Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
181/12.0TBPTG.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não implicando a IPP qualquer perda salarial efetiva e futura, a determinação da indemnização devida pela redução da capacidade funcional não tem a ver com a perda de ganho futuro, mas, antes de mais, com o maior esforço que o autor terá de desenvolver para conseguir desempenho profissional aproximadamente idêntico ao de qualquer outra pessoa não afetada com aquela incapacidade ou que ele próprio desenvolvia antes da incapacidade.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 181/12.0TBPTG.E1 (2ª Secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



No Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre (Juízo Central Cível de Portalegre - J3) (…) intentou contra (…) – SEGUROS, S.A. ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, peticionando a condenação desta a pagar-lhe:
a) A importância de 40.000,00 €, a título de danos não patrimoniais;
b) A quantia (ou quantias) que venham a liquidar-se em oportuna execução de sentença, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais futuros.
Como sustentáculo do peticionado, alegou, em síntese:
- A ré, em face da existência do contrato de seguro que transferia para si a responsabilidade por danos emergentes da circulação do veículo 62-62-(…), já assumiu a responsabilidade pelo acidente, tendo, já indemnizado integralmente o autor relativamente aos danos patrimoniais sofridos pelo veículo (perda total), suportado todas as despesas hospitalares, relativas aos internamentos e cirurgias a que este foi sujeito, bem como pago a grande parte das despesas efetuadas e pagas por ele em tratamentos, consultas e medicamentos;
- Neste momento, ainda não é possível determinar o grau de incapacidade de que o autor vai ficar afetado, tendo em conta que ainda vai ter de ser sujeito, em princípio, a, pelo menos, mais uma operação;
- Em resultado da colisão e como sua consequência direta e necessária, sofreu o autor graves lesões descritas nos relatórios médicos que lhe determinaram uma de I.T.A. desde a data do acidente (11/03/09) até 14 de Dezembro de 2009, data em que retomou, com limitações, a sua atividade profissional;
- Neste momento, ainda não está determinado o grau da sua incapacidade, pelo que terá de se relegar a quantificação dos respetivos danos para ulterior decisão;
- Em consequência das lesões provocadas pelo acidente, teve o autor um longo e doloroso período de doença, com grandes dores, sofrimento, angústia e tristeza, sendo o quantum doloris e o dano estético muito elevados.
Citada a ré veio contestar, impugnando parcialmente a factualidade vertida na petição inicial, pondo essencialmente em causa as percentagens de incapacidade e o valor dos danos.
Após a fase do saneador, veio o autor, em 07.06.2016, deduzir incidente de liquidação, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe Autor, para além da quantia já peticionada na petição inicial, a quantia de 85.579,50 € (que posteriormente corrigiu para 83.079,00 €), sendo 35.579,50 € (que posteriormente corrigiu para 33.079,50 €), a título de danos patrimoniais, e 50.000,00 € (20.000,00 €/ Danos Morais + 30.000,00 €/Dano Estético), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais contados desde a data da citação até integral pagamento.
Para fundamentar esta sua pretensão alegou, em síntese que:
- O autor esteve sem poder trabalhar entre 05-01-2016 e 31-03-2016, ou seja, 85 dias, o que perfez a quantia de 2.833,00 €;
- O autor suportou despesas no montante de 2.698,50 €, referente ao tratamento médico dentário, bem com tratamentos, exames, aparelhos fixos dentários, destartarizações, consultas médicas, de estomatologia e de cirurgia maxilo-facial, etc., despesas essas decorrentes e relacionadas com o programa de ortodôncia prévia e preparatória da cirurgia de 06/01/016 para correção da boca e das posteriores a tal cirurgia para completar o tratamento;
- O autor suportou despesas no montante de 5.048,00 €, correspondentes a 39 deslocações a Coimbra em veículo próprio (320 Km x 39 viagens + portagens) e 3 deslocações a Portalegre (140 Km), para a realização dos aludidos tratamentos médico dentários e consultas médicas.
- O autor, à data do acidente, era treinador da equipa feminina do Sport Clube (…), auferindo o prémio mensal de 250,00 €, o que significa que deixou de auferir a quantia de 2.500,00 € (250 € x 10 meses), durante duas épocas.
- O dano estético é indemnizável, a título de danos não patrimoniais, em quantia que se estima em 30.000,00 €;
- Considerando a sua idade, a sua capacidade de ganho, nunca inferior a 705,00 € por mês, a indemnização devida pela perda da capacidade de ganho nunca poderá ser inferior a 20.000,00 €.
- As dores lancinantes, constantes e desgastantes, o sofrimento atroz e permanente, a angústia e a tristeza descritos são indemnizáveis, a título de danos não patrimoniais, em quantia não inferior a 20.000,00 €, a acrescer ao montante já reclamado na PI.

Realizada, que foi, a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença cujo dipositivo reza:
“Face ao exposto e, ao abrigo das normas legais citadas, decido julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente:
a) Condenar a Ré (…) – SEGUROS, S.A. a pagar ao Autor (…) a quantia de 45.000,00 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e a quantia de 8.298,50 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais, o que corresponde ao montante total de 53.298,50 euros, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
b) Absolver a Ré do demais peticionado pelo Autor.
Custas a cargo do Autor e da Ré, na proporção do respetivo decaimento.”
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Não se conformando com a decisão foi dela interposto recurso pelo autor terminando nas suas alegações por formular as seguintes conclusões:
A) Apesar de o Recorrente ter peticionado a quantia de € 20.000,00 pelos danos patrimoniais futuros (perda da capacidade de ganho), o tribunal, em parte alguma da Sentença, se pronunciou sobre esta questão.
B) Por conseguinte, incorre a douta Sentença em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que aqui desde já se invoca.
C) Com efeito, o Recorrente, em consequência do acidente, ficou afetado de uma incapacidade permanente geral (défice funcional permanente) de 6 pontos (2 pontos referentes às alterações de memória sofridas e 4 pontos correspondentes a perturbação pós-traumática da oclusão dentária ou da articulação temporomandibular).
D) Essa incapacidade constitui um prejuízo e, como tal, o Recorrente tem de ser ressarcido, até porque, ninguém o contesta, o lesado já não pode ser restituído à condição anterior ao sinistro quando não estava afetado de qualquer incapacidade.
E) Trata-se de uma incapacidade geral que não impede o exercício da atividade profissional do Recorrente, mas impõe-lhe esforços acrescidos.
F) Ora, tendo em conta os factos provados EE), FF), QQ), SS), BB) e VV) e os factos e considerações constantes das alíneas a) a j) da fls.4 das presentes alegações, nomeadamente a capacidade de ganho do Autor (nunca inferior a 705,00 €) e a IPG que o afeta (6 pontos), forçoso será concluir que a indemnização a fixar por danos patrimoniais futuros nunca poderá ser inferior a 20.000,00 €, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento, mantendo-se no mais a douta Sentença recorrida, designadamente quanto aos danos não patrimoniais, aos demais danos patrimoniais (não futuros – 1.000,00 €/mês Março de 2016 + 2.698,50 €/tratamento médico + 4.600,00 €/deslocações = 8.298,50 €) e aos juros de mora (artigos 562.º, 564.º, nº 2 e 566.º do CC).
G) Decidindo, como decidiu, violou o Ex.mo Juiz, designadamente, o disposto nos artigos 562.º, 564.º, n.º 2 e 566.º do CC.

Foram apresentadas contra-alegações por parte da recorrida nas quais pugnou pela manutenção do julgado.

Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, a questão que importa apreciar consiste em saber se, se verifica a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre danos patrimoniais futuros, mostrando-se incorreto o julgado relativamente ao montante fixado a título de danos patrimoniais.

No tribunal “a quo” foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
A) No dia 11 de Março de 2009, cerca das 22H04, o Autor circulava ao volante do seu veículo com a matrícula 71-(…)-28, na EN 18, no sentido Portalegre - Alpalhão, na semi faixa da direita no sentido a sua marcha.
B) No dia e hora acima referidos, circulava, pela mesma estrada e em sentido Alpalhão - Portalegre, (…) ao volante do veículo 62-62-(…), pertencente a (…), com responsabilidade civil por danos causados com o referido veículo transferida à Ré, através de contrato titulado pela apólice n.º (…), constante de fls. 61/64.
C) O (…) conduzia a viatura referida, em serviço de (…).
D) O km 159.300 da referida Estrada Nacional 18 fica situado numa curva e com condições que garantem a sua visibilidade.
E) Devido a obras, a via não se encontrava delimitada com marcas rodoviárias Marca M19 (linhas guias), limitadoras da faixa de rodagem e marcas separadoras de sentido de trânsito, e Marca M1 (linha longitudinal contínua).
F) Antes do Km 159,300 da referida EN 18 e em ambos os sentidos, encontrava-se sinalizada com o sinal vertical C14a (proibição de ultrapassar) e com um sinal vertical A29 (outros perigos) e com uma placa informativa designando "Estrada Sem Marcação".
G) No Km 159,300 da referida EN 18, (…) deixou que o seu veículo entrasse em despiste e invadisse totalmente a semi-faixa de rodagem contrária, cortando a linha de marcha do Autor.
H) O embate entre os dois veículos ocorreu junto da berma da semifaixa de rodagem direita, no sentido de marcha Portalegre – Alpalhão.
I) O embate deu-se entre a parte da frente dos dois veículos.
J) No momento do embate, o conta-quilómetros do veículo conduzido pelo Autor marcava 60 km/h.
K) No momento do embate, o conta-quilómetros do veículo conduzido por (…) marcava 150 km/h.
L) A velocidade a que circulava o veiculo conduzido por (…) determinou o sucedido em G).
M) O Autor esteve afetado por Incapacidade Temporária Absoluta, desde 11 de Março de 2009 a 14 de Dezembro de 2009.
N) Em 14 de Dezembro de 2009, o autor retomou a sua atividade profissional.
O) A Ré indemnizou o Autor relativamente aos danos patrimoniais sofridos pelo veículo, a título de perda total e suportou todas as despesas hospitalares relativamente a internamentos e cirurgias a que o Autor foi sujeito, e pagou ao autor despesas efetuadas e pagas por este último em tratamentos, consultas e medicamentos, relativas ao período de 11.03.2009 a 14.12.2009.
P) A Ré pagou ao Autor a quantia de € 12.173,84, relativas a períodos de Incapacidade Temporária Absoluta e reembolso de despesas, relativas ao período de 11.03.2009 a 14.12.2009.
Q) Em resultado do embate mencionado em H) e I), o Autor sofreu perfuração dos intestinos em quatro locais; fratura exposta do braço esquerdo; múltiplas fraturas dos maxilares; contusão no joelho esquerdo; nas costas; e no pé direito, com afetação dos tendões do pé; e hematomas e feridas em várias partes do seu corpo.
R) O Autor ficou encarcerado dentro da viatura durante 2 horas.
S) O Autor foi transportado de ambulância para o Hospital Distrital de Portalegre, onde efetuou a primeira intervenção cirúrgica às perfurações dos intestinos, de urgência e sob anestesia geral, na noite de 11 de Março de 2009.
T) Transferido para o Hospital de S. José em Lisboa, o Autor foi operado com anestesia local à fratura exposta do braço esquerdo.
U) Posteriormente, o Autor foi sujeito a intervenção cirúrgica com anestesia geral às fraturas do maxilar.
V) O Autor permaneceu internado até ao dia 30 de Março de 2009, no Hospital de São José em Lisboa.
W) Em 30 de Março de 2009, o Autor teve alta para o domicílio.
X) Após, o Autor foi assistido em regime ambulatório e a efetuar tratamentos fisiátricos, no Centro de Recuperação e Reabilitação de Ponte de Sôr.
Y) À data do embate, o Autor tinha 31 anos.
Z) Era saudável, robusto, dinâmico e trabalhador.
AA) À data do embate, o Autor era gerente da empresa agrícola (…), Herdeiros, com retribuição mensal de € 705,00.
BB) O trabalho do Autor consistia, à data do embate, em gerir toda a exploração agrícola, florestal e pecuária de 1.800 ha de terrenos pertencentes à referida sociedade, dando apoio aos trabalhadores, ajudando-os nos seus afazeres e substituindo-os.
CC) O Autor desempenha, à data de propositura da presente ação, as tarefas indicadas em BB) e na qualidade exposta em AA).
DD) À data do embate, o Autor era treinador da equipa feminina do Sport Clube (…).
EE) Em resultado das lesões decorrentes do embate, o Autor tem dificuldade em correr, em se agachar, em subir escadas, e em carregar com pesos.
FF) O movimento de dobrar, levantar, subir e descer escadas e carregar pesos, bem como mudanças das condições atmosféricas provocam dores no joelho esquerdo, pé direito e braço esquerdo.
GG) Em resultado do embate, o rosto do Autor ficou muito deformado até 11 de Janeiro de 2016.
HH) O que causou dor, tristeza, revolta e amargura no Autor.
II) À mercê do supra referido, o Autor tinha angústia cada vez que tinha de sair à rua.
JJ) A deformação facial decorrente do embate, retirou ao Autor o prazer de sair com amigos e divertir pelo período de um ano.
KK) Em consequência do acima referido, o Autor deixou de sair à noite e de conviver com os amigos.
LL) E verificou-se um afastamento dos amigos.
MM)…Que causou tristeza no Autor.
NN) O Autor ainda hoje tem o rosto deformado.
OO) À data do embate, o Autor era atirador de tiro aos pratos na modalidade de fosso olímpico.
PP) Em resultado do embate, o Autor deixou de praticar o desporto de caça sozinho.
QQ) O supra referido deve-se à dificuldade de carregar a arma, a cartucheira e a caça abatida em pisos irregulares e íngremes.
RR) Em face do acima mencionado, o Autor leva um ajudante que remunera em géneros equivalentes a € 30,00.
SS) O Autor teve redução da força no braço esquerdo.
TT) O que afeta a pontaria do Autor na prática de caça.
UU) Em face do encarceramento dentro da viatura durante 2 horas, o Autor viveu momento de angústia e sofrimento.
VV) Em resultado do embate, o Autor não tem os maxilares alinhados.
WW) O que lhe provoca dores de ouvido.
XX) O Autor esteve sem poder mastigar ou comer alimentos sólidos, durante pelo menos 6 meses.
YY) Neste período, o Autor podia apenas beber líquidos, sopas e papas.
ZZ) O que provocou no Autor desconforto, ansiedade e desespero.
AAA) Com a passagem da alimentação líquida para a alimentação sólida, o Autor teve dor e desconforto.
BBB) O Autor esteve sem poder trabalhar entre 05.01.2016 e 31.03.2016.
CCC) Nesse período, o Autor não recebeu o vencimento relativo ao mês de Março de 2016, no valor base de 1.000,00 euros.
DDD) Em consequência do acidente supra descrito, o Autor foi acompanhado nos Serviços de Estomatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, durante os anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016.
EEE) Neste período, o Autor despendeu o montante de 2.698,50 €, referente ao tratamento médico-dentário e às despesas com tratamentos, exames, aparelhos fixos dentários, destartarizações, consultas médicas, de estomatologia e de cirurgia maxilo-facial.
FFF) Para a realização dos aludidos tratamentos médico-dentários, consultas, cirurgias e perícias, o Autor efetuou 39 deslocações a Coimbra, em veículo próprio, e 3 deslocações a Portalegre.
GGG) Em consequência do acidente de viação ocorrido em 11.03.2009, as lesões sofridas pelo Autor foram traumatismo crânio encefálico, fraturas dos maxilares (parede da orbita direita e seio maxilar direito, ambas arcadas zigomáticas e ambos colo na mandíbula), fratura do cúbito e rádio esquerdos, perfuração dos intestinos delgado e grosso, hematomas e feridas superficiais dispersas no corpo, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
HHH) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20.02.2016, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
III) O défice funcional temporário total (anteriormente designado por incapacidade temporária geral total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), situa-se entre 12.03.2009 e 14.12.2009, e entre 12.01.2016 e 29.01.2016, sendo fixável num período de 296 dias, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. JJJ) A repercussão temporária na atividade profissional total (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), situa-se entre 12.03.2009 e 14.12.2009, e entre 05.01.2016 e 29.01.2016, sendo fixável num período total de 303 dias, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
KKK) O “quantum doloris” (correspondente à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pelo Autor durante o período dos danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões), é fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. LLL) O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (tradicionalmente designado por incapacidade permanente geral) é fixável em 6 pontos (2 pontos referentes às alterações de memória sofridas e 4 pontos correspondentes a perturbação pós-traumática da oclusão dentária ou da articulação temporomandibular), conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
MMM) O dano estético permanente (correspondente à repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afetação da imagem do Autor, quer em relação a si próprio, quer perante os outros), é fixável no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a alteração da mímica facial e a deformidade, conforme relatório pericial de fls. 168 a 175, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Com relevo para a decisão final, não resultaram provados os seguintes factos:
1. Em face às perfurações intestinais, o Autor esteve em risco de vida e com prognóstico reservado.
2. Após 14.12.2009, a atividade profissional do Autor ocorre com limitações.
3. À data do embate, o Autor auferia o prémio mensal de € 250,00, como treinador da equipa feminina do Sport Clube (…).
4. Devido ao embate, o Autor deixou de auferir a quantia de 2.500,00 euros (250 € x 10 meses), durante duas épocas.
5. Em consequência do embate, o Autor deixou de treinar a equipa feminina do Sport Clube (…).
6. O que provocou dor e tristeza no Autor.
7. À data do embate, o Autor era atirador de tiro aos pratos de alta competição.
8. O Autor foi campeão nacional por equipas pelo Clube de Tiro de Vilamoura, nos anos de 2000 e 2001.
9. A lesão no braço esquerdo impede o Autor de conseguir as performances ao nível da alta competição de tiro aos pratos.
10. Em consequência do embate, o Autor não prosseguiu carreira de atirador de tiro aos pratos de alta competição.
11. O que deixou o autor abatido, amargurado, revoltado e inconformado.
12. O autor vai à caça em 30 jornadas por ano.
13. No período de 05.01.2016 a 31.03.2016, o Autor não recebeu o vencimento relativo aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2016.
14. A incapacidade permanente geral de que o Autor padece vai ter repercussão na sua atividade profissional.
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Conhecendo da questão
O recorrente invoca a nulidade da decisão sob censura nos termos da alínea d) do nº 1 do art.º 615º do CPC.
Analisando tal questão, diremos que a lei não traça um conceito de nulidade de sentença, bastando-se com a enumeração taxativa de várias hipóteses de desconformidade com a ordem jurídica, que, uma vez constatadas na elaboração da sentença, arrastam à sua nulidade (cfr. Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 51).
Esse elenco taxativo das causas de nulidade da sentença consta das alíneas a) a e) do nº 1 do art.º 615º do CPC.
A alínea d) deste normativo comina a sentença de nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.º 660º-2, do CPC), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado” (cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto in CPC Anotado, vol 2º, 2001, 670).
Assim, e não obstante as razões invocadas nas conclusões do recurso justificarem no entender do recorrente, uma decisão diferente e apesar de nem todos esses fundamentos terem sido, pelo menos expressamente considerados na decisão recorrida, tal circunstância não faz com que a mesma padeça da nulidade que ora lhe é imputada.
É certo que o recorrente discorda do enquadramento jurídico que foi tomado pelo tribunal recorrido.
Todavia, é entendimento na jurisprudência dos nossos tribunais superiores que a nulidade por omissão de pronuncia há-de incidir apenas sobre “questões” que tenham sido submetidas à apreciação do tribunal, com elas não se confundido as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (cfr, entre outros, o Ac. STJ de 18/09/2003; Proc. 03B1855/ITIJ/Net).
Acresce ainda que é jurisprudência pacífica que o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção, sendo inatacável em sede de nulidade a regra da livre apreciação e ponderação das provas obtidas.
Por outro lado, não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada (Ac. STJ de 19/12/2001, Agr. nº 2233/01- 1ª, Sumários, nº 56).
No caso em apreço, o Mº Juiz “a quo” invocou na sentença recorrida os factos e as razões de direito para decidir de acordo com a maneira como decidiu a questão dos danos sofridos pelo ora recorrente, quer no âmbito patrimonial, quer no âmbito não patrimonial.
Isto não implica que não possa existir eventual erro de julgamento e que a decisão em causa seja a correta e a adequada ao caso em apreço, mas nunca a nulidade de sentença.
Por isso, e porque o recorrente invoca as razões da sua discordância quanto à aplicação do direito aos factos que foram dados como provados, iremos, de seguida, apreciar a existência do alegado erro de julgamento no que respeita à atribuição da indemnização relativamente aos danos patrimoniais, na vertente danos futuros.
Com relevância no âmbito de tal problemática, resultou provado que o recorrente ficou com redução da força no braço esquerdo (SS); em resultado das lesões decorrentes do embate, o autor tem dificuldade em correr, em se agachar, em subir escadas, e em carregar com pesos (EE); o movimento de dobrar, levantar, subir e descer escadas e carregar pesos, bem como mudanças das condições atmosféricas provocam dores no joelho esquerdo, pé direito e braço esquerdo (FF); O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (tradicionalmente designado por incapacidade permanente geral) é fixável em 6 pontos (LLL).
À data do acidente, o recorrente tinha 31 anos de idade, sendo atribuída a culpa do mesmo ao condutor do veículo 62-62-(…).
No caso em apreço a IPP de que o autor ficou a padecer, conquanto não o impeça de exercer a sua atividade normal, implica naturalmente esforços acrescidos que devem ser compensados.
O art.º 562º do CC refere que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, só existindo a obrigação de indemnização em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, como decorre do art.º 563º do CC.
Por isso, os seus resultados não podem ser aceites de forma abstrata e mecânica, devendo ser temperados por juízos de equidade, conforme refere o art.º 566º, nº 3 do CC, que assentem na idade e tempo provável de vida da vítima, nas suas condições de saúde ao tempo do evento.
Por sua vez, o art.º 564º, nº 1, do CC estabelece que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, prevendo o seu nº 2 a possibilidade de o tribunal na fixação da indemnização atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
Para o seu cálculo deve-se ter em conta critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal.
A IPP de que ficou a padecer o lesado, limita-o funcionalmente ao nível, pelo menos do membro superior esquerdo e membro inferior esquerdo, com a inerente diminuição das respetivas capacidades. Tal perda de capacidade não se reflete de imediato, no exercício de atividade profissional, porém constituirá sempre uma limitação.
No caso dos autos está em causa a incapacidade parcial funcional do autor e não a capacidade parcial para o trabalho, tratando-se de um dano futuro previsível e, por isso indemnizável.
Conforme se salienta no Ac. do STJ de 11-12-2012, no proc. 857/09.0TJVNF.P1.S1[1] não implicando a IPP qualquer perda salarial efetiva e futura, a determinação da indemnização devida pela redução da capacidade funcional não tem a ver com a perda de ganho futuro, mas, antes de mais, com o maior esforço que o autor terá de desenvolver para conseguir desempenho profissional aproximadamente idêntico ao de qualquer outra pessoa não afetada com aquela incapacidade ou que ele próprio desenvolvia antes da incapacidade”.
No mesmo sentido vai o Ac. do STJ de 18-09-2012, no proc. 289/06.1TBPTB.G1.S1[2], onde se refere que “a IPP, decorrente de ofensa à integridade física, constitui sempre um dano patrimonial e, como tal indemnizável.”
Também o Ac. do STJ de 05-06-2012, no proc.177/09.0TBOFR.C1.S1[3] refere que “a IPP, que não impede se continue a trabalhar, é um dano patrimonial, já que a força de trabalho do homem, porque lhe propicia rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que a incapacidade parcial, conforme o seu grau, obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível dos rendimentos auferidos antes da lesão. O lesado não tem de alegar perda de rendimentos laborais para o tribunal lhe atribuir indemnização por ter sofrido IPP para o trabalho; apenas tem de alegar e provar que sofreu IPP, dano esse cujo valor deve ser apreciado equitativamente, nos termos do artº 566º, nº 3 do CC.”
E, ainda o Ac. do STJ de 20-10-2011, no proc.428/07.5 TBFAF.G1.S1[4] onde se salienta “os danos futuros decorrentes de uma lesão física não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental. Uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros indemnizáveis nos termos dos arts. 562.º e segs., do CC, maxime dos arts. 564.º e 566.º”
Assim sendo, e, face ao que se provou, designadamente em EE), FF), SS), e LLL) tem o autor/recorrente direito a indemnização pelos danos futuros.
Afigura-se-nos ser justo e adequado, na sequência do que vem sendo o entendimento do STJ, no caso em apreço, a fixação de uma indemnização, no montante peticionado de € 20.000,00, impondo-se a revogação da decisão no que respeita ao montante da indemnização por danos patrimoniais arbitrado ao autor, que na sua totalidade deve passar a ser de € 28 298,50 (20.000,00 + 8.298,50).

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar, nos termos supra referidos, procedente a apelação e, consequentemente, revogar a sentença recorrida no segmento referente ao montante atribuído a título de danos patrimoniais, fixando-se o montante global de tais danos na quantia de € 28 298,50.
Custas pela apelada.
Évora, 08-02-2018
Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes

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[1] disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/cadernodanosfuturos2002-2012.pdf
[2] disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/cadernodanosfuturos2002-2012.pdf
[3] disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/cadernodanosfuturos2002-2012.pdf
[4] disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/cadernodanosfuturos2002-2012.pdf