Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1423/16.9T9STR.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DE PRAZO
COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS
AUTO DE NOTÍCIA
MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 03/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - As normas do instituto da prescrição do procedimento criminal que sejam necessárias à interpretação do regime prescricional contra-ordenacional devem ser utilizadas, concepção que foi confirmada pelo STJ no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 2/2002 (constante do DR Série I-A, 05.03.2002). Tal deve ocorrer não apenas com as normas relativas à suspensão, também quanto à figura da interrupção. Desde logo quanto à forma de contagem de prazos interrompidos e suspensos.
2 - Quanto à suspensão do prazo da prescrição importa ter presentes três ideias: o dies a quo; o seu dies ad quem; a contagem do prazo de suspensão “para além” do prazo de três anos previsto no nº 3 do artigo 28º do RGCO. Quanto às duas “ideias” iniciais elas constam da al. c) do n. 1 do artigo 27º-A do RGCO e assentam nos seguintes pressupostos: a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa; a decisão final do recurso.
3 - Se o dies a quo do prazo é constante e não sujeito a hesitações (notificação do despacho que procede ao exame preliminar) já o dies ad quem pode ser um de dois, o que primeiro ocorrer: a data da “decisão final do recurso” ou os 6 meses previstos no n. 2 do artigo 27º-A do RGCO. Surgindo dúvidas sobre o que fosse a decisão final do recurso veio a ser lavrado acordão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º4/2011 (in DR n.º 30, I Série de 11-02-2011), que determinou que essa é a “última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no capítulo IV da parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações
4 - A falta de indicação do tipo de cinemómetro (de perseguição ou outro) no auto de notícia é irrelevante se o mesmo está identificado pela marca e modelo nesse auto e consta dos despachos aprovadores do modelo e de uso. Tais despachos são matéria normativa sabida, ao menos nos termos do artigo 6º do Código Civil. E o auto, ao definir a marca e modelo do cinemómetro permite tal integração normativa.
5 - O direito à produção da prova está limitado pela sua admissibilidade, relevância jurídica e necessidade (artigos 124º e 340º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal). Se essa concretização é inútil para os autos, o princípio da necessidade impõe que não se admita. Daqui decorre que se o direito de defesa se pode concretizar no peticionar de produção de um meio de prova, dele não resulta o automatismo descontrolado da sua produção.
6 – O uso de cinemómetro não exige autorização prévia da CNPD.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1423/16.9T9STR.E1


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


A - Relatório:
Por decisão contra-ordenacional, constante de fls. 12-13, de 25/04/2015 e proveniente da Autoridade de Segurança Rodoviária, foi aplicada ao arguido BB (…), a sanção de inibição de conduzir por 90 dias pela prática de uma contra-ordenação, p.ª e p.ª pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º, n.º 4, 138 e 146, n.º 1, alínea i), do Código da Estrada, por no dia 2013-10-28, pelas 18:12 no local: AI, SUL- NORTE, KM 65, área da instância local de Santarém, comarca de Santarém, conduzindo o veículo Ligeiro de Passageiros, com matrícula … circulava, pelo menos, à velocidade de 184,59 km/h, correspondente à velocidade registada de 194,59 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo o limite máximo de velocidade permitido no local de 120 km/h.
A velocidade foi verificada através do cinemómetro marca Petards, modelo Provida 2000 DVR, NS244583, aprovado pelo IPQ, através do despacho de aprovação de modelo nº111.25.08.3.17 de 27NOV08, e pela ANSR, através do despacho nº 16133/2009 de 2 de Julho. Equipamento submetido a verificação pelo IPQ em 25/07/2013.
Interposto recurso de impugnação judicial veio o tribunal recorrido, por decisão de 08/11/2016, a manter a decisão administrativa.
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Inconformado com a decisão daquele tribunal, o arguido interpôs o presente recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. O presente procedimento contraordenacional encontra-se já prescrito.
II. Prescrição esta que importa desde já verificar com a consequente determinação do arquivamento dos autos.
III. De facto, a única causa suspensiva do decurso do prazo da prescrição ocorrida nos presentes autos foi a notificação do despacho que apreciou a recebeu o recurso interposto da decisão da autoridade administrativa, efetuada em 17 de outubro de 2016 e que cessou com a decisão final do recurso interposto, tomada em 08 de novembro de 2016.
IV. Assim, considerando que, o prazo para a verificação da prescrição de dois anos mais metade, ocorreria em 28 de outubro de 2016, faltando assim 11 dias para a sua conclusão e que entretanto reiniciou a respetiva contagem em 09 de novembro de 2016, verifica-se que se concluiu em 19 de novembro de 2016, à meia noite o prazo suficiente para a prescrição do presente procedimento contraordenacional.
V. O Meritíssimo Juiz a quo fixou a velocidade imputada ao arguido ora Recorrente com base na aplicação de uma margem de erro de 5% sobre o valor da velocidade registada.
VI. Porém, o auto de notícia de fls. que instruiu os presentes autos é totalmente omisso quanto à identificação do tipo de cinemómetro utilizado na medição da velocidade que o arguido imprimia ao seu veículo de entre aqueles que estão previstos no artigo 2º da portaria
nº 1542/2007.

VII. No entanto o erro máximo admissível dos valores de velocidade variam, nos termos do artigo 8º desta citada portaria entre ± 5%; ± 7% e ± 10%, de acordo com os tipos de cinemómetros utilizados, nos termos da tabela anexa a esta citada portaria.
VIII. Assim, a falta de identificação do tipo de cinemómetro utilizado criou uma incerteza, inultrapassável sobre o valor exato da velocidade a imputar ao recorrente em face do desconhecimento do valor percentual a utilizar sobre a velocidade registada.
IX. Não pode assim nesta parte e atenta a norma do artigo 170º, nº 3 e 4 do Código da Estrada, o auto de notícia fazer qualquer fé em juízo nos termos aí definidos.
X. A incerteza deste concreto facto da velocidade terá assim de determinar uma pronúncia favorável ao Arguido no sentido de não considerar o valor da velocidade atribuído como provado com a consequente absolvição do arguido da contraordenação muito grave que lhe vem imputada.
XI. Nos termos do artigo 50º do Dec-lei 433/82 não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem que antes se tenha assegurado ao Arguido o exercício do seu direito de defesa.
XII. Princípio este que é hoje considerado inquestionável e que constitui um dos pilares fundamentais de todos os sistemas jurídicos vigentes em qualquer estado de direito.
XIII. O arguido tem assim o direito de intervir na instrução do processo e aí oferecer todas as provas e requerer todas as diligências que se lhe afiguram necessárias, de acordo com o artigo 61º, nº 1, alínea a) do C.P.P..
XIV. As diligências de prova requeridas pelo arguido são assim obrigatórias e a sua não realização ofende o seu direito à defesa, o qual no caso do processo de contraordenação não se limita à possibilidade de aí ser ouvido mas sim à faculdade de aí intervir, apresentando provas e requerendo diligências (artigo 32º, nº 10 da Constituição da Republica Portuguesa).
XV. Assim a não inquirição das testemunhas arroladas pelo ora recorrente, na fase de inquérito, redunda na insuficiência de inquérito, o que constitui nulidade, que ora se argui, nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d) do C.P.P..
XVI. Nulidade esta que não é passível de sanação e que, como tal, deverá ser reapreciada por este venerando Tribunal ad quem.
XVII. Os cinemómetros utilizados para medir a velocidade imputada ao arguido não foram comunicados à Comissão Nacional de Proteção de Dados, nos termos do artigo 5º do Dec-lei nº 205/2007.
XVIII. A utilização destes tipos de aparelhos estão assim dependentes da autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados nos termos das disposições combinadas dos artigos 23º, nº 1, alíneas a), b) e c) e 5º do Lei da Proteção de Dados pessoais aprovada pela Lei nº 47/98 ex-vi artigo 11º do Dec-lei nº 207/2005.
XIX. O desrespeito destas citadas normas legais implica que a prova fotográfica recolhida por aparelho, não comunicado à Comissão Nacional da Proteção de Dados, seja ilegal e, como tal nula, dado contender com dados pessoais abrangidos pela proteção de dados, nomeadamente o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, de acordo com os artigos 125º e 126º, nº 3 do C.P.P. e artigo 32º, nº 8 da C.R.P.
XX. Qualquer condenação do ora recorrente assente numa tal ilegalidade e nulidade constituiria uma clara inconstitucionalidade, por violação do artigo 26º da Constituição da Republica Portuguesa, ao permitir e admitir a utilização de uma prova ilegal e violadora de direitos constitucionalmente consagrados.
XXI. XI Foram assim violadas as normas dos artigos 8º ex-vi artigo 2º da portaria 1542/2007, de 06 de dezembro, conjugado com o art. 170ºs 3 e 4 do Código da Estrada; o artigo 50º do Dec-lei 433/82, o 61º, nº 1, alínea a) do C.P.P, aplicável ex vi do artigo 41º do Dec-lei 433/82, o artigo 32º, nº 10 da CRP, artigo 120º, nº 2, alínea d) do C.P.P., artigo 5º do Dec-lei nº 205/2007, artigos 23º, nº 1, alíneas a), b) e c) e 5º do Lei da Proteção de Dados pessoais aprovada pela Lei nº 67/98 ex-vi artigo 11º do Dec-lei nº 207/2005, artigos 125º e 126º, nº 3 do C.P.P. e artigo 32º, nº 8 da CRP
Termos em que, e nos melhores que V. Exas. não deixarão certamente de vir a suprir deve o presente recurso merecer o devido provimento na sequência do que se deverá proferir acórdão que revogando a decisão recorrida absolva o recorrente de contraordenação que lhe é imputada, isto se não antes não seja verificada a invocada prescrição do presente procedimento contraordenacional com o consequente arquivamento dos autos.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, concluindo:
1. Perscrutados o auto de notícia e a decisão do IMT levados ao conhecimento do arguido, constata-se que dos mesmos emergem, com clareza meridiana, quer os factos que lhe são imputados, quer os dados acerca do cinemómetro que verificou a velocidade a que seguia o veículo por si tripulado, inexistindo, por conseguinte, na condenação, com fundamento nesses elementos, qualquer ofensa aos seus direitos de defesa.
2. Não consubstancia ofensa à lei – ordinária ou constitucional – a falta de comunicação, pelas forças de segurança, à Comissão Nacional de Protecção de Dados, da utilização dos sistemas de videovigilância em ordem à instrução dos respectivos processos de contra-ordenação.
3. A gravação de imagens em local público, por factos ocorridos na via pública, sem conhecimento do visionado, tendo como única finalidade a identificação do autor de um ilícito estradal, mesmo que não haja prévio licenciamento pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, constitui prova válida por existir justa causa para essa captação de imagens – precisamente a documentação da prática da infracção contra-ordenacional – e por não ser posta em crise a reserva da intimidade da vida privada do visionado.
4. A falta de inquirição, na fase administrativa, das testemunhas indicadas pelo recorrente não configura qualquer nulidade.
5. A autoridade administrativa não está obrigada a realizar os actos que são requeridos pelo arguido quando entenda que os mesmos não revestem utilidade ou pertinência, nomeadamente quando os autos já estejam dotados dos elementos probatórios suficientes para proferir a decisão final, sob pena de realização de actos redundantes.
6. Ao reputar a realização da diligência requerida desnecessária, fundamentando essa desnecessidade, a entidade administrativa não violou qualquer preceito legal, não existindo, por conseguinte, a nulidade alegada pelo recorrente.
7. Mesmo que assim não se entenda, concluindo-se que tal omissão constitui uma nulidade, a mesma ficou sanada com a inquirição em julgamento das testemunhas indicadas pelo recorrente.
8. A suspensão do procedimento por contra-ordenação pela causa prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro não cessou com a decisão final do recurso interposto, tomada em 8 de Novembro de 2016.
9. De harmonia com a jurisprudência do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2011, in DR n.º 30, I Série de 11 de Fevereiro de 2011: “A suspensão do procedimento por contra-ordenação cuja causa está prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, inicia-se com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e cessa, sem prejuízo da duração máxima imposta pelo n.º 2 do mesmo artigo, com a última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no capítulo IV da parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações.”.
10. Logo, a causa de suspensão em apreço ainda está em vigor, pelo que o procedimento contra-ordenacional não prescreveu.
11. A sentença recorrida não violou quaisquer normas, nem está ferida de qualquer nulidade.
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Neste Tribunal, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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B - Fundamentação
B.1 – Ganham relevo nos autos os seguintes factos:
1. - No dia 2013-10-28, pelas 18:12 no local: AI, SUL- NORTE, KM 65, área da instância local de Santarém, comarca de Santarém, conduzindo o veículo Ligeiro de Passageiros, com matrícula … circulava, pelo menos, à velocidade de 184,59 km/h, correspondente à velocidade registada de 194,59 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo o limite máximo de velocidade permitido no local de 120 km/h.
2. - A velocidade foi verificada através do cinemómetro marca Petards, modelo Provida 2000 DVR, NS244583, aprovado pelo IPQ, através do despacho de aprovação de modelo nº111.25.08.3.17 de 27NOV08, e pela ANSR, através do despacho nº 16133/2009 de 2 de Julho. Equipamento submetido a verificação pelo IPQ em 25/07/2013.
3. - O Arguido nas circunstâncias atras descritas agiu sem o cuidado que podia e devia ter, admitindo como possível que conduzia o referido veiculo a velocidade superior a permitida no local, sem se conformar com tal possibilidade.
4. - O Arguido tem capacidade para se determinar segundo as prescrições legais.
5. - A AUTORIDADE NACIONAL DE SEGURANCA RODOVIÁRIA aplicou ao Arguido pela prática dos factos referidos supra em III, 1. a 4., por decisão proferida em 25 de Abril de 2015, a sanção de inibição de conduzir por 90 dias.
6. - O arguido tem averbado no seu registo de condutor a prática de uma contra-ordenação grave ao Código da Estrada - auto n.º 269362100, praticada e sancionada nos últimos cinco anos, a data dos factos supra referidos em III, 1. a 4..
7. - O Arguido procedeu ao pagamento voluntário da coima com que é sancionada a contraordenação pela qual foi condenada pela Autoridade Administrativa recorrida.
8. - O Arguido o veículo automóvel que o arguido conduzia era, um BMW 640 TDI, um veículo extremamente seguro, onde "não se sente" a velocidade.
9. - Trata-se de um veículo que, em termos de potência, segurança e conforto é considerado de elevada qualidade.
10. - O arguido não se apercebeu, em momento algum que o seu veículo havia atingido uma velocidade superior aos limites previstos para aquela via.
11. - O arguido não colocou em perigo, fosse por que forma fosse, quer a sua segurança, quer a segurança dos demais condutores que naquela via seguiam naquele momento.
13. - O arguido tem carta de condução há mais 35 anos e, permanentemente, conduz veículos automóveis.
14. - O arguido é um condutor experiente, que percorre mais de 80.000 a 90.000 Kms. por ano a conduzir, por força da sua atividade profissional.
15.-O arguido normalmente tem respeito pelas regras de condução que, em regra, cumpre com rigor.
14. - O arguido nunca provocou qualquer acidente de viação.
15. - O arguido é há mais de 25 (vinte e cinco) anos administrador da empresa "CC, S.A.", que se dedica ao comércio de peixe fresco e congelado.
16. - Esta empresa está sediada em …, mas tem filiais na Póvoa de Varzim, Matosinhos, Aveiro, Figueira da Foz, Peniche, Lisboa e Sesimbra e é fonte de inúmeros postos de trabalho em Portugal.
17. - O arguido No exercício da sua atividade profissional, tem necessariamente de se deslocar à sede e instalações de cada uma destas empresas para participar em reuniões com clientes, fornecedores, e outras pessoas ligadas ao negócio da empresa que gere.
18. -O arguido frequentemente também se desloca aos mercados de Vigo, Madrid, Bilbao, Barcelona e Sevilha, em Espanha.
19. - O arguido o facto de não poder conduzir causa transtorno ao exercício das funções que lhe estão conferidas enquanto administrador da empresa a que está ligado, o que, naturalmente, teria consequências negativas quer para a empresa, quer para a sua economia familiar, pois é com o rendimento da sua atividade que o arguido faz face às despesas correntes do seu agregado familiar.
20. - O arguido necessita, naturalmente, de se deslocar com regularidade para estar presente em eventos desportivos e acompanhar o clube a que preside, Clube Desportivo de Tondela.
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Facto não provados: «Que o facto de não poder conduzir implica, de forma absoluta, que não possa exercer as funções que lhe estão conferidas enquanto administrador da empresa a que está ligado.»
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B.2 - Cumpre apreciar e decidir.
Regista-se que a contra-ordenação ocorreu em 28-10-2013, a decisão da entidade administrativa é de 25-04-2015, o recurso de impugnação judicial é de 05-06-2015 (fls. 49), a manutenção da decisão é de 17-06-2016 (fls. 50), a remessa dos autos ao Ministério Público junto do tribunal recorrido é de 18-07-2016 (fls. 56), a decisão recorrida (após julgamento) de 08-11-2016 e o recurso, de 17-11-2016, foi distribuído nesta Relação a 03-02-2017.
É sabido que nos processos de contra-ordenação, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista. Por outro lado, o objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação. Inexistindo face à leitura da decisão recorrida qualquer vício de conhecimento oficioso, são questões a abordar no presente recurso:
a. – A prescrição do procedimento contra-ordenacional – conclusões I a IV;
b. – A falta de identificação do cinemómetro no auto de notícia - conclusões V a X;
c. – O direito de defesa do recorrente - conclusões XI a XVI;
b. – A falta de comunicação à CNPD - conclusões XVII a XX;
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B.3 – Da prescrição.
O arguido veio alegar que a contra-ordenação por si praticada já prescreveu, com o argumento de terem decorrido já três anos sob a prática daquela, argumentando com o decurso do prazo de suspensão de tal prazo prescricional até ao momento da prolação da decisão do recurso em primeira instância.
Sobre esta matéria – o prazo prescricional de contra-ordenações estradais - rege o artigo 188º, n. 1 do C.E. que determina que o procedimento contra-ordenacional estradal se extingue, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática da contra-ordenação tiverem decorrido dois anos.
Mas às contra-ordenações estradais são, também, aplicáveis as normas do instituto da prescrição do procedimento contidas no RGCO e no Código Penal que sejam necessárias a um correcto e pleno entendimento desse instituto jurídico e das figuras que lhe são inerentes por natureza, designadamente a interrupção e a suspensão do dito prazo prescricional.
Aliás, nem o recorrente nem o Ministério Público defendem diverso entendimento, havendo divergência apenas na forma de contagem de tal prazo, pelo que se nos impõe – por exigência metodológica e rigor na contagem de tal prazo – seguir passo a passo o caminho exigido na interpretação do regime desse instituto.
Desde logo constatar que o Regime Geral das Contra-ordenações, sendo aplicável a qualquer regime normativo contra-ordenacional que especificamente o não contrarie, rege na matéria em pleno pois que omisso o CE, que apenas prevê prazos de prescrição do procedimento contra-ordenacional e das coimas e sanções acessórias. E como já afirmámos em anterior acórdão, porque essencial e não contrariado por qualquer outra norma, o regime do instituto da prescrição constante do RGCO é aplicável in totum ao caso dos autos, excepto naqueles três pontos.
Aqui apenas com a precisão de que o número 2 do artigo 188º do CE viu ser-lhe acrescentado um número 2 pela Lei n.º 72/2013, de 03/09 que reza: “Sem prejuízo da aplicação do regime de suspensão e de interrupção previsto no regime geral do ilícito de mera ordenação social, a prescrição do procedimento por contraordenação rodoviária interrompe-se também com a notificação ao arguido da decisão condenatória”.
E isto significa que tal alteração veio acrescentar uma nova causa de interrupção do prazo prescricional, a acrescer às anteriormente previstas no artigo 28º do RGCO, não sendo certamente aplicável ao caso dos autos pois que - nos termos do artigo 12.º da dita Lei n.º 72/2013, de 03/09 - só entrou em vigor “120 dias após a sua publicação” e se não justificar a aplicação de tal regime por não se revelar mais favorável ao arguido.
Isto implica que se considere a interrupção do prazo prescricional na data de notificação da decisão da entidade administrativa [artigo 28º, n. 1, al. d) do RGCO] e não na data da decisão. No caso em 18-05-2015 (fls. 14).
Acresce a esta aplicação da lei em “escada” a ideia de que as normas do instituto da prescrição do procedimento criminal que sejam necessárias à interpretação do regime prescricional contra-ordenacional devem ser utilizadas. Esta concepção foi expressa pelo STJ no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 2/2002, impropriamente designado como “Jurisprudência” n.º 2/2002 (constante do DR Série I-A, 05.03.2002), nos seguintes termos: «O regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro
Tal deve ocorrer não apenas com as normas relativas à suspensão, também quanto à figura da interrupção. Desde logo quanto à forma de contagem de prazos interrompidos e suspensos.
O que envolve recordar que, nos termos do artigo 120.º, n. 6 do Código Penal relativo à suspensão da prescrição, que esta “volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão”. Ou seja, não se inutiliza o prazo anteriormente decorrido.
Contrariamente, o artigo 121º., n. 2 do mesmo diploma estabelece que, quanto à interrupção da prescrição, “depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição”.
De onde resulta que, para o caso em análise, iniciado o prazo prescricional na data da prática dos factos – em 28-10-2013 – ele é interrompido em 18-05-2015, data de notificação da decisão da entidade administrativa. O que significa que o prazo prescricional de dois anos volta a correr desde o início. O que tem como consequência que se não soma ao anteriormente decorrido, que fica “prejudicado”, inutilizado e apenas será útil para a contagem do prazo previsto no nº 3 do artigo 28º do RGCO, o prazo acrescido de metade.
Assim - não tendo ocorrido nova causa de interrupção (e a ter ocorrido face ao nº 2 do artigo 188º do CE sempre seria mais desfavorável) - a prescrição sobreviria hipoteticamente em 18-05-2017, não fora dar-se o caso de ter ocorrido causa de suspensão do prazo de prescrição, que sempre ampliaria tal prazo. E de se vir a interpor, entretanto, o prazo do nº 3 do artigo 28º do RGCO.
Aqui – nesta confluência de realidades normativas - importa ter presentes três ideias: o dies a quo do prazo de suspensão do prazo da prescrição; o seu dies ad quem; a contagem do prazo de suspensão “para além” do prazo de três anos previsto no nº 3 do artigo 28º do RGCO.
Esta última ideia é patente na expressão usada nesse preceito, o “ressalvado o tempo da suspensão”, idêntica à utilizada no nº 3 do artigo 121º do Código Penal. Que apenas significa que àquele prazo de três anos (2 anos mais metade) acresce o prazo de suspensão.
Quanto às outras duas “ideias” elas constam da al. c) do n. 1 do artigo 27º-A do RGCO e assentam nos seguintes pressupostos: a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa; a decisão final do recurso.
Se o dies a quo do prazo é constante e não sujeito a hesitações (notificação do despacho que procede ao exame preliminar) já o dies ad quem pode ser um de dois, o que primeiro ocorrer: a data da “decisão final do recurso” ou os 6 meses previstos no n. 2 do artigo 27º-A do RGCO.
Surgindo dúvidas sobre o que fosse a decisão final do recurso veio a ser lavrado acordão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º4/2011 (in DR n.º 30, I Série de 11-02-2011), nos seguintes termos: «A suspensão do procedimento por contra-ordenação cuja causa está prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, inicia-se com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e cessa, sem prejuízo da duração máxima imposta pelo n.º 2 do mesmo artigo, com a última decisão judicial que vier a ser proferida na fase prevista no capítulo IV da parte II do Regime Geral das Contra-Ordenações
Ou seja, o dies ad quem – havendo recurso -- nunca será a data da decisão de primeira instância judicial pois que a última decisão judicial prevista do indicado capítulo é a da Relação.
Mas, independentemente disto, é sabido que a prescrição sobrevém por efeito de prazo que corre de forma autónoma se desde a data da prática dos factos decorreram 3 anos (dois acrescido de metade) adicionado do prazo da suspensão aplicável – artigo 28º, n. 3 do RGCO.
Naturalmente que no caso concreto o prazo de suspensão a relevar é o de 5 meses e 4 dias pois que entre a notificação ao arguido do despacho preliminar em 17-10-2016 e a data desta decisão (“última decisão judicial que vier a ser proferida”) em conferência de 21-03-2017, decorreram 5 meses e 4 dias.
Isto é, a prescrição ocorre passados 3 anos e 6 meses ou 3 anos, 5 meses e 4 dias, em ambos os casos desde 28-10-2013.
O que nos permite concluir que, neste momento não se encontra prescrito o procedimento contra-ordenacional.
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B.4 – Da falta de identificação do cinemómetro no auto de notícia.
Invoca o recorrente que a falta de identificação do tipo de cinemómetro no auto de notícia implica gravíssimos atropelos à ordem jurídica na medida em que se não sabe, portanto, a que velocidade se deslocava a sua viatura e, por consequência, o próprio recorrente.
Esta gravíssima omissão consequencia uma violação da Portaria nº 1542/2007, de 06-12 na medida em que se fica impossibilitado de operar o “desconto” ali previsto vista a impossibilidade de determinar a sua taxa (de desconto).
E é verdade. Ambas as realidades: omissão do auto; indefinição do quantum do desconto. Mas também é verdade que tão profundas omissões valem nada! Rectius. Valeram para congelar a Autoridade de Segurança Rodoviária durante mais de dois anos!
E nada valem desde logo porque a própria imagem que acompanha o auto demonstra que se trata de cinemómetro de perseguição.
Depois porquanto o despacho nº 16.133/2009 que autorizou o uso do equipamento de marca Petards, modelo Provida 2000 DVR, para controlo de velocidade (e que assim vem identificado no auto de notícia) o identifica como “cinemómetro de perseguição”. O que é confirmado – se tal fosse necessário – pelo Despacho de aprovação de modelo n.º 111.25.08.3.17 do Instituto Português da Qualidade (IPQ). Tal despacho, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 9, em 14 de Janeiro de 2009, identifica-o como “cinemómetro de perseguição marca Petards, modelo Provida 2000 DVR, destinado ao controlo de velocidade”.
E esta é matéria normativa sabida, ao menos nos termos do artigo 6º do Código Civil. E o auto, ao definir a marca e modelo do cinemómetro permite tal integração normativa.
Assim, a definição dos “erros máximos admissíveis” previstos no artigo 8.º da dita Portaria apenas pode variar entre os valores ali definidos em quadro anexo entre 3% e 5%, consoante o tipo de verificação efectuada e válida no momento (Primeira verificação ou Verificação periódica/verificação extraordinária).
E isso sabe-se. Do auto consta que a última verificação é de 25-07-2013, podendo ser qualquer uma delas em função da previsão do artigo 7º da Portaria quanto às “Verificações metrológicas” [1 - A primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando -se a verificação periódica nesse ano. 2 - A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo. 3 - A verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade (…)].
Mas o certificado de fls. 3 é claro na afirmação de que se trata de primeita verificação. Esta constatação restringe o “desconto” à referida taxa de 3%.
Face a isto sabe-se a que velocidade se deslocava o recorrente? Naturalmente que sim: a 194,59 Km/h. E será sobre essa velocidade que incidirá a taxa de “desconto” de 3% que, sendo 5,84 km/h daria uma velocidade “normativa” de 188,75 km/h.
Em suma, nem com 30% de “desconto” seria lícita a conduta do recorrente.
Verifica-se, no entanto, que o auto, a entidade administrativa e o tribunal recorrido consideraram a velocidade de 184,59 km/h, o que corresponde sensivelmente a um “desconto” de 5%. Isto é, o recorrente foi beneficiado com “desconto” superior ao legalmente estabelecido.
Assim o grande, o desmedido, relevo desta questão centra-se no saber se o arguido foi prejudicado com uma percentagem de ilicitude. A resposta é negativa: o arguido foi beneficiado com “2% de ilicitude”.
Qual o relevo disto para os autos? Nenhum!
Improcede, pois, o recurso neste ponto de inconformidade.
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B.5 – Do direito de defesa do recorrente.
Invoca o recorrente a violação do seu direito de defesa na medida em que a entidade administrativa não inquiriu as testemunhas por si indicadas.
Em concreto afirma o arguido que tem o direito de intervir na instrução do processo e aí oferecer todas as provas e requerer todas as diligências que se lhe afiguram necessárias, de acordo com o artigo 61º, nº 1, alínea a) do C.P.P.. que as diligências de prova por si requeridas são assim obrigatórias e a sua não realização ofende o seu direito à defesa, o qual no caso do processo de contraordenação não se limita à possibilidade de aí ser ouvido mas sim à faculdade de aí intervir, apresentando provas e requerendo diligências (artigo 32º, nº 10 da Constituição da Republica Portuguesa). E que, assim, a não inquirição das testemunhas arroladas pelo ora recorrente, na fase de inquérito, redunda na insuficiência de inquérito, o que constitui nulidade nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d) do C.P.P..
Estas testemunhas eram sete e residentes na Figueira da Foz, Peniche, Viana do Castelo, Gafanha da Nazaré, Sesimbra e Tondela.
Razões para a inquirição dessas testemunhas não foram indicadas. Factos a que deviam depor, desconhecidos, por se supor que tantas testemunhas se não deslocavam no interior da viatura nem acompanhavam a acção da entidade fiscalizadora.
A isto a entidade administrativa disse nada!
No seu recurso de impugnação judicial o arguido manifesta a sua inconformidade, vindo o tribunal recorrido a inquirir 2 (duas) das testemunhas indicadas pelo recorrente nessa peça processual, em número de 3 (três), já indicadas na sua defesa em fase administrativa.
Tais testemunhas depuseram sobre a situação económica, social, profissional e familiar do recorrente e, também, que “não notaram que o arguido circulasse a alta velocidade”, pérola de indizível sabor jocoso. E concluiu o tribunal recorrido, já em registo semelhante, que a razão da inconformidade do recorrente - a nulidade - se mostrava insubsistente pois que inquiridas as testemunhas por ele arroladas.
Que nos sobra? Outras pérolas dadas como provadas entre os factos 8 e 15. Principalmente os factos dados como provados em 8), 9), 10) e 11) e 15) que, por si só justificariam uma agravação das penas.
É indubitável que o recorrente tem o direito, reconhecido pelo nº 10 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa em processo contra-ordenacional ou qualquer outro processo sancionatório, de audiência e defesa.
Em processo por ilícito de mera ordenação social esse direito vem regulamentado no art 50º do Dec-Lei nº 433/82, de 27/10, sob a mesmíssima epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido”, na formulação negativa: “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Como é evidente a formulação da previsão do direito de defesa em processo contra-ordenacional diverge ligeiramente da previsão do direito de defesa em processo criminal. E, aceitando a aplicação subsidiária do regime das nulidades do processo contra-ordenacional, é certo que neste não há “inquérito”, sim um procedimento de cariz inquisitório numa fase de cariz admnistrativo deste tipo de processo. Mas é evidente que o recorrente tem o direito de apresentar prova para sua defesa nessa fase.
E deu-se cumprimento a tal norma, assim como ao nº 10 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, pois que o arguido foi notificado para apresentar defesa, o que fez. Interpôs recurso de impugnação judicial e a prova por si indicada foi produzida e apreciada. Ou seja, o arguido prevaleceu-se dos seus direitos de audiência e defesa.
O direito à produção da prova está limitado, no entanto, pela sua admissibilidade, relevância jurídica e necessidade (artigos 124º e 340º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal). Se essa concretização é inútil para os autos, o princípio da necessidade impõe que não se admita. Ou seja, não há um direito absoluto à produção de qualquer prova de forma não controlada. Sequer em processo penal, muito menos em processo contra-ordenacional.
Como afirma o Prof. Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal - 2º vol., 4ª edição, Lisboa – São Paulo, Verbo, 2008, pag. 134) “a preocupação do legislador em estabelecer o controlo judicial das provas permanece ao longo da história do direito e surge da necessidade de as limitar às que são imprescindíveis para a decisão, eliminando as que não têm que ver com os factos objecto do processo ou as que, ainda que tendo relação com eles, não representam novidade alguma que possa influir na decisão.
Na fase do julgamento o poder do tribunal de recusar a admissão e produção de prova requerida pela acusação e pela defesa é limitado pela sua inadmissibilidade, irrelevância ou superfluidade, inadequação, inobtenibilidade ou por ser meramente dilatória (artigo 340º, nº 3 e 4).
Daqui decorre que se o direito de defesa se pode concretizar no peticionar de produção de um meio de prova, dele não resulta o automatismo descontrolado da sua produção.
Por isso é o recurso, neste ponto, improcedente na medida em que o recorrente não demonstrou nem os autos permitiam apurar da necessidade da inquirição de sete testemunhas para apurar da velocidade (o ilicito) a que se deslocava o arguido, isto por referência à fase administrativa.
E tem, razão o tribunal recorrido. Se o intuito era depor sobre as condições económicas e sociais do arguido a inquirição das testemunhas em fase de impugnação judicial sempre supriria a eventualmente existente nulidade.
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B.6 – Da falta de comunicação à CNPD.
Invoca o arguido nas suas conclusões XVII a XX que os cinemómetros utilizados para medir a velocidade não foram comunicados à Comissão Nacional de Proteção de Dados, nos termos do artigo 5º do Dec-lei nº 205/2007 e que a sua utilização está dependente da autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados nos termos das disposições combinadas dos artigos 23º, nº 1, alíneas a), b) e c) e 5º do Lei da Proteção de Dados pessoais aprovada pela Lei nº 47/98 ex-vi artigo 11º do Dec-lei nº 207/2005. E que o desrespeito destas normas legais implica que a prova fotográfica recolhida por aparelho, não comunicado à Comissão Nacional da Proteção de Dados, seja ilegal e, como tal nula, dado contender com dados pessoais abrangidos pela proteção de dados, nomeadamente o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, de acordo com os artigos 125º e 126º, nº 3 do C.P.P. e artigo 32º, nº 8 da C.R.P.
Sem obstaculizar ao acerto de tais afirmações no âmbito de competência da CNPD, essencialmente administrativa, convém recordar que essa entidade está sujeita ao escrutínio judicial, como o atesta o Artigo 1º, nº 4 do Protocolo Adicional à Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, respeitante às autoridades de controlo e aos fluxos transfronteiriços de dados, quando afirma no seu nº 4 que “As decisões das autoridades de controlo passíveis de contestação podem ser objecto de recurso judicial”.
Por isso que seja de total acerto a afirmação do STJ no seu Ac. 28-09-2011 – Cons. Santos Cabral - de que “é evidente a aporia a que é conduzido quem pretenda rever na citada Lei (67/98) a fonte de apreciação da legalidade dos meios de prova em processo penal e ver naquela Comissão de Protecção de Dados - instância administrativa destinada a controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais - um papel de filtragem e condição prévia do acto processual penal como se uma instância judicial penal de primeiro e último recurso se tratasse. A legalidade dos actos praticados no processo penal procura-se no Código de Processo Penal”.
E a CNPD, entidade administrativa, não passa disso mesmo, não obstante a sua especial vocação.
Questão está, pois, em saber se as Câmaras de videovigilância estão sujeitas, para que possam servir de prova em processo penal, ao controlo e autorização prévios da CNPD (o que abarca os casos de desconhecimento se foi ou não objecto de licenciamento pela Comissão Nacional de Protecção de Dados).
O regime normativo da protecção de dados pessoais estabelecido na Lei 67/98 de 26 de Outubro, aplica-se à videovigilância, desde que esta permita identificar pessoas sempre que o responsável pelo tratamento esteja domiciliado em Portugal, conforme decorre do artigo 4º n.º 4 da Lei.
E, nos termos do Artigo 3.º da Lei 67/98 é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social.
Norma que está de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [Ac. Friedl v. Austria - (1995)] quando afirma que as fotografias tiradas em locais públicos, guardadas pela polícia e que não são objeto de tratamento de dados para identificação da pessoa não é uma interferência na vida privada.
Acresce que se a questão não disser respeito ao tratamento de dados sensíveis a lei não exige controlo prévio dos sistemas de videovigilância por parte Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) - cf. art. 4º, nº 4, 7º, nº 2, e 28º da Lei 67/98, de 26/10 – Ac. Rel. Porto citado, Mouraz Lopes.
E “Dados sensíveis” da Lei 67/98, de 26/10 são os «dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos», conforme se estatui no nº 2 do art. 7º da Lei citada.
Ora, do que vimos tratando, simples identificação do veículo instrumento de factos ilícitos contra-ordenacionais que não captam a imagem do condutor nem sequer permitem a sua identificação directa ou indirecta pela imagem e, por isso mesmo, ocorridos fora da esfera de intimidade, não se podem classificar como “dados sensíveis”. Logo, não exigem autorização prévia da CNPD.
Por tudo, o recurso improcede.
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C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em declarar improcedente o recurso interposto.
Notifique.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) Ucs.
Évora, 21 de Março de 2017 (Processado e revisto pelo relator)


João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso