Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
10867/15.2T8STB-A.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: CONTRIBUIÇÃO PARA A PREVIDÊNCIA
ADVOGADO
MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A consciência da dedução de pretensão infundada, prevista pela al. a) do nº 2, do artº 542º, do CPC, reporta-se ao momento da dedução da pretensão, ou seja, deve verificar-se ab initio; se a parte deduz pretensão cuja falta de fundamento está dependente da posição que a parte contrária venha a assumir no processo, não se pode afirmar que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, por não lhe ser exigível o conhecimento antecipado de factos que estão no domínio da parte contrária.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 10867/15.2T8STB-A.E1
Setúbal

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório.
1. Por apenso à execução com processo comum em que é exequente Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, com sede no Largo de (…), nº 14, 2º, em Lisboa e é executado (…), divorciado, advogado, residente na Rua (…), nº (…), em Sesimbra, veio o executado deduzir oposição à execução mediante embargos.
Em resumo, alegou a prescrição parcial da quantia exequenda e defende que a exequente litiga de má-fé por pretender o pagamento de contribuições que sabe prescritas.
Concluiu pedindo que sejam declaradas prescritas as contribuições vencidas até 5 anos antes da data de entrada em juízo do requerimento executivo e que o remanescente da quantia exequenda seja compensado pelo valor da indemnização que lhe vier a ser atribuída em consequência da litigância de má-fé da exequente.

2. Seguiu-se despacho em cujo dispositivo designadamente se consignou:
(…) decide-se declarar parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, no que tange aos valores relativamente aos quais o embargante invocou a prescrição.

Custas pela exequente na proporção do decaimento.”

(…)

"Por tudo o que vem exposto, com fundamento na sua manifesta improcedência, nomeadamente por inexistir fundamento para se condenar a exequente por litigância de má-fé, nem fundamento para a indemnização nesta fundada, indefiro liminarmente os presentes embargos de executado.

Custas pelo embargante.”

3. É desta decisão que o Executado recorre, formulando as seguintes conclusões que se reproduzem:
“1) Salvo o devido respeito, não se afigura relevante hic et nunc apurar se se trata ou não de uma obrigação natural.

2) O que se passou foi que a CPAS deixou passar dezenas de anos sem cobrar as quotas e agora em desespero de causa pretendeu suprir essa sua evidente falha procedimental com este recurso a juízo, em que só aceitou a prescrição de uns 5/6 e que era do seu conhecimento, depois de confrontada com a alegação e a prova dela por parte do recorrente.

3) Desde logo e pelo menos nessa medida, quem tem de pagar as custas processuais é a embargada.

4) Assim e não podendo ignorar essa prescrição, sobretudo como uma dimensão assim faraónica de uns 5/6, afigura-se ostensivo que a CPAS incorreu na litigância de má-fé dos artigos 542º e seguintes do Código de Processo Civil, o que acarreta uma indemnização a favor do recorrente.

5) Ora, sucede que este tem mais de 40 anos de exercício da profissão e ganhou o direito a uma pensão já requerida referentemente a 13 de Agosto de 2014, cfr. os elementos oficiais disponíveis na própria CPAS.

6) Daqui resulta em primeiro lugar ser ilegal que a CPAS continue a liquidar quotas ao recorrente posteriores a esse dia 13 de Agosto de 2014, fazendo avolumar anomalamente uma dívida que, neste momento e com juros, já atinge o nível excessivo de mais de 13 mil euros e é por isso cada vez mais dificilmente cobrável, tornando cada vez mais distante a possibilidade legal e constitucionalmente garantida de o recorrente vir a usufruir a pensão a que já fez jus.

7) Para a definição do montante dessa pensão devem concorrer todas as importâncias cobertas pela prescrição, como se realmente tivessem sido satisfeitas.

8) A CPAS tem por norma não despender um cêntimo a título de pensão, enquanto persistirem dívidas para com ela.

9) Não obstante o questionamento legal dessa posição, segue-se que a dívida remanescente do recorrente e reportada apenas a 13 de Agosto de 2014 deve ser compensada por inteiro pela indemnização a que este tem direito contra a CPAS pela litigância de má-fé em que esta manifestamente incorreu.

10) Alternativamente e caso não colha vencimento essa tese que sinceramente parece fundada, então a CPAS deve ser condenada ainda a pagar a predita pensão referenciada a 13 de Agosto de 2014, embora vá descontando mensalmente uma determinada verba apurada pelo seu prudente arbítrio até se atingir aquele momento em que, por já nada ser devido, a pensão calculada possa ser paga por inteiro e

11) A justeza plena dessa situação é fortalecida pelos comandos normativos do Código Civil alusivos à compensação, máxime os 847º, 848º, 850º e 854º.

Nestes termos e nos demais de direito e invocando o sábio suprimento, deve a nem por isso menos douta sentença de 4 de Julho de 2016 ser revogada e consequentemente ser substituída por outra que condene a CPAS nos apontados termos e segundo os preceitos legais acima referidos e com o sentido unívoco em que o foram (indemnização por litigância de má-fé ao recorrente como caminho para a atribuição a este da pensão já solicitada a que tem direito, calculada nos moldes descritos e por via das preditas modalidades da compensação de lei, sendo a embargada ainda condenada nas custas do processo), pois assim se cumpre o direito e assim se faz JUSTIÇA!”

A Exequente respondeu defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da motivação do recurso, enquanto constituam corolário lógico-jurídico da fundamentação expressa na alegação, sem prejuízo do conhecimento de alguma das questões suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil; vistas as conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões nelas colocadas:
- se a exequente litiga de má-fé e, na afirmativa, se deve atribuída ao executado uma indemnização;
- se a exequente deve ser condenada a pagar uma pensão ao executado, com início em 13/8/2014, e a descontar mensalmente nesta as contribuições que constituem a quantia exequenda;
- se incumbe à exequente pagar as custas na medida em que a quantia exequenda foi declarada prescrita.

III. Fundamentação.
1. Factos.
Relevam para a decisão os factos que resultam do relatório supra.

2. Direito.
1. Se a exequente litiga de má-fé e, na afirmativa, se deve atribuída ao executado uma indemnização.
Por constatar que a quantia exequenda comportava contribuições já prescritas e, assim, considerar que a exequente deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, o executado requereu a condenação da exequente como litigante de má-fé.
A decisão recorrida, não obstante reconhecer a prescrição parcial da quantia exequenda, concluiu que a exequente não litigou de má-fé, porque a prescrição só pode ser conhecida se for expressamente invocada por aquele a quem aproveita e ainda que reconhecida a prescrição, mantém-se a obrigação natural.
O executado diverge desta solução e rebatendo os seus fundamentos limita-se a argumentar que “não se afigura relevante hit et nunc apurar se se trata ou não de uma obrigação natural”.
Diz-se litigante da má-fé quem, como dolo ou negligência grave, tiver designadamente deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (artº 542º, nº 2, al. a), do CPC).
E a questão colocada consiste em determinar se o credor que exige a realização coativa duma divida parcialmente prescrita litiga de má-fé quanto a esta parte, ou, mais concretamente, se por esta forma deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
A consciência da dedução de pretensão infundada, prevista pela al. a) do nº 2, do artº 542º, do CPC, reporta-se, pela própria natureza das coisas, ao momento da dedução da pretensão, ou seja, deve verificar-se ab initio; se a parte deduz pretensão cuja falta de fundamento está dependente da posição que a parte contrária venha a assumir no processo, não se pode afirmar que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, por não lhe ser exigível o conhecimento antecipado de factos que estão no domínio da parte contrária.
É o caso da prescrição.
Como se anotou na decisão recorrida e decorre da lei, o tribunal não pode suprir, de ofício a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (artº 303º, do Código Civil).
A prescrição não produz os seus efeitos extintivos ou modificativos automaticamente; a “prescrição não importa, ipso jure a extinção do direito”.[1]
Pela aplicação deste regime se conclui, com relevo para os autos, que a pretensão da exequente ab initio não era infundada porque o decurso do prazo da prescrição de parte da divida exequente não operou automaticamente a extinção do direito; a parcial falta de fundamento da pretensão executiva resultou da invocação da prescrição por parte do executado, pelo que não se pode, a nosso ver, afirmar que a exequente litiga de má-fé.
Em conclusão, carecendo os efeitos extintivos ou modificativos da prescrição de invocação da parte a quem aproveitam, não litiga de má-fé o credor que visa a realização coativa de uma prestação parcialmente extinta, por não lhe ser exigível conhecer antecipadamente a posição do devedor, relativamente à parte da prestação sobre a qual decorreram validamente os prazos da prescrição.
O recurso improcede quanto a esta questão, mostrando-se prejudicado a apreciação do direito do executado a uma indemnização que tinha como fundamento a litigância de má-fé da executada.

2. Se a exequente deve ser condenada a pagar uma pensão ao executado, com início em 13/8/2014, e a descontar mensalmente nesta as contribuições que constituem a quantia exequenda.
Pretende o executado que a exequente seja condenada a pagar-lhe uma pensão com início em 13/8/2014 e que nesta desconte mensalmente uma quantia a arbitrar até perfazer a quantia exequenda que não foi declarada prescrita.
Independentemente das considerações que esta sua pretensão viesse a justificar existe uma razão formal que obsta ao seu conhecimento.
A decisão recorrida não se pronunciou sobre esta questão e não vem suscitada a sua nulidade por omissão de pronúncia; não vem suscitada, nem poderia validamente suscitar-se porque este pedido não foi formulado no requerimento de embargos. O que o executado pediu e lhe foi negado, foi que a parte da quantia exequenda não prescrita fosse compensada pelo valor da indemnização que lhe viesse a ser atribuído com fundamento na litigância de má-fé da exequente.
Como é pacífico para a doutrina e para a jurisprudência, no nosso sistema, os recursos ordinários, como é o presente recurso de apelação, destinam-se à reponderação da decisão recorrida, o que significa que, em regra, “o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados”[2], e isto porque os recursos visam modificar ou anular as decisões recorridas[3] e “não criar decisões sobre matéria nova não sendo lícito invocar e conhecer nos mesmos questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido”[4].
Assim, não tendo a decisão sob recurso resolvido qualquer questão relacionada com a compensação da quantia ainda em execução pelo valor da pensão que o executado diz ter direito a partir de 13/8/2014, por não lhe haver sido colocada, não pode o recurso, neste particular, apreciar seja o que for, por se tratar de uma questão que o executado não suscitou perante o tribunal recorrido e que este não resolveu.

3. Se incumbe à exequente pagar as custas na medida em que a quantia exequenda foi declarada prescrita.
“1. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a ela houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for” (artº 527º, do CPC).
O executado embargou a execução alegando designadamente a prescrição parcial da quantia exequenda; a decisão recorrida deu razão ao executado nesta parte - julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, no que tange aos valores relativamente aos quais o embargante invocou a prescrição – e condenou a exequente em custas na proporção do decaimento (cfr. ponto 2 do relatório supra).
Assim, e porque na parte em que a execução foi declarada extinta as custas correm por conta da exequente/embargada, a pretensão recursiva - desde logo e pelo menos nessa medida, quem tem de pagar as custas processuais é a embargada (concl 3ª) – mostra-se já observada pela decisão recorrida razão pela qual, também nesta parte, esta deverá manter-se.

Improcede o recurso.

IV. Dispositivo.
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 25/5/2017
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
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[1] P. Lima e A. Varela, Cód. Civil anotado, vol. 1º, pág. 255.
[2] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos, pág. 395 e Jurisprudência aí indicada; no mesmo sentido, Lebre de Freitas, CPC anotado, 2ª ed., 3º vol. Tomo I, pág. 5 e Abrantes Geraldes, Recursos, novo regime, pág. 23.
[3] É o que decorre, entre outros, dos artºs 627º, nº1, 631º e 639º, nº 1, todos do C.P.C.
[4] Cfr., entre outros, Ac. STJ de 6/2/1987, BMJ, 364º - 714.