Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
86/18.1GAAVS.E1
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: FURTO POR NECESSIDADE
ACUSAÇÃO PARTICULAR
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
A necessidade aludida na al. b) do art. 207º do C.P. terá de ser uma necessidade que o agente do facto não possa satisfazer por outros meios, lícitos, que tenha ao seu dispor em circunstâncias compatíveis com a concreta premência da necessidade.

Além disso, a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada tem de ser indispensável à satisfação da necessidade em questão, o que significa que terá de ser absolutamente precisa para aquele efeito.
Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. Relatório
No juízo de competência genérica de Fronteira do Tribunal Judicial da comarca de Portalegre, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foram submetidos a julgamento os arguidos (…), devidamente identificados nos autos, tendo no final sido proferida sentença que, julgando a acusação pública ( na qual lhes vinha imputada a prática, em co-autoria, de dois crimes de furto ps. e ps. pelos arts. 14º nº 1, 26º e 203 nº 1, todos do C. Penal ) improcedente por ausência de legitimidade do MºPº para promover o processo, os absolveu da instância penal, determinando a extinção do procedimento criminal e o oportuno arquivamento dos autos.
Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo que a mesma seja revogada e substituída por decisão que condene os arguidos pela prática, em co-autoria, de um dos crimes de furto simples, e, bem assim, o arguido (...) pela prática, em concurso efectivo, do outro crime de furto, para o que formulou as seguintes conclusões:

A. Dos excertos transcritos das declarações do arguido (...), gravados em acta do dia 24/03/2021 [gravação de CD 20210324103342_1067605_2871427 – início 10:33:00 – fim 11:03:00] e, bem assim, a análise conjunta das suas declarações integrais, deriva que o Mmo. Juiz entendeu não relevar determinados pontos para efeitos de decisão final, com o que julgou incorrectamente a matéria de facto que lhe foi presente.
B. Resultando claro que se impõe ainda que seja tido por provado o seguinte Facto Provado: “Na data da prática dos factos, os arguidos tinham água c(...)lizada na sua residência, sita no (…).”.
C. O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos alegando que, nas situações ocorridas nos dias 9 e 30 de Julho de 2018, ambos se apoderaram de água do domínio público que não lhes pertencia e que o fizeram de forma voluntária e consciente, bem sabendo que actuavam contra a vontade do legitimo proprietário e que os seus comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
D. Do teor da acusação deduzida, que fixou o objecto do processo, não resulta que os arguidos tenham actuado da forma descrita a fim de satisfazerem necessidades básicas suas ou de outrem.
E. Nesta medida, provados os factos essenciais constantes da acusação pública, não poderia o Mmo. Juiz presumir factos que ali não se encontravam descritos, baseado na circunstância de que, porque se trata do furto de água, se afigura que a mesma estivesse destinada «à utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente».
F. O furto simples assume a natureza de crime particular quando a coisa furtada for de valor diminuto e for destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de um dos seus familiares enunciados na al. b) do artigo 207.º do C.P..
G. São, pois, três os requisitos exigíveis:
a. incidência da subtracção e apropriação sobre objectos de pequeno valor e pequena quantidade (por isso, é vulgarmente denominado como “furto formigueiro”);
b. imediatismo da utilização; e
c. destinação da utilização pelo agente ou de um dos indicados familiares.
H. Ao incluir a incriminação deste “crime formigueiro” na categoria dos crimes de acusação particular, o legislador teve em vista a premência da satisfação de necessidades básicas do agente, pelo que o tipo se refere, essencialmente, a coisas comestíveis, bebidas, em pequena quantidade e de pequeno valor, para utilização imediata do agente.
I. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-09-2008, Processo 7216/2008-3 considerou-se que “é apenas necessário que se trate de um alimento”.
J. Referindo-se, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 22.05.1997 que “a previsão do artº 207º al. b) do Cód. Penal propõe-se uma finalidade que como que complementa a justificação do facto assente no direito de necessidade ou a exclusão da culpa com base no estado de necessidade e destina-se a dar um tratamento benévolo aos casos em que, embora sem os pressupostos de facto e de direito para neles se enquadrarem, estão próximos destas figuras jurídicas”.
K. In casu, apurados os factos constantes da acusação, mais se apurando que os arguidos dispõem de água canalizada na sua habitação, é manifesto que não é susceptível de cair na alçada dessa previsão típica do artigo 207.º, al. b) do C.P..
L. Com o conceito de necessidade básica, parece-nos que o legislador visou referir-se a uma satisfação de uma necessidade básica, uma necessidade nutricional de uma pessoa (a fome, a sede).
M. Apesar de água ser um bem essencial à vida, saúde e bem-estar de qualquer pessoa, afigura-se-nos não ser de enquadrar a água subtraída numa necessidade básica (a fome ou a sede), pois a subtracção e apropriação não incide sobre objectos comestíveis, bebidas ou produtos agrícolas.
N. As necessidades básicas podem ser consideradas todas aquelas a que o ser humano deve ter acesso para sobreviver com decência, suprindo as suas necessidades fisiológicas e mentais e são consideradas objectivas e universais.
O. A hierarquia de necessidades de Maslow, também conhecida como pirâmide de Maslow, é uma divisão hierárquica proposta por Abraham Maslow, em que as necessidades de nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto. Cada um tem de “escalar” uma hierarquia de necessidades para atingir a sua auto-realização. Maslow define um conjunto de cinco necessidades descritas na pirâmide, encontrando-se na base as Necessidades fisiológicas (básicas), tais como a fome, a sede, o sono, a excreção, o abrigo.
P. Tendo-se como certo, como se tem, que a previsão típica se refere à ocorrência de um estado de necessidade justificante, tais factos não resultam da matéria de facto dada como provada na sentença de que se recorre.
Q. Na realidade, da matéria fáctica provada não resulta que, à data dos factos, os arguidos não fossem dotados de meios financeiros suficientes para satisfação de tais necessidades, e que não lhes permitissem proceder ao pagamento da água furtada, e muito menos, que as mesmas fossem prementes.
R. Ao invés, mostra-se provado que os arguidos dispunham de água c(...)lizada e de meios económicos para a sua aquisição. E não tinham sequer necessidade da prática dos factos criminosos para manterem o abastecimento de água à habitação onde vivem.
S. De onde resulta que os arguidos, ao subtraírem e consumirem contra a vontade do Município, água que estava disponível nas canalizações apenas para quem pagasse o serviço de abastecimento, actuaram com o propósito concretizado de se apropriarem da água subtraída, bem sabendo que não lhes pertencia e cientes de que actuavam contra a vontade do Município de (...), assim lhes causando prejuízo patrimonial
T. Integram os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do C.P. – e não um crime de “furto formigueiro” do artigo 207.º, n.º 1, al. b) do C.P., o qual não é aplicável, in casu – pelo que a dedução de acusação pelo Ministério Público não merece censura, já que, para tal, tinha plena legitimidade [cfr. artigo 203.º, n.º 3 do C.P. e artigos 48.º e 49.º do C.P.P.].
U. Não tendo resultado provado que os arguidos actuaram da forma descrita a fim de satisfazerem necessidades básicas suas ou de outrem, tinham os crimes respectivos a natureza semi-pública e não necessitavam de acusação particular, mas apenas de queixa.
V. Pelo que, a decisão de julgar a acusação pública improcedente por ausência de legitimidade do Ministério Público para promover o respectivo processo penal e de absolver os arguidos da instância penal, violou o preceituado nos artigos 48.º, 49.º, 50.º e 285.º do C.P.P. e artigos 203.º e 207.º, al. b) do C.P..
W. Pelo que deve ser substituída por outra que condene os arguidos pela prática, como co-autores materiais de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do C.P., e o arguido (...), em concurso efectivo com um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do C.P..

O recurso foi admitido.
Não foi apresentada resposta.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual -sustentando que o tribunal recorrido seguiu um raciocínio simplista e pouco fundamentado para considerar que o bem subtraído se destinou a satisfazer necessidades relevantes dos arguidos e seus familiares, sem escalpelizar os conceitos que usou para enquadrar os factos na previsão da al. a) do nº 1 do art. 207º do C. Penal, em particular o porquê da indispensabilidade da água para a satisfação da necessidade do agente, cônjuge ou filhos menores, a eventual possibilidade de utilização de meios próprios para a sua satisfação, ou se essa concreta necessidade tinha suficiente relevância para reduzir drasticamente a ilicitude do crime, para além de os arguidos não terem apresentado explicação convincente para se apropriarem da água pública quando dispunham de água canalizada na sua habitação e de a necessidade que se pretende ver satisfeita ter de ser avaliada de um ponto de vista objectivo e não apenas na óptica do infractor, não se revestindo as concretas necessidades das características necessárias para se enquadrarem na previsão daquela norma – se pronunciou no sentido da procedência do recurso e revogação da sentença conforme propugnado pelo recorrente.
Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo os arguidos/recorridos apresentado resposta na qual sucintamente defenderam o bem fundado da sentença recorrida, manifestando-se no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.

2. Fundamentação
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:

Da Acusação Pública (…)

1. No dia 9 de Julho de 2018, cerca das 17h00m, os arguidos (...) e (...) ligaram uma mangueira a uma das torneiras existentes nos sanitários públicos existentes no (...), e dali retiraram água pertencente à rede pública, em quantidade não concretamente apurada, mas seguramente de valor não superior a € 102,00; os arguidos destinaram essa água a encher uma piscina insuflável de dimensões concretamente não apuradas, mas seguramente com diâmetro não superior a 1,50 metro e com altura não superior a 1,00 metro, e tendo em vista a utilização imediata dessa piscina pelos seus filhos menores em tarde de pleno Verão “alentejano” com temperatura do ar muito elevada.
2. No dia 30 de Julho de 2018, cerca das 16h30m, o arguido (...) ligou uma mangueira a uma das torneiras existentes nos sanitários públicos existentes no (...), e dali retirou água pertencente à rede pública, em quantidade não concretamente apurada, mas seguramente de valor não superior a € 102,00; o arguido destinou essa água a encher um tanque de lavar roupa, de cimento e fixo, de dimensões concretamente não apuradas, mas seguramente com largura não superior a 1,00 metro, e tendo em vista a utilização imediata desse tanque pela sua companheira de facto e ora arguida para lavar a roupa do respetivo agregado familiar.
3. Os arguidos nunca tiveram autorização do Município de (...) para levarem a cabo tais condutas.
4. a. Na situação ocorrida no dia 9 de Julho de 2018, os arguidos (...) e (...) atuaram em comunhão de esforços com o propósito concretizado e conseguido de se apropriarem da água subtraída, bem sabendo que não lhes pertencia e cientes de que atuavam contra a vontade do Município de (...), assim lhe causando prejuízo patrimonial concretamente não apurado, mas seguramente de valor não superior a € 102,00.
4. b. Na situação ocorrida no dia 30 de Julho de 2018, o arguido (...) atuou com o propósito concretizado e conseguido de se apropriar da água subtraída, bem sabendo que não lhe pertencia e ciente de que atuava contra a vontade do Município de (...), assim lhe causando prejuízo patrimonial concretamente não apurado, mas seguramente de valor não superior a € 102,00.
5. Os arguidos, nas respetivas condutas acima descritas, agiram de modo livre, voluntário e consciente, sabiam que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei criminal, e tinham capacidade para se determinarem de acordo com tal conhecimento.
***
- O arguido (...) confessou parcial e mitigadamente os factos pelos quais vinha publicamente acusado.
*
Da Condição Pessoal e Socioecónomica do arguido (…)
- O arguido é solteiro, mas vive, há cerca de 20 anos, em união de facto com a ora arguida, e tem “fruto” desse relacionamento três filhos com 3, 8 e 14 anos de idade.
- O ora arguido está atualmente desempregado, mas cultiva produtos agrícolas numa horta de sua propriedade. Trabalhou até 2015 ou 2016 ao serviço do Município de (...), no âmbito de contratos de prestação de serviço com duração de 1 ano, auferindo inicialmente € 418 líquidos acrescidos de subsídio de alimentação, e posteriormente € 530 líquidos.
- O arguido reside em habitação social e nada paga a título de renda mensal.
- O arguido não é titular de veículos automóveis e circula habitualmente a pé.
- O arguido tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade e frequentou um curso ministrado pelo Centro de Emprego e Formação Profissional, o qual lhe atribuiu equivalência ao 6º ano de escolaridade.
*
Dos Antecedentes Criminais do arguido (…)
– O arguido tem os antecedentes criminais vertidos no certificado de registo criminal constante da Refª 30731567 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
*
Da Condição Pessoal e Socioecónomica da arguida (…)
- A arguida é solteira, mas vive, há cerca de 20 anos, em união de facto com o ora arguido, e tem “fruto” desse relacionamento três filhos com 3, 8 e 14 anos de idade.
- A ora arguida está atualmente desempregada. Trabalhou até há cerca de 2-3 anos ao serviço do Município de (...), no âmbito de contratos de prestação de serviço com duração de 1 ano, auferindo inicialmente € 418 líquidos acrescidos de subsídio de alimentação, e posteriormente € 530 líquidos.
- A arguida reside em habitação social e nada paga a título de renda mensal.
- A arguida não é titular de veículos automóveis e circula habitualmente a pé.
- A arguida, no que às habilitações literárias concerne, sabe apenas escrever o nome “(...)”, seu primeiro nome.
*
*
Dos Antecedentes Criminais da arguida (…)

– A arguida tem os antecedentes criminais vertidos no certificado de registo criminal constante da Refª 30731568 cujo teor se dá aqui por reproduzido.

Considerou-se como não provada a seguinte factualidade:

Da Acusação Pública sob a Refª 30013144

2. No dia 30 de Julho de 2018, pelas 16h30m, a arguida (...) ligou uma mangueira a uma das torneiras existentes nos sanitários públicos existentes no (…) e dali retirou água pertencente à rede pública, em quantidade não concretamente apurada, que destinou a encher um tanque de lavar roupa.
4. a. Na situação ocorrida no dia 30 de Julho de 2018, os arguidos atuaram em comunhão de esforços.
4. b. Na situação ocorrida no dia 30 de Julho de 2018, a arguida (...) atuou com o propósito concretizado de se apropriar da água subtraída, bem sabendo que não lhe pertencia e ciente de que atuava contra a vontade do Município de (...), assim lhe causando prejuízo patrimonial.
* *
- Não foram dados como provados quaisquer outros factos que estejam em oposição com os que foram supra dados como provados, e/ou quaisquer outros factos que não tenham ficado desde logo prejudicados pelos que acima foram dados como provados.

A decisão da matéria de facto foi explicada nos seguintes termos:

Factos PROVADOS e NÃO provados
A convicção deste Tribunal, quanto aos factos dados como provados e constantes da acusação pública, assentou, desde logo, nas declarações confessórias do arguido (...), o qual confessou a conduta praticada por ele e pela ora arguida no dia 9 de Julho de 2018, bem como a conduta praticada por ele no dia 30 de Julho de 2018. Confessou também que o Município de (...) nunca deu autorização para utilização de água dos sanitários públicos.
Por outro lado, este Tribunal baseou-se no teor das declarações sérias, convincentes, seguras, espontâneas, credíveis, verosímeis das testemunhas arroladas pela acusação pública, nos termos que a seguir serão expendidos.
A testemunha (…), agente da GNR no Posto de Sousel à data da prática dos factos, descreveu a situação ocorrida no dia 9 de Julho de 2018. Com relevo explicitou que a piscina estava cheia até sensivelmente a meio. Esclareceu que a mesma piscina era insuflável, tinha cerca de 1,50 metro de diâmetro e cerca de 1,00 metro de altura.
Por sua vez, a testemunha (…), agente da GNR no Posto de Sousel à data da prática dos factos, também descreveu a situação ocorrida no dia 9 de Julho de 2018. Confirmou a presença dos dois arguidos e de uma criança no local, aquando da fiscalização efetuada pelos agentes da GNR de Sousel. Descreveu a piscina em causa como sendo de borracha e de criança.
De seguida, a testemunha (…)declarou ser vereadora do pelouro de águas/saneamento do Município de (...), desde Outubro de 2017 até à presente data. Esclareceu que foi testemunha presencial da situação ocorrida em 9 de Julho de 2018, com a intervenção conjunta de arguido e arguida. Com especial relevo, afirmou que não foi nem é possível apurar o valor exato do prejuízo patrimonial causado pela conduta dos arguidos, nem sequer o valor aproximado!!! Quanto às dimensões da piscina insuflável de criança, referiu, sem a mínima segurança, que a mesma tinha cerca de 2,00 metros quadrados de área e cerca de 1,5 metro de diâmetro, acrescentando que não conseguia precisar se a mesma piscina, aquando da sua passagem pelo local e da consequente comunicação à autoridade policial e posterior fiscalização, estava cheia ou parcialmente cheia.
A testemunha (…), agente da GNR na reserva desde 10/02/2021 e anteriormente em funções no Posto de Galveias desde 06/10/2016 até àquela data, descreveu a situação ocorrida em 30 de Julho de 2018. Esclareceu que só viu o arguido (...) a retirar água da casa de banho pública de (...) para um tanque de lavar roupa, frisando que a arguida apareceu algum tempo depois do início da fiscalização. Quanto à dimensão do tanque, afirmou não saber precisá-la, mas referiu que era de cimento e pequeno.
Por seu turno, a testemunha (…), agente da GNR no Posto de (...) à data da prática dos factos, também descreveu a situação ocorrida em 30 de Julho de 2018. No que respeita ao tamanho do tanque, afirmou que o mesmo tinha cerca de 1,00 metro de largura, acrescentando que era de cimento e fixo. Frisou que a arguida apareceu no local mais tarde, e realçou que só o arguido se deslocou ao Posto da GNR para ser constituído arguido.
Este Tribunal baseou também a sua convicção no teor dos meios de prova documentais juntos aos presentes autos, nomeadamente os seguintes:
- Autos de Notícia, constantes de fls. 3 e 4, 6 e 7, e 31 a 33;
- Auto de apreensão, vertido a fls. 38;
- Relatório Fotográfico, junto a fls. 39.
*
Este Tribunal apoiou-se ainda, no que concerne à situação pessoal e à condição socioeconómica de cada um dos arguidos, nas próprias declarações de cada um dos mesmos, as quais se nos afiguraram, nessa parte, credíveis e verosímeis.
Por último, tomou-se igualmente em consideração o teor dos certificados do registo criminal de cada um dos arguidos e juntos sob as Refªs 30731567 (arguido (...)) e 30731568 (arguida (...)), no que concerne aos respetivos antecedentes criminais.
*
Passando agora à apreciação da matéria de facto supra-elencada como NÃO provada, há que referir que tais factos, constantes da acusação pública, foram dados como não provados em virtude de inexistirem meios de prova testemunhais e documentais que os pudessem sustentar.
Essa consideração derivou de todas os fundamentos acima descritos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, bem como de não ter sido carreada para os presentes autos qualquer mobilização probatória e/ou de a mobilização probatória que foi carreada se ter revelado insuficiente e portanto insuscetível de convencer este Tribunal da sua veracidade ou efetiva verificação, i.e., a análise conjugada das declarações do arguido e das testemunhas arroladas pela acusação pública, e do teor dos meios de prova documentais juntos aos presentes autos e descritos na mesma acusação pública, não permitiu imputar à arguida a prática de tais factos, fora de qualquer dúvida razoável.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada)., sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95..
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões que foram suscitadas reconduzem-se ao erro de julgamento e ao erro de direito ao enquadrar a factualidade assente na previsão da al. b) do art. 207º do C. Penal.

3.1. O recorrente começa por sustentar que o tribunal recorrido julgou incorrectamente a matéria de facto em virtude de não ter considerado como provado que os arguidos, à data da prática dos factos, tinham água canalizada na sua residência, como resulta das declarações prestadas pelo arguido.

De tais declarações, mormente dos excertos que o recorrente transcreve na motivação do recurso, resulta efectivamente que, questionado expressamente a respeito, o arguido confirmou existir um contrato de abastecimento de água com o Município de (...), contrato esse em nome da arguida, e que, assim sendo, tinham água canalizada em casa.
Nessa medida e porque não foi contrariado pela demais prova produzida, e ainda que não constasse da acusação, nada obstava a que tal facto fosse considerado como assente.
Sucede, porém, que em nosso entender, na sua formulação positiva, não se trata de um facto com relevo directo para a decisão da causa, não passando de um circunstancialismo instrumental que deveria ser apenas levado à motivação da decisão de facto, na parte em que é feita alusão ao teor das declarações prestadas pelo arguido.
De facto, porque hodiernamente, em termos de normalidade, as unidades habitacionais são dotadas de água canalizada, inexiste, em princípio e ressalvados casos excepcionais, justificação para que alguém se vá apropriar de um bem dessa natureza que não lhe pertence nem lhe foi disponibilizado livremente, quando, para mais, se encontra nas proximidades da sua residência ( como resulta dos dados da sua identificação, os arguidos residem no mesmo Largo onde se situam os sanitários públicos de onde a água foi retirada ).
Assim, ao invés, o facto que poderia relevar no caso seria precisamente o inverso, o de a residência dos arguidos não ter fornecimento de água, que, a verificar-se - o que manifestamente, em face daquelas declarações, não sucede - deveria ser incluído no elenco dos factos considerados como provados, em virtude de, nesse caso, se poder configurar a apropriação desse bem como sendo indispensável à satisfação da necessidade aludida na al. b) do art. 207º do C. Penal, posto que a mesma se revestisse das características que a tornassem atendível para o enquadramento nessa previsão típica.
Donde que não se justifique, porque inócuo para a decisão, o acrescento pretendido pelo recorrente.

3.2. Mas as razões da discordância do recorrente incidem, em particular, na subsunção jurídica da matéria de facto provada à previsão da já aludida al. b) do art. 207º por na decisão recorrida se ter considerado que a água furtada, de valor diminuto, se tinha destinado à utilização imediata e indispensável à satisfação de necessidades dos arguidos e dos seus filhos menores e, na decorrência, por o correspondente procedimento criminal depender de acusação particular e não ter esta sido deduzida nem tão pouco o ofendido/lesado se ter constituído como assistente, se ter concluído pela falta de legitimidade do MºPº para promover o procedimento criminal.

Vamos começar por conferir o percurso seguido pelo tribunal recorrido no segmento do enquadramento jurídico dos factos:

3.1 Enquadramento Jurídico-Criminal
No que concerne à arguida (…), na situação ocorrida no dia 30 de Julho de 2018, face ao elenco da matéria de facto supra dada como não provada, fácil se torna constatar que não estão verificados quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivos do tipo legal de crime de furto (simples), pelo qual vinha publicamente acusada, em coautoria material e sob a forma consumada, p.p. pelo artigo 203º/1 do Código Penal (de ora em diante CP).
No que respeita à mesma arguida (…), na situação ocorrida no dia 9 de Julho de 2018, face ao elenco da matéria de facto supra dada como provada, fácil se torna constatar que estão verificados quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivos do tipo legal de crime de furto (simples), pelo qual vinha publicamente acusada, em coautoria material e sob a forma consumada, p.p. pelo artigo 203º/1 do CP.
Por seu turno, relativamente ao arguido (…), nas situações ocorridas nos dias 9 e 30 de Julho de 2018, face ao elenco da matéria de facto supra dada como provada, fácil se torna constatar que estão verificados quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivos do tipo legal de crime de furto (simples), pelo qual vinha publicamente acusado, em coautoria material, sob a forma consumada e em concurso real ou efetivo, p.p. pelo artigo 203º/1 do CP.
Teria assim de proceder, ainda que parcialmente, a acusação pública no que a ambos os ora arguidos concerne.
Numa análise do enquadramento jurídico-criminal da atuação de ambos os arguidos, conclui-se, desde logo, que a mesma preenche os elementos objetivos impostos por este tipo legal - subtração de coisas móveis alheias.
Mas para além disso, torna-se ainda necessário que o tipo objetivo seja acompanhado de um tipo subjetivo que o transcenda, por ser indispensável a ilegítima intenção de apropriação (dolo específico, como alguns o apelidam) e que no caso vertente resulta inequivocamente documentado nos factos provados, pois os arguidos, nos exatos termos dados como provados, quiseram fazer seu o objeto (água do domínio público) de que se apossaram (animo sibi rem habendi).
Decorre de tudo o acima exposto que ambos os arguidos se encontram incursos na prática de um crime de furto (simples) relativo à situação ocorrida no dia 9 de Julho de 2018, e que o arguido se encontra incurso na prática de um crime de furto (simples) relativo à situação ocorrida no dia 30 de Julho de 2018, sendo certo que, nos casos em apreço, quer o elemento objetivo (a subtração não autorizada, e por isso ilícita, do objeto em causa – água do domínio público) quer a vertente subjetiva (a intenção - dolo específico - de apropriação do referido objeto) estão verificados.

Até aqui não se verifica qualquer incorrecção e também nenhuma foi apontada pelo recorrente. O dissídio regista-se a partir das considerações que a seguir vão transcritas e que conduziram à decisão de absolvição dos arguidos da instância penal:

3.2 – Da eventual Natureza Particular dos crimes de Furto (simples) praticados pelos ora arguidos
O artigo 207º do Código Penal preceitua o seguinte:
Artigo 207.º
Acusação particular
1 – No caso do artigo 203.º e do n.º 1 do artigo 205.º, o procedimento criminal depende de acusação particular se:
a) O agente for cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2.º grau da vítima, ou com ela viver em condições análogas às dos cônjuges; ou
b) A coisa ou o animal furtados ou ilegitimamente apropriados forem de valor diminuto e destinados a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa mencionada na alínea a). (itálico, negrito e sublinhado nossos)
2 – No caso do artigo 203.º, o procedimento criminal depende de acusação particular quando a conduta ocorrer em estabelecimento comercial, durante o período de abertura ao público, relativamente à subtracção de coisas móveis ou animais expostos de valor diminuto e desde que tenha havido recuperação imediata destas, salvo quando cometida por duas ou mais pessoas.

Por sua vez, o artigo 202º do Código Penal preceitua o seguinte:
Artigo 202.º
Definições legais
Para efeito do disposto nos artigos seguintes considera-se:
a) Valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto;
b) Valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto;
c) Valor diminuto: aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto; (…) (itálico, negrito e sublinhado nossos).

Por seu turno, a unidade de conta processual prevista no nº 2 do artigo 5º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, estava à data da prática dos factos, e ainda está, fixada em € 102,00 (cento e dois euros).
Face ao ora exposto, devidamente conjugado com o teor dos factos supradados como provados, conclui-se, desde logo, que a água furtada ou ilegitimamente apropriada é de valor diminuto e destinava-se a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa mencionada na alínea a) do nº 1 do artigo 207º do Código Penal, nomeadamente dos filhos menores dos arguidos e do cônjuge de cada um dos arguidos e também arguido.
Por conseguinte, conclui-se que o procedimento criminal, relativo aos crimes praticados por cada um dos arguidos, depende de acusação particular, a qual não foi deduzida pelo ofendido/lesado, ou seja, pelo Município de (...). Ao invés, foi deduzida acusação pública pelo Ministério Público, sem que previamente tenha sido notificado aquele ofendido/lesado para se constituir assistente e deduzir acusação particular, e sem que o mesmo a tenha efetivamente deduzido!!!
Há, pois, que aplicar o disposto no artigo 50º do Código de Processo Penal.
Esta norma legal preceitua o seguinte:
Artigo 50.º
Legitimidade em procedimento dependente de acusação particular
1. Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.
2. O Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade e couberem na sua competência, participa em todos os actos processuais em que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre autonomamente das decisões judiciais.
3 – É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo anterior.

Por conseguinte e em suma, uma vez que o ofendido/lesado, Município de (...), não se constituiu assistente nem deduziu acusação particular, conclui-se que, por ausência de legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal nos presentes autos, nos termos do artigo 48º,a contrario sensu, do Código de Processo Penal, devidamente conjugado com o aludido artigo 50º do mesmo diploma legal, falece um dos pressupostos objetivos do procedimento criminal instaurado e que originou os presentes autos, com a consequente absolvição dos arguidos da presente instância penal, a consequente extinção do presente procedimento criminal e o consequente e oportuno arquivamento dos presentes autos.
Aponta o recorrente o facto de não resultar do teor da acusação que os arguidos tenham actuado da forma descrita a fim de satisfazerem necessidades básicas suas e de outrem, sustentando que o julgador não podia presumir factos que ali não se encontravam descritos e daí concluir que, por se tratar de água, esta estivesse destinada à utilização de uma necessidade imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente.
Ora, é certo que esta expressão, correspondente à formulação legal, não constava da acusação e tão pouco ficou a constar da factualidade provada. Nem tinha, sequer deveria, de ali constar. Trata-se de uma conclusão a retirar da materialidade fáctica dada como assente, no caso, a que se destinou a água apropriada, quando e como foi utilizada. Será a partir deste concreto circunstancialismo que se poderá concluir se tal bem foi, ou não, utilizado daquela forma e para tal finalidade.
Perscrutando os factos considerados como assentes, temos que, na primeira situação, a água se destinou a encher uma piscina insuflável de pequenas dimensões para que esta fosse imediatamente utilizada pelos filhos menores dos arguidos numa tarde muito quente.
Enquanto que, na segunda, a água foi destinada a encher um pequeno tanque de lavar roupa para de seguida a arguida lavar a roupa do agregado familiar.
Perante esta factualidade, refuta o recorrente que se possam considerar preenchidos todos os requisitos exigidos pela norma da al. b) a que vimos fazendo alusão, e que são o valor diminuto da coisa furtada ou ilegitimamente apropriada, a imediatidade da utilização e a indispensabilidade à satisfação de uma necessidade do agente ou do seu cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2.° grau ou de pessoa que com ele conviva em condições análogas às dos cônjuges.
No caso, não vindo questionados nem se apresentando como questionáveis os dois primeiros, assente que ficou que, em qualquer dos casos, a água subtraída não ultrapassou o valor da UC à data da prática dos factos e que a mesma foi destinada a ser utilizada em acto seguido à apropriação, sobra o último, o de saber se aquele bem foi destinado a utilização indispensável à satisfação de uma necessidadedo agente ou de outra pessoa mencionada na al. a) do referido art. 207º.
Determinar o âmbito das “necessidades” abrangidas pela norma é onde reside o punctum crucis da questão.
E aqui estamos inteiramente de acordo com a posição do MºPº em ambas as instâncias.
Embora os casos abarcados pela previsão do art. 207º se aproximem do estado de necessidade justificante, há diferenças que levaram o legislador a afastar a ilicitude neste e a mantê-la nos primeiros, restringindo apenas os termos em que o agente pode ser criminalmente perseguido, deixando a decisão de o fazer ou não ao ofendido.
Nestes casos, diferentemente do que sucede na previsão do art. 34º do C. Penal, não se requer a verificação de um perigo actual nem tão pouco o preenchimento dos requisitos estabelecidos nas alíneas desse preceito. Ainda assim, não se poderá deixar de considerar que a necessidade aludida na al. b) do art. 207º terá de ser uma necessidade que o agente do facto não possa satisfazer por outros meios, lícitos, que tenha ao seu dispor em circunstâncias compatíveis com a concreta premência da necessidade. De outra forma, estaria o legislador a dar “carta branca” à utilização do alheio para satisfazer necessidades próprias, o que seguramente não foi seu propósito.
Além disso, a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada tem de ser indispensável à satisfação da necessidade em questão, o que significa que terá de ser absolutamente precisa para aquele efeito. Ou seja, mais do que aptidão da coisa para satisfazer a necessidade, requer-se que, no concreto circunstancialismo e vista a concreta premência da necessidade, a mesma não possa ser satisfeita de outra forma. Havendo uma alternativa viável, disponível, lícita, menos gravosa, não pode o agente escolher aquela que vai ofender a propriedade de terceiros e ainda assim prevalecer-se da previsão do art. 207º.
Finalmente, não é qualquer tipo de necessidade que cabe na previsão legal; a necessidade tem de ser relevante, devendo a utilização da coisa ser, segundo critérios de normalidade Cfr. Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, em anot. ao art. 217º., imprescindível ao suprimento de carências essenciais da vida, “de necessidades físicas (e não de meras necessidades espirituais) do agente ou de familiar, pelo que as coisas furtadas só podem incluir produtos comestíveis ou bebidas Cfr. P.Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, em anot. ao art. 207º..
Ora, a utilização que foi dada à água subtraída num caso por ambos os arguidos e no outro só pelo arguido não foi para satisfazer necessidades relevantes desta grandeza. Não o é o tratamento e higienização da roupa e, ainda mais flagrantemente, o enchimento de uma piscina para utilização como refrigério contra as inclemências climáticas.
Admitindo que a primeira possa constituir uma necessidade, não se trata de uma necessidade básica, essencial ou importante para o funcionamento do organismo humano, e, quanto à segunda, trata-se apenas de uma “necessidade” lúdica, existindo outras formas, ainda que menos apelativas em particular para as crianças, de atenuar os efeitos do calor. Ambas podiam ser facilmente satisfeitas sem o recurso à apropriação de água alheia, mais precisamente nada entre a factualidade considerada como assente permite inferir ou aponta no sentido de que não o pudessem ter sido. Não estamos, pois, perante utilizações indispensáveis à satisfação das necessidades em questão.
Na decorrência, não pode subsistir a sentença recorrida na parte em que, depois de efectuada a qualificação jurídica dos factos aos crimes de furto tal como consta da transcrição supra, os enquadrou na previsão da al. b) do art. 207º.
E, afastada esta, é evidente que, perante a natureza semi-pública dos crimes em questão, não era necessária a constituição como assistente e a dedução de acusação particular pelo ofendido, não carecendo o MºPº de legitimidade para promover o procedimento criminal nos termos em que o fez.
*
Assim, e assente que ficou que as condutas dos arguidos preenchem, a de ambos a prática, em co-autoria, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º nº 1 do C. Penal, e a do arguido, ainda, de outro crime de furto p. e p. pela mesma disposição legal, há que determinar o quantum das penas.
O crime de furto p. e p. pelo art. 203º nº 1 do C. Penal é punível com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou multa de 10 a 360 dias.
Prevista pena privativa e não privativa da liberdade, há que começar por proceder à escolha da pena, em obediência ao disposto no art. 70º do C. Penal.
No caso, as exigências de prevenção geral não são muito expressivas, mas as de prevenção especial no que toca ao arguido (…) já assumem algum relevo em face dos antecedentes criminais que constam do seu CRC O arguido foi condenado:
1- por sentença proferida em 22/5/13 e transitada em 27/6/13, pela prática, em 30/11/10, de um crime de denúncia caluniosa, na pena de 200 dias de multa, posteriormente substituídos por 200 horas de PTFC, pena extinta em 8/6/15;
2- por sentença proferida em 27/5/15, transitada em 3/7/15, pela prática, em 4/6/14, de um crime de ameaça agravada e de injúria, na pena única de 145 dias de multa;
3- por sentença proferida em 7/3/17, transitada na mesma data, pela prática, em 29/10/15, de um crime de roubo simples, na pena de 110 dias de multa, extinta por pagamento em 24/1/19;
4- por sentença proferida em 14/6/17, transitada na mesma data, pela prática, em 30/9/16, de um crime de furto simples, na pena de 100 dias de multa, extinta em 21/12/18;
5- por sentença proferida em 6/6/18, transitada em 6/7/18, pela prática, em 6/3/17, de três crimes de injúria agravada, um crime de furto qualificado e um crime de extorsão, na única pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por 3 anos com regime de prova.
, alguns dos quais também pela prática de crimes contra o património, avultando ainda a circunstância de ter praticados os factos durante o período de suspensão da execução da última pena que ali vem registada. Já quanto à arguida, o único antecedente criminal respeita à prática de crimes de outra natureza A arguida foi condenada, por sentença transitada em 3/7/15, pela prática, em 4 e 5/6/14, de um crime de ameaça agravada e de um crime de injúria, na pena única de 140 dias de multa..
Assim, opta-se pela pena privativa da liberdade em relação ao arguido, existindo ainda fundamento para optar pela pena não privativa da liberdade em relação à arguida.
Na determinação da medida concreta das penas, tendo em consideração as circunstâncias enumeradas no art. 71º do C. Penal, temos, para além das exigências preventivas já acima referidas, o grau de culpa ( dolo directo ), o baixo grau de ilicitude ( atendendo à pequena quantidade e valor da água subtraída ), a modesta condição socio-económica e, quanto ao arguido (...), a confissão parcial, sem grande relevo para a descoberta da verdade.
Tudo ponderado, temos como ajustadas as seguintes penas:
- 4 meses de prisão por cada um dos crimes de furto praticados pelo arguido (...) e, em cúmulo jurídico, a pena de 6 meses de prisão;
- 60 dias de multa, à taxa diária de 5 €, perfazendo 300 €, pelo crime de furto praticado pela arguida (...) em co-autoria como o arguido (...).
Em face da medida da pena de prisão a aplicar ao arguido (...), cumpre determinar se deve lugar à aplicação de pena de substituição.
Não obstante o arguido já ter beneficiado de uma suspensão da execução da pena ( cujo prazo, sem qualquer vicissitude, já teria terminado em 6/7/21 ) e de ter praticado os factos destes autos escassos dias após o trânsito da sentença que a aplicou, certo é que, até por essa proximidade e porque, nessa data certamente ainda não estaria implementado o regime de prova a que aquela pena foi sujeita, não existem indicadores que demonstrem se uma pena desta natureza tem aptidão para dissuadir o arguido de tornar a delinquir. Nessa medida, entendemos que ainda não está arredada a possibilidade de formular um juízo de prognose positiva em relação ao seu comportamento futuro, sendo ainda de suspender a execução da pena, por um ano, e sujeita à condição de, dentro desse prazo, dar uma compensação monetária, que ( atento o montante, não apurado em concreto mas pouco elevado, do prejuízo causado e a débil condição económica do arguido ) se fixa em 50 €, ao ofendido/lesado Município de (...), fazendo do facto a devida comprovação nos autos.


4. Decisão
Por todo o exposto, julgam procedente o recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que, considerando faltar legitimidade ao MºPº para promover o procedimento criminal, absolveu os arguidos da instância, indo estes, em consequência, condenados nos seguintes termos:
a) o arguido (...), pela prática de dois crimes de furto simples, ps. e ps. pelo art. 203º nº 1 do C. Penal, um dos quais em co-autoria com a arguida (...), nas penas parcelares de 4 ( quatro ) meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 ( seis ) meses de prisão, cuja execução se suspende por 1 ( um ) ano na condição de, até ao fim desse período, entregar ao Município de (...) a quantia de 50 ( cinquenta ) €, fazendo disso comprovação nos autos;
b) a arguida (...), pela prática, em co-autoria, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º nº 1 do C. Penal, na pena de 60 ( sessenta ) dias de multa à taxa diária de 5 ( cinco ) €.
Sem tributação.

Évora, 26 de Outubro de 2021

Maria Leonor Esteves
Berguete Coelho