Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2791/17.0T8STB-C.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: PERSI
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1 - Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação comtemplada pelo Dec. Lei 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no PERSI e a sua extinção – cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b).
2 - A preterição de sujeição do devedor ao PERSI, por parte do Banco credor, consubstancia incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade da própria pretensão, que deve ser enquadrada com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias.
3 - O regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.
4 – A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artº 573º do CPC, que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No âmbito da execução comum para pagamento de quantia certa (tendo como título executivo uma escritura de mútuo com hipoteca e fiança) instaurada por AA, SA, enquanto cessionária de crédito detido pela BB contra CC, DD e EE, por apenso à qual foram deduzidos embargos pelo 1º executado, a correr termos na Comarca de Setúbal (Juízo de Execução de Setúbal - Juiz 2) foi, 18/02/2018, na sequência de requerimento apresentado pelo executado CC, proferido despacho, no processo executivo, pelo qual se declarou extinta a instância executiva em relação a este executado, absolvendo-o da mesma e ordenando o prosseguimento dos autos contra os restantes executados.
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Irresignada com esta decisão, veio a exequente interpor o presente recurso de apelação e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes «conclusões»,[1] que se transcrevem:
1. Nos presentes autos de ação de execução para pagamento de quantia certa foi deduzida Oposição à execução e à penhora mediante embargos pelo executado CC em 22/09/2017.
2. O Exequente foi notificado da admissão liminar dos Embargos em 01/02/2018 e para contestar no prazo de 20 dias.
3. Na Oposição alegou, em síntese, a ilegitimidade do Exequente por alegada falta de notificação da cessão de créditos.
4. Em função da alegada falta de notificação da cessão que conduziria à inexigibilidade da obrigação exequenda, requereu o cancelamento da penhora registada nos autos.
5. Mais requereu a suspensão da execução sem prestação de caução, sem concretizar, no entanto, quaisquer factos que fundamentassem o “prejuízo dificilmente reparável”.
6. O Exequente apresentou tempestivamente contestação no dia 22/02/2018, juntando cópia das cartas remetidas ao Executado a comunicar a cessão do crédito.
7. Em 19/12/2017, ou seja, quase três meses após a dedução do Embargos, o Executado, através de requerimento avulso, veio arguir a nulidade por ausência de integração por parte do Exequente no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – requerendo a absolvição da instância.
8. Nessa data o Exequente ainda não tinha sido notificado pelo douto Tribunal da admissão liminar dos Embargos.
9. Na pendência dos Embargos, e no âmbito dos autos principais, veio o douto Tribunal a quo, no seguimento do requerimento no qual o Executado arguiu a nulidade por ausência de integração por parte do Exequente no PERSI, proferir Despacho pelo qual declarou extinta a instância executiva, absolvendo o Executado da mesma.
10. Salvo o devido respeito e melhor entendimento em contrário, considera o Exequente ora Recorrente que o douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 732.º n.º 2, n.º 4 a contrario e 573.º e 197.º n.º 2 do CPC, o que consubstancia uma nulidade processual por aplicação do artigo 195.º, n.º 1, segunda parte do CPC.
11. Prevê o artigo 732.º n.º 2 do CPC que após o recebimento dos embargos o Exequente é notificado para contestar, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo (negrito nosso).
12. Ora, tendo o Executado apresentado oposição mediante embargos em 22/09/2017 estava-lhe totalmente vedada a apresentação de outro articulado como o fez em 19/12/2017.
13. No momento da apresentação da Oposição esgotou-se a possibilidade de indicar outros meios de defesa.
14. Não se verifica o preenchimento de nenhuma das exceções previstas no artigo 573.º n.º 2 do CPC.
15. A invocação da não integração do Executado no PERSI não consubstancia um facto superveniente.
16. Acresce que não estamos perante uma exceção que a lei expressamente admita.
17. E não se trata de facto que se deva conhecer oficiosamente.
18. A Douta decisão violou o disposto no artigo 573.º do CPC ao admitir que o Executado alegasse a não integração do PERSI em articulado posterior ao da Oposição.
19. Pelo que, andou mal o Tribunal a quo ao absolver o Executado da instância.
20. Mais entende o Recorrente que também por aplicação do artigo 197.º n.º 2 do CPC resulta a proibição de arguição da nulidade em virtude de o Executado, tacitamente ter renunciado à sua arguição aquando da apresentação dos Embargos.
21. O douto Tribunal a quo ao decidir-se pela extinção da instância, praticou uma irregularidade determinante no exame e decisão da causa, motivo pelo qual o Douto Despacho recorrido deverá ser considerado nulo, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º, n.º 1, segunda parte do CPC.
22. Pelo exposto, deve o douta Despacho Recorrido ser revogado por violação dos artigos 732.º n.º 2, n.º 4 a contrario e 573.º e 197.º n.º 2 do CPC, o que consubstancia uma nulidade processual por aplicação do artigo 195.º, n.º 1, segunda parte do CPC e ser substituído por Despacho que indefira o requerimento datado de 19/12/2017 por preclusão do direito de alegar factos que não tenham sido alegados na Oposição, assim prosseguindo os autos os seus normais trâmites processuais.
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Foram apresentadas contra alegações por parte do 1º executado, defendendo a manutenção do julgado.
Apreciando e decidindo

Como se sabe o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).
Assim, no que ao recurso respeita, a questão em apreciação consiste em saber se o Julgador podia, como o fez, apreciar e decidir naquele momento, a falta de integração do executado, enquanto devedor no PERSI, sem violar os princípios da concentração da defesa e da preclusão, atendendo a que o executado já havia deduzido, anteriormente, oposição à execução por embargos e não tinha, nessa sede, invocado, em seu beneficio, a falta de integração pelo credor no aludido regime.
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Como relevante há que ter em conta o circunstancialismo factual por nós supra descrito bem como aquele que nos é trazido pela recorrente e que consta das conclusões do recurso.
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Conhecendo da questão
Sem se pôr em causa a argumentação da recorrente, diremos que a mesma, quanto a nós, assenta num pressuposto errado, só assim, lhe permitindo chegar à conclusão de que existiu por parte do Julgador a quo violação dos princípios da concentração da defesa e da preclusão.
O pressuposto (errado) em causa, traduz-se no facto da exequente entender que a não integração do executado, enquanto devedor, no PERSI, não é realidade que o tribunal possa conhecer oficiosamente e, por isso, a todo o tempo, independentemente da alegação expressa do devedor.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, como resulta evidente do respetivo Preâmbulo.
No artº 1º estabelecem-se os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito designadamente “a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte” No artigo 3.º, alíneas a) e c) atribui-se ao cliente bancário o estatuto de consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31/07, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04,[2] desde que intervenha como mutuário em contrato de crédito, e o contrato de crédito como o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma.
No artº 18º do citado Dec. Lei 227/2012, epigrafado de “Garantias do cliente bancário”, dispõe-se:
“1 No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efetividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4 Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os atos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior”.
No artº 39º do citado Dec. Lei, epigrafado de “Aplicação no tempo” dispõe-se:
“1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no nº 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no nº 1 do artigo 14.º”
Conforme resulta evidente do teor desta última norma o legislador pretendeu integrar no regime do PERSI todas as situações previstas no diploma que ao tempo da sua entrada em vigor (01/01/2013) se encontravam em mora relativamente ao cumprimento, independentemente da data pretérita em que tal ocorresse, impondo, apenas, que tivesse ocorrido há mais de 30 dias.
Donde, o Banco credor não podia a partir do momento em que entrou em vigor o aludido diploma legal deixar de cumprir, em relação ao devedor, as obrigações que lhe eram legalmente impostas, até porque as mesmas não surgem apenas com a específica solicitação deste, prevista no n.º 2, do artigo 14.º,[3] uma vez que esta norma ressalva o disposto no n.º 1, do mesmo artigo, que estatui a integração obrigatória do devedor no PERSI, e que, por iguais razões, deve interpretar-se como estendendo a ressalva ao disposto no n.º 1, do artigo 39.º, do mesmo diploma, que estatui a integração automática do devedor no PERSI.
No nosso caso, o Banco credor não cumpriu as obrigações que para si decorrem do diploma em causa, não tendo dado sequência à integração automática do ora recorrido, enquanto devedor mutuário no PERSI, não se mostrando, por isso, tal procedimento iniciado e consequentemente, também, concluído.
Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação comtemplada pelo Dec. Lei 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção – cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b), – que no caso ocorre porque nem sequer se teve o procedimento por iniciado, muito menos por extinto.
Como se salienta no Ac. do TRE de 06/10/2016,[4] estamos perante “incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objetiva de procedibilidade” da própria pretensão, que deve ser enquadrada “com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias. E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respetivo resultado, a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa”, não sendo o vício decorrente de tal omissão sanável no âmbito da ação judicial (execução), conforme emerge com clareza e contundência da própria letra da lei (vg. artº 18º do Dec. Lei 227/2012).
Por isso, havemos de concluir estarmos perante uma exceção dilatória inominada - preterição de sujeição do devedor ao PERSI - de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artº 573º que descarta a aplicação do princípio da preclusão.
Efetivamente o regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.[5]
Deste modo, estando em causa uma exceção dilatória inominada, o Julgador podia conhecer dela no âmbito do processo executivo e na altura em que o fez.
Nestes termos, irrelevam as conclusões da apelante, sendo de julgar improcedente a apelação e de confirmar a decisão impugnada.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Évora, 28 de junho de 2018
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Manuel Bargado

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[1] - Consignámos conclusões entre aspas, porque o ilustre mandatário da recorrente limita-se a transcrever, quase na integralidade, embora com a aposição de numeração, a matéria explanada nas alegações, sem apresentar umas verdadeiras conclusões tal como a lei prevê, as quais devem ser sintéticas, concisas, claras e precisas - v. Ac. STJ de 06/04/2000 in Sumários, 40º, 25 e Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 73; Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 124.
[2] “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” – cfr artigo 2.º, n.º 1, da LDC)
[3] - “- Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição de crédito está obrigada a iniciar o PERSI sempre que: a) O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI, considerando-se, para todos os efeitos, que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação”
[4] - No Processo 4956/14.8T8ENT-A.E1 disponível em www.dgsi.pt
[5] - v. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, 585; Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, 171-172; Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Volume III, 84; Remédio Marques in Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, 442; Castro Mendes in Direito Processual Civil, II volume, edição da AAFDL no Ano 1978/79, 111.