever de conhecer e que podia e devia ter cumprido, não o tendo feito por descuido e falta de diligência.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Do enquadramento jurídico dos factos
Foi a arguida condenada pela prática de uma contraordenação ambiental leve, prevista e punida pelos artigos 21.º, n.º 1, e 67.º, n.º 3, alínea d), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, conjugado com a Portaria n.º 335/97, de 16 de maio e artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto.
Decorre da norma vertida no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de setembro, que «O transporte de resíduos está sujeito a registo eletrónico a efetuar pelos produtores, detentores, transportadores e destinatários dos resíduos, através de uma guia de acompanhamento de resíduos eletrónica (e-GAR) disponível no sítio da ANR na Internet».
No entanto, enquanto não se encontrar em funcionamento o regime referente à emissão eletrónica de guias, mantém-se em vigor o disposto na Portaria n.º 335/97, de 16 de maio – cfr. artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho.
Esta Portaria, por sua vez, fixa as regras a que fica sujeito o transporte de resíduos em território nacional, estabelecendo no seu artigo 5.º, n.º 1, que “O produtor e o detentor devem assegurar que cada transporte é acompanhado das competentes guias de acompanhamento de resíduos, cujos modelos constam de anexo a esta portaria, da qual fazem parte integrante”.
Por sua vez, dispõe o artigo 67.º, n.º 3, alínea d), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, que constitui contraordenação ambiental leve o transporte de resíduos sem se fazer acompanhar da guia de acompanhamento de resíduos prevista na Portaria n.º 357/97, de 16 de maio.
Assim, no caso concreto, o produtor dos resíduos – a empresa arguida – tinha que assegurar que o transporte dos mesmos era acompanhado das competentes guias de acompanhamento de resíduos, sendo da sua responsabilidade emitir a guia de acompanhamento e garantir que a mesma seguia devidamente preenchida no veículo que procedeu ao transporte dos resíduos.
Da análise da factualidade considerada provada resulta que, nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, se encontrava a ser efetuado um transporte de resíduos sem que se fizesse acompanhar da respetiva guia (cfr. pontos 8 e 9 dos Factos Provados), assim infringindo a arguida o disposto nos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de setembro, 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho e artigo 5.º da Portaria n.º 335/97, de 16 de maio.
A arguida alega que, no que concerne à invocada falta de GAR, tal factualidade não se verifica, posto que o transporte cuja fiscalização deu origem a estes autos se fazia acompanhar quer da GAR, quer da Declaração de Expedição Internacional CMR, não obstante constar daquela GAR um lapso na identificação do Código LER.
Não podemos anuir num tal modo de apreciar os factos atestados.
Na verdade, ao proceder ao transporte da carga composta de resíduos acompanhado de uma guia indevidamente preenchida, fazendo menção a um código LER incorreto, não correspondente ao conteúdo transportado, tal conduz ao mesmo efeito prático que a ausência total de qualquer guia.
A inscrição de um código LER inexato na GAR inviabiliza a fiscalização da (in)correta proveniência e posterior encaminhamento dos resíduos, isto é, quer se trate de um transporte completamente desacompanhado de GAR, quer se trate de uma carga cuja GAR se apresenta indevidamente preenchida, fica prejudicado o seu adequado controlo.
Ademais, a identificação do destinatário realizada pela singela menção «R3», que corresponde à operação de gestão dos resíduos, também não permite apurar se o resíduo estava a ser encaminhado para um operador de gestão de resíduos devidamente licenciado.
No que concerne ao elemento subjetivo da contraordenação, o artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), estabelece que «As contraordenações são puníveis a título de dolo ou de negligência», sendo que «A negligência nas contraordenações é sempre punível».
Estabelece, por sua vez, o artigo 67.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, que “A tentativa e a negligência são puníveis».
O caso vertente convoca a aplicação do regime da negligência, consubstanciada num agir do agente sem que este proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz, traduzindo-se na omissão pelo agente de um dever de cuidado (artigo 15.º, do Código Penal).
A imputação de uma contraordenação ao agente acarreta a censurabilidade do facto (cfr. artigo 1.º do RGCO), sob a forma de dolo ou negligência (cfr. artigo 8.º do RGCO), devendo a culpa ser excluída se o agente atuar sem consciência da ilicitude do facto e o erro lhe não for censurável (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do RGCO). Neste sentido, vide Nuno Brandão, «Crimes e contraordenações: da cisão à convergência material», Coimbra Editora, 2016, página 920).
Esse juízo de censura característico do direito contraordenacional não contempla a «atitude ético-reprovável do agente», assentando antes na «responsabilidade social pela evitação da conduta infratora», isto é, «a censurabilidade da culpa do agente mede-se pela sua responsabilidade social pela evitação da conduta infratora e não pela sua atitude interna, ao invés do que sucede no âmbito do direito penal». Vide, Paulo Pinto de Albuquerque, in «Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», Universidade Católica Editora, 2011, página 67.
No caso concreto, a arguida alega que o transporte se fez acompanhar de uma guia apesar de a mesma conter um lapso na identificação do código LER.
A censurabilidade da falta de consciência da ilicitude é passível de ser aferida através da análise de elementos como a experiência profissional do agente e a inserção no círculo de atividade em que labora, o critério do esforço de reflexão e de informação exigível ao papel social ou à disponibilidade de conhecimento ou capacidade de acesso ao regime legal em vigor.
Dos factos provados não resulta que a arguida tenha agido com desconhecimento acerca das normas legais aplicáveis, sendo que, de todo o modo, sempre seria um desconhecimento censurável, porquanto lhe é exigível a diligência adequada ao conhecimento das obrigações impostas a quem desenvolve aquela atividade profissional, bem como ao conhecimento do respetivo enquadramento legal.
Em abono do expendido, no sentido da exigibilidade da adoção de medidas compatíveis com as determinações legais que lhe incumbiam respeitar, cabe dizer que a atividade inspetiva em questão, na qual se aquilatou da desconformidade no preenchimento da GAR, teve lugar em 26 de agosto de 2015, quando é certo que o diploma legal que veio impor a obrigatoriedade do acompanhamento da GAR data de 16 de maio de 1997.
Outrossim, resultou provado que a arguida não agiu com a diligência necessária e de que era capaz para conhecer e cumprir com as obrigações legais inerentes ao exercício da atividade por si prosseguida, não se descortinando quaisquer factos que retirem a censurabilidade à infração praticada nos termos supra descritos ou que excluam a sua culpa.
Em conformidade com o exposto, encontram-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal em menção, pelo que se conclui que a arguida praticou uma contraordenação ambiental leve, prevista e punida pelos artigos 21.º, n.º 1, e 67.º, n.º 3, alínea d), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, conjugado com a Portaria n.º 335/97, de 16 de maio e artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, em associação com o artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho.
Da Determinação da Sanção
Vem a arguida condenada pela prática de uma contraordenação ambiental leve prevista e punida pelos artigos 21.º, n.º 1, e 67.º, n.º 3, alínea d), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, conjugado com a Portaria n.º 335/97, de 16 de maio e artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto, em associação com o artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, em autoria material, na forma consumada e a título de negligência, numa sanção de admoestação, ao abrigo do disposto no artigo 51.º, do Regime Geral das Contraordenações, ex vi artigo 2.º, da Lei n.º 50/2006 de 29 de agosto.
Para a fixação da medida concreta da coima há que atender à gravidade da contraordenação, à medida da culpa, à situação económica do agente, e ao benefício económico que este granjeou com a prática da contraordenação (cf. artigos 18.º do Regime Geral das Contraordenações e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006).
Além disso, o artigo 20.º, n.º 2, deste último diploma legal, manda atender, na determinação da sanção aplicável, à conduta anterior e posterior do agente e às exigências de prevenção.
Tratando-se de uma contraordenação classificada como leve e sendo praticada com negligência por uma pessoa coletiva, aplica-se o disposto no artigo 22.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 50/2006, que determina a aplicação de uma coima entre €2 000 a €18 000.
Por outro lado, ao abrigo do disposto no artigo 51.º, do Regime Geral das Contraordenações, aplicável ex vi artigo 2.º, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente pode justificar que a entidade competente se limite a proferir uma admoestação.
A admoestação corresponde a uma sanção alternativa destinada aos casos de reduzida relevância do ilícito contraordenacional e da culpa do agente.
Daí que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2018, tenha fixado jurisprudência no sentido de que «A admoestação prevista no art. 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04».
A admoestação também não se coaduna com a aplicação de sanções acessórias nem estas podem ser substituídas pela admoestação.
Afigura-se-nos que, in casu, se mostra adequada a aplicação de uma sanção de admoestação, porquanto é reduzida a gravidade da infração e da culpa, tendo em conta desde logo que a lei classifica a infração como leve. Acresce que a conduta da arguida é negligente, não tendo observado o dever de garantir o transporte de resíduos com a respetiva guia de acompanhamento de resíduos devidamente preenchida.
Além do mais, não resultam dos factos provados quaisquer prejuízos económicos ou ambientais provocados pela conduta da arguida nem que a mesma tenha retirado da prática da infração qualquer vantagem económica, entendendo-se que a anti-socialidade do facto e a danosidade social não se revelam acentuadas, sendo suficiente, neste caso, a admoestação para garantir a confiança da comunidade na norma jurídica violada.
A tudo isto acresce a circunstância de os factos terem ocorrido há mais de quatro anos e ainda o facto de à arguida não ser conhecida notícia de comportamentos semelhantes, anteriores e/ou posteriores à prática dos referidos factos, em matéria de transporte de resíduos, nomeadamente de não se fazer acompanhar da respetiva guia de acompanhamento de resíduos.
Tudo ponderado, afigura-se adequado manter a aplicação da admoestação à arguida pela prática de uma contraordenação ambiental leve prevista e punida pelos artigos 21.º, n.º 1, e 67.º, n.º 3, alínea d), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de setembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, conjugado com a Portaria n.º 335/97, de 16 de maio e artigo 22.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, em associação com o artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho.
DECISÃO
Pelo exposto, julgo o recurso totalmente improcedente, e decido:
- manter a decisão da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, que condenou a ………………………, pela prática, em autoria material, na forma consumada e a título de negligência, de uma contraordenação prevista e punida nos termos conjugados da alínea d) do n.º 3 do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de setembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, e da alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto e pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, numa sanção de admoestação.
Custas pela recorrente, fixando se a taxa de justiça em 2 U.C. – cfr. artigo 8.º n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.”

Inconformada com o decidido, recorreu a arguida F…. S.A., nos termos da sua motivação constante de fls. 82 a 108, concluindo nos seguintes termos:
1. No recurso interposto está em causa o erro na interpretação e aplicação da norma legal aplicável ao caso: o artigo 67.º 3 d) do DL 1785/2006, de 5 de setembro prevê expressamente “Constitui contra-ordenação ambiental leve, punível nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, e rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 70/2009, de 1 de Outubro, a prática dos seguintes actos: transporte de resíduos sem se fazer acompanhar da guia de acompanhamento de resíduos prevista na Portaria n.º 335/97, de 16 de Maio”.
2. A decisão recorrida aplica aquela norma que expressamente limita a sua facti species aos casos de inexistência de guia “sem se fazer acompanhar da guia” ao caso dos autos em que o transporte se fazia acompanhar da guia “o condutor apresentou a GAR nº 25923202” (facto provado 2.) e “o transporte em referência fazia-se acompanhar também da Declaração de Expedição Internacional CMR 55952 A” (facto provado 6.).
3. Ao fazer exigências para além das expressas na lei, desconsiderando que o transporte não só se fazia acompanhar de Guia de Acompanhamento de Resíduos, mas também de Declaração de Expedição Internacional, apesar de a lei expressamente se aplicar apenas aos casos de transporte “sem se fazer acompanhar da guia de acompanhamento de resíduos”, encontramos o “erro grosseiro, notório ou incomum” que torna manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito a admissibilidade do recurso.
4. Ao interpretar a alínea d) do número 3 do artigo 67.º do Decreto Lei nº 178/2006 de 05/09, confundindo os efeitos resultantes da inexistência de GAR com os efeitos que resultam da existência de GAR (preenchida com lapso de escrita na indicação do código LER, por engano num algarismo) e de CMR, a sentença recorrida atribui-lhe um sentido que não tem qualquer expressão na letra da lei.
5. O presente recurso é «manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», tal como exigido pelo referido artigo 73.º nº 2 do RGCO.
6. A sentença decide com dualidade de critérios relevando à entidade administrativa todos os lapsos e falhas, e punindo a recorrente pelo seu lapso sem falhas.
7. A sentença recorrida considera que, muito embora a entidade administrativa não tenha cumprido o seu dever previsto no artigo 46.º do Decreto Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, não tendo procedido às comunicações que se lhe impunham, tal ilegalidade se mostra ultrapassada por a recorrente ter sabido como reagir.
8. Em oposição, a propósito do lapso na escrita de um único número, onde se troca 4 por 5, que não implica, sequer, alteração relevante quanto ao tipo de resíduo transportado, constante da GAR, - e sendo certo que o transporte era acompanhado também pela Guia Internacional, devida e completamente preenchida e sem qualquer lapso -, o Tribunal a quo decide como se não houvesse GAR.
9. Ao assim decidir, a sentença recorrida violou a lei e os princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da presunção da inocência.
10. A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por omissão de valoração e aplicação do princípio in dubio pro reo.
11. Ao reconhecer que “apenas tenha sido comunicada a possibilidade de impugnação da decisão na parcela respeitante às custas” e que “a nulidade deve considerar-se sanada se o arguido vier deduzir a sua defesa”, o Tribunal a quo deveria ter declarado a nulidade da decisão administrativa.
12. Só após a declaração de tal nulidade, poderia o Tribunal a quo vir a determinar que a mesma se considerava sanada ou que era causa de arquivamento do processo.
13. Nem a decisão administrativa nem a sua comunicação deram cumprimento ao disposto na lei, designadamente porque, em face de uma decisão de condenação no âmbito de um processo de contraordenação, não referem a admissibilidade, o prazo e a forma da respetiva impugnação.
14. A nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei, implica a nulidade da própria decisão “comunicada”, que assim não reveste as necessárias características de legalidade e não tem validade.
15. A decisão administrativa confirmada pela sentença recorrida, refere que “a conduta descrita no auto de notícia acima identificado integra a prática imputada à arguida, da contraordenação prevista e punida nos termos conjugados do art. 67.º n.º 3, alínea d) do Decreto-Lei n-º 178/2006, de 5 de setembro”, quando nem a conduta descrita no auto de notícia nem os factos considerados provados na decisão consubstanciam a facti species de qualquer contraordenação.
16. Resulta da sentença recorrida (facto provado em 2.) que o transporte em causa estava acompanhado da pertinente Guia de Acompanhamento de Resíduos anexa como Modelo A à Portaria n.º 335/97, de 16 de Maio.
17. A GAR pertinente estava devidamente preenchida, fazendo correta e completa identificação do “Produtor/Detentor” e do “Transportador”; indicando, por extenso “designação do resíduo Lamas ETAR”, o estado do resíduo “sólido” e o código correspondente “02 03 04”.
18. O lapso na escrita de um único número, onde se troca 4 por 5, não constitui contraordenação e não implica, sequer, alteração relevante quanto ao tipo de resíduo transportado.
19. A designação, por extenso, “Lamas ETAR” permite a correta identificação do produto transportado e o lapso 02 03 04 em vez de 02 03 05 é manifesto e desculpável.
20. O “destino do resíduo R3” identifica corretamente a operação de valorização a que se destinava o resíduo.
21. Mais, é afirmado na própria sentença (facto provado 5.) que “o referido transporte fazia-se acompanhar também da Declaração de Expedição Internacional CMR 55952 A, na qual era identificado como (…) destinatário a empresa ………………., no ………….. na Carregueira– Chamusca”.
22. Independentemente do facto de esta Declaração de Expedição Internacional tornar desnecessária a GAR, a verdade é que nunca houve dúvidas acerca do destino dos resíduos transportados (R3) nem do destinatário autorizado (……….), como resulta expressamente do Auto, da Acusação, da decisão administrativa e da sentença recorrida.
23. Pelo que, não só não ocorreu transporte de resíduos sem GAR, como esta não merece reparo, devendo ser relevado o lapso no seu preenchimento.
24. São omitidos os factos atinentes à autoria e à culpa, ou seja, da sentença não constam factos que permitam aferir da censurabilidade da falta de consciência da ilicitude.
25. A sentença recorrida decide ainda “custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC – cfr artigo 8.º nº 9 e Tabela III do Regulamento das custas Processuais”. Porém, a norma invocada na sentença aplica-se apenas subsidiariamente, sendo aplicável a este processo o número 7 do artigo 8.º (e não o número 9 aplicado) do RCP.
26. Tendo a recorrente procedido ao pagamento da taxa de justiça devida, a mesma só poderá ser corrigida “tendo em consideração a gravidade do ilícito”. E, a sentença recorrida sustentou a reduzida gravidade do ilícito, pelo que não poderia a sentença recorrida ter agravado para o dobro a taxa de justiça devida, sendo ilegal a condenação em custas operada pela sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 8.º RCP, mormente do seu número 7.
27. Em face do exposto, é manifesto não ter havido infração ao artigo 67.º 3 d) do Decreto Lei número 78/06 de 05 de setembro,

O Ministério Público respondeu, nos termos que constam de fls. 110 vº a 111, pronunciando-se pela manutenção do decidido e assim concluindo:
1. Por as questões suscitadas terem sido exaustivamente tratadas na douta sentença recorrida, e concordando-se na íntegra com as mesmas, entende o Ministério Público que a douta sentença não padece de nenhum dos vícios apontados no recurso, pelo que deve ser mantida na íntegra.

Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu visto.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respetivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objeto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão à arguida, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, as quais se prendem com a inexistência de contraordenação em causa; como com a falta de elementos atinentes à culpa; a nulidade da decisão administrativa; a violação do princípio in dubio pro reo; e a incorreção em matéria de fixação de custas.

Vejamos:

Desde logo, cumpre referir que a recorrente, nas conclusões da sua motivação, acaba por admitir a verificação da contraordenação, muito embora considerando excessivo tal entendimento, por violação do princípio in dubio pro reo.
Daí, que atribua toda uma panóplia de vícios quer à decisão administrativa proferida e da qual recorreu para o tribunal a quo quer à própria decisão recorrida, a qual manteve o decidido pela autoridade administrativa, sendo precisamente com essa decisão condenatória que a recorrente não concorda.
Suscita, ainda, a questão da fixação das custas por parte do Tribunal a quo.
Ora, da sentença proferida pelo Tribunal a quo, acima transcrita, constam todos os elementos objetivos e subjetivos constitutivos da infração contraordenacional em causa, sendo que a respeito do dito elemento subjetivo e relembrando, consta:
“A arguida não agiu com a diligência necessária e de que era capaz para cumprir com as obrigações legais.”
Como tal, e sem necessidade de mais delongas, dada a simplicidade da questão, entende-se que a recorrente carece de razão quanto a este ponto.

Quanto à arguida nulidade da decisão administrativa, conforme vem arguida pela recorrente, e daí apenas esta parte constituir objeto do presente recurso, a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a título de questão prévia, diz o seguinte:
“Vem a arguida invocar que a autoridade administrativa, através da sua decisão e respetiva comunicação, não deu cumprimento ao disposto no artigo 46.° do Decreto Lei n.° 433/82, de 27 de outubro, na medida em que aí não se adverte acerca da admissibilidade, do prazo e da forma da respetiva impugnação, reportando-se somente à possibilidade de impugnação da parcela correspondente às custas, pelo que conclui pela nulidade da notificação e consequente nulidade da própria decisão a comunicar.
Todavia, não se descortina de que modo é que a alegada comunicação deficiente a propósito da possibilidade de impugnação da decisão conduziria à arguida nulidade.
E certo que «a falta de notificação ou a notificação deficiente da decisão não produz efeitos, não se iniciando o prazo para impugnar», «mas a nulidade deve considerar-se sanada se o arguido vier deduzir a sua defesa». Neste sentido, vide acórdão do TRP, de 19-03-1997, processo 9610331, citado in Paulo Pinto de Albuquerque, «Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», Universidade Católica Editora, 2017, página 188.
No caso concreto, a arguida veio efetivamente deduzir a sua defesa, assim ficando sanada, nos termos supra expostos, a predita invalidade.
Pelo exposto, determina-se a improcedência da invocada nulidade, uma vez que, não obstante apenas tenha sido comunicada a possibilidade de impugnação da decisão na parcela respeitante às custas, o certo é que a recorrente veio efetivamente a deduzir impugnação pela totalidade decisão, não tendo sido a falha de informação na notificação a coartar-lhe o exercício daquele direito de defesa.”
Concorda-se inteiramente com o decidido, nesta parte, abstendo-nos de repetir esta argumentação, dada a clareza com que a mesma vem exposta, e a fim de não sermos redundantes, nem prolixos.
Assim sendo, declara-se improcedente a arguida nulidade.

Entende a recorrente, também, que a sentença recorrida padece de nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal, por omissão de valoração e aplicação do princípio in dubio pro reo.
Estamos perante um princípio geral do processo penal relativo à prova da questão de facto.
Ora, o princípio da investigação, por seu lado, obriga o Tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, pelo que, a falta das mesmas, não pode de forma alguma desfavorecer a posição do arguido. Como refere o Professor Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, volume primeiro, pg. 213, "um non liquet na questão da prova - não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão - tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo".
No caso em apreço, a prova foi reputada suficiente para a decisão da causa pelo Tribunal recorrido, isto é, foi considerada bastante e não dando margem para dúvidas quanto à autoria por parte da arguida, ora recorrente, da contraordenação em causa, pela prática da qual se encontrava acusada.
E, atenta a fundamentação da decisão, esta explanada de forma clara e pormenorizada, sendo perfeitamente consequente e lógico, seguindo a mesma, o raciocínio tecido pelo Tribunal conducente à condenação da arguida, por considerar provados os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos constitutivos do tipo legal de contraordenação em causa, razão pela qual se entende não ter sido violado o aludido princípio in dubio pro reo.

A recorrente discorda da alteração das custas a que o Tribunal a quo procedeu, já que as fixou em 2 UC, e não em 1 UC como parece pretender.
Mais entende que tendo agido de forma negligente não se justifica tal agravação.
O tribunal a quo colheu a base legal para o decidido no artigo 8º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, e respetiva tabela, este constante do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, tendo a Lei nº 2/2020, de 31/03, estabelecido a alteração mais recente a este diploma.
Ora, efetivamente, a lei alude à gravidade da infração em causa.
Porém, nunca alude a que título a mesma é praticada, se a título doloso ou negligente, mas tão só à sua gravidade.
A Contraordenação em causa reveste-se potencialmente de especial gravidade, mormente para o meio ambiente, com reflexos na saúde pública em geral, e daí entender-se plenamente esta agravação, a qual se mantém nos seus precisos termos.
Como tal, quanto a este ponto, também se desatende a pretensão da recorrente.

Assim, e pelo exposto, acordam os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, com os legais acréscimos.