Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
538/12.7PCSTB.E1
Relator: JOSÉ MARTINS SIMÃO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – O crime de resistência e coação sobre funcionário é um crime de perigo, no sentido de que a sua consumação se basta com a prática efectiva de acção coactora adequada a anular ou comprimir a liberdade de actuação do agente de autoridade, independentemente deste atingir ou não o resultado.

II - A decisão de suspender a execução da pena deve ter na base uma prognose favorável do arguido, (prognóstico que terá de assentar na avaliação da personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste e que terá como ponto de partida não a data da prática do crime, antes a do momento da decisão), isto é, a esperança de que ele assimilará a advertência que a condenação implica e que será desencorajado de cometer novos crimes.

III - Só deve ser decretada a suspensão da execução da pena de prisão, quando se concluir, face aos elementos referidos que tal medida é adequada a afastar o delinquente da criminalidade, desde que seja, igualmente suficiente, para satisfazer as finalidades da punição.

IV - São, assim, finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e geral e não finalidades de compensação da culpa, que justificam e impõem a preferência pela suspensão da pena, ou por qualquer outra pena de substituição.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1- Relatório
Nos presentes autos de processo comum singular, com o número acima mencionado do 3º Juízo Criminal de Setúbal, a acusação foi julgada procedente por provada e em consequência o arguido, A., id. a fls.241, foi condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo. 152.°, n.° 1, alíneas b) e nº 2 do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão e pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347º, nº 1 do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

E ainda na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, onde inclui o afastamento da residência e do seu local de trabalho pelo período de 5 anos.

Inconformado o arguido recorreu, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

«1 - O Arguido foi condenado numa pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.

2- Pena manifestamente excessiva.

3 – O Arguido estava perante um estado de embriaguez excessivo não possuindo controlo e total conhecimento de todas as suas atitudes pois as testemunhas referiram:

“- D. R – “estava um pouco alterado, os olhos muito encarnados, uma expressão um pouco estranha, alcoolizado como ele está, completamente bêbado, deve ter algum problema, qualquer distúrbio”
- Agente PM - “não parecia uma pessoa lúcida”

4 – Quanto ao crime de violência doméstica, foi o Arguido condenado a uma pena de prisão de 3 anos e 10 meses, pena que padece de severidade.

5 – A douta sentença, violou os artigos 71º e seguintes do Código Penal.

6 – Por não atender ao facto de o Arguido estar em estado de embriaguez e numa relação de cerca de 2 anos não ter demonstrado comportamentos agressivos para com a sua companheira.

10:08 - D. R - “nunca me levantou a mão, nem nunca me ofendeu, nem nada disso, era uma pessoa verdade se diga, o que eu pedia para ele fazia, ele fazia sempre com vontade”

7 -O Arguido embora com antecedentes criminais da mesma natureza, a prátíca dos factos ocorreram há 5 anos, revelando que esta atitude não é reiterada e afirmada pela própria ofendida nos presentes autos.

8 – Deverá ser condenado numa pena fixada nos limites médios, em 2 anos e 6 meses de prisão suspensa nos seus efeitos por igual período mediante regime de prova a ser executado por tratamento ao consumo das bebidas alcoólicas.

9 - Quanto ao crime de coacção e resistência a funcionário, foi o Arguido condenado a uma pena de 2 anos e 10 meses de prisão.

10 - O Arguido ora recorrente não perturbou a liberdade física ou de acção do Agente da PSP.

11 - Não existiu oposição, capaz de anular ou comprimir a capacidade de actuação do Agente da PSP.

12 - As suas atitudes poderiam ser um anúncio de uma posterior consequência, devendo ser graduada como uma reacção e não como uma séria pretensão de impedimento ou coacção do acto que o agente iria praticar.

13 - Devendo o Arguido ser absolvido do crime de coacção e resistência a funcionário.

14 – Revogando-se a douta sentença, e em consequência ser aplicada uma pena de prisão de 2 anos e 6 meses suspensa nos seus efeitos, mediante regime de prova.

15 - O Arguido encontra-se socialmente integrado.

16 – O Arguido trabalha, faz biscates auferindo a quantia mensal de € 400,00.

17 – As necessidades de prevenção geral, bem como as de prevenção especial, ficam satisfeitas com a condenação do Arguido, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses.

18 - Pelo exposto, deve o Arguido ser absolvido do crime de coacção e resistência a funcionário e quanto ao crime de violência doméstica condenado numa pena de prisão suspensa nos seus efeitos, fixada em 2 anos e 6 meses, sujeito a regime de prova.

NESTES TERMOS

Nos melhores de direito e com mui douto suprimento de V.Exas., deve a douta sentença proferida no Tribunal “a quo” ser, revogada e, em consequência ser substituída por outra que:

a) - condene o Arguido numa pena de prisão fixada nos limites médios, em 2 anos e 6 meses, suspensa nos seus efeitos mediante regime de prova pelo crime de violência doméstica;

b) – absolva o Arguido do crime de coacção e resistência a funcionário».

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:

«a)Ao arguido foi aplicada uma pena de 3 anos e 10 meses de prisão pela prática de um crime de violência doméstica e uma pena de 2 anos e 10 meses de prisão pela prática de um crime de coacção e resistência sobre funcionário, tendo resultado do cúmulo jurídico efectuado a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão;

b) O Artº 70º do Código Penal não tem aplicação no caso dos autos porquanto nenhum dos crimes em causa é punido com pena privativa ou não privativa da liberdade, sendo ambos punidos exclusivamente com pena de prisão;

c) A opção a fazer é apenas entre a pena de prisão e uma das penas substitutivas possíveis, o que não implica a aplicação do referido Artº 70º;

d) O facto de o condenado se encontrar embriagado no momento da prática dos factos não é uma atenuante, uma vez que foi ele quem se colocou voluntariamente nessa situação;

e) O não ter agredido antes a sua companheira numa relação que durou 2 anos, também não é uma atenuante, porquanto esse é o comportamento expectável e exigível a todos os cidadãos;

f) O limite médio da moldura penal aplicável ao crime de violência doméstica não é 2 anos e 6 meses, mas sim 3 anos e 6 meses, porquanto se trata de uma pena entre os 2 e os 5 anos de prisão;
g) Para que se mostre consumado o crime de coacção e resistência sobre funcionário não é necessário que o agente não cumpra a acção a que se propôs;

h) Tratando-se de um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é autoridade do Estado, o crime consuma-se com a colocação em perigo dessa autoridade;

i) No caso dos autos, a eminência de ser queimado vivo é mais do que suficiente para pôr em causa a liberdade de acção do agente da PSP, fazendo assim perigar a autoridade do Estado;

j) A não suspensão da execução da pena de prisão encontra-se justificada na sentença recorrida não se vislumbrando qualquer crítica que lhe possa ser dirigida;

k) A suspensão da execução da pena com regime de prova assente no tratamento para o alcoolismo não tem qualquer suporte na prova produzida, uma vez que nenhum elemento de prova aponta no sentido de o condenado padecer de tal problema de saúde.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso».

Nesta Relação, o Exma. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Observado o disposto no artº 417º, nº 2 do CPPenal o arguido não respondeu.
Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Fundamentação:
2.1. Matéria de facto provada:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

2.1.1. O arguido e RM viveram como se de marido e mulher se tratassem, partilhando cama, mesa e habitação, durante cerca de dois anos, residindo na Rua..., Setúbal.

2.1.2. Este relacionamento findou no dia 30.3.2012.

2.1.3. No dia 30.3.2012, pelas 5h 30m, no interior desta residência, o arguido iniciou uma discussão com a RM, pretendendo que esta lhe entregasse o seu cartão de multibanco para levantar dinheiro e comprar tabaco. Pediu-lhe ainda as chaves do seu veículo automóvel.

2.1.4. Perante a recusa da companheira o arguido respondeu-lhe: “Não dás, parto isto tudo, morremos aqui os dois, rebento com isto tudo”.

2.1.5. De seguida, o arguido desferiu vários murros no quadro eléctrico da habitação que ficou sem iluminação.

2.1.6. Assustada, a RM pegou na carteira e nas chaves do seu veículo automóvel pretendendo fugir do local.

2.1.7. Ao perceber a sua intenção o arguido ligou os manípulos dos bicos do fogão a gás ao que a R ainda se dirigiu à cozinha e fechou-os, abrindo as janelas.

2.1.8. Voltou a dizer-lhe que ela não saia de casa e que iam morrer ali os dois perseguindo-a pela habitação.

2.1.9. Ao perceber que a R tinha conseguido fugir para a rua, o arguido pegou num jerrican de 10 litros cheio de gasóleo e dirigiu-se com este objecto para a via pública.

2.1.10. Ao encontrar a R que já se encontrava sentada no lugar do condutor no interior do seu veículo automóvel, veículo de matrícula -PN, o arguido regou o capot do veículo com este carburante. Abriu a porta do lado do condutor, do automóvel e, despejou novamente o mesmo líquido por cima da R. Durante estes actos dizia-lhe: “Pensas que te vais embora, não sais daqui”.

2.1.11. Com a porta do veículo aberta a R conseguiu sair do mesmo e correu rua abaixo.

2.1.12. Conseguiu tirar o seu aparelho de telemóvel do interior da carteira e ligar para o nº112.

2.1.13. O arguido que a perseguia, conseguiu alcançá-la e tirou-lhe o aparelho da mão. Deitou-o ao chão e partiu-o. Tirou-lhe ainda a mala de mão e abandonou-a, voltando para o interior da residência.

2.1.14. A RM permaneceu escondida na rua, refugiando-se atrás de uns contentores de lixo onde aguardou pela chegada da PSP.

2.1.15. Ocorreram ao pedido de socorro da ofendida R os Agentes da PSP, PM, LF e JF.

2.1.16. No mesmo local, encontraram-na com a roupa ensopada em gasóleo, assim como o veículo automóvel supra mencionado.

2.1.17. Logo que tomou conhecimento dos factos supra descritos o Agente PM dirigiu-se ao patamar de entrada do edifício encontrando o arguido que se encontrava no patamar do 1º andar junto às escadas.

2.1.18. De imediato o Agente PM identificou-se como Agente da PSP de Setúbal e começou a subir as escadas. Ao aproximar-se do patamar do 1º andar e assim que começou a subir o último lance de escadas, o arguido, agora na posse de um jerrican com a capacidade de 25 litros, cheio de gasóleo, efectuou um gesto de trás para a frente, despejando o combustível que saiu do gargalo para cima do Agente PM, atingindo-o e encharcando-o nas pernas tendo despejado praticamente todo o conteúdo do jerrican.

2.1.19. De seguida o arguido pousou-o no chão mas de modo a que o gargalo ficasse virado para baixo e assim continuasse a verter o carburante que se encontrava no seu interior.

2.1.20. Pegou num isqueiro de cor vermelho de marca bic e com o polegar fez por diversas vezes o gesto de cima para baixo, na roda dentada do isqueiro, pretendendo acendê-lo e provocando, com esta actuação, várias faíscas.

2.1.21. Ao verificar estes gestos o Agente M ordenou ao arguido que largasse o isqueiro o que este não fez, voltando a tentar acendê-lo.

2.1.22. Perante tal actuação o Agente M logrou subir o último lance de escadas e imobilizou o arguido, dando-lhe voz de detenção.

2.1.23. Ao actuar como descrito quis e conseguiu o arguido maltratar a sua companheira, o que fez no interior da residência que partilhavam como ainda na via pública.

2.1.24. Para o efeito, dirigiu-lhe expressões que adequadas a fazê-la temer pela sua própria vida. Fê-la ainda temer pela sua vida ao despejar em cima do veículo onde se encontrava, como em cima do seu próprio corpo, gasóleo, produto tóxico e inflamável, cujas características o arguido bem conhecia.

2.1.25. Quis subjugá-la às suas vontades, castigá-la perante a recusa manifestada a uma ordem sua, humilhando-a na sua dignidade de mulher.

2.1.26. Ao actuar como descrito quis ainda o arguido opor-se a que o Agente PM praticasse um acto relativo ao exercício das suas funções, designadamente, a sua identificação. Para o efeito, verteu o conteúdo de um jerrican com capacidade de armazenamento de 25 litros e que se encontrava cheio de gasóleo para cima das suas pernas, accionando de seguida um isqueiro que continha gás e se encontrava em bom estado de funcionamento; acto que sabia adequado a fazer com que o mesmo Agente temesse pela sua integridade física, como pela sua vida.

2.1.27. O arguido agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, bem conhecedor da ilicitude das suas condutas.

2.1.28. O isqueiro utilizado pelo arguido trata-se de um isqueiro de marca “BIC” de cor vermelho, com 6 cm de comprimento e dois de largura. Accionada a roda dentada destinada a produzir chama, imediatamente, esta surge, encontrando-se em perfeito estado de funcionamento. Submetido a exame continha no seu interior 0,3 cm de gás líquido.

2.1.29. Submetido o conteúdo dos jerricans utilizados pelo arguido a perícia, no Laboratório de Polícia Científica da P. Judiciária, revelaram conter gasóleo; combustível tóxico, nocivo se ingerido ou aspirado. Por conter quantidades significativas de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, cancerígeno de 3º grau, podendo provocar secura da pele ou fissuras, por exposição repetida.

2.1.30. Trata-se de produto inflamável e com risco de inflamabilidade se aquecido acima do seu ponto de inflamação de 93º C, impondo o seu afastamento a qualquer ponto de ignição para evitar este mesmo risco.

2.1.31. O arguido é divorciado, tem um filho maior de idade e mora sozinho.

2.1.32. Faz biscates ganhando cerca de €400 por mês.

2.1.33. Mora em casa própria sendo que é a sua ex-mulher quem paga o empréstimo.

2.1.34. Não tem carro nem mota.

2.1.35. Tem a 4ª classe.

2.1.36. Tem antecedentes criminais tendo já sido condenado em:

- Pena de multa no âmbito do processo n.º---/08.0GFSTB do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, pela prática do crime de condução de veiculo em estado de embriaguez por sentença de 03.03.2008, transitada em julgado a 01.04.2008, por factos ocorridos a 01.03.2008.

- Pena de prisão suspensa no âmbito do processo n.º701/08.5PAMTJ do 2º Juízo do Tribunal Judicial do Montijo, pela prática do crime de violência doméstica, por sentença de 28.06.2012, transitada em julgado a 03.09.2012, por factos ocorridos a 19.09.2008.
*
2.2. Matéria de facto não provada:
Com interesse para a decisão da causa, não se provou designadamente que:

2.2.1. Aquando dos factos referidos em 2.1.4. o arguido tenha proferido a seguinte
expressão “puta, não prestas para nada”

2.3. Motivação da decisão de facto:

O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica do conjunta da prova produzida, a qual, apreciada de acordo com as regras da experiência e o normal suceder das coisas, foi suficiente para, para além da dúvida razoável, dar por assente os factos, nomeadamente:

- Nas declarações do arguido o qual descreveu as suas condições económicas e sociais.

Quanto aos factos constantes da acusação o arguido referiu não se recordar dos mesmos, lembrando-se apenas de ter tido vontade de lavar as escadas do prédio, pensando que o produto que estava a despejar era detergente, afirmando que nunca teve intenção de magoar alguém.

- No depoimento da assistente, RM, que, apesar de naturalmente envolvida nos factos, relatou de modo coerente, claro, lógico e objectivo, o desenrolar dos factos, descrevendo, de forma circunstanciada, as ameaças e ofensas de que foi alvo por parte do arguido, bem como o estado psíquico em que ficou em consequência das mesmas. O seu depoimento foi de tal forma convicto e seguro que mereceu total credibilidade.

Assim, esta testemunha referiu detalhadamente todos os acontecimentos ocorridos naquela madrugada, especificando o comportamento do arguido no interior da habitação bem como as palavras proferidas pelo mesmo.

Para além disso referiu expressamente os factos ocorridos quando a mesma já se encontrava no seu veiculo, designadamente que o arguido despejou gasóleo, não só no exterior do carro, mas também para cima dela e no interior do mesmo, para além do que lhe retirou as coisas quando ela conseguiu fugir.

Pelo que do depoimento desta testemunha resultou claro o comportamento violento e exaltado do arguido face à queixosa.

- No depoimento da testemunha PM, agente da PSP, o qual prestou depoimento de forma segura e convicta, merecendo por isso total credibilidade por parte do tribunal.

Assim, referiu que foram chamados ao local, sendo que quando lá chegaram viram a assistente escondida atrás dos contentores do lixo e encharcada e a cheirar a combustível, motivo porque ele se deslocou à casa daquela para falar com o arguido.

Afirmou que quando entrou se apercebeu de imediato que o hall e as escadas estavam cobertas de combustível, tendo-se ele identificado de imediato ao arguido para que o mesmo parasse, o que não aconteceu.

Assim esta testemunha referiu claramente que quando já se encontrava no último lance de escadas o arguido lhe despejou para cima o combustível que estava no jerrican após o que atirou este para o chão, o qual continuou a verter ao passo que o arguido acendia o isqueiro, motivo porque ele mais uma vez lhe disse para parar e lhe deu voz de detenção, após o que conseguiu aproximar-se e algema-lo.

- No depoimento da testemunha LF, agente da PSP, o qual prestou depoimento de forma segura e convicta, merecendo por isso total credibilidade por parte do tribunal.

Referiu que foram chamados ao local, sendo que quando lá chegaram viram a assistente escondida atrás dos contentores do lixo e encharcada e a cheirar a combustível, motivo porque ele ficou com ela e o seu colega se deslocou à casa daquela para falar com o arguido.

Disse que se apercebeu que algo estava a suceder motivo porque foi ter com o colega tendo-se apercebido que o hall e as escadas estavam cobertas de combustível, sendo que quando chegou ao cimo das escadas já o arguido estava a ser algemado pelo seu colega, tendo ele ajudado.

- No depoimento da testemunha JM, vizinho da assistente, o qual de forma clara referiu que naquela data ouviu gritos de madrugada, tendo ido à janela e visto o arguido a tentar tirar algo à assistente que fugiu, tendo aquele ido atrás dela.

- No depoimento das testemunhas JF e JR, amigos do arguido, os quais depuseram acerca do carácter do mesmo.

- No relatório pericial de fls. 154 e 155.
- Nos Autos de apreensão de fls. 9 e 27.
- Nas fotografias de fls. 15, 16, 133 a 138.
- No auto de exame e de avaliação de fls. 150.

- O certificado de registo criminal junto aos autos foi relevante para prova da existência de antecedentes criminais.

Assim, face á analise global da prova o Tribunal não teve quaisquer dúvidas em dar como provados os factos supra referidos.

Isto porque, por um lado temos a versão apresentada pelo arguido, a qual não tem qualquer lógica. Isto é, a ser verdade que o arguido pensava que o produto que estava a despejar em ambas as ocasiões era detergente, o que não se concebe dado que não só o cheiro como a consistência de ambos é diferente, como é que se justifica o facto de o arguido na segunda ocasião ter segurado no isqueiro e acendido o mesmo.

Ou seja, tal só pode significar que o arguido sabia que efectivamente estava a despejar gasóleo nas duas ocasiões.

E, por outro lado, temos a versão da assistente e do queixoso, a qual se apresenta lógica e verosímil, concretizando de forma clara e objectiva os factos que são imputados ao arguido, referindo assim quais as agressões perpetradas pelo arguido e quais as atitudes e comportamentos do mesmo.

Donde é fácil de concluir que os factos ocorreram do modo relatado pela queixosa.

2.4. Motivação da matéria de facto não provada:

O tribunal considerou como não provado o facto referido em 2.2.1. porque não foi produzida prova nesse sentido.

III- Apreciação do recurso

O objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação, artºs 403º, nº 1 e 412ºnº 1 do CPP.

As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98).

Perante as conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

1ª- Se os factos integram o crime de resistência e coacção sobre funcionário previsto no art. 347º do C.Penal;

2ª- Da medida concreta da pena;

3ª- Se a pena deve ser suspensa na sua execução, mediante o regime de prova.

III- 1ª- Se os factos integram o crime de resistência e coacção sobre funcionário previsto no art. 347º do C.Penal.

O recorrente alega que deve ser absolvido deste crime porque não estão preenchidos os elementos objectivos, dado que com a sua conduta não perturbou a liberdade física ou acção do agente da PSP e não o impediu de executar a tarefa a que se propunha, isto é, de concretizar a sua detenção.

Cumpre decidir.

Dispõe o art. 347º (resistência e coacção sobre funcionário), nº 1 do C Penal:« Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até cinco anos».

O bem jurídico protegido neste tipo legal é a autonomia intencional do Estado, no sentido de que se protege o interesse Estadual em ver os seus agentes desempenhar livremente as funções que lhe competem, e em ver respeitadas essas atribuições e actos legítimos.

Reflexamente protege-se a pessoa do funcionário, incumbido de desempenhar determinada tarefa, isto é, protege-se “a sua liberdade, na medida em que representa a liberdade do Estado”. Por outras palavras: acautela-se a liberdade de acção pública do funcionário, não a sua liberdade de acção privada (cfr. neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, em anotação ao art. 347º do C.Penal, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo III, pág. 339).

Identificado desta forma o bem jurídico protegido pelo crime em análise, este constitui um crime de perigo, no sentido de que a sua consumação se basta com a prática efectiva de acção coactora adequada a anular ou comprimir a liberdade de actuação do agente de autoridade, independentemente deste atingir ou não o resultado.

Do preceito acima transcrito resulta que, os elementos objectivos do crime em análise são:

- O emprego de violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física;

- Que tais meios sejam empregues contra membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança;

- o intuito do arguido se opor a que aqueles pratiquem acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos deveres do cargo;

- ou para constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres

A violência que se refere este preceito, ao contrário do que acontece com a ameaça, não tem que ser qualificada de grave. E não tem sequer que consistir em agressão física.

No conceito de violência cabe todo o acto de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir o funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança.

Constitui ameaça grave, aquela acção que afecte a segurança e tranquilidade da pessoa a quem se dirige e seja suficientemente séria para produzir o resultado pretendido.

Tecidas estas considerações, vejamos o caso concreto.

Ao chegarem ao local, os elementos da PSP tiveram conhecimento, através da companheira do arguido, dos factos praticados por este contra aquela. O agente PM dirigiu-se ao edifício onde residia a assistente e o arguido e onde este se encontrava a fim de, cobro à situação e de o identificar, tendo-o encontrado no patamar do 1º andar. As escadas e o hall do prédio estavam cobertos de combustível. O arguido tinha na sua posse um jerrican com a capacidade de 25l, cheio de gasóleo. Quando o agente da PSP se dirigia ao arguido, este efectuou um gesto de trás para a frente com o jerrican, tendo despejado parte do combustível, que saiu do gargalo do recipiente para cima do agente da PSP, após o que colocou o jerrican no chão com o gargalo virado para baixo, que continuou a verter o gasóleo para o chão.

O agente PM foi também atingido nos olhos com o combustível, como declarou em audiência, e após ter limpo a cara só viu o arguido com um isqueiro a tentar incendiar o gasóleo. Ordenou ao arguido, que largasse o isqueiro, o que este não fez, pelo contrário, voltou a tentar acendê-lo. Perante esta actuação, atirou-se às pernas do arguido, tendo-o imobilizado e deu-lhe voz de detenção.

Perante o elemento da PSP deparava-se, em síntese, o seguinte quadro: após ter conhecimento dos factos perpetrados pelo arguido contra a sua companheira, o arguido espalhou gasóleo nas escadas do prédio e atirou combustível contra o elemento da PSP e com um isqueiro, que estava em perfeitas condições de funcionamento, tentava colocar atear o fogo nas escadas do prédio.

Alega o recorrente que a sua conduta não perturbou a acção do agente da PSP e que não o impediu de executar a tarefa a que se propunha, isto é, de concretizar a sua detenção, pelo que em seu entender não estão preenchidos os elementos constitutivos do crime.

Não assiste razão ao arguido, quanto ao alegado.

A situação com que o elemento da PSP se deparava é, sem qualquer dúvida, idónea, a por em causa a sua liberdade de actuação, face ao perigo que tal representava, uma vez que, nas escadas do prédio tinha sido espalhado gasóleo e o elemento da PSP estava encharcado com tal combustível, por isso, se o fogo se ateasse, como o arguido pretendia, aquele estava na iminência de ser queimado. A situação era de tal modo perigosa para qualquer cidadão comum, bem como para qualquer funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, que não faz sentido, dizer-se, como faz o recorrente, que o agente da PSP tinha capacidades para lidar com esta situação de forma diferente de qualquer cidadão comum.

Por outro lado, o facto do agente da PSP, ter conseguido levar a cabo a tarefa que pretendia, identificar e deter o arguido, não obsta a que o crime se consuma, já que para que tal ocorra exige-se apenas a prática de acção coactora adequada a anular ou comprimir a capacidade de actuação do funcionário, ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, sendo irrelevante que o arguido tenha ou não êxito com a prática do acto violento.

Com a sua actuação, o arguido colocou em causa a autoridade do Estado, concretizada na acção policial e agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

Inexistem quaisquer causas de exclusão de ilicitude ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.

Incorreu, assim, o arguido no crime de resistência e coacção sobre funcionário previsto e punível no art. 347º nº 1 do C.Penal.

III- 2ª- Da medida concreta da pena.

O arguido começa por alegar que o tribunal não atendeu ao critério da escolha preferencial da pena não privativa da liberdade, nos termos do art. 40º, nº 1 e 70º do C. Penal.

Mais alega que, a pena aplicada é demasiado excessiva, uma vez que na determinação da medida da pena o tribunal não atendeu às seguintes circunstâncias: ao facto de estar em estado de embriaguez, na altura do ocorrido; de estar a viver com a companheira, há cerca de dois anos, e durante este período não ter demonstrado comportamentos agressivos para com ela e que embora tenha antecedentes criminais da mesma natureza, a prática dos factos já ocorreu, há mais de cinco anos, pelo que não é uma prática reiterada.

Cumpre decidir.

O arguido incorreu no crime de violência doméstica previsto e punível no art. 152º, nº 1, al. b) e nº 2 do C.Penal a que corresponde pena de 2 a 5 anos e num crime de resistência e coacção sobre funcionário previsto e punível no art. 347º nº 1 do C.Penal, a que cabe a pena de prisão até cinco anos.

Estes crimes só são puníveis com pena de prisão, pelo carece de razão o arguido ao chamar à colação o art. 70º do C.Penal e ao alegar que o tribunal não atendeu ao critério preferencial da pena não privativa da liberdade.

Após a determinação da pena, entre a pena de prisão efectiva e uma pena de substituição, o tribunal poderá optar por esta, nomeadamente pela suspensão da execução da pena ou pela prestação de trabalho a favor da comunidade, caso se verifiquem os requisitos previstos nos arts. 50º ou no art. 58º do C.Penal.

A aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 40º nº 1 e 2 do C. Penal).

Por sua vez, o art. 71º do mesmo diploma estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal, na determinação daquela atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, designadamente as referidas nas várias alíneas do seu nº 2.

Destes preceitos infere-se que, a função primordial de uma pena, sem embargo de outros aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos que incidam sobre os bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O limite mínimo da pena é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin, em Derecho Penal- Parte General, Tomo I, pág. 99/101 e 103, “ a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada. A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade... (....) a pena serve os fins de prevenção especial e geral: limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais”.

Mais acrescenta o mesmo autor a pág. 100: “certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva”.

Na concretização destes princípios o tribunal aplicou ao arguido as pena de 3 anos e 10 meses de prisão e 2 anos e 10 meses, respectivamente, pelos crimes de violência doméstica e de resistência e coacção sobre funcionário.

Em cúmulo jurídico foi aplicada ao arguido a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Para a determinação das penas, o tribunal teve em conta os seguintes elementos:

“- O grau de ilicitude, a qual é bastante elevada, considerando o facto do arguido, para além do mais, ter despejado gasóleo em cima da assistente e do queixoso, sendo que quanto a este ainda tentou acender um isqueiro;

- o elevado grau de culpa, já que este reflecte a ilicitude;

-As elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir, na medida em que estamos perante crimes muito frequentes e provocadores de forte alarme social, cujo resultado quase nunca fica pela colocação dos bens jurídicos em perigo, mas pela produção de profundas lesões que constituem autênticos rastos de destruição, podendo afectar quer bens jurídicos pessoais, quer bens jurídicos patrimoniais. Deve ser destacado que a experiência, apoiada em dados estatísticos, diz-nos que os maus tratos do conjugue continuam a ter uma expressão muito significativa na sociedade e acarretam consequências devastadoras de equilíbrio da família para além de conduzirem, numa percentagem elevada, a situação extremas de morte das vítimas de violência conjugal;

- No que toca à censura ético-jurídica dirigida ao arguido, que radica na modalidade mais intensa do dolo, o directo (art. 14º nº1 do C. Penal), que presidiu a todas as suas actuações (art. 71º, nº 2 al. b) do C.Penal).

-Em termos de prevenção especial depõe a sua personalidade, totalmente desajustada às imposições sociais que espelham os mais elementares direitos da pessoa humana, o que impõe medidas rigorosas de reeducação;

- E ainda os antecedentes criminais de idêntica natureza”.

Alega o arguido que a pena é excessiva e que o tribunal não atendeu às circunstâncias de estar em estado de embriaguez, na altura do ocorrido; de estar a viver com a companheira, há cerca de dois anos, e durante este período não ter demonstrado comportamentos agressivos para com ela e que embora tenha antecedentes criminais da mesma natureza, a prática dos factos já ocorreu, há mais de cinco anos, pelo que não são uma prática reiterada.

Quanto à circunstância de estar a viver com a companheira, há cerca de dois anos, e nunca a ter agredido, tal facto não atenua a sua responsabilidade criminal, uma vez que mais não constitui do que uma obrigação exigível a qualquer cidadão, de forma a que haja um ambiente familiar são harmonioso.

Alega ainda o arguido, que estava embriagado e que tal facto foi confirmado pela assistente e pelo elemento da PSP, PM.

Consta dos depoimentos da assistente e do elemento da PSP, que o arguido estaria visivelmente embriagado.

Este facto não consta da matéria provada, nem tinha que constar, uma vez que se nos afigura que o mesmo é irrelevante e que não atenua a responsabilidade do arguido, dado que inexiste qualquer elemento nos autos no sentido de que a embriaguez tenha sido acidental, isto é, não querida nem procurada e imprevista.

Por outro lado, há que ter em conta os factos praticados pelo arguido que são, em síntese, os seguintes:

no dia 30-3-2012, pelas 5 h30m, a companheira do arguido encontrava-se na cama, o arguido acordou-a e exigiu-lhe que esta lhe entregasse o cartão multibanco para levantar dinheiro e comprar tabaco e as chaves do carro. Como ela se recusou, ele desferiu vários murros no quadro eléctrico da habitação que ficou sem iluminação. A assistente pegou na carteira e nas chaves do veículo e pretendeu fugir do local, o arguido ao aperceber-se deste facto ligou os bicos do fogão e perseguiu-a pela casa, dizendo-lhe que não saia de casa e que morriam ali os dois. A assistente conseguiu fugiu para a rua e foi para o seu veículo, o arguido foi atrás dela com um jerrican que continha 10 litros gasóleo e regou o capot do carro. Abriu a porta do lado do condutor e despejou gasóleo sobre a assistente, dizendo-lhe que não pensasse que se ia embora e que não saía dali. A assistente fugiu, o arguido foi atrás dela, tirou-lhe a mala e o telemóvel, com o qual a mesma tentava chamar por socorro, que partiu, após o que foi de novo para casa.

Destes factos infere-se que a forma de agir do arguido não se limitou a uma reacção momentânea a uma determinada conduta da vítima, mas consistiu em reacções que se prolongaram no tempo, em relação a cada uma das condutas, que a vítima adoptava para fazer face às situações que se lhe apresentavam, pelo que a ilação a retirar é a o arguido que sabia o que estava a fazer e que por isso, a situação em que se encontrava não lhe diminuiu a capacidade de avaliação da ilicitude e de determinação de acordo com essa avaliação, uma vez que se assim não fosse, não teria tido capacidade de reacção por tanto tempo, às situações que se lhe deparavam em relação à assistente e ao elemento da PSP.

Mais alega o arguido, que embora tenha antecedentes criminais da mesma natureza, a prática dos factos já ocorreu, há mais de cinco anos, pelo que não são uma prática reiterada.

Os factos pelos quais o arguido foi condenado por crime de violência doméstica ocorreram em 19.9.2008 e os destes autos em 30-3-2012, logo entre os mesmos não decorreu muito tempo, pelo que tal circunstância não constitui uma atenuante da sua responsabilidade criminal.

Ponderando os elementos tidos em conta pelo tribunal da 1ª instância para fixação da medida das penas concretas consideram-se estas justas e adequadas.

Importa, agora proceder ao cúmulo jurídico das penas.

Dispõe o art. 77º do C. Penal:

«1.Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

A pena única do concurso, no caso em análise, varia entre 3 anos e 8 meses e 6 anos e 8 meses e para a determinação da mesma, há que ter em conta, os factos e a personalidade do agente.

Na consideração dos factos, isto é, no conjunto dos factos que integram os crimes em concurso está ínsita uma avaliação da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões, e o tipo de conexão entre os factos em concurso.

Na consideração da personalidade deve ser ponderado, o modo como a mesma se projecta nos factos ou é por estes revelada a fim de aferir se, os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluri-ocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.

Como ensina o Professor Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, pág. 291 e 292 “ Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo, será também a análise do efeito previsível sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização”.

No caso concreto, o arguido tem 53 anos de idade e antes dos factos destes autos sofreu uma condenação em pena de multa por crime de condução de veículo em estado de embriaguez e após os factos destes autos foi condenado na pena de 2 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução, por crime idêntica natureza ao que está em causa nestes autos, por factos que ocorreram em 19.9.2008.

Os crimes em concurso foram praticados pelo arguido na mesma ocasião. A gravidade do “ilícito global” é muito elevada dada a forma como o arguido actuou, que violou de forma intensa os bens jurídicos penalmente protegidos da dignidade humana e o interesse Estadual em ver os seus agentes desempenhar livremente as funções, que lhe competem e em ver respeitadas essas atribuições e actos legítimos.

A personalidade do arguido apresenta, face à gravidade dos factos praticados, sérios problemas na relação com valores essenciais penalmente tutelados, o que acarreta consequências nefastas para a família, e para a sociedade, e no entanto, face aos elementos constantes dos autos cremos que os factos não são reconduzíveis a uma tendência criminosa do arguido.

As exigências de prevenção geral são significativas, pois estamos perante crimes que causam forte alarme social, aos quais a comunidade vem manifestando preocupação e reclamando a reacção firme dos tribunais, e as de prevenção especial também são elevadas uma vez que o arguido já sofreu uma condenação por crime de idêntica natureza não assumiu a prática dos factos, nem se mostrou arrependido, pelo que não interiorizou devidamente o desvalor das suas condutas.

Perante estes elementos considera-se justa e adequada a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

III- 4ª- Da suspensão da execução da pena, mediante o regime de prova.

Alega o arguido, que a pena deve ser suspensa na sua execução, mediante o regime de prova, tendo em vista o seu tratamento ao alcoolismo.

Estabelece o nº 1 do art. 50º do C. Penal: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão em medida não superior a 5 anos, face à redacção introduzida pela lei nº 59/2007 de 4-9 se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura dos factos a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Os factores a ter em conta para se formular juízo de prognose são: a personalidade do agente; as condições da sua vida; a sua conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste.

A decisão de suspender a execução da pena deve ter na base uma prognose favorável do arguido, (prognóstico que assenta naqueles factores e que terá como ponto de partida não a data da prática do crime, antes a do momento da decisão), isto é, a esperança de que ele assimilará a advertência que a condenação implica e que será desencorajado de cometer novos crimes. Não se trata, portanto, de uma certeza que tal irá ocorrer. Há um risco. Mas, se há dúvidas sérias sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, então a prognose deverá ser desfavorável.

Só deve ser decretada a suspensão da execução da pena de prisão, quando se concluir, face aos elementos referidos que tal medida é adequada a afastar o delinquente da criminalidade, desde que seja, igualmente suficiente, para satisfazer as finalidades da punição.

São, assim, finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e geral e não finalidades de compensação da culpa, que justificam e impõem a preferência pela suspensão da pena, ou por qualquer outra pena de substituição.

As exigências de prevenção especial são elevadas, face à gravidade dos factos praticados pelo arguido, ao ter já sofrido uma condenação por crime de idêntica natureza , ao não ter assumido a prática dos factos, nem interiorizado o desvalor das suas condutas, o que revela ser portador de uma personalidade avessa aos mais elementares direitos da pessoa humana.

As exigências de prevenção geral são bastante elevadas, pois os crimes cometidos pelo arguido são muito graves e causam forte alarme social, já que o arguido dirigiu expressões adequadas á sua companheira a fazê-la temer pela vida, molhou-a com gasóleo, produto inflamável que o arguido bem conhecia, perseguia-a em casa e na rua e tirou-lhe o telemóvel para que ela não pudesse pedir auxílio.

Ao ser interpelado nas escadas do prédio por um agente da PSP, que entretanto chegou ao local, atirou-lhe gasóleo para cima e accionou um isqueiro que continha gás, o que constituiu um perigo iminente, cujas consequências não foram mais graves, devido à pronta intervenção do elemento da PSP

Perante a gravidade e as circunstâncias em que ocorreram os crimes em causa nos autos a suspensão da execução da pena de prisão não satisfaz as exigências de prevenção especial de socialização, já que o arguido não oferece a mínima garantia de que no futuro irá conduzir a sua vida de acordo com os valores socialmente aceites, nem as exigências de prevenção geral, de tutela do ordenamento jurídico, de influenciar a comunidade, no sentido de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação das normas ocorrida.

Na verdade, a comunidade face ao elevado grau de ilicitude e de censura ético-jurídica rejeita veementemente a prática dos actos praticados pelo arguido e exige que os seus autores sejam punidos com uma pena, que os faça sentir a enorme dimensão da censura social por tais condutas, e que seja fortemente dissuasora para futuros comportamentos da mesma natureza.

Alega ainda o arguido, que a pena deverá ser suspensa, mediante o regime de prova assente no tratamento ao alcoolismo.

Dispõe o art. 53º nº 1, do C.Penal, que “o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade” e o nº 3 estabelece que “o regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade ou quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos”.

Ora, a sujeição ao regime de prova pressupõe a prévia opção pela aplicação da pena de prisão suspensa na sua execução e o tribunal optou fundadamente pela pena de prisão efectiva, pelo que está prejudicada esta pretensão do recorrente.

IV- Decisão
Termos em que acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo arguido com taxa de justiça que fixamos em 4Ucs.
Notifique.

Évora, 18-02-2014

(texto elaborado e revisto pelo relator)

JOSÉ MARIA MARTINS SIMÃO

MARIA ONÉLIA MADALENO