Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
963/13.6TBVRS-A.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
INTERPELAÇÃO
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O credor que pretenda exigir o pagamento imediato de toda a dívida liquidável em prestações, em caso de falta de realização de alguma delas, deve interpelar para esse efeito o devedor.
2. Porém, o terceiro que a favor desse crédito tenha constituído qualquer garantia – no caso, hipoteca sobre um imóvel de sua propriedade – continua a beneficiar do prazo de pagamento em prestações acordado, não lhe podendo ser exigido o cumprimento antecipado de toda a obrigação (art. 782.º do Código Civil).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:
1. O credor que pretenda exigir o pagamento imediato de toda a dívida liquidável em prestações, em caso de falta de realização de alguma delas, deve interpelar para esse efeito o devedor.
2. Porém, o terceiro que a favor desse crédito tenha constituído qualquer garantia – no caso, hipoteca sobre um imóvel de sua propriedade – continua a beneficiar do prazo de pagamento em prestações acordado, não lhe podendo ser exigido o cumprimento antecipado de toda a obrigação (art. 782.º do Código Civil).
3. Sendo admissível que o terceiro renuncie à protecção que lhe é conferida por esta norma, tal renúncia deverá ser prestada de forma expressa.
4. A citação para a execução não tem por objectivo substituir a interpelação prévia do devedor e dos terceiros garantes, pois não lhes permite obstar às consequências não automáticas da mora.


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Execução de Loulé, (…), embargou a execução que lhe foi movida pelo Banco (…), S.A., argumentando ser inexigível a obrigação exequenda por não ter sido emitida nem comunicada qualquer declaração resolutória do contrato, não estar liquidada a obrigação, ser inexequível o título quanto às despesas judiciais e extrajudiciais e existir responsabilidade dos devedores principais.
Ocorreu contestação do embargado, argumentando que a obrigação é exigível, ter interpelado os mutuários para procederem ao pagamento das obrigações vencidas, que a falta de pagamento de uma das prestações implica o vencimento das demais, que a obrigação foi liquidada – € 79.447,33 a título de capital, € 2.182,83 de juros vencidos e os vincendos até integral pagamento – e que o título é exequível quanto às despesas reclamadas, no valor de € 3.400,00.
Dispensada a audiência prévia, realizou-se julgamento e foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo:
«(…) o Tribunal julga parcialmente procedentes, por provados os presentes embargos de executado e, em consequência:
a) Declara que o exequente tem direito a exigir a totalidade das prestação do mútuo ainda não vencidas em 25.02.2013, mas tendo a interpelação ocorrido apenas quando os executados foram citados para a execução, os juros moratórios à taxa convencionada contar-se-ão quanto às prestações venidas até à citação sobre cada uma delas a partir das respectivas datas de vencimento e quanto às restantes desde a data da citação dos executados;
b) Declara que o título executivo dado à execução é inexequível na parte das despesas judiciais e extrajudiciais;
c) Ordena que o Embargado/exequente proceda à actualização do valor da quantia exequenda, nos autos dos autos de execução, considerando o disposto nas alíneas a) e b) da presente sentença».

Inconformada, a embargante recorre e conclui:
a) A douta sentença recorrida deve ser revogada pois nela se fez, salvo devido respeito, errada aplicação do direito.
b) A obrigação exequenda nos presentes autos resulta de um contrato de mútuo com hipoteca celebrado por escritura pública.
c) A ora Recorrente deduziu embargos de executado alegando a inexequibilidade da obrigação porquanto que esta não era exigível face ao título executivo pois que os executados não foram interpelados para liquidar as prestações em dívida.
d) Resulta dos autos que a embargada/exequente não fez prova de que interpelou os executados para que liquidassem as prestações em dívida.
e) Resulta do disposto no artigo 781.º do Código Civil que a falta de realização de uma ou mais prestações importa o vencimento de todas elas, prevendo a perda do benefício do prazo concedido ao devedor.
f) Assim, o credor adquire a possibilidade de exigir o imediato pagamento de todas as prestações,
g) Todavia, até ser interpelado o devedor não se constitui em mora relativamente às prestações ainda não vencidas (805.º/1 do CC). Pois que,
h) A falta de pagamento de uma ou mais prestações vencidas não importa o vencimento automático das restantes.
i) O credor pode exigir o imediato pagamento de todas as prestações, mediante o benefício que por lei lhe é concedido mas para tal, deverá interpelar o devedor nesse sentido, manifestando a vontade de aproveitar esse benefício de exigibilidade antecipada que a lei lhe atribui.
j) Contudo, a embargada/exequente não interpelou os executados, pelo que as prestações não se encontravam vencidas, e portanto, exigíveis.
k) Ademais, o artigo 782.º do Código Civil dispõe que “A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”,
l) A ora Recorrente constituiu hipoteca a favor da embargada/exequente em garantia da dívida contraída pelos restantes executados, não se estendendo a esta a perda do benefício do prazo.
m) E ainda que assim não se entenda, o que não se concede, querendo agir contra a ora Recorrente, a embargada/exequente haveria sempre que interpelá-la, no sentido de esta satisfazer imediatamente a totalidade das prestações em divida, para obstar à realização coactiva da prestação, através da perda do benefício do prazo ou da sua resolução, por incumprimento definitivo
n) No entanto, veio o douto tribunal considerar que a interpelação ocorreu aquando da citação para a execução, considerando que as prestações não se venceram automaticamente, mas apenas a partir da data desta, concedendo à embargante/exequente o direito a receber juros remuneratórios à taxa convencionada contados a partir das respectivas datas de vencimento até à data da citação, relativamente às prestações vencidas, e quanto às restantes os vencidos desde a data da citação.
o) Salvo o devido respeito, que é muito, o tribunal a quo fez uma errada aplicação do Direito. Porquanto,
p) O mencionado crédito não se encontrava vencido.
q) A embargada/exequente não interpelou, nem fez menção em interpelar os executados por via da citação.
r) E na citação não se fez a advertência da intenção de interpelar os executados ou qualquer manifestação de a vontade de aproveitar esse benefício de exigibilidade antecipada
s) Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08- 09-2015 (P. 22/11.6TBFIG-A.C1) que atenta que no regime do anterior CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03, ao artigo 804.º, n.º 2, a interpelação poderia ser efectuada através da citação no processo executivo, mas exigindo-se que o exequente peticionasse que na citação se fizesse essa advertência
t) Ademais, a proceder a tese de que a interpelação ocorreu com a citação sempre se dirá que:
u) A ora recorrente foi interpelada/citada após o início da execução, entendendo-se esta como as diligências tipicamente executivas, nomeadamente a penhora.
v) Ora, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 550.º e 855.º e seguintes do C.P.C., o contraditório da executada foi diferido para momento posterior à efectivação da penhora,
w) Assim, na data em que se efectivou a penhora (20 de Novembro de 2013) o crédito não se encontrava vencido, pois a ora Recorrente só foi citada após a penhora (28 de Novembro de 2013)! O que significa que,
x) A executada não foi interpelada antes da instância executiva se ter iniciado. Pelo que,
y) Não se encontravam preenchidos os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda para que se procedesse ao acto da penhora.
z) A este propósito, tal como comentado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-09-2015 (P. 22/11.6TBFIG-A.C1), citando Carlos Lopes do Rego, «não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que – nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efectivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extrajudicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.». Assim,
aa) Com o devido respeito, procedeu mal o douto tribunal a quo, ao dar provimento ao requerimento da embargada/exequente, porquanto que esta não logrou provar que interpelou os executados para que liquidassem as prestações em dívida,
bb) Não sendo admissível a interpelação judicial com a citação porque posterior aos actos de execução, nomeadamente do acto de penhora, cuja oposição só foi facultada à executada posteriormente
cc) Assim, a obrigação exequenda não era exigível à data da execução, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada nesta parte, considerando-se a excepção peremptória de inexigibilidade da obrigação exequenda, devendo a executada ser absolvida do pedido e consequentemente, ser anulado todo o processado.
dd) Por outro lado, vem ainda o douto tribunal ordenar à embargante/exequente para proceder à actualização do valor da quantia exequenda, considerando o estipulado na mencionada sentença.
ee) Ora, tendo a embargante impugnado a liquidação apurada no requerimento executivo pela embargada/exequente, não se compreende porque o juiz de execução não fixou o valor que ficou demonstrado.
ff) Ficou demonstrado que os juros de mora não deveriam ter sido contabilizados para a quantia exequenda da forma como o exequente o fez, excluindo-se ainda do cálculo os valores peticionados a título de despesas judiciais e extrajudiciais, havendo ainda que contabilizar os juros vencidos na pendência do processo
gg) No entanto, por se considerar que a dívida não era líquida, deveria em sede de sentença ficar apurada a quantia exequenda nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 360.º do C.P.C.
hh) Não ficou apurada a quantia exequenda, frustrando-se os propósitos do incidente suscitado pela embargante!
ii) Neste sentido, desconhecendo a falta de pagamento dos devedores, a ora Recorrente, enquanto garante da dívida, apenas teve conhecimento do vencimento da mesma após a efectivação da penhora do imóvel de que era proprietária.
jj) E por desconhecer os valores que lhe eram imputados, alegou a iliquidez da dívida, continuando, após a procedência dos embargos, a desconhecer os valores concretamente em dívida,
kk) Sendo certo que, se a execução tivesse seguido os seus trâmites normais e não o processo sumário, esta talvez tivesse conseguido liquidar os valores em dívida, que continuam por apurar. Pelo exposto,
ll) Mal andou o Tribunal “a quo“ ao decidir como decidiu na sentença ora recorrida.
mm) Tendo violado, por erro de aplicação e interpretação, entre outros, os artigos 781º, 782º e 805º do Código Civil e 195º, 360º, nº 2, 550º e 855º e segs do Código de Processo Civil.
nn) Devendo ser considerada a procedência da inexequibilidade da obrigação alegada pela Embargante e ora Recorrente por provada nos autos e em consequência ser a executada absolvida do pedido, anulando-se todo o processado até à citação e ser ordenada nova citação da executada/embargante com o valor recalculado pelo exequente.

Na resposta sustenta-se a manutenção do decidido.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

O elenco fáctico estabelecido na decisão recorrida e não impugnado é o seguinte:
1- O «Banco (…), SA» intentou em 05-11-2013 a execução contra os executados (…), (…) e (…), apresentando como título executivo o acordo reduzido a escrito que faz fls. 19 a 30 destes autos, no essencial com o seguinte teor:
“Mútuo com Hipoteca.
No dia vinte e dois de Maio de dois mil e nove, no Cartório Notarial de Lisboa (…) perante mim, Joana Cardeal Patrão Freitas dos Santos, Notária em substituição de Joaquim António Barata Lopes, Notário do Cartório, compareceram a outorgar:
PRIMEIRO: (…) e mulher (…);
(…) SEGUNDO: (…) outorga na qualidade de procurador em representação da sociedade comercial anónima com a firma “Banco (…), SA” sociedade aberta (…) adiante designado apenas por Banco.
TERCEIRO: (…) viúva (…);
Declarou a Terceira Outorgante:
Que é proprietária da fracção autónoma designada pelas letras “…”, correspondente ao segundo andar, apartamento número (…), para habitação e estacionamento número (…), na cave, do prédio urbano denominado “Urbanização (…), lote 90”, sito na Quinta … (Manta Rota), freguesia de Vila Nova de Cacela, concelho de Vila Real de Santo António, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António sob o número (…), de vinte e um de Junho de dois mil, afecto ao regime da propriedade horizontal pela apresentação (…), de trinta de Novembro de mil novecentos e noventa e três, prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…);
Pelos Outorgantes foi declarado:
Que o “Banco (…), S.A.” que o segundo outorgante representa, concede aos primeiros outorgantes um empréstimo no montante de oitenta e cinco mil euros, pelo prazo de duzentos e setenta e seis meses.
Que nesta data, a quantia referida é entregue pelo Banco por crédito na conta dos mesmos primeiros outorgantes com o número nove, oito, nove, seis, sete, um, sete, aberta junto do “Banco (…), S.A.”.
Que os primeiros outorgantes aceitam o empréstimo e confessam-se, desde já, devedores de todas as quantias que do Banco receberam e ainda venham a receber a título deste empréstimo e até ao montante dos mesmos, assim como também se confessam devedores das quantias que lhes forem debitadas por conta desta operação, de acordo com o presente contrato.
Que para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, e bem assim dos respectivos juros à taxa anual efectiva de dois vírgula sessenta e oito por conto, acrescidos de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas, para efeitos de registo, em três mil e quatrocentos euros, a terceira outorgante, constitui a favor daquele Banco hipoteca sobre o imóvel atrás identificado, ao qual foi atribuído, para fins estatísticos, o valor de cento e vinte mil euros (…).
Pelo segundo outorgante foi dito que para o Banco que representa aceita a confissão de dívida e a hipoteca nos termos exarados.
Assim o outorgaram (…).
Foi feita aos outorgantes a leitura e explicação do conteúdo da presente escritura (…).
Documento Complementar Elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado e que faz parte integrante da escritura lavrada em vinte e dois de Maio de dois mil e nove.
Cláusulas do Contrato de Mútuo com Hipoteca, no montante de oitenta e cinco mil euros, celebrado entre “Banco (…), S.A.” (…) adiante designado apenas por Banco, e (…) e (…), adiante designados por Mutuários; (…)
Segunda: 1. O empréstimo é concedido pelo prazo de duzentos e setenta e seis meses a contar do próximo dia vinte e cinco, salvo se esse dia coincidir com a data da escritura, e sendo assim, o prazo iniciar-se-á a partir dessa data, e será amortizado em duzentas e setenta e seis prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes. (…);
Quarta: 1. Em caso de mora, os juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal. (…);
Nona: A presente hipoteca poderá ser executada:
a) Se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas; (…)
c) Se se vencer qualquer das obrigações cujo pagamento assegura, ou se não for cumprido qualquer dos deveres que para os Mutuários decorrem deste contrato. (…);
Décima Segunda: Ficam por conta dos Mutuários todas as despesas de segurança e cobrança do empréstimo, designadamente as deste contrato, do registo da hipoteca e do seu distrate e as de qualquer avaliação que o Banco mande efectuar ao imóvel hipotecado (…)”;
2- Não foi paga a prestação relativa ao acordo vencida em 25-02-2013 nem as que se venceram posteriormente;
3- O executado (…) foi funcionário do exequente e rescindiu o contrato de trabalho por mútuo acordo.

Assinala-se que, entre a matéria controvertida nos autos, o tribunal recorrido declarou não provado que o exequente tenha interpelado os executados para pagamento das quantias vencidas e não pagas, decisão esta que não é colocada em crise neste recurso.

Aplicando o Direito.
Da exigibilidade da obrigação
Sendo a embargante mera proprietária do imóvel dado em hipoteca, mas não a devedora da quantia mutuada aos restantes executados, cabe recordar que o art. 698.º n.º 1 do Código Civil prevê que “sempre que o dono da coisa ou o titular do direito hipotecado seja pessoa diferente do devedor, é-lhe lícito opor ao credor, ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador.”
O exequente pretende prevalecer-se do disposto no art. 781.º do Código Civil, argumentando que a falta de pagamento da prestação vencida a 25.02.2013 implicou o vencimento das demais, pelo que pode executar a hipoteca, de acordo com o estabelecido na cláusula nona do documento complementar à escritura.
Antunes Varela[1] chama a atenção que do art. 781.º não decorre o vencimento, automático ou ex legis, das prestações restantes, devendo antes ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera no credor “o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda se não tenha vencido. (…) O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor. A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.”
Está em causa, pois, um mero benefício concedido ao credor que, para se prevalecer dele, deverá interpelar o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação. Em consequência, enquanto não ocorrer essa interpelação, não se pode afirmar que o devedor entrou em mora em relação às restantes prestações, tornando-se exigível que o credor demonstre ter interpelado o devedor para o mencionado fim.
Na situação em análise, verifica-se que a embargante não é a devedora da quantia mutuada aos restantes executados, tendo meramente constituído hipoteca sobre um imóvel de que é proprietária, para garantia daquela obrigação. Tem, pois, lugar a aplicação do art. 782.º do Código Civil, que estabelece uma excepção ao regime geral consagrado no art. 781.º, ao estatuir que a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.
Em consequência, a faculdade concedida ao credor de exigir antecipadamente o cumprimento de toda a obrigação, em caso de inadimplemento em relação a alguma das prestações acordadas, não é extensiva aos garantes da obrigação, como é o caso da aqui embargante, que continua, assim, a beneficiar do prazo de pagamento em prestações inicialmente acordado.
Citando de novo Antunes Varela[2], “tratando-se, por conseguinte, do fiador ou do terceiro que constituiu o penhor ou a hipoteca, o credor terá que aguardar o momento em que a obrigação normalmente se venceria para poder agir contra eles. E como não se distingue entre garantias reais e garantias pessoais, igual regime será aplicável ao terceiro (fiador) que tenha afiançado a dívida.”
A jurisprudência tem admitido, porém, que estes preceitos têm natureza supletiva, admitindo-se que ao abrigo do princípio da liberdade contratual – art. 405.º do Código Civil – o terceiro garante renuncie à protecção que lhe é conferida pelo citado art. 782.º, deixando de beneficiar do plano de pagamento em prestações acordado em caso de incumprimento de alguma delas.
No entanto, tal renúncia deverá ser prestada de forma expressa, não relevando para este efeito, por exemplo, a renúncia do fiador ao benefício da excussão prévia.[3]
No caso dos autos, foi convencionado na cláusula nona do documento complementar à escritura que a hipoteca poderia ser executada “se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas”, e “se se vencer qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura, ou se não for cumprido qualquer dos deveres que para os mutuários decorrem deste contrato.”
Podendo entender-se que esta cláusula estende a regra de “vencimento imediato” ao terceiro que constitui a hipoteca, a mesma não dispensa a interpelação dos devedores e da proprietária do imóvel hipotecado para que cumpram.
A exequente argumenta que a citação para a execução corresponde a interpelação para cumprimento. Porém, a citação para a execução não tem por objectivo substituir a interpelação prévia do devedor e dos terceiros garantes, pois não lhes permite obstar às consequências não automáticas da mora[4].
Conclui-se, pois, que à embargante não lhe pode ser exigida a antecipação de todas as prestações acordadas, mas apenas as vencidas até ao momento de propositura da execução.

Decisão.
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pela embargante e julga-se extinta a execução na parte relativa às prestações vencidas após a instauração da execução.
Custas na proporção do decaimento.
Évora, 21 de Dezembro de 2017
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
__________________________________________________
[1] In Das Obrigações em Geral, vol. II, 4.ª ed., pág. 52.
[2] Loc. cit., pág. 54.
[3] Assim se tem pronunciado maioritariamente a jurisprudência mais recente, citando-se os Acórdãos da Relação de Coimbra de 03.07.2012 (Proc. 1959/11.8T2OVR-A.C1), da Relação de Lisboa de 11.02.2014 (Proc. 12878/09.8T2SNT-A.L1-7) e de 28.05.2015 (Proc. 1859/11.1TBVFX-A.L1.-2), e da Relação do Porto de 23.06.2015 (Proc. 6559/13.5TBVNG-A.P1), de 21.02.2017 (Proc. 2577/14.4TBMAI-B.P1) e de 30.05.2017 (Proc. 2096/15.1T8OAZ-A.P1), todos publicados em www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 17.11.2016 (Proc. 1156/09.2TBCLD-D.L1-2), secundado pelo Acórdão da mesma Relação de 28.05.2015 e da Relação do Porto de 23.06.2015, supra citados.