Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
408/16.0T8ORM-A.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
DEVER DE COLABORAÇÃO COM O TRIBUNAL
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Sumário: Aceitando-se embora a elevação do sigilo bancário a direito constitucionalmente protegido, integrando o direito à reserva da intimidade da vida privada com assento constitucional no art.º 26.º, n.º 1, da CRP e acolhido pelo legislador infra constitucional no art.º 80.º do CC como verdadeiro direito de personalidade, não integrando o núcleo mais restrito da vida de cada indivíduo, deverá ceder para acomodar a realização de outros direitos fundamentais, ainda que tal compressão deva obedecer aos princípios da proporcionalidade e necessidade que decorrem dos n.ºs 2 e 3 do art.º 18.º da CRP.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 408/16.0T8ORM-A.E1
Comarca de Santarém
Juízo Local Cível de Ourém

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Recurso próprio, recebido no modo e com o efeito devidos.
Nada obsta à apreciação do mérito respectivo.
Considerando a simplicidade da questão colocada, passo a proferir decisão sumária, conforme permite o art.º 656.º do CPC.
Notifique.
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I. Relatório
Tanto quanto resulta do presente apenso, (…) e outras instauraram acção declarativa de condenação contra (…), (…) e (…), imputando a este último, na qualidade de Ilustre advogado que patrocinara os seus co-réus no processo de inventário identificado nos autos e ainda em subsequente processo executivo que aos mesmos pelas AA fora movido, a prática de acto lesivo, gerador da obrigação de indemnizar.
Na contestação apresentada, tendo-se defendido por excepção e também por impugnação, requereu o R. (…) fosse “solicitado ao Banco (…), SA” que informasse “se os corréus (…) e (…) eram contitulares da conta bancária n.º…. e podiam movimentar sozinhos essa conta desde data anterior a 29 de Abril de 2013, e até quando, para prova dos factos alegados nos art.ºs 7.º e 8.º da contestação, uma vez que o referido banco não fornece esta informação ao contestante, em virtude do sigilo bancário”.
O assim requerido mereceu por banda do Mm.º Juiz despacho com o seguinte conteúdo:
“Por se considerar relevante para a descoberta da verdade material dos factos, nos termos do art.º 432.º do CPC, oficie ao Banco (…) para que preste as informações solicitadas pelo R. (…) no seu requerimento a fls. 96, verso.
Deverá ser indicado à referida entidade bancária que como as pessoas titulares da conta bancária em causa intervêm nos presentes autos como partes interessadas, estará ultrapassada qualquer questão relacionada com o sigilo bancário. Deste modo, não poderá haver recusa na prestação destas informações com base no eventual sigilo bancário quanto às mesmas. De facto, os titulares das contas bancárias estarão legalmente obrigados, nos termos do art.º 7.º do CPC, a colaborar na prestação dessas informações”.
Notificada a instituição bancária visada, por ofício datado de 27 de Março de 2017, informou o Tribunal que estava impedido de prestar as informações em causa, sem que fosse, previamente, obtida a autorização dos respectivos titulares.
Tal posição do Banco (…) foi objecto do despacho proferido a 5 de Abril de 2017 (Ref.ª 75002449), com o seguinte teor:
“Foi oficiado ao Banco (…) a prestação de uma determinada informação, nos termos do art.º 436.º do CPC.
Em resposta veio o Banco (…) a fls. 259, declarar que não está em condições de prestar a informação solicitada por este tribunal por a mesma versar sobre matéria relativamente à qual o banco está obrigado a observar o dever de segredo profissional previsto no art.º 78.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, e no caso em análise não se verificar qualquer das excepções previstas no art.º 79.º daquele diploma legal.
Contudo, o Tribunal esclareceu o Banco (…) que, tendo em conta que as pessoas titulares da conta bancária em causa são partes interessadas nos presentes autos, designadamente os RR (…) e (…), não funcionaria aqui o sigilo bancário, nos termos do art.º 417.º, n.º 4 e art.º 418.º, n.º 1, do CPC, e do artigo 135.º, n.º 2, do CPP.
Por outro lado, não colhe o argumento apresentado pelo Banco (…) para não prestar a informação em causa, designadamente por ter sido o R. (…) a requerê-la, e não os RR (…) e (…).
Na verdade, tendo em conta o princípio da cooperação e o disposto no art.º 7.º do CPC, e porque os RR (…) e (…) não se vieram opor à prestação da informação em causa, após terem sido notificados do pedido do R. (…), para que o mesmo fosse deferido, ter-se-á que considerar que os RR (…) e (…) tacitamente deram autorização para a prestação da informação.
Não tem assim qualquer razão o Banco (…) em recusar-se a prestar a informação em causa, escudando-se em sigilos bancários.
Em conformidade, condeno o Banco (…) na multa de 4 Ucs, nos termos do art.º 417.º, n.º 2, do CPC, pela sua falta de colaboração com o Tribunal e de cumprimento de uma norma legal”.

Inconformado, recorre agora o condenado Banco (…) e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com a decisão, formulou a final as seguintes conclusões:
“A - O Banco foi, na sequência do despacho com a ref.ª 74850090, notificado, nos termos do art.º 432º do CPC, para prestar as seguintes informações: “Se os aqui corréus (…) e (…) eram contitulares da conta bancária nº (…) e podiam movimentar sozinhos essa conta desde data anterior a 29 de Abril de 2013 e até quando o foram”.
B- Aquando da dita notificação não foi transmitido ao Banco que os ditos (…) e (…) não se tinham oposto à prestação das referidas informações;
C- Ora, as informações solicitadas ao Banco respeitam à identificação da titularidade de uma conta bancária e ao seu regime de movimentação, pelo que, a matéria a que se reportam tais informações está sujeita a sigilo bancário – vd. artº 78º do RJICSF, DL 289/92, de 31/12.
D- Pelos motivos e no enquadramento expostos, o Banco, pelo seu ofício de fls., datado de 27.03.2017, informou o Tribunal que estava impedido de prestar as informações em causa, sem que fosse, previamente, obtida a autorização dos respectivos titulares (os ditos RR.).
E- Entendeu, no entanto, o Tribunal a quo que tal posição do Banco era infundada, tendo, por tal motivo, mediante a decisão de que agora se recorre, aplicado ao Banco, nos termos do art.º 417.º, n.º 2, CPC, uma multa de 4 UC´s por falta de colaboração com o Tribunal.
F- Ora, salvo o devido respeito, afigura-se ao Banco que é patente a completa falta de fundamento de tal decisão do Tribunal a quo.
G- O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF – Lei nº 9/92, de 3/7), estabelece, no seu art.º 78º, o dever de segredo, que se traduz na proibição, imposta às instituições de crédito, de revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
H- No nº 2 do referido artº 78º, o legislador especificou o dever de segredo, estipulando que estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos, e outras operações bancárias.
I- Face ao exposto, tem-se por inquestionável que os elementos solicitados pelo Tribunal a quo ao Banco (identificação da titularidade de uma conta bancária e do seu regime de movimentação) estão, nos termos referidos, sujeitos a sigilo bancário.
L- Sendo que, quando o Banco foi notificado nestes autos para prestar as informações em causa não se verificava nenhuma situação de excepção ao dever de sigilo.
M- De facto, só agora, mediante o despacho recorrido, veio o Tribunal a quo informar o Banco que os RR não se tinham oposto à prestação da informação em causa.
N) Posto isto, e em síntese:
a) O sigilo bancário é processualmente reconhecido como uma forma legítima de recusa de prestação de informações solicitadas pelo Tribunal (artº 417º, nº 3, al. c), do CPC);
b) A matéria a que se reporta o pedido de informações dirigido nestes autos ao Banco está abrangida pelo sigilo bancário;
c) À data da notificação do despacho que determinou o Banco a prestar as informações em causa, não se verificava nenhuma das situações de excepção ao dever de sigilo;
d) A lei estabelece (artº 417º, nº 4, do CPC) que a forma de ultrapassar a recusa motivada pelo sigilo é a aplicação do disposto para o efeito no processo penal (artº 135º do CPP), ou seja, suscitar o competente incidente de levantamento de sigilo no Tribunal da Relação;
e) Logo, não é suficiente, para o levantamento do dever de sigilo em causa, um mero despacho do Mmo. Juiz da 1.ª Instância.
O) No descrito enquadramento, a prestação, por parte do Banco, das informações solicitadas pelo Tribunal traduzir-se-ia numa violação frontal do dever de segredo profissional a que o Banco se encontra sujeito (art.º 78º do RGICSF), mas para além disso, consubstanciaria ainda a prática do crime previsto e punido no art.º 195º do Código Penal.
P) Em suma, entende-se que a recusa do BST, pelos motivos acima expostos, em fornecer os elementos solicitados pelo Tribunal a quo configurou, nos termos do artº 417º, nº 3, al. c), do CPC, uma recusa legítima do dever de cooperação, não constituindo, assim, fundamento para a aplicação de qualquer tipo de sanção.
Q) Ao entender diversamente o despacho recorrido incorreu em ilegalidade, por violação frontal dos artºs 78º do RGICSF, e 417º, nº 3, al. c), do CPC, pelo que deve ser revogado.
Requer a final a revogação do despacho recorrido.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, cabe decidir se a recusa da recorrente foi lícita ou antes consubstancia, conforme entendeu o Mm.º juiz a quo, violação do dever de colaboração com o Tribunal, a justificar a multa aplicada.
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II. Fundamentação
Importando à decisão os factos ocorridos no processo, tal como se deixaram relatados em I., verifica-se ter o Mm.º juiz ordenado à instituição ora apelante que prestasse informação sobre a titularidade e movimentação de identificada conta bancária, alegadamente titulada por alguns dos RR no processo, assim deferindo solicitação formulada por co-Réu. Conforme resulta do relato feito, a instituição bancária recorrente recusou fornecer a informação solicitada, alegando estar coberta pelo sigilo bancário a que se encontra adstrita, fundamento que o Mm.º juiz, como se viu, rejeitou, entendendo tal conduta como ilícita e violadora do dever de cooperação, decisão cujo acerto ora se sindica.
O art.º 417.º do CPC consagra efectivamente um dever geral de cooperação para a descoberta da verdade, que assim faz recair também sobre quem não é parte na causa. Todavia, não deixa de reconhecer como lícita a recusa de colaboração se a sua obediência implicar, designadamente e para o que ora releva, a violação do sigilo profissional, sem embargo do tribunal poder diligenciar pela dispensa da vinculação do recusante ao segredo, lançando mão para tanto do incidente previsto no art.º 135.º do CPP, aplicável ex vi do disposto no n.º 4 do referido art.º 417.º.
Epigrafado de “Dever de segredo”, preceitua o art.º 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo DL 298/92, de 31 de Dezembro, com as alterações, no que respeita aos preceitos que aqui relevam, dos DL n.º 222/99, de 22/06, Lei n.º 94/2009, de 01/09, Lei n.º 36/2010, de 02/09 e DL n.º 157/2014, de 24/10):
“1. Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2. Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3. O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços”.
O dever de segredo assim consagrado sofre, contudo, as excepções previstas no preceito imediato, por cujos termos
“1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução, no âmbito das respetivas atribuições;
d) Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal;
e) À administração tributária, no âmbito das suas atribuições;
f) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo”.
O segredo bancário assim consagrado beneficia, segundo entendimento que cremos maioritário, de tutela constitucional, inserindo-se na reserva da intimidade da vida privada e familiar, erigida a direito fundamental e, como tal, protegida nos termos do art.º 26.º, n.º 1, da CRP[1].
A inclusão do segredo bancário no direito à reserva da vida privada estende-lhe a aplicação do regime atinente aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrado, vinculando entidades públicas e privadas e impondo determinados limites nas intervenções de que resulte a sua restrição ou compressão (cf. art.º 18.º da CRP).
Não obstante, localizando-se o segredo bancário no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, “ocupa uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores contrastantes”, encontrando-se portanto sujeito a restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses (cf. acórdão do TC n.º 145/2014, de 13/2/2014, processo n.º 521/2013, também acessível em www.dgsi.pt).
Neste mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 4/6/2010 no âmbito do processo n.º 120/2000.C, acessível em www.dgsi.pt, que o segredo bancário não constitui um valor absoluto, não se inscrevendo sequer no núcleo da reserva da intimidade da vida privada, tendo que ceder sempre que seja necessário acautelar outros valores hierarquicamente superiores, segundo o “princípio da prevalência do interesse preponderante”.
Também o STJ, no acórdão proferido no processo n.º 159/07.6TVPRT-D.P1.S1, datado de 17/12/2009, acessível no mesmo sítio, concluiu não violar a reserva de intimidade da vida privada a “exigência da divulgação dos elementos da conta bancária de uma das partes que permitam o apuramento da situação patrimonial da outra, em causa pendente, no âmbito do estritamente indispensável à realização dos fins probatórios visados por aquela, e com observância rigorosa do princípio da proibição do excesso, é garantia da justa cooperação das partes com o Tribunal, com vista à descoberta da verdade à luz da doutrina da ponderação de interesses”.
Resulta do que vem de se expor que, aceitando-se embora a elevação do sigilo bancário a direito constitucionalmente protegido, integrando o direito à reserva da intimidade da vida privada com assento constitucional no art.º 26.º, n.º 1, da CRP e acolhido pelo legislador infra constitucional no art.º 80.º do CC como verdadeiro direito de personalidade, não integrando o núcleo mais restrito da vida de cada indivíduo, deverá ceder para acomodar a realização de outros direitos fundamentais, ainda que tal compressão deva obedecer aos princípios da proporcionalidade e necessidade que decorrem dos n.ºs 2 e 3 do art.º 18.º da CRP.
Decorrência da referida concepção do direito ao segredo, o legislador previu a possibilidade de ser revelado mediante autorização do cliente e ainda nas situações taxativamente enumeradas no n.º 2 do transcrito art.º 78.º do RGICSF; fora delas, apenas no âmbito do incidente previsto no art.º 135.º do CPP, mediante uma ponderação casuística dos interesses em confronto, cuja competência cabe aos tribunais superiores, poderá ser determinada a dispensa do sigilo.
Voltando ao caso dos autos, e tendo em consideração quanto vem de se dizer, impõe-se concluir que i. a informação solicitada estava abrangida pelo sigilo bancário legalmente imposto à instituição bancária apelante; ii. não se verificava nenhuma das situações de excepção taxativamente elencadas no n.º 2 do art.º 79.º do citado RGICSF.
É certo que o Mm.º juiz, no despacho em que ordenou fosse solicitada a informação pretendida, logo avançou que considerava não ser legítima a invocação do sigilo bancário, uma vez que “as pessoas titulares da conta bancária em causa intervêm nos presentes autos como partes interessadas”. Tal argumento, contudo, não só é perfeitamente irrelevante para efeitos de superar eventual invocação do sigilo bancário -o serem partes interessadas não significa que tenham autorizado a revelação dos elementos sigilosos- como o Mm.º juiz não tinha (não tem) competência para determinar a dispensa do dever de sigilo invocado, tarefa neste caso cometida ao Tribunal da Relação, a decidir no âmbito do incidente previsto e regulado no art.º 135.º do CPP.
Por último, a considerar o Mm.º juiz, como parece que consideraria, que os RR titulares da conta bancária não recusariam a sua autorização por serem também interessados na informação, ou ainda que estavam vinculados, atenta a sua qualidade de partes no processo, a autorizar a divulgação dos elementos solicitados por força do dever de cooperação consagrado no art.º 7.º do CPP, deveria ter então determinado aos mesmos RR que concedessem expressa autorização ou obtivessem eles mesmos a informação junto da informação bancária e a fornecessem no processo. O que não podia era considerar que se tratava de uma situação de excepção ao dever de sigilo fora do elenco taxativo do art.º 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, sendo certo ainda, repete-se, que não detinha competência para dispensar a apelante da obediência a este dever.
Em reforço, dir-se-á que não releva o facto dos co-réus não terem deduzido oposição ao pedido formulado pelo co-réu João Inácio, argumento invocado pelo Mm.º juiz aquando da prolação do despacho ora recorrido. Com efeito, e sem discutir aqui se ao silêncio dos titulares da conta pode ser atribuído o valor de autorização exigido pelo n.º 1 do art.º 79.º já citado, a verdade é que aquando da solicitação da informação o Mm.º juiz nada disse a este respeito, sendo a posição daqueles desconhecida da apelante, pelo que não poderiam tomá-la em conta. Tudo para concluir pela licitude da recusa da apelante, inexistindo fundamento para a aplicação de sanção, impondo-se portanto a revogação do despacho recorrido.
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III. Decisão
Julgo procedente o recurso interposto pelo Banco (…), SA e revogo o despacho recorrido, que lhe aplicou a multa de 4 Ucs com fundamento na falta de colaboração com o Tribunal.
Sem custas.
Évora, 09 de Novembro de 2017
Maria Domingas Alves Simões

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[1] Proferido no âmbito da apreciação preventiva da constitucionalidade dos art.ºs 2.º e 3.º do Decreto 139/X da AR, de 5 Julho de 2007, o acórdão do TC n.º 442/2007, de 14 de Agosto (processo n.º 815/2007) tratou a questão de forma desenvolvida. Reconhecendo que a fundamentação jurídica do regime do segredo bancário “ganhou um novo respaldo com a sua recondução, por largos sectores doutrinais e jurisprudenciais, à tutela da privacidade”, assim rompendo “as fronteiras da relação contratual banqueiro-cliente, para assumir uma dimensão e implicações jurídico-constitucionais”, aí se ponderou que a interpretação segundo a qual toda a vida privada é objecto de reserva obtém claro apoio no disposto no art.º 1.º da DUDH, na qual se proclama que “ninguém sofrerá intromissões na sua vida privada (…)», sem qualquer especificação restritiva, desde logo porque nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da Constituição da República, «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”.
E em ordem a responder à questão de saber se o sigilo bancário cabe no direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, ponderou-se no mesmo acórdão que não é, hoje em dia, possível estabelecer uma separação absolutamente estanque entre a esfera pessoal e a esfera patrimonial do indivíduo, donde não custar admitir “uma esfera privada de ordem económica, também merecedora de tutela” (Alberto Luís, Direito Bancário, Coimbra, 1985, 88).