Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1533/16.2T8PTG-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: FIANÇA
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Por via do disposto no artigo 640.º, alínea a), 2.ª parte, do CC, declarando o fiador que assume a obrigação de principal pagador, resulta impedido de invocar o benefício da excussão previsto no artigo 638.º do CC.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Embargante: (…)

Recorrida / Embargada: Caixa Geral de Depósitos, SA

O presente processo consiste em embargos de executado e oposição à penhora deduzidos pelo executado, acionado no processo executivo na qualidade de «fiador e principal pagador» no contrato de mútuo dado à execução como título executivo. Peticiona a sua absolvição do pedido executivo por não ter renunciado expressamente ao benefício da excussão prévia e a embargada não ter demonstrado que excutiu todos os bens da devedora co-executada.


II – O Objeto do Recurso

Finda a fase dos articulados, considerando o Tribunal de 1.ª Instância dispor de todos os elementos para conhecer do mérito da causa, foi proferida sentença julgando os embargos improcedentes, determinando o prosseguimento da execução.

Inconformado, o Embargante apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que declare procedentes os embargos. Concluiu a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«01ª. - Essencialmente, discorda o embargante da douta decisão por entender que a mesma viola os nºs. 1 e 2, do artigo 627º., do Código Civil bem como os artigos 634º., 638º., 640º., 781º., e 782º., todos do Código Civil, porquanto, resulta da escritura de mútuo com hipoteca e fiança que o embargante se constituiu fiador das obrigações assumidas pela mutuária, sem todavia ter declarado de forma expressa ou tácita ao benefício da excussão prévia;
02ª. - Preceitua o nº. 1 do artigo 627º. do Código Civil, que o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, sendo a obrigação do fiador acessória da que recai sobre o principal devedor nos termos do nº. 2 do mesmo artigo e diploma legal;
03ª. - A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, sendo lícito ao fiador recusar o incumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 634º., e 638º., do Código Civil;
04ª. - Por outro lado, diz o artigo 782º, também do Código Civil, que a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiros que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia;
05ª. - De harmonia com a alínea a) do artigo 640º, o fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores se houver renunciado ao benefício da excussão prévia;
06ª. - Considerando o título apresentado à execução, resulta claramente do mesmo, que o embargante não renunciou expressamente ao benefício da excussão prévia, bem como ao benefício do prazo previsto no artigo 782º, também do Código Civil;
07ª. - Não constando do título de crédito por parte do embargante a renúncia expressa ao benefício da excussão prévia, tem o embargante legitimidade para chamar à colação a recusa do cumprimento da obrigação enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 634 º., e 638º., do Código Civil;
08ª. - A solidariedade da obrigação por parte do embargante fá-lo-ía incorrer na realidade em responsabilidade solidária, a qual colide com o preceituado dos artigos 634º., e 638º., do Código Civil, por o mesmo, no título de crédito apresentado pelo credor no âmbito dos presentes autos, não constar expressa ou tacitamente que tivesse renunciado ao benefício da excussão prévia;
09ª. - Não tendo havido pois renúncia ao benefício da excussão prévia, bem como ao benefício do prazo previsto no artigo 782º., do Código Civil, não está o credor legitimado para exigir o pagamento coercivo do fiador, aqui embargante, para contra ele exigir o cumprimento da obrigação enquanto não esgotar todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito;
10ª. - Finalmente, não pode aceitar o embargante que a outorga do contrato na qualidade de fiador e principal pagador, equivale a dizer que renunciou expressa ou tacitamente ao benefício da excussão prévia, na medida em que não consta do título executivo qualquer renúncia expressa ou tácita, a qual deve constar de uma declaração, por forma a que o fiador e aqui embargante se esteja a obrigar nas obrigações de fiador e principal pagador, o que não fez, não declarou, logo, falta ao título executivo a renúncia expressa ao benefício da excussão prévia;
11ª. - Não tendo o embargante renunciado àquele benefício, para segurança da dívida foi constituída garantia real, tendo o embargante direito a exigir a excussão prévia das coisas sobre que recai a garantia real;
12ª. - Ao não ter decidido desta forma, declarando os embargos improcedentes por não provados com o argumento da assunção da responsabilidade solidária por parte do embargante a douta decisão violou os preceitos acima identificados no primeiro parágrafo dos motivos da discordância, assim como o nº. 1, do artigo 639º., do Código Civil;
13ª. – Face ao exposto, deverá a douta decisão ser revogada e substituída por outra que declare procedentes por provados os embargos, assim se fazendo a costumada boa justiça!»

A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que se mostra consentânea com o regime legal inserto no art. 640.º do CC, sendo certo que o benefício do prazo, versado pelo Recorrente em sede de recurso constitui fundamento que não foi esgrimido em 1.ª Instância.

Assim, em face das conclusões da alegação do Recorrente, que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso[1], são as seguintes as questões a decidir:
- do benefício da excussão prévia;
- do benefício do prazo.


III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª instância
1. Em 13 de Dezembro de 2016, a «Caixa Geral de Depósitos SA», ora exequente, intentou ação executiva para pagamento de quantia certa contra o embargante e a executada (…);

2. Enunciando como quantia exequenda o valor de € 14.727,18, sendo € 14.246,99 a título de capital, € 302,49 a título de juros de mora, o montante de € 12,10 a título de imposto de selo e ainda € 165,00 de comissões.

3. Apresentando como título executivo um contrato de mútuo com hipoteca e fiança outorgado por escritura pública de 3 de Junho de 2004 no Cartório Notarial de Portalegre a fls. 82 v.º a 84 do livro de Notas para Escrituras Diversas desse Cartório número (…);

4. Por via do contrato supra-identificado em 3,) a exequente emprestou à executada (…), pelo prazo de 26 anos, a importância de € 16.000,00 a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros e nas demais condições constantes do referido título e que aqui se dá como integralmente reproduzido;
5. Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes desse contrato a executada (…) constituiu hipoteca a favor do Banco exequente sobre o prédio misto denominado “(…)”, freguesia de Santa Maria de (…), Castelo de Vide, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Vide sob o n.º (…), inscrito na matriz predial sob os artigos (…) da secção C e (…), inscrita pela Ap. (…)/20040427;

6. Do referido contrato consta que o embargante (…), aí identificado como terceiro outorgante, declarou: “Que se responsabiliza como fiador e principal pagador por tudo quanto venha a ser devido à caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado, dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e, bem assim, às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitando que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança”.

7. O imóvel identificado em 5) encontra-se penhorado no âmbito dos autos principais, cuja inscrição foi feita pela Ap. 70/20170112.

B – O Direito

Do benefício da excussão prévia

Nos termos do disposto no art.º 627.º, n.ºs 1 e 2, do CC, por meio da fiança o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, assumindo obrigação que é acessória da que recai sobre o principal devedor. Trata-se de uma «garantia pessoal tipo: o terceiro, fiador, assegura com o seu património a satisfação do direito do credor. É o que resulta da afirmação legal de que o fiador dica pessoalmente obrigado perante o credor. Em princípio, portanto, todo o património do fiador é responsável.»[2]

«A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor» – art. 634.º do CC. «Daqui resulta que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor, quer estes respeitem à ação de cumprimento, quer à indemnização por incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso.»[3]

No caso em apreço, o Recorrente declarou “Que se responsabiliza como fiador e principal pagador por tudo quanto venha a ser devido à Caixa credora em consequência do empréstimo” titulado pelo contrato dado à execução, conforme linearmente se extrai do n.º 6 dos factos provados. Por via disso, declarando expressamente a vontade de prestar fiança, obrigou-se pessoalmente satisfazer o direito de crédito decorrente do contrato em causa – art. 628.º, n.º 1, do CC.

Ora, no que tange às relações entre o credor e o fiador, determina o art. 638.º, n.º 1, do CC que «Ao fiador é lícito recursar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.» «Consiste fundamentalmente no direito que assiste ao fiador de se opor à execução dos seus bens enquanto não estiverem executados todos os bens responsáveis do devedor, sem o credor obter a satisfação do seu crédito»[4], «enquanto a garantia concedida pelo património do devedor ou por outras garantias reais prestadas por terceiro anteriormente à fiança não se mostre insuficiente para assegurar o cumprimento da obrigação.»[5]

Por via do disposto no art.º 640.º do CC, no entanto, o fiador não pode invocar o benefício da excussão prévia (nem o benefício da excussão, havendo garantias reais), «se houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador»[6] - al. a) do citado normativo legal. «Efetivamente, embora estabelecido no interesse do fiador, o benefício da excussão não é instituído em termos imperativos, pelo que pode ser afastado pelas partes, o que ocorre frequentemente, bastando para o efeito que o fiador declare que igualmente se responsabiliza como principal pagador.»[7]

Ora, como o Recorrente declarou «Que se responsabiliza como fiador e principal pagador», é manifesto que, por via do regime inserto no art. 640.º, al. a), 2.º parte, do CC[8], não pode invocar o benefício da excussão previsto no art. 638.º do CC. Embora não tenha declarado expressamente renunciar ao benefício da excussão, declarou assumir a obrigação de principal pagador; logo, conforme determina o art. 640.º, al. a), 2.ª parte, do CC, não pode invocar o referido benefício. Perante tal preceito legal, de nada vale ao Recorrente afirmar que não pode aceitar que a outorga do contrato na qualidade de fiador e principal pagador equivale a dizer que renunciou expressa ou tacitamente ao benefício da excussão[9]; é a lei que determina que quem tiver assumido a obrigação de principal pagador não pode invocar os benefícios constantes dos arts. 638.º e 639.º do CC.

Termos em que improcede a pretensão do Recorrente de invocar o benefício da excussão previsto no art. 638.º do CC.

Do benefício do prazo

O Recorrente apresenta-se, em sede de recurso, a invocar o regime inserto nos arts. 781.º e 782.º do CC, dando conta que a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia, sendo certo que, considerando o título apresentado à execução, «não renunciou expressamente ao benefício do prazo previsto no art. 782.º do CC».

Trata-se, no entanto e como salientado pela Recorrida, de uma questão nova, esgrimida de novo nesta instância recursional. Compulsado o requerimento inicial dos embargos de executado, constata-se que nenhuma menção existe relativamente ao regime inserto nos arts. 781.º e 782.º do CC.

Ora, o recurso constitui o meio processual de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Tem em vista a reapreciação ou a reponderação das questões submetidas a litígio, já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas.
Donde, é unanimemente sustentado que não cabe invocar em sede de recurso questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido, conforme resulta do regime inserto nos arts. 627.º, n.º 1, 635.º, n.º 3 e 665.º, n.º 2 e 5, do CPC, apenas excecionada quando a lei expressamente determine o contrário (art. 665.º, n.º 2, do CPC) ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, do CPC)
[10].

Por conseguinte, não cabe conhecer da referida questão suscitada.

Termos em que se conclui inexistir fundamento para revogação da decisão recorrida.

As custas recaem sobre o Recorrente – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
- por via do disposto no art. 640.º, al. a), 2.ª parte, do CC, declarando o fiador que assume a obrigação de principal pagador, resulta impedido de invocar o benefício da excussão previsto no art. 638.º do CC;
- atenta a natureza e finalidade da instância recursional, não cabe ao Tribunal de ad quem apreciar aplicação do regime jurídico previsto nos arts. 781.º e 782.º do CC dado a questão não ter sido suscitada em 1.ª Instância.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Évora, 25 de Janeiro de 2018
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

__________________________________________________
[1] Cfr. arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 643 e 644.
[3] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 2016, p. 314.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., p. 655.
[5] Menezes Leitão, ob. cit. p. 314 e 315.
[6] Sublinhado nosso.
[7] Menezes leitão, ob. cit., p. 315.
[8] 2.ª parte essa que o Recorrente, lamentavelmente, despreza na sua alegação de recurso.
[9] Cfr. conclusão 10.ª da alegação de recurso.
[10] V. Ac. do STJ de 01/10/2002, in CJ-STJ ano X, 3, 65 e de 29/04/98, in BMJ 476/401; Ac. TRP de 12/01/2015 (Manuel Domingos Alves Fernandes).