Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4211/16.9T8ENT-A.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
NOTIFICAÇÃO À PARTE
JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - Tendo presente a letra e o espírito dos artigos 26.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do Apoio Judiciário, julgamos ser correcto afirmar que, nos casos em que tenha havido deferimento do pedido de nomeação de patrono, a notificação efectuada pela Segurança Social ao Requerente só se pode considerar completa para efeitos de cumprimento do direito à informação deste com vista ao pleno exercício dos direitos que o levaram a impetrar aquela nomeação, quando a Ordem dos Advogados, por seu turno, notificar ao Requerente a decisão por si proferida quanto ao concreto patrono que lhe foi nomeado, designadamente dando-lhe a conhecer o respectivo nome e escritório.
II - De facto, para cumprir os princípios ínsitos no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, impõe-se que a interpretação da Lei do Apoio Judiciário se efectue de forma adequada à garantia dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados, por parte daqueles que carecem de meios económicos para, no que ora importa, assegurarem a respectiva defesa, sob pena de inconstitucionalidade, por desrespeito do processo equitativo e de violação da proibição de indefesa
III - Pese embora se encontre demonstrado que a notificação à patrona nomeada ocorreu antes da citação do executado, o prazo para a dedução de oposição por parte do executado que anteriormente havia formulado o pedido de nomeação de patrono, só se iniciaria com a respectiva citação, caso então o mesmo já tivesse sido notificado da nomeação de patrono, com a respectiva identificação e morada.
IV - Em face do disposto nos artigos 249.º, n.º 1, do CPC e nos artigos 112.º, n.º 1, alínea a) e 113.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que regulam a forma e a perfeição das notificações, a notificação ao Requerente da nomeação de patrono devia ter sido efectuada por carta registada.
V - Tendo a Ordem dos Advogados remetido carta simples para notificação do ora Recorrente, e tendo este alegado que a não recebeu, alegando factos tendentes a justificar a apresentação dos embargos para além do prazo contado por referência à sua citação, não funcionando a presunção legal de ocorrência da notificação no 3.º dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, a prova do justo impedimento invocado pelo executado para a apresentação do requerimento na data em que o fez, pode ser feita por qualquer meio de prova admissível.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 4211/16.9T8ENT-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I. RELATÓRIO
1. AA apresentou em 09.02.2017, por via eletrónica, oposição à execução acima identificada, mediante embargos, invocando só o ter feito naquela data por não haver sido oportunamente notificado da nomeação de patrono.

2. O Senhor Juiz solicitou à Ordem dos Advogados que prestasse os esclarecimentos necessários, tendo os mesmos sido prestados por ofício datado de 07.04.2017, nos seguintes termos:
«1. Em 06.12.2016, o Sistema Informático da Ordem dos Advogados, por solicitação dos Serviços de Segurança Social de Santarém, procedeu à nomeação da Senhora Advogada, Dra. Ana …, para o patrocínio;
2. A nomeação atrás mencionada, foi comunicada por Ofício datado de 06.12.2016, remetido, quer ao Tribunal quer à Senhora Advogada, Dra. Ana …, por e-mail;
3. Quanto à notificação de nomeação ao beneficiário do Apoio Judiciário a mesma foi remetida por via postal simples, não tendo sido devolvida, até à presente data, pelos CTT a este Conselho Regional;
4. Esclarece-se ainda que “o prazo interrompido (…) inicia-se (…) a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;” – art. 24º n.º 5 alínea a) da Lei do Apoio Judiciário».

3. Anunciando que «De acordo com a informação que antecede, parece não haver qualquer justo impedimento», o Senhor Juiz determinou a notificação do embargante e da «sua Ilustre Mandatária para, em 10 dias, se pronunciarem e/ou requererem o que tiverem por conveniente», tendo sido apresentado requerimento aduzindo, designadamente nos respectivos artigos 10.º a 17.º, que «a Ordem dos Advogados (OA) aquando da notificação ao requerente da nomeação do seu patrono notifica aquele por meio de carta simples, isto é, em nosso modesto entender, a fim de simplificar e agilizar o procedimento; Todavia, de harmonia com o CPA (sendo que, o diploma que regula o acesso ao Direito e aos Tribunais não regula especificamente a matéria de notificações) nenhuma notificação poderá ser efectuada por meio de carta simples (art. 112); No caso que nos ocupa alega o Executado/embargante que enquanto na qualidade de requerente de protecção jurídica na modalidade de patrono nunca recebeu a notificação da nomeação em apreço; Não existe nos autos qualquer prova em contrário, dado que é omissa a perfeição da notificação ao Executado da nomeação de Advogado (art. 113CPA); A notificação feita à patrona ora signatária pela OA não foi impugnada; Contudo, a falta de notificação ao Executado foi elencada na motivação do incidente de justo impedimento; E, pese embora, para efeitos de contagem de prazo para o exercício dos direitos processuais se conte esta notificação à patrona tal só é assim, caso o requerente seja legalmente notificado do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado, o que no caso que nos ocupa tal não ocorreu; Ora a patrona não se substitui à parte nem presume qual a posição que o Executado pretende tomar nos autos».

4. Seguidamente foi proferida decisão que, julgando não haver justo impedimento, concluiu pela manifesta extemporaneidade da deduzida oposição, indeferindo-a liminarmente.

5. Inconformado, o Embargante interpôs o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões[3]:
«A. O presente recurso tem como objecto o despacho que indefere liminarmente a oposição à execução e à penhora, mediante embargos de executado, dando sem efeito o alegado incidente de justo impedimento, por estar ferido de inconstitucionalidade, sendo que o Tribunal a quo interpreta erradamente as normas dos artigos 24/5/a, 31/2 e 37 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, e os arts. 112, 113, 161/1/g e 162/1 CPA, i é, no sentido de que o prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior (quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo) inicia-se, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação mesmo, sendo nula ou inexistindo a notificação ao requerente do nome e domicílio profissional do patrono nomeado, isto é, vedando e coarctando ao advogado e ao cidadão seu representado o poder de conferenciarem, é contra a Lei Fundamental. (…)
I. Pelo que fazer depender o início do prazo de defesa (interrompido pelo pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono) a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação mesmo que seja nula a notificação ao requerente do nome e domicílio profissional do patrono nomeado, mantendo-se vedado e coarctado ao cidadão poder conferenciar com o seu advogado por desconhecer quem foi nomeado é contra a Lei Fundamental.
J. Pelo exposto, uma interpretação oposta consubstancia um desequilíbrio inadmissível nos campos dos princípios do contraditório e da igualdade, constituindo uma violação do direito de acesso à justiça e de tutela jurisdicional efectiva, consagrados no art. 20/1/2/5 e dos princípios fundamentais exigidos à da Administração pública consagrados no art. 268/1/3 todos da Constituição, na vertente do direito de defesa e de garantia do princípio do contraditório e um desrespeito do princípio da igualdade, plasmado de forma genérica no art. 13º, com expressão ampla no art. 2º. Violando, ainda, os – princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé sendo que, os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei tal como vem consagrado no art. 266 da Lei Fundamental.
K. Por conseguinte, o despacho do Tribunal a quo que indeferiu liminarmente a oposição à execução, por não se encontrar verificado o justo impedimento tendo por base, os elementos que constam nos autos - um acto administrativo não notificado ao interessado, na forma prevista na lei - fez errada interpretação do disposto nos arts. 24/5/a, 31/2 e 37 da Lei n.º 34/2004 de 29 de 14/15 Julho, e os arts. 112, 113, 161/1/g e 162/1 CPA violando, de forma grosseira, as normas Constitucionais supra mencionadas».

6. A embargada apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

7. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.
Assim, a única questão colocada à apreciação deste Tribunal é a de saber se em face dos elementos constantes dos autos, deviam ou não os embargos deduzidos pelo executado ter sido liminarmente indeferidos, por extemporaneidade.
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III – Fundamentos
III.1. – Tramitação processual
Para além do que consta no Relatório, importa ainda considerar a seguinte tramitação processual relevante que resulta da decisão recorrida, bem como do ofício da Ordem dos Advogados junto aos autos, e dos documentos a este anexos:
1. A Ilustre patrona foi nomeada em 06.12.2016, data em que foi notificada pela Ordem dos Advogados da sua nomeação, e em que a mesma foi comunicada ao Tribunal, via correio electrónico.
2. Nessa data foi ainda remetida pela Ordem dos Advogados carta simples para notificação ao Requerente do deferimento do requerido patrocínio judiciário e identificação do Patrono nomeado, a qual não foi devolvida.
3. O ora Recorrente foi citado para deduzir oposição à execução e à penhora em 15.12.2016.
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III.2. – O mérito do recurso
Pretende o Recorrente que seja revogada a sentença que indeferiu liminarmente a deduzida oposição, por extemporaneidade, em virtude de não ter sido considerado verificado o alegado justo impedimento.
Para o efeito aduziu que pese embora a nomeação tenha sido notificada à patrona nomeada, o certo é que não se encontra demonstrado que o executado tenha sido igualmente notificado de tal nomeação, constituindo a omissão da sua notificação uma violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva.
A alegada falta de notificação da nomeação de patrono ao ora Recorrente já havia sido por este invocada quer no requerimento inicial, em fundamento do deduzido incidente de justo impedimento, quer no requerimento em que se pronunciou na sequência da notificação referida em 3. do relatório.
Vejamos, pois, se lhe assiste ou não razão.
Conforme resulta da tramitação processual relevante supra elencada, o ora Recorrente foi citado para deduzir oposição à execução e à penhora em 15.12.2016, pelo que, em face do disposto no n.º 1 do artigo 856.º do CPC, podia deduzir, no prazo de 20 dias, embargos de executado e oposição à penhora.
Em data anterior o ora Recorrente havia tomado conhecimento do processo e requerido o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e, ainda, com nomeação e pagamento de compensação de patrono junto do Instituto da Segurança Social, IP, tanto assim que a Ilustre Patrona que ora o representa teve conhecimento de que foi nomeada para representar o executado em 06.12.2016, data em que a Ordem dos Advogados a notificou e igualmente informou o Tribunal por via de correio electrónico.
Portanto, diversamente do que amiúde ocorre, não estamos no caso vertente em presença de uma situação que configure qualquer interrupção do prazo em curso porquanto, quando o executado foi citado já lhe tinha sido nomeado o patrono.
Acontece, porém, que o mesmo invocou desconhecer tal nomeação porque a mesma não lhe foi notificada. Por isso, o Senhor Juiz - e bem -, de imediato oficiou à Ordem dos Advogados para obter informação quanto à notificação da nomeação do Requerente.
Na sequência dessa diligência foi informado nos termos do ofício que consta transcrito no ponto 2. do relatório supra, do qual decorre a informação de que para a notificação do executado foi expedida carta simples.
Ora, a respeito da invocada preterição de formalidade da notificação o Senhor Juiz nada disse no despacho recorrido, indeferindo o deduzido incidente de justo impedimento para a prática tempestiva do acto, nos seguintes termos:
«(…) findo o prazo legalmente previsto, após nomeação de advogado oficioso (comunicação em 06/12/2016), o oponente só em 09/02/2.017 deduziu oposição.
Consequentemente, tendo sido citado, e até requerido o benefício de apoio judiciário com nomeação de patrono, a responsabilidade de se preocupar com o processo e de falar com o seu ilustre mandatário nomeado e de receber missivas e de ir ao Tribunal, como alegado, era do executado.
Se o não fez antes, atempadamente, tendo-o feito depois, SIBI IMPUTET.
Por conseguinte, o executado não se encontrou impedido de exercer cabalmente a sua defesa por meio de embargos e ainda opor-se à penhora.
E também não se criou um evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obstou à prática atempada do ato de harmonia com o art. 140 do CP. Civil.
E se criou, a culpa e/ou responsabilidade é do executado.
E tal também nada tem a ver com o acesso electrónico aos autos principais, como é bom de ver (há telefones e outros meios de comunicação, e o Tribunal está aberto ao público), sem prejuízo de se ter em devida consideração o requerido.
Não há, pois, justo impedimento.
Constata-se, assim, que é manifestamente extemporânea a oposição à execução e/ou à penhora, mediante oposição à execução/embargos de executado, por si deduzida em 09.02.2017».
Sobre a notificação da decisão proferida quanto ao pedido de protecção jurídica rege o artigo 26.º, n.º 1, da Lei de Apoio Judiciário[5], estabelecendo que “a decisão final sobre o pedido de protecção jurídica é notificada ao requerente, e se o pedido envolver a designação de patrono, também à Ordem dos Advogados”.
Em anotação a este normativo o Conselheiro SALVADOR DA COSTA observa que «[a] primeira daquelas notificações é, naturalmente, inerente ao direito à informação do requerente sobre o decidido em relação ao que requereu, a fim de poder exercer os direitos e vinculações emergentes.
A razão de ser da notificação da decisão final em causa à Ordem dos Advogados (…), tem a ver com o facto de aquela entidade dever decidir sobre a respectiva nomeação»[6].
Por seu turno, quanto à notificação da nomeação de patrono a este e ao Requerente, dispõe o artigo 31.º da LAJ que:
«1. A nomeação de patrono é notificada pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 26.º, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal.
2. A notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com a menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado».
Diz-nos a respeito deste preceito aquele Ilustre Autor que «[a referida notificação visa a informação ao patrocinante e ao patrocinado da relação jurídica de patrocínio envolvente de obrigações para qualquer deles e de encargos para o erário público. (…) A referida notificação é dirigida, pelo correio, para o endereço do requerente do patrocínio judiciário indicado no requerimento inicial do procedimento administrativo, funcionando a presunção a que se reporta o artigo 249.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
No caso de devolução da carta de notificação pelos serviços postais, a Ordem dos Advogados deve diligenciar de imediato pela superação desse facto, designadamente junto dos serviços de segurança social em que se integram os órgãos decisores»[7].
Assim sendo, tendo presente a letra e o espírito destes normativos, julgamos ser correcto afirmar que, nos casos em que tenha havido deferimento do pedido de nomeação de patrono, a notificação efectuada pela Segurança Social ao Requerente só se pode considerar completa para efeitos de cumprimento do direito à informação deste com vista ao pleno exercício dos direitos que o levaram a impetrar aquela nomeação, quando a Ordem dos Advogados, por seu turno, notificar ao Requerente a decisão por si proferida quanto ao concreto patrono que lhe foi nomeado, designadamente dando-lhe a conhecer o respectivo nome e escritório.
No caso vertente, o Recorrente tem invocado que não recebeu a carta da Ordem dos Advogados contendo esta informação, sendo certo que dos autos resulta que a mesma foi expedida por via postal simples, não tendo sido devolvida à entidade remetente.
Ora, na interpretação da Lei do Apoio Judiciário não podemos deixar de ter presente que, o instituto do apoio judiciário existe para cumprir o imperativo constitucional decorrente designadamente dos artigos 13.º, n.º 2, e 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa[8], que garantem o acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais, de tal modo que a insuficiência económica não seja impeditiva para que os cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos de acção e de defesa acedam à justiça e a um processo equitativo.
Assim, distinguindo a Lei do Apoio Judiciário as várias modalidades de que o requerente pode beneficiar para lograr conseguir um efectivo acesso à tutela jurisdicional efectiva, quando está em causa o pedido de nomeação de patrono, em acções em que é obrigatório o patrocínio judiciário, tal pedido assume-se como essencial ao exercício do direito de acção ou de defesa, consoante a fase processual em causa, devendo considerar-se «os interesses em causa como assumindo particular relevância social por a violação daqueles direitos poder implicar ultrapassagem dos precisos limites do caso concreto»[9].
Por isso que, de acordo com o previsto no artigo 24.º, n.º 4, da LAJ, “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”, por forma a permitir-lhe exercer a sua defesa.
No caso vertente, a nomeação foi efectuada pela Ordem dos Advogados antes sequer do executado ter sido citado. Porém, atentos os fundamentos invocados pelo ora Recorrente para justificar o alegado justo impedimento para a apresentação da oposição no prazo assinalado por lei, contado desde a respectiva citação, tudo está em saber, tal como na interpretação deste referido preceito, em que momento esteve o Requerente do benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, em condições para efectivamente exercer a sua defesa.
Entendeu a Ordem dos Advogados no ofício remetido ao Tribunal “esclarecer” «ainda que “o prazo interrompido (…) inicia-se (…) a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;” – art. 24º n.º 5 alínea a) da Lei do Apoio Judiciário».
É certo que assim ocorre quando a informação ao patrocinante e ao patrocinado da relação jurídica de patrocínio envolvente de obrigações para qualquer deles chegou oportunamente ao conhecimento de ambos, por via da notificação que lhes foi efectuada.
Porém, não podemos concordar que este entendimento seja de igual modo aplicável aos casos em que apenas está demonstrado que a notificação foi efectuada ao patrono, mas não se encontra provado que o Requerente tenha igualmente sido notificado da nomeação do patrono, com as menções legais acima assinaladas.
De facto, a conformidade constitucional da interpretação de algumas das disposições legais ínsitas na Lei do Apoio Judiciário tem sido objecto de repetida análise pelo Tribunal Constitucional sendo relevante para o caso em apreço ter presente que por este já foi julgada inconstitucional a interpretação normativa extraída do artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da LAJ com o sentido de que o prazo se inicia com a notificação ao patrono, quando o requerente do apoio judiciário desconheça tal nomeação, por da mesma não ter sido notificado[10], aduzindo para o efeito e designadamente que com tal interpretação «persiste o risco, incompatível com o respeito pelo processo equitativo, na dimensão de igualdade substantiva entre as partes e de proibição da indefesa (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), de o interessado economicamente carenciado não poder defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo se poderá esgotar, quer porque disporá de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado».
Assim sendo, e adaptando o entendimento preconizado pelo Tribunal Constitucional à situação que nos ocupa, a questão que se nos coloca nos presentes autos é a de saber a partir de que data se inicia o prazo para dedução da oposição, nos casos em que tendo o patrono nomeado sido notificado da respectiva nomeação antes do dies a quo do prazo para o executado deduzir oposição, quando este é citado e até ao termo do prazo assinalado por lei para o efeito, desconhece que a Ordem dos Advogados já lhe nomeou patrono.
Tendo presente que no citado aresto o Tribunal Constitucional se debruçou precisamente sobre «o campo de regulação do nº 5 do artigo 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, na perspetiva de dirimir problema de tempestividade da oposição à injunção apresentada pela requerida. Daí que seja equacionada a conformidade constitucional da norma que estipula como dies a quo do prazo interrompido a notificação do patrono nomeado, sem que o requerente tenha conhecimento, por via de notificação emitida pela entidade competente, de que lhe fora designado como patrono na ação contra si pendente, qual a respetiva identidade e elementos de contacto, e não outro sentido normativo. Não se cuidou de apreciar a validade da constituição da relação de patrocínio judiciário ou a extensão dos poderes forenses imediatamente conferidos pelo ato de nomeação ao patrono designado, independentemente da notificação do mesmo ato ao requerente; antes, especificamente, foi apreciada a eleição pelo legislador da notificação do ato de nomeação ao patrono nomeado como idóneo a desencadear, por si só, a contagem de um prazo processual interrompido, quando a notificação do mesmo ato ao requerente de apoio judiciário tem lugar apenas em dia posterior», pensamos que, por identidade de razões, a resposta à situação vertente, em tudo semelhante àquela, encontra-se igualmente nesse Acórdão.
De facto, é especialmente impressivo para a situação presente o segmento daquele aresto onde se afirma que «desconhecendo a nomeação e a identidade do patrono, o beneficiário do apoio não dispõe de informação que lhe permita prestar a colaboração necessária à apresentação de articulado de defesa, mormente no plano dos factos, além de que não tem meios de apurar por si mesmo que o prazo interrompido voltara a correr. Aliás, a dupla advertência imposta pelo legislador no artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 julho, visa justamente obstar a uma tal situação de impotência, e de indefesa, consubstanciadora de uma posição processual desfavorável em relação às partes ou sujeitos processuais que possam suportar a constituição de mandatário, em termos similares ao que se julgou nos Acórdãos n.ºs 98/2004 e 467/2004».
Concordando integralmente com este entendimento, não podemos sufragar a compreensão do sistema que se encontra plasmada na decisão recorrida, que nem sequer se debruçando sobre o alegado desconhecimento da nomeação de patrono, logo concluiu que «a responsabilidade de se preocupar com o processo e de falar com o seu ilustre mandatário nomeado e de receber missivas e de ir ao Tribunal, como alegado, era do executado. Se o não fez antes, atempadamente, tendo-o feito depois, SIBI IMPUTET».
De facto, o sentido interpretativo propugnado no Acórdão citado, que igualmente consideramos ser a única interpretação do referido preceito conforme à Constituição, mormente aos respectivos artigos 13.º, n.º 2, e 20.º, n.ºs 1 e 4, que garantem o acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais e a um processo equitativo, impede que se aceite, por inconstitucional, a interpretação efectuada no despacho recorrido.
Na verdade, conforme naquele aresto se aduziu: «É certo que a notificação do patrono nomeado assegura de imediato o estabelecimento da relação de representação em juízo, nada obstando a que o advogado, ciente da premência da obtenção de elementos para a defesa, desencadeie sponte sua o contacto com quem patrocina, fazendo-o em tempo côngruo com o respeito pelo prazo processual cuja contagem se iniciou com a sua notificação.(…) Porém, mesmo que o cumprimento de tais deveres postule uma conduta ativa por parte do advogado nomeado no quadro do apoio judiciário, de modo a que a comunicação entre representante e representado seja estabelecida antes mesmo do recebimento da notificação estipulada nos n.ºs 1 e 2 do artigo 31.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, não existem garantias normativas idóneas a assegurar que assim aconteça em todos os casos. E, sobretudo, não remove a possibilidade de o cidadão economicamente carenciado sofrer, sem culpa sua, um encurtamento, ou até a inutilização, do prazo de organização e exercício da sua defesa em juízo com a assistência de um representante que assegure a condução técnico-jurídica do processo, face ao que teria ao seu dispor caso, logo após a notificação do requerimento de injunção, contasse com meios económicos para contratar de imediato os serviços de um advogado como seu mandatário».
De harmonia com o que vimos de referir, e revertendo ao caso concreto, devemos ainda sublinhar que na situação vertente, uma vez que a nomeação ocorreu antes da citação do executado, nem sequer se encontrava assinalado na mesma a existência de qualquer prazo para o exercício de algum direito por parte do executado, como aconteceria se estivéssemos perante nomeação ocorrida com prazo em curso, nos termos conjugados dos artigos 26.º, n.º 4 e 31.º, n.º 1, da LAJ.
Tudo para concluirmos que, pese embora se encontre demonstrado que a notificação à patrona nomeada ocorreu antes da citação do executado, o prazo para a dedução de oposição por parte do executado que anteriormente havia formulado o pedido de nomeação de patrono, só se iniciaria com a respectiva citação, caso então o mesmo já tivesse sido notificado da nomeação patrono, com a sua identificação e morada, situação que com o deduzido incidente alegou não ter ocorrido.
É certo que, nos moldes em que o sistema se encontra concebido nos termos sobreditos, tal ocorrência da notificação configura a normalidade do acontecer que, aliás, se presume.
Assim, quando se encontra comprovada nos autos a notificação, por carta registada, dirigida pela Ordem dos Advogados para o endereço do requerente do patrocínio judiciário indicado no requerimento inicial do procedimento administrativo, funciona a presunção a que se reporta o artigo 249.º, n.º 1, do CPC, que rege sobre as notificações às partes que não constituam mandatário, presumindo-se que a notificação foi feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Porém, na situação em presença, tal presunção não pode operar, posto que a notificação foi expedida por carta simples. Assim, tendo sido omitida a formalidade indicada no preceito, naturalmente que a presunção que assenta na segurança desta forma de comunicação, não pode operar.
Na verdade, se é certo que a Lei do Apoio Judiciário não contém actualmente qualquer formalidade específica quanto à efectivação da notificação, por ter sido revogado pela alínea a) do n.º 5 da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, o n.º 4 do artigo 31.º da LAJ, não é menos correcto que a eliminação de formalidades específicas quanto à notificação da decisão referente ao pedido de apoio judiciário, apenas significa que não se justificam desvios nesta sede relativamente ao «regime geral de comunicação de atos no âmbito do processo civil e do procedimento administrativo»[11].
Ora, mesmo que se considere não ser aplicável aquele preceito à notificação efectuada pela Ordem dos Advogados ao requerente, sempre lhe seria aplicável o disposto nos artigos 112.º, n.º 1, alínea a) e 113.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro[12], que regulam a forma e a perfeição das notificações, e que não foram cumpridos, porque se referem à carta registada e não à carta simples.
Deste modo, em face do disposto nestes preceitos legais, da não devolução da carta simples expedida pela Ordem dos Advogados para o Requerente da nomeação de patrono, não pode extrair-se a presunção do seu efectivo recebimento, porquanto a base da mesma assenta no envio da carta registada, formalidade que não teve lugar.
Devidamente enquadrados, é tempo de volver à tramitação processual relevante nos presentes autos tendo presente que, numa interpretação da Lei do Apoio Judiciário conforme à Constituição, «o procedimento de concessão de apoio não pode onerar o requerente com uma diminuição das suas garantias de defesa», e ainda que «quando o pedido de apoio visa a nomeação de patrono, uma vez que desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo defender (ou defender adequadamente) os seus direitos e interesses»[13].
Pelo exposto, tendo a Ordem dos Advogados remetido carta simples para notificação do ora Recorrente, e tendo este alegado que a não recebeu, alegando factos tendentes a justificar a apresentação dos embargos para além do prazo contado por referência à sua citação, não funcionando a presunção legal de ocorrência da notificação no 3.º dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, a prova do justo impedimento invocado pelo executado para a apresentação do requerimento na data em que o fez, pode ser feita por qualquer meio de prova admissível.
Assim, impõe-se a revogação da decisão recorrida e o prosseguimento dos autos para apreciação do incidente de justo impedimento, de harmonia com a já referida interpretação efectuada pelo Tribunal Constitucional.
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II.3. Síntese conclusiva:
I - Tendo presente a letra e o espírito dos artigos 26.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do Apoio Judiciário, julgamos ser correcto afirmar que, nos casos em que tenha havido deferimento do pedido de nomeação de patrono, a notificação efectuada pela Segurança Social ao Requerente só se pode considerar completa para efeitos de cumprimento do direito à informação deste com vista ao pleno exercício dos direitos que o levaram a impetrar aquela nomeação, quando a Ordem dos Advogados, por seu turno, notificar ao Requerente a decisão por si proferida quanto ao concreto patrono que lhe foi nomeado, designadamente dando-lhe a conhecer o respectivo nome e escritório.
II - De facto, para cumprir os princípios ínsitos no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, impõe-se que a interpretação da Lei do Apoio Judiciário se efectue de forma adequada à garantia dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados, por parte daqueles que carecem de meios económicos para, no que ora importa, assegurarem a respectiva defesa, sob pena de inconstitucionalidade, por desrespeito do processo equitativo e de violação da proibição de indefesa
III - Pese embora se encontre demonstrado que a notificação à patrona nomeada ocorreu antes da citação do executado, o prazo para a dedução de oposição por parte do executado que anteriormente havia formulado o pedido de nomeação de patrono, só se iniciaria com a respectiva citação, caso então o mesmo já tivesse sido notificado da nomeação de patrono, com a respectiva identificação e morada.
IV - Em face do disposto nos artigos 249.º, n.º 1, do CPC e nos artigos 112.º, n.º 1, alínea a) e 113.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que regulam a forma e a perfeição das notificações, a notificação ao Requerente da nomeação de patrono devia ter sido efectuada por carta registada.
V - Tendo a Ordem dos Advogados remetido carta simples para notificação do ora Recorrente, e tendo este alegado que a não recebeu, alegando factos tendentes a justificar a apresentação dos embargos para além do prazo contado por referência à sua citação, não funcionando a presunção legal de ocorrência da notificação no 3.º dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, a prova do justo impedimento invocado pelo executado para a apresentação do requerimento na data em que o fez, pode ser feita por qualquer meio de prova admissível.
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III - Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida de harmonia com a preconizada interpretação conforme à constituição, e ordenando-se o prosseguimento dos autos, com a consequente tramitação do incidente de justo impedimento, conforme for de direito.
Sem custas.
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Évora, 28 de Junho de 2018
Albertina Pedroso [14]
Tomé Ramião
Francisco Xavier

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[1] Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Que pela sua repetição se restringem à sua motivação essencial.
[4] Doravante abreviadamente designado CPC, na redacção aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[5] Doravante abreviadamente designada LAJ.
[6] In O Apoio Judiciário, 9.ª edição actualizada e ampliada, Almedina 2013, pág. 165.
[7] Idem, págs. 189 e 190.
[8] Doravante abreviadamente designada CRP.
[9] Assim se considerou no Acórdão de 14.10.2010, proferido no processo n.º 3959/09.9TBOER.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, no qual o Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso de revista excepcional fazendo apelo aos direitos constitucionalmente consagrados e assumindo que «a questão essencial suscitada pela recorrente prende-se com saber se houve ou não violação dos seus direitos de defesa e de acesso ao direito, constitucionalmente consagrados como direitos fundamentais, por não se ter atentado em eventual interrupção atendível do prazo para contestar determinada pelo pedido de nomeação de patrono, (…)».
[10] Cfr. o Acórdão n.º 461/2016, de 14.07.2016, proferido no processo n.º 507/15, publicado na II Série do DR de 12.10.2016, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
[11] Cfr. Autor e obra citados, pág. 189.
[12] Atento o disposto no artigo 2.º, n.ºs 1, 3, 4, alínea c) e 5, que definem o âmbito da sua aplicação.
[13] Cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 181 e 182.
[14] Texto elaborado e revisto pela Relatora.