Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1480/05-3
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
PRESTAÇÃO DE GARANTIAS REAIS A DÍVIDAS ALHEIAS
Data do Acordão: 07/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I – Nos termos do n.º 3, do Art.º 6º do CSC, considera-se contrária ao fim da sociedade, a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir um justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
II – Há interesse da sociedade na garantia das dívidas de outra sociedade, quando, para a laboração da garante, é indispensável a actividade da garantida e esta está em risco se não houver reestruturação das dívidas. Há igualmente interesse, mesmo não havendo relação de grupo entre uma e outra, quando exista uma relação de domínio da garante relativamente à empresa garantida.
Decisão Texto Integral:
Apelação 1480/05-3
(Acção Ordinária 104/1996)
1º Juízo de Olhão




Acordam na Secção Cível da Relação de Évora:


RELATÓRIO

R & Cª (FILHOS), Lda. demandou pela presente acção de anulação de deliberações sociais, com processo ordinário, S, Lda., ambas com os sinais dos autos, alegando para tanto e em síntese, que as deliberações sociais da assembleia-geral da Ré de 4 de Maio de 1994, que consistem em autorizar os representantes da Ré a constituir, nas condições que entenderem, quaisquer garantias sobre bens que pertençam ou venham a pertencer á sociedade, no âmbito de um contrato de reestruturação do passivo bancário de várias outras empresas, são anuláveis, nos termos do artº 58º nº 1, al. c) do C. Sociedades Comerciais e que entre estas empresas não existe uma relação de grupo ou de domínio, nos termos definidos no aludido C. S. Comercias, sendo ainda tais deliberações contrárias aos estatutos da sociedade autora.
Contestou a Ré, invocando a excepção da existência de uma relação de grupo/domínio entre as várias empresas abrangidas pelas citadas deliberações sociais, ora impugnadas, em torno da empresa – mãe C, S.A. e bem assim a excepção da existência de interesse da Ré na prestação das garantias.
Após a legal tramitação, procedeu-se ao julgamento da acção, tendo sido proferida sentença que julgou a mesma improcedente.
Inconformada com tal decisão, trouxe a Autora recurso de Apelação da dita sentença para esta Relação, rematando a sua alegação com as seguintes:

Conclusões:

1- Era à Ré que competia o ónus da prova de existência do interesse legítimo e próprio da sociedade garante (a ré) em prestar as garantias mais a favor da C..

2- Não existe facto provado que indicie esse interesse próprio e justificado na prestação dessas garantias.

3- Assim, não existe qualquer interesse próprio e justificado da sociedade garante, não se encontrando verificado o primeiro requisito ou excepção do nº 3 do artº 6° do C.S.C.

4- Esse interesse a que alude o nº 3 do artº 6° C.S.C, tem que ser da sociedade garante e não da sociedade garantida.

5- Também não se verifica a segunda excepção do nº 3 artº 6° do C.S.C., pois não existe relação de domínio nem de grupo entre a R- e a C. .

6- E, mesmo aqui, o interesse tem que ser auferido na Sociedade dependente e não na sociedade dominante.

7- A sentença recorrida violou o disposto no artº 6° nº 3 C.S.C., dado Ter feito incorrectas interpretações e aplicações.


Foram apresentadas contra-alegações pela Apelada, defendendo a manutenção do julgado e onde claramente sustenta a existência do interesse da sociedade garante, que é ela própria, na manutenção da viabilidade económico-financeira das empresas beneficiárias de tais garantias, bem como a existência de uma relação de domínio, tal como foi considerada na sentença ora sob recurso

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, já que nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, delimitado que é pelas conclusões da alegação dos recorrentes, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 684º, nº3 e 690º, nº1 do CPC.




FUNDAMENTOS



A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. A ré encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Olhão sob o n.º ……. e tem a sede na Av. ……, e por objecto a fabricação de farinhas e óleos;
2. A ré tem o capital social de 14.000.000$00;
3. A ré tem como sócios a autora com uma quota de 1.000.000$00 e,
4. C.M. V, Lda. e R e C.ª Lda., cada uma com uma quota de 500.000$00, CO, S.A. com uma quota de 7.000.000$00 e outra de 1.000.000$00 cedida pela anterior sócia F.C. Lda., EC Lda., CS, Lda., J, S.A., e S, Lda. com uma quota de 1.000.000$00 cada;
5. A gerência da ré convocou uma assembleia-geral para o dia 4 de Maio de 1996 pelas 11 horas a realizar na sede da ré, com o seguinte ponto único da ordem de trabalhos — Apreciação do acordo de reestruturação em curso no âmbito do Grupo C;
6. A gerência da ré enviou à autora no dia 19.4.1996 carta registada com aviso de recepção convocando-a para a assembleia-geral;
7. Na assembleia-geral da ré realizada em 4 de Maio de 1996 estiveram presentes: CO S.A., J Lda., E ,S.A. – representadas por JE — e a ora autora R. & C.ª (Filhos) Lda., representada por JM, o que, nos termos da acta dessa assembleia, corresponde a 27.500 votos dos 35.000 votos de capital social, o que corresponde a 7 8,57% do capital social da Ré;
8. Naquela assembleia-geral foi deliberado por maioria, com voto favorável da CO, S.A., J Lda. e ES, S.A e com o voto contra da A., autorizar os representantes da sociedade a celebrarem um contrato de reestruturação de passivo das sociedades: Co, S.A.; Com S.A; Cof, S.A.; ES, S.A.; Cop, S.A.; Cope S.A.; G, Lda.; Coma, S.A; Cod S.A; EC Lda; Cp, S.A..; Ci, S.A; Coa, S.A; Cor S.A. e a representada Saf Lda., perante as instituições de crédito C.G.D., BCA, BFE, BPA, BCP, BTA, BNU, BES, BBV e Fundo da EFTA para o Desenvolvimento Industrial de Portugal;
9. Foi também deliberado por maioria, com voto favorável da Com, S.A., J Lda. e ES, S.A e com o voto contra da A., autorizar “os representantes da sociedade, no âmbito do referido contrato de reestruturação do passivo bancário, a constituírem, nas condições que entenderem, quaisquer garantias, nomeadamente hipoteca ou penhor, sobre bens e direitos que pertençam ou venham a pertencer à sociedade, bem como a emitirem procuração a favor da CGD, passada no interesse de todas as instituições bancárias envolvidas no referido contrato, para segurança das operações nele previstas, quer tituladas pela sociedade quer tituladas pelas demais sociedades pertencentes ao Grupo C e mencionadas na deliberação anterior, a favor das instituições também mencionadas na deliberação anterior, tendo em conta existir, nos termos do art. 6º do CSC, justificado interesse próprio, em virtude das relações que a sociedade mantém com cada uma delas no âmbito do Grupo C”;
10. Mais foi deliberado, por maioria, com voto favorável da Com, S.A., J Lda. e ES S.A e com o voto contra da A., autorizar “o representante nomeado a, em nome da sociedade, assumir de forma solidária as obrigações constantes do contrato de reestruturação, nos termos do artigo 512 ° do Código Civil”;
11. Mais foi deliberado, por maioria, com voto favorável da Com, S.A., J Lda. e ES, S.A e com o voto contra da A., autorizar “os representantes da sociedade a dar poderes à C S.A., com sede em Ponta Delgada na ………, para, através dos seus representantes ou de quem estes mandatarem, agir em nome e em representação da nossa sociedade, no âmbito do referido contrato de reestruturação, designadamente, para proceder aos pagamentos por nós devidos às instituições bancárias credoras nos termos daquele contrato “;
12. As deliberações, aprovadas por maioria, foram-no com 90,1% dos votos presentes favoráveis e 9,1 % dos votos presentes contra;
13. O contrato de sociedade da ré, alterado por escritura de 11 de Junho de 1986 e que, com excepção do capital social e sócios, se mantém nessa versão, é omisso no que respeita à constituição pela sociedade de garantias reais ou pessoais a favor de terceiros e/ou sócios da sociedade e também não contém restrições quanto à possibilidade de ser sócio da mesma, estabelecendo no art.5.° que é livre a cessão de quotas;
14. A sociedade Com, S.A, matriculada sob o n.º …. da CRC de Vila Real de Santo António, com o objecto social de indústria e conservas de peixe, molhos salmoura e congelados, tem um capital social de 720.000.000$00, detido em 61% pela empresa C, S.A. com uma participação de 439.000.000$00;
15. A ES, S.A., matriculada sob o n.º ……… da CRC de Vila Real de Santo António, com o objecto social de exploração da indústria de litografia e seu comércio e comércio de papel, tem o capital social de 134.000.000$00, detido em 75% pela empresa C S.A. com uma participação de 100.500.000$00;
16. A EC Lda., matriculada sob o n.º ………….. CRC de Olhão, com o objecto social de exploração da indústria e comércio de conservas de peixe, tem o capital social de 70.000.000$00 no qual a Com S.A. detém 75%, com duas quotas uma no valor de 35 mil contos e outra no valor de 17.500.000$00 e a Cof S.A. 25% com uma quota de 17.500.000$00;
17. A sociedade Cof S.A., matriculada sob o n.º ………… da CRC da Figueira da Foz, com o objecto social de indústria e comércio de conservas de peixe, tem o capital social de 250.000.000$00, o qual é na totalidade detido pela Com, S.A;
18. A sociedade Coa, S.A., matriculada sob o n.º ………..da CRC de Vila Real de Santo António, com o objecto de reparação e construção naval, tem o capital social de 120.000.000$00;
19. A sociedade Ci, S.A., matriculada sob o n.º ………. da CRC de Vila Real de santo António, com o objecto social de indústria de construção civil, compra e venda de prédios rústicos e urbanos e urbanização de terrenos, tem o capital social de 50.000.000$00;
20. A sociedade Cop, S.A., matriculada sob o n.º …………. da CRC da Horta, com o objecto social de indústria de conservas de peixe, pescas e conservação do pescado, tem o capital social de um milhão de contos;
21. A sociedade Cor, S.A., matriculada sob o n.º ………… da CRC de Lisboa, com o objecto de comércio de produtos alimentares, matérias-primas e artigos indispensáveis à fabricação de conservas de peixe, tem o capital social de 300.000.000$00;
22. A sociedade Cp, S.A., matriculada sob o n.º ……… da CRC do Pico, cujo objecto é o exercício da indústria de pesca, conservação e comercialização de pescado, tem o capital social de 100.000.000$00;
23. A sociedade G, Lda., matriculada sob o n.º …………. da CRC de Ponta Delgada, cujo objecto é recolha, manipulação, congelação e conservação de peixe, tem o capital social de 130.000.000$00, do qual 96.200.000$00 é detido pela sócia Cof S.A. e 33.800.000$00 pela sócia Com, S.A.
24. A sociedade Cop, S.A., matriculada sob o n.º ………… da CRC de Lisboa 4•2 Secção. cujo objecto -é o exercício do comércio de produtos alimentares, tem o capital social de 20.000.000$00;
25. A sociedade Cda, S.A., matriculada sob o n. °……… da CRC de Machico, cujo objecto é a fabricação de conservas de peixe e indústria de pesca, tem o capital social de 135.000.000$00;
26. A sociedade Cop, S.A., matriculada sob o n.º ………. da CRC de Vila Real de Santo António, cujo objecto é a fabricação e comercialização de embalagens em folha-de-flandres para a indústria de conservas de peixe, tem o capital social de 45.000.000$00;
27. A sociedade C, S.A., matriculada sob o n.º ……….. da CRC de Ponta Delgada, cujo objecto é a indústria de conservas de peixe, comercialização das mesmas, indústria de pescas e gestão de outras sociedades ou outras formas de associação em que seja sócia ou interessada sob qualquer forma, tem o capital social de 4.000.000.000$00, representado por 4 milhões de acções no valor nominal de mil escudos;
28. Encontra-se registado relativamente à sociedade C, S.A. e quanto aos exercícios de 1993 e 1994 a prestação de contas consolidadas;
29. A ré tem no seu património bens imóveis, designadamente, o imóvel onde está instalada a sua sede;
30. A Autora tem um crédito comercial sobre a Ré, desde 29.12.95, no valor de 15.165.926$00;
31. 74,86% do capital da Coa S.A. é detido pela C S.A., com uma participação de 89.832.000$00;
32. A totalidade do capital da Coi S.A. é detido pela C, S.A.;
33. 76,856% do capital da Cop S.A. é detido pela C S.A., com uma participação de 768.560.000$00;
34. 55% do capital social da Cor S.A. é detido pela C S.A., com uma participação de 165.000.000$00, 25% é detido pela Com S.A. com uma participação de 75.000.000$00 e 25% é detido pela Cop S.A. com uma participação de 60.000.000$00;
35. 95% do capital da Comp S.A. é detido pela C S.A., com uma participação de 95.000.000$00;
36. 40% do capital da Cop, S.A. é detido pela C S.A. com uma participação de 8.000.000$00, 35% pela Com S.A. com uma participação de 7.000.000$00 e 25% é detido pela Cop S.A. com uma participação de 5.000.000$00;
37. 50,1% do capital da Cod S.A. é detido pela C, S.A., com uma participação de 67.635.000$00, 19,9% é detido pela Cop S.A com uma participação de 26.865.000$00, 1% é detido pela Comp, S.A. com uma participação de 1.350.000$00 e 1% pela G com igual participação;
38. O capital social da Cop S.A. é integralmente detido pela Com S.A.
39. O denominado “Grupo C” centraliza e coordena a gestão de todas as empresas objectos da reestruturação do passivo referidas supra sob o nº 7) através de uma comissão executiva que gere todo o grupo através de 3 direcções gerais (Industrial, Comercial e Financeira);
40. A ré no, último ano, recebeu da Com S.A quantidade não concretamente apurada de detrito, mas superior a 50% do detrito por ela utilizado na sua laboração;
41. A ré, no último ano, recebeu da J.Lda., da ES, Lda. e da R. e Filhos quantidade não concretamente apurada de detrito mas inferior, no seu cômputo, à que era recebida da Com, S.A.
42. A ré, no último ano, recebeu da R. e Filhos 21.874 kg (0,7%), tendo esta sociedade encerrado a laboração em data não concretamente apurada, mas anterior a 15 de Abril de 1996;
43. Sem o detrito de peixe enviado pelas Com. S.A. e J. a Ré não tem produto suficiente para laborar, tornando-se inviável;
44. Com o contrato de reestruturação do passivo pretende-se uma consolidação do passivo que ronda seis milhões de contos o que é essencial à reestruturação do grupo e viabilização do mesmo;
45. A C. S.A. prestou contas consolidadas, relativamente ao exercício de 1995, figurando como empresas consolidadas (participações maioritárias, directas e indirectas), entre outras, as beneficiárias da reestruturação referidas em 7) supra.
Alega a Apelante nas conclusões 1ª a 4ª, como se deixou transcrito, que era a Ré que competia o ónus de prova do interesse legítimo e próprio da sociedade garante (a Ré) em prestar as garantias mais a favor da C. e que não existe facto provado que indicie esse interesse próprio e justificado na prestação dessas garantias, o que vale por dizer que não existe qualquer interesse próprio e justificado da sociedade garante, não se encontrando verificado o primeiro requisito ou excepção do nº 3 do artº 6º do C. S. Comerciais.
Não lhe assiste razão, como passamos a demonstrar!
Com efeito, o artº 6º do Código das Sociedades Comerciais, depois de seu nº 2 estipular o regime-regra, segundo o qual as liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta, veio restringir, no seu nº3, este amplíssimo regime, estatuindo que considera-se contrária ao fim da sociedade, a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir um justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
Ora, antes do mais, vem provado, nos pontos 43º a 45º do acervo factual apurado, que:
Sem o detrito de peixe enviado pelas Com S.A. e J. a Ré não tem produto suficiente para laborar, tornando-se inviável;
Com o contrato de reestruturação do passivo pretende-se uma consolidação do passivo que ronda seis milhões de contos o que é essencial à reestruturação do grupo e viabilização do mesmo;
A C. S.A. prestou contas consolidadas, relativamente ao exercício de 1995, figurando como empresas consolidadas (participações maioritárias, directas e indirectas), entre outras, as beneficiárias da reestruturação referidas em 7) supra.
As sociedades Com. SA e J., que pertencem ao Grupo C., a que pertence também a Ré, tornaram-se, destarte, vitais para a continuação da laboração da Ré, o que vale dizer, como bem se refere no ponto 43º da matéria de facto, que sem o detrito de peixe enviado por tais empresas, a Ré tornar-se-á economicamente inviável.
Assim, bem decidiu a sentença recorrida ao afirmar que «daí que seja do interesse de todas as sociedades envolvidas a reestruturação do passivo, de forma a alcançar a estabilidade económico-financeira das restantes pois, a eventual declaração de falência de uma das empresas, pese embora não arraste as restantes para o processo judicial de falência, será económica e financeiramente prejudicial para estas, podendo conduzi-las à falência».
É com base nos referidos factos provados, bem como nos outros que integram o acervo factual em pauta, que se há-de concluir pelo interesse justificadíssimo da Ré na reestruturação financeira de todas as empresas do grupo ao qual pertence, pelo que se justifica manifestamente a prestação de garantias pessoais ou reais a favor das mesmas, pois como refere ponderada e fundamentadamente a sentença, a sua situação financeira assim o aconselha.
E note-se que tal interesse é da própria garante e ora Ré, pois a reestruturação financeira em vista, garantirá, além do mais, a continuação da laboração desta, e, portanto, a sua viabilidade económico-financeira.
Improcedem, deste modo, as quatro primeiras conclusões da alegação da Apelante.

Nas conclusões 5ª e 6ª da sua alegação, diz a Apelante que também não se verifica a segunda excepção do nº 3 do artº 6º do CSC, pois não existe relação de domínio nem de grupo entre a Ré e a Co......
Também nestas conclusões claudica a razão do Apelante, pois, de forma cristalina, vem referido e fundamentado na sentença o seguinte que, pelo seu interesse decisório, se passa a transcrever:
«Já quanto ás relações de domínio, dúvidas não há de que existe uma relação de domínio entre a ré e a Com, S.A. Com efeito, esta detém mais de 50% do capital social daquela, correspondente a 9.000.000$00 (57,14 % directamente e 7,14 % indirectamente), ou seja, dispõe a mesma de uma participação maioritária no capital e de mais de metade dos votos8 cf. Artº 250º do Código das Sociedades Comerciais), estando abrangida pela presunção a que alude o artº 486º,nº2, alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais.
Não obstante não gozarem dessa presunção, igualmente se entende que existe relação de domínio entre a Ré e a C, S.A.
A Co.... detém 615 do capital da Comalpe, que, por sua vez, detém 64, 28% (directa e indirectamente) do capital da Ré, pelo que a Co........... detém uma participação indirecta de 39,21% no capital da Ré.
Daqui resulta que a Co........... não detém uma participação maioritária no capital da Ré, nem dispõe de mais de metade dos votos da mesma. Pese embora este facto, uma vez que a C. é a empresa mãe de um grupo económico constituído por diversas empresas, entre as quais a Ré, a Com., e J., Lda., parece também não restarem dúvidas de que a C. pode exercer, ainda que indirectamente, uma influência dominante sobre a Ré».
A relação de domínio entre as sociedades comerciais não decorre apenas da presunção do nº2 do artº 486º do CSC.
Como escreve o Prof. Pereira de Almeida, o interesse desta está apenas na inversão do ónus da prova. Enquanto nos outros casos, o interessado terá que provar a influência dominante, verificada a presunção essa prova é dispensável (artº 350º, nº1 do C.Civil).
O mesmo ilustre Comercialista adverte, no entanto, que todas estas presunções legais são presunções juris tantum, pelo que podem ser ilididas mediante prova em contrário (António Pereira de Almeida, Sociedades Comercias, 3ª ed., Coimbra Editora, pg.455).
Assim sendo, o que se há-de entender por relações de domínio hoc sensu?
Como ensina o mesmo emérito Professor que vimos de citar, o critério fundamental para aferir esta categoria é o da influência dominante.
Esta pode ser vertical, quando exercida directa ou indirectamente através de outras sociedades dependentes da sociedade dominante (artº 486º,nº1 e 483º,nº2) ou, no caso de a filial estar dependente das sociedades mãe, mas esta serem independentes entre si, embora em conjunto dominem a filial. É o que se chama domínio horizontal.
Refere ainda o mesmo Mestre que essa influência dominante tem de resultar de uma concertação entre as sociedades dominantes, ou parafraseando o artº 7º da Directiva da transparência «um acordo que obrigue a adoptar, através do exercício concertado dos direitos de voto, uma política comum em relação às deliberações da assembleia geral ou à gestão da sociedade» e que a influência dominante não tem necessariamente de se aferir por comportamentos que a denotem efectivamente. Ela pode ser apenas potencial, como decorre do artº 486º, nº1, " pode exercer". (Pereira de Almeida, op.cit.454).
Ora nesta política comum, integra-se lógica e naturalmente o desiderato da reestruturação do passivo, claramente demonstrado por subjacente às deliberações ora impugnadas, de forma a alcançar a estabilidade financeira das restantes empresas e, consequentemente, de todo o grupo, pois como ponderou a sentença recorrida, a eventual declaração de falência de uma das empresas, pese embora não arraste as restantes para o processo judicial de falência, será económica e financeiramente prejudicial para estas, podendo mesmo conduzi-las à falência.
Trata-se, assim, do interesse dos próprios garantes, inclusive da própria Ré, em salvaguardar a sua viabilidade económica e financeira, em suma, a sua própria sobrevivência como sociedade comercial, tentando evitar que o chamado grupo C. venha a desintegrar-se por falta de estabilidade financeira, se o passivo das sociedades que o compõem e, designadamente, das que fornecem o produto para a laboração da Ré, não for reestruturado.

Por isso, com toda a razão afirma a Ré, ora Apelada, nas suas contra-alegações, que a sociedade garante, que é a Ré, ao constituir tais garantias reais, está a satisfazer interesses sociais e não extra-sociais, estando perante um problema de viabilidade económica e financeira da empresa, procurando-se evitar uma eventual declaração de falência/insolvência de algumas das empresas envolvidas, nomeadamente a eventual situação falimentar da própria Ré.

Aspecto nuclear de toda a problemática em discussão nos presentes autos, é a circunstância, de que a Apelante parece não dar-se conta, pois insiste apenas no benefício das empresas garantidas, mas que constitui facto provado (facto nº 43), é que sem o detrito de peixe destinado ao fabrico de farinhas e óleos que a Ré comercializa, e que lhe foi fornecido pela Com., S.A. e pela J., Lda. não tinha a mesma produto para laborar.

Estas empresas como as demais referidas nos autos, integram o grupo C., cuja sobrevivência (do grupo e de cada uma delas) depende da reestruturação do passivo das empresas componentes daquele grupo, mencionadas no ponto 8º da factualidade provada, e dessa sobrevivência depende a própria vita societatis da ora Ré/Apelada, como claramente reza a sentença recorrida.

Improcedem, destarte, as conclusões 5ª e 6ª da alegação da Recorrente, improcedendo ipso facto a conclusão 7ª, pois não se verifica qualquer violação do artº 6º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais ou de qualquer outra disposição legal, por incorrecta interpretação ou aplicação, como sustenta a Recorrente, face ao quanto amplamente demonstrado fica, ou seja, improcedem todas as conclusões da referida alegação, daí defluindo, linear e consequentemente, a improcedência da própria Apelação.

DECISÃO

Tudo visto e ponderado, delibera-se julgar improcedente a presente Apelação, confirmando-se, em consequência, a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.




Processado e revisto pelo Relator.

Évora,