Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1835/18.3T8TMR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: NULIDADE
EFEITOS
RESTITUIÇÃO
SINDICATO
LEGITIMIDADE
HORÁRIO DE TRABALHO
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – A declaração de nulidade de determinado acto, implica, nos termos do art. 289.º, n.º 1, do Código Civil, a produção de efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, pelo que, sendo peticionada a nulidade de determinado acto, tais efeitos já se mostram incluídos nesse pedido.
II – A associação sindical tem legitimidade para representar judicialmente os seus associados, nos termos do n.º 1 do art. 5.º do Código de Processo do Trabalho, quando se verifique cumulativamente que se trate de acções respeitantes à defesa de interesses colectivos e que essa defesa se inscreva no âmbito da representação do sindicato Autor.
III – São interesses colectivos aqueles que assentam numa pluralidade de interessados que possuem interesses iguais ou, pelo menos, de igual sentido, encontrando-se os seus titulares reunidos numa organização que, de algum modo, facilite a sua prossecução.
IV – Aplica-se ao regime de adaptabilidade grupal, previsto nos arts. 205.º e 206, nºs. 2 e 3, do Código do Trabalho, os prazos de duração do período de referência constantes do n.º 1 do art. 207.º do mesmo diploma legal.
V –O regime de adaptabilidade grupal, previsto nos arts. 205.º e 206, nºs. 2 e 3, do Código do Trabalho, pressupõe a existência prévia de um período normal de trabalho diário e semanal, o qual pode ser alterado apenas e somente nos termos constantes nesses artigos, sendo que a alteração do horário de trabalho implica sempre o respeito pelo disposto no art. 217.º, n.º 2, do Código do Trabalho. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:

Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e actividades do Ambiente do centro Sul e Regiões Autónomas (SITE) (A.) intentou a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “Mitsubishi Fuso Truck Europe”(R.), solicitando, a final, que:
- a R. seja condenada a anular o MAPP – Mecanismo de Ajustamento ao Planeamento da Produção, por o mesmo ser ilegal, com efeitos reportados a01-01-2018, sendo impedida de proceder à sua aplicação aos trabalhadores associados do A. e que não o aceitam.
Para o efeito, alegou, em síntese, que o A. é uma associação sindical na qual estão associados inúmeros trabalhadores que exercem a sua actividade profissional na R., tendo esta entregue a todos os seus trabalhadores, para estes assinarem, um documento datado de 26-11-2017, designado MAPP, para vigorar entre 01-01-2018 e 31-03-2019, no qual estabelecia alterações ao horário de trabalho através de um sistema de crédito de horas, sendo tais alterações ilegais, pelo que não podem ser aplicadas aos trabalhadores associados do A. e que não as aceitaram.
Alegou ainda que o sábado é o dia de descanso semanal complementar, sendo o horário que sempre vigorou na R. de segunda a sexta-feira, com sábado e domingo como dias de descanso semanal, pelo que a R. não podia ter determinado a obrigatoriedade dos trabalhadores passarem a trabalhar 8 horas ao sábado.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.
A R. contestou solicitando, a final, que fosse julgada procedente a invocada inutilidade superveniente da lide, extinguindo-se a instância e absolvendo-se a R. da mesma, ou, caso assim se não entenda, que seja julgada totalmente improcedente a presente acção, absolvendo-se a R. do pedido.
Em síntese, invocou a inutilidade superveniente da lide, uma vez que uma decisão sobre a invocada nulidade do MAPP só será proferida após 31-03-2019, ou seja, após o MAPP ter deixado de produzir efeitos, devendo, por isso, determinar-se a extinção da instância, nos termos do art. 277.º, al. e), do Código de Processo Civil.
Na contestação por impugnação, alegou, em síntese, que devido às características específicas das sua actividade tem vindo a recorrer a mecanismos de bancos de horas desde, pelo menos, 2015, sendo esse o caso do MAPP, tendo mais de 75% dos seus trabalhadores aderido ao mesmo, razão pela qual foi o mesmo aplicado a todos os seus trabalhadores, não sofrendo o mesmo de qualquer ilegalidade, não sendo de confundir banco de horas com horário de trabalho.
O A. respondeu à excepção deduzida de inutilidade superveniente da lide, pugnando pela sua improcedência, salientando que o MAPP vigorará na R. até 31-03-2019, pelo que não ocorreu qualquer facto na pendência da instância que possa ser considerado superveniente e que impossibilite a manutenção da lide, a que acresce a circunstãncia de o A. ter pedido a condenação da R. a anular o MAPP com efeitos reportados a 01-01-2018, ou seja, à data da sua entrada em vigor e não à data do seu términus.
Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se procedeu à selecção da matéria de facto entre assente e controvertida.
O tribunal respondeu à matéria de facto em 08-04-2019 e proferiu sentença em 13-05-2019, com o seguinte teor decisório:
Pelos fundamentos de direito e de facto supra mencionados, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:
1) Declara-se nula e de nenhum efeito com respeito aos trabalhadores referidos em 4) dos factos provados a cláusula 1.3, al. b) do MAPP – Mecanismo de Ajustamento ao Planeamento da Produção, com efeitos reportados a 01/01/2018, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente;
2) No mais, absolve-se a ré do peticionado pelo autor;
3) Julga-se improcedente a extinção da instância com fundamento em inutilidade superveniente da lide;
4) Condeno o autor e a ré no pagamento das custas, na proporção do decaimento, sendo 75% da responsabilidade do primeiro e de 25% da responsabilidade da segunda.
Não se conformando com a sentença, veio o A. interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
1. A presente apelação incide apenas sobre a parte da sentença condenatória em que reduz os efeitos da condenação aos trabalhadores referidos em 4) dos factos provados; e incide também sobre a restante matéria de que decidiu absolver a R.
2. A sentença fez uma incorrecta interpretação dos factos provados e uma errada aplicação do Direito aos mesmos.
3. Entende, incorrectamente, a sentença que a decisão se deve aplicar apenas aos trabalhadores associados do A. referidos em 4) dos factos provados, mas a decisão deve incidir sobre o universo de trabalhadores associados do A. que prestam trabalho na R. e que não aceitaram o MAPP.
4. Decidir restringir a sua decisão apenas ao núcleo retricto dos trabalhadores que aceitaram que o A. os representasse na presente acção é restringir, colocando em causa, à partida o direito de representação conferido pelo citado artigo 5º do CPT.
5. Mesmo que o MAPP seja considerado um verdadeiro “banco de horas” este nunca poderá ser qualificado como um “banco de horas” grupal, devido à inexistência de IRCT, - nos termos do artigo 208º do CT (redação da Lei 23/2012) o “banco de horas” só pode ser criado por um IRCT -,pelo que é manifestamente ilegal qualquer “banco de horas” grupal, não podendo aplicar-se aos trabalhadores que o não aceitem ainda que ele tenha sido aceite por 75% dos trabalhadores (artigos 208º, 208º-A e 208º-B do CT).
6. A única conclusão a que se pode chegar é que o MAPP poderá ser, na melhor das hipóteses, um “banco de horas” individual, ou seja pode ser aplicado a quem o aceitar, mas a mais ninguém.
7. A duração do trabalho deve ser apurada por referência ao período que esteja fixado em IRCT, no máximo de 12 meses, ou na falta de previsão (é o caso dos autos) por um período de 4 meses – sendo este o período de referência - (artigo 207º do CT), e como o período de referência do MAPP é de 15 meses, este período é absolutamente ilegal por violação ao artigo 207º do CT.
8. O MAPP só pode consubstanciar-se num “banco de horas” individual, mas absolutamente ilegal pelas razões agora aduzidas, e sendo essa ilegalidade grave torna inválido todo o documento, pelo que este deve ser considerado totalmente inválido e nulo, reportando-se os seus efeitos a 01.01.18.
9. A sentença violou o disposto no artigo 5º do CPT e nos artigos 207º, 208º, 208º-A e 208º-B do CT.
Assim se fará a competente JUSTIÇA!
Não se conformando igualmente com a sentença veio a R. interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
A. Emerge o presente recurso da sentença proferida nos autos a quo, na parte em que julgou a ação intentada pelo Recorrido parcialmente procedente e, em consequência, declarou nula e de nenhum efeito, com respeito aos trabalhadores representados pelo Recorrido, a cláusula 1.3, al. b) do MAPP, com efeitos reportados a 01.01.2018, condenando a Recorrente a restituir tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
B. A sentença proferida pelo Juiz a quo é nula porque – tendo o Recorrido pedido que a Recorrente fosse condenada a anular o MAPP, com efeitos reportados a 01.01.2018, sendo impedida de proceder à sua aplicação aos trabalhadores associados do Recorrido que não o aceitaram, foi a final proferida sentença que declarou nula e de nenhum efeito com respeito aos trabalhadores representados pelo Recorrido a cláusula 1.3, al. b), do MAPP, com efeitos reportados a 01.01.2018, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente – ultrapassa o pedido formulado pelo Recorrido, tendo condenado a Recorrente em objeto diverso do pedido,
conforme estabelecido na alínea e), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
Sem prejuízo do exposto,
C. Com efeito, o entendimento do Tribunal a quo ao julgar parcialmente procedente a ação assenta na confusão dos conceitos de duração e de organização do tempo de trabalho e, em particular, de dois institutos – banco de horas e horário de trabalho – que não são confundíveis.
D. Na verdade:
(a) Enquanto que o banco de horas surge, nos termos da lei, associado ao conceito de período normal de trabalho, como modalidade de organização do tempo de trabalho que permite o aumento do período normal de trabalho, o horário de trabalho constitui a fixação concreta, no tempo, do número de horas que o trabalhador se comprometeu a prestar e é quem delimita o espaço temporal em que o trabalhador está vinculado a prestar o trabalho ou permanece adstrito à sua realização.
(b) O banco de horas está, em primeira linha, dependente do acordo (alcançado a um nível coletivo ou individual), mediante o qual as partes acordam, no âmbito da sua autonomia, no aumento do período normal de trabalho, ao passo que o horário de trabalho não está, regra geral, dependente do acordo, podendo ser livremente determinado pelo empregador, dentro dos limites da lei, ao abrigo do poder de direção e organização do trabalho que lhe são reconhecidos pela lei.
(c) Alcançado o acordo de banco de horas, o empregador fica obrigado a cumpri-lo nos exatos termos em que foi exarado, só podendo alterar tais termos com novo acordo, ao passo que o horário de trabalho é livremente alterável pelo empregador sem o acordo do trabalhador, dentro dos limites estabelecidos na lei.
(d) Quanto aos limites aplicáveis, o período normal de trabalho pode ser aumentado no banco de horas individual até 2 horas diárias e atingir 50 horas semanais, tendo o acréscimo por limite 150 horas por ano, ao passo que, na fixação do horário de trabalho, o empregador tem que respeitar os períodos de funcionamento do estabelecimento, os limites máximos do período normal de trabalho e das horas de trabalho seguidas, os limites mínimo e máximo da duração do intervalo de descanso, o limite mínimo do intervalo entre dois dias de trabalho seguidos, os dias de descanso semanal, etc..
(e) Enquanto que o banco de horas é, por natureza e atentos os limites quantitativos do trabalho prestado em acréscimo, uma figura cuja utilização se revela pontual, esporádica, à qual se pode recorrer de modo quase imediato, desde que respeitada a antecedência acordada com que o empregador deve comunicar ao trabalhador a necessidade de prestação de trabalho, o horário de trabalho está associado a uma ideia de estabilidade, de permanência, de prévia determinação e de conhecimento antecipado pelos seus destinatários, de modo a que possam organizar a sua vida privada com um razoável grau de certeza.
E. Adicionalmente, o regime legal vinca a independência funcional da figura do banco de horas face ao horário de trabalho, na medida em que:
(a) Confere às partes do acordo de banco de horas a liberdade para regular (i) o modo de compensação do trabalho prestado em acréscimo ou, mais significativamente, (ii) “[a] antecedência com que o empregador deve comunicar ao trabalhador a necessidade de prestação de trabalho”, liberdade que se afigura dificilmente compatível com a rigidez dos trâmites da definição e alteração do horário de trabalho; e, bem assim,
(b) Ao contrário do que sucede, por exemplo, com a adaptabilidade, isenta a prestação de trabalho em acréscimo ao abrigo de banco de horas da prévia alteração do horário de trabalho.
F. Logo, sendo estas duas figuras – banco de horas e horário de trabalho – tão diferentes entre si, não faz o mínimo sentido aplicar os limites previstos para uma delas, como seja o dia de descanso complementar, à outra, como erradamente fez o Tribunal a quo.
G. Adicionalmente, o entendimento preconizado pelo Tribunal a quo deve, igualmente, ser rejeitado, porquanto padece de um vício de contradição insanável, na medida em que, sendo o horário de trabalho, por definição legal, a determinação (i) das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como (ii) do descanso semanal, não se entende como pôde o Tribunal a quo considerar que o trabalho prestado em dia de descanso semanal complementar representar uma alteração do horário de trabalho, mas o aumento do período normal de trabalho em dia útil já não teria igual efeito.
H. A proceder o entendimento do Tribunal a quo – hipótese que se admite por mero dever de patrocínio, mas sem conceder – o trabalho prestado em dia de descanso semanal complementar ao abrigo do banco de horas seria qualificado como suplementar, resultado que é igualmente de rejeitar porque equipararia duas figuras que - também elas - são distintas entre si.
I. Com efeito, o banco de horas foi introduzido na legislação nacional como uma modalidade de organização do tempo de trabalho que admite o aumento do período normal de trabalho diário e semanal para além dos limites previstos no artigo 203.º do Código do Trabalho, com o objetivo de reduzir os custos com o trabalho suplementar e de obviar as limitações inerentes à sua prática, pelo que não faria sentido que tivesse custos para o empregador equiparáveis aos do trabalho suplementar.
J. Em face do exposto e concluindo, não assiste razão ao Tribunal a quo ao julgar que a prestação de trabalho em dia de descaso semanal complementar (o sábado), ao abrigo do MAPP, configura uma alteração ilícita ao horário de trabalho, pois, como ficou demonstrado, é estrutural e funcionalmente independente do horário de trabalho em vigor.
K. Acresce que não existe impedimento legal à prestação de trabalho ao abrigo do banco de horas em dia de descanso semanal complementar.
L. Decorrendo o dia de descanso semanal complementar do horário de trabalho, ou seja, de determinação da Recorrente, procedente do seu poder de direção, podia o mesmo ser afastado pelos acordos de banco de horas, que prevalecem sobre o horário, dado que o acordo é fonte de regulação laboral hierarquicamente superior ao poder de direção do empregador.
M. Acresce que o MAPP prevê expressamente a possibilidade de distribuição do trabalho, entre outros, pelo sábado, ou seja, pelo dia de descanso semanal complementar que decorria do horário de trabalho em vigor naquele momento na Recorrente, o que foi objeto de aceitação generalizada por parte dos trabalhadores da Recorrente, correspondendo, assim, à vontade inequívoca das partes.
N. O exposto significa que o acordo de banco de horas pode titular a prestação de trabalho no dia de descanso semanal complementar, quer o mesmo tenha sido unilateralmente instituído pela Recorrente, quer, por maioria de razão, em derrogação do contrato de trabalho – o que, recorde-se, sem conceder, o Autor não alegou e não resulta dos factos dados como provados – porquanto, em ambos os casos, a instituição do dia de descanso semanal complementar não decorre de título com valor jurídico superior ao do acordo que estabeleceu o MAPP.
Nestes termos e nos restantes de Direito aplicáveis, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, por conseguinte, revogar-se a sentença na parte em que julgou a ação parcialmente procedente, substituindo-se por outra que absolva a Recorrente integralmente dos pedidos formulados pelo Recorrido.
O A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso da R., apresentando as seguintes conclusões:
1. A condenação da recorrente a restituir “tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente” vem na imediata sequência da consideração de que o MAPP é ilegal, ilegalidade essa com efeitos reportados a 01.01.18.
2. Ora, se o trabalho prestado aos sábados é ilegal, como concluiu a sentença, logo a recorrente deve ser condenada no reconhecimento dessa ilegalidade, reportando-se os seus efeitos a essa data.
3. Ou seja, a decisão nesta parte da sentença é inatacável pois limitou-se a considerar procedente o pedido formulado pelo recorrido apenas com uma definição mais concreta e límpida da situação.
4. Daí que a sentença não tenha condenado em objecto diferente do pedido, pelo que não existe qualquer fundamento para se considerar que a sentença está ferida de nulidade como pretende a recorrente.
5. Por outro lado, a sentença não confundiu o banco de horas com o horário de trabalho, tendo o horário de trabalho em vigor na recorrente sido provado no ponto 24 da matéria de facto “de segunda a sexta-feira, com o sábado e o domingo como dias de descanso semanais”.
6. O banco de horas e o período normal de trabalho são realidades bem diferentes, sendo que o artigo 208º A nº 2 do CT apenas admite a extensão do período normal de trabalho até duas horas diárias e até 50 horas semanais.
7. A permissão que tal normativo admite é apenas a extensão do período normal de trabalho (de segunda a sexta-feira) e não uma qualquer alteração, ou seja não possibilita que com tal alteração a recorrente possa determinar o trabalho ao sábado, dia de descanso semanal.
8. Ora, prevendo o MAPP o trabalho ao sábado, numa clara alteração do período normal de trabalho, não pode considerar-se esta uma realidade própria de um qualquer banco de horas uma vez que vai muito para além das suas próprias características identificadoras.
9. E por isso, ao prever o trabalho ao sábado, o MAPP torna-se ilegal uma vez que consubstancia uma alteração do período normal de trabalho, pelo que bem andou, nesta parte, a sentença sob recurso, pelo que deve ser mantida nesta parte.
A R. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso do A., apresentando as seguintes conclusões:
A. Contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, o Tribunal a quo andou bem ao delimitar os efeitos pessoais da sentença aos trabalhadores identificados em 4. dos factos provados.
B. Com efeito:
(a) Como o Recorrente certamente não desconhece, o artigo 5.º, n.º 2, do CPT condiciona o exercício do direito de ação pelas associações sindicais em representação e substituição dos trabalhadores à autorização destes para o efeito;
(b) Ora, o Recorrente propôs a presente ação em representação e substituição dos trabalhadores identificados no artigo 4.º da petição inicial, que o autorizaram (tacitamente) para o efeito, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.ºs 2, alínea c), e 3, do CPT;
(c) Em face do exposto, a legitimidade processual do Recorrente cinge-se àqueles trabalhadores – que, em conformidade, estão identificados no facto provado 4. da sentença –, não podendo, nesses termos, pretender representar outros trabalhadores nos presentes autos, ainda que filiados no Recorrente, os quais não lhe concederam a sua autorização;
(d) Como é consabido, a sentença apenas produz efeitos em relação às partes que compõem a instância, i.e., in casu, os trabalhadores que consentiram ser representados pelo Recorrente nos presentes autos.
C. Pelo exposto, o Tribunal a quo decidiu acertadamente ao delimitar os efeitos da sentença aos trabalhadores identificados no facto provado 4. da mesma, devendo, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso e confirmado o sentido da decisão no que concerne ao âmbito subjetivo da sentença.
D. É igualmente improcedente a interpretação sustentada pelo Recorrente no sentido de que o MAPP deve ser declarado nulo e sem efeito, na medida em que aquele não pode ser aplicado aos trabalhadores filiados no Recorrente, nomeadamente ao abrigo do disposto no artigo 208.º-B do CT, porquanto não existe um IRCT aplicável às relações de trabalho entre a Recorrida e aqueles trabalhadores e que, “nos termos do artigo 208º do CT (redação da Lei 23/2012) o “banco de horas” só pode ser criado por um IRCT
E. Com efeito e como o Recorrente certamente não desconhece, mostram-se consagrados atualmente os seguintes tipos de bancos de horas:
(a) por regulamentação coletiva (artigo 208.º), introduzido pelo CT em 2009, prevê um aumento até 4 horas diárias ao período normal de trabalho com limite de 60 horas por semana e 200 horas anuais por trabalhador, limite este que pode ainda ser afastado pelo instrumento de regulamentação coletiva sempre que a sua utilização tenha por objetivo evitar a redução do número de trabalhadores durante um período de até 12 meses;
(b) individual (artigo 208.º-A), introduzido pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, é instituído por acordo escrito entre empregador e trabalhador, permitindo que o período normal de trabalho diário seja aumentado até ao limite máximo de 2 horas diárias e 50 horas semanais, estando previsto um limite de 150 horas anuais por trabalhador; e
(c) grupal (artigo 208.º-B), também introduzido em 2012, possibilita que o empregador aplique o regime do banco de horas por regulamentação coletiva e possibilita, também, no caso de banco de horas individual, que o empregador aplique o mesmo regime de banco de horas ao conjunto dos trabalhadores dessa estrutura (n.º 2 do artigo 208.º-B).
F. Em face do exposto, é evidente que o entendimento pugnado pelo Recorrente de que ““banco de horas” só pode ser criado por um IRCT” não tem qualquer cabimento na lei, pelo que deve, também nesta parte, ser negado provimento ao recurso.
G. Igualmente sem fundamento é a posição do Recorrente no sentido de que o MAPP, qualificado – corretamente – como um acordo individual de banco de horas, não seria passível de extensão aos trabalhadores que não o aceitaram.
H. Com efeito:
(a) O artigo 208.º-B, n.º 2, do CT admite, expressamente, a possibilidade de aplicação do regime de banco de horas individualmente acordado aos trabalhadores que não adiram à proposta apresentada pelo empregador;
(b) O MAPP foi aplicado à generalidade dos trabalhadores e, em especial, aos trabalhadores representados pelo Recorrente na presente ação, por via do mecanismo de extensão grupal, previsto no referido artigo 208.º-B, em cumprimento de todos os requisitos legalmente previstos, nomeadamente, a aceitação da proposta de mecanismo de banco de horas, apresentada a todos os trabalhadores da Recorrida, por mais de 75% destes (factos provados sob os n.ºs 47 a 51).
I. Assim, e mais uma vez, o Recorrente vem sustentar uma posição claramente refutada pelo Direito positivo e sem qualquer suporte na realidade, razão pela qual a mesma deverá improceder, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e confirmada a sentença na parte que absolveu a Recorrida do peticionado.
J. Também não assiste razão ao Recorrente ao sustentar que o MAPP deveria ser declarado nulo, por violação do período de referência máximo de 12 meses previsto no artigo 207.º do CT.
K. Com efeito, o artigo 207.º apenas se aplica ao regime de adaptabilidade, atendendo a que:
(a) O n.º 1 do mesmo dispõe que “[e]m regime de adaptabilidade, a duração média do trabalho é apurada por referência a período estabelecido em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que não seja superior a 12 meses ou, na sua falta, a um período de quatro meses” (sublinhado nosso);
(b) As disposições normativas que regulam a adaptabilidade não são diretamente aplicáveis aos regimes de bancos de horas, nem existe qualquer fundamento para sustentar a aplicação do disposto no artigo 207.º do CT aos mecanismos de banco de horas, atendendo às diferenças de regime que existem entre as duas figuras;
(c) Não consta do CT qualquer período de referência específico para os regimes de banco de horas, quer sejam instituídos por convenção coletiva ou por acordos individuais.
L. Por esses motivos, afigura-se clara a inaplicabilidade do disposto no artigo 207.º do CT aos regimes de banco de horas, em geral, e ao MAPP, em particular.
M. Em todo o caso, e ainda que se considere que o artigo 207.º do CT é aplicável aos mecanismos de banco de horas – hipótese que por mero dever de patrocínio se concebe, sem conceder –, não é verdade que o MAPP viole o disposto no mesmo.
N. Senão vejamos:
(a) O artigo 207.º do CT estabelece um período de referência, ou seja, “o intervalo de tempo durante o qual é apurada a média dos períodos normais de trabalho organizados segundo a regra da adaptabilidade”5 para controlo do cumprimento dos limites máximos de duração do tempo de trabalho em termos médios, nada dispondo relativamente à vigência dos mecanismos de adaptabilidade.
(b) Por seu turno e contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, o MAPP limita-se a estabelecer o seu período de vigência (i.e., o hiato temporal durante o qual o tempo de trabalho obedece às regras constantes do regime de banco de horas), por 15 meses, entre 01.01.2018 e 31.03.2019 (cf. Facto provado n.º 16), nada referindo quanto ao período de referência.
O. Em face das diferenças de objeto e funcionamento assinaladas (p. ex., ao longo da vigência de um mecanismo de adaptabilidade, que podem vigorar por tempo indeterminado, vão-se sucedendo os períodos de referência), não é verdade que o MAPP fixe um período de referência superior ao “legalmente estabelecido”, limitando-se, na verdade, a regular o seu período de vigência, razão pela qual não viola o disposto no artigo 207.º do CT.
P. Em todo o caso, qualquer violação do período de referência jamais poderia conduzir à nulidade do MAPP (atendendo a que o mesmo não contém qualquer disposição que regule esta matéria), mas, no limite, à aplicação da sanção associada por lei pela prática de um ato ilícito consistente no desrespeito dos limites de duração média do trabalho no período em causa – no que não se concede.
Q. Por tudo o exposto, não assiste razão ao Recorrente, razão pela qual deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a sentença na parte que absolve a ora Recorrida do peticionado.
Nestes termos e nos restantes de Direito aplicáveis, deverá ser negado provimento ao presente recurso e, por conseguinte, confirmar-se a sentença na parte em que julgou a ação parcialmente improcedente e absolveu a Recorrida dos pedidos formulados pelo Recorrente.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso do A. como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e admitiu o recurso da R. como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (em face do pagamento de caução) e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência dos recursos, devendo ser mantida a sentença recorrida.
Não houve resposta ao parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1.º recurso
1) Aplicação da decisão recorrida a todos os associados do A. que não aceitaram o MAPP;
2) O MAPP não configura um banco de horas grupal;
3) O período de referência do MAPP viola o disposto no art. 207.º do Código do Trabalho;
2.º recurso
4) Nulidade da sentença; e
5) Validade da cláusula 1.3, al. b), do MAPP.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1.- O A. é uma associação sindical na qual estão associados inúmeros trabalhadores que exercem a sua atividade profissional como trabalhadores subordinados jurídica e economicamente à R..
2.- Em 11.09.18 e 12.09.18 o A. entregou a cada um de alguns seus associados na R. uma carta datada de 10.09.18 a comunicar a intenção de intentar uma ação judicial no tribunal do trabalho competente, contra a R., em sua representação tendo indicado o respetivo objeto.
3.- Mais informou em tais cartas que caso o trabalhador nada declarasse por escrito no prazo de 15 dias presumiria a sua autorização.
4.- O que veio a suceder com todos os trabalhadores associados do A. a quem este enviou a citada carta, os quais se indicam: (…)
5.- A R. é uma empresa do sector automóvel que se dedica à produção e comercialização de veículos automóveis.
6.- Atualmente não existe qualquer IRCT (Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho) em vigor que se aplique entre A. e a R. ou entre os trabalhadores associados daquele e esta.
7.- Com efeito, outrora vigorou o CCT publicado no BTE n.º 11 de 22.03.10 celebrado entre a ACAP – Associação do Comércio Automóvel de Portugal e a Federação dos Sindicatos da Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal publicado no BTE nº 39 de 22.10.80 e de 22.10.82 com as alterações publicadas no BTE nº 32 de 29.08.86, de 29.08.87, 37 de 8.10.91 e 48 de 29.12.97.
8.- Mas desde 22.12.09 que o citado CCT caducou, não se mantendo atualmente em vigor e não tendo o A. celebrado qualquer outro CCT, sendo certo que foi publicado o respetivo aviso de cessação de vigência no BTE nº 11 de 22.03.10, sendo que, entretanto, encontra-se a correr um processo em Tribunal de impugnação da caducidade.
9.- Ora, não estando em vigor qualquer IRCT quanto ao caso dos autos, não se aplica qualquer CCT, vigorando para a matéria a que se reportam os presentes autos o Código de Trabalho.
10.- A R. entregou a todos os seus trabalhadores para estes assinarem, dando o seu acordo de aceitação, um documento datado de 26.10.17 que no fundo é o MAPP.
11.- Em tal documento, a R. designa o mesmo como MAPP – Mecanismo de Ajustamento ao Planeamento de Produção, embora intitule o citado documento como “Introdução”.
12.- E pretende que o mesmo vigore na R. de 01.01.18 a 31.03.19.
13.- O tal MAPP “contém um conjunto de regras comuns a todos os trabalhadores, bem como certas regras específicas dos trabalhadores direta ou indiretamente afetos à produção”.
14.- O mesmo documento afirma ainda que “O trabalhador que aderir ao MAPP terá direito a um prémio de €400,00 (quatrocentos euros) o qual, no entanto está dependente da adesão ao MAPP de, pelo menos, 75% dos trabalhadores da MFTE”.
15.- O conteúdo do documento está dividido em três aspetos distintos: 1. Trabalhadores diretamente afetos à produção; 2. Trabalhadores indiretamente afetos à produção; 3. Regras Comuns.
16.- Aqui se transcreve o conteúdo integral do citado documento:
“O Mecanismo de Ajustamento ao Planeamento de Produção (doravante “MAPP”) vigorará na Mitsubishi Fuso Truck Europe, S.A. (doravante designada por ”MFTE”) de 1 de Janeiro de 2018 a 31 de Março de 2019.
O MAPP contém um conjunto de regras comuns a todos os trabalhadores, bem como certas regras específicas dos trabalhadores direta ou indiretamente afetos à produção.
O trabalhador que aderir ao MAPP terá direito a um prémio de €400,00 (quatrocentos euros), o qual, no entanto, está dependente da adesão ao MAPP de, pelo menos, 75% dos trabalhadores da MFTE.
1. TRABALHADORES DIRETAMENTE AFETOS À PRODUÇÃO
1.1. Entende-se por trabalhador diretamente afeto à produção aquele que, por força da sua atividade, tenha a sua presença como imprescindível em dia de produção, nos termos definidos pela MFTE. Não se enquadram nesta categoria trabalhadores cuja presença seja alternada com a de outros membros da equipa.
1.2. Sempre que se torne necessário a paragem da fábrica em bloco, a MFTE pode reduzir as horas ou os dias de trabalho, caso em que se gera um crédito a favor da empresa igual ao número de horas não trabalhadas.
1.3. Este crédito pode ser compensado pelo aumento das horas de trabalho em bloco, com os seguintes limites mensais:
a) 8 Horas em dia útil, caso em que o prolongamento de horário terá como limite máximo 1 hora por dia, e
b) 8 Horas num sábado;
1.4. O aumento de horas de trabalho referido no ponto anterior dará origem à seguinte compensação do crédito:
a) Cada hora trabalhada em dia útil reduz 1,5 horas de crédito;
b) Cada hora trabalhada num sábado reduz 2 horas de crédito.
1.5. Caso não haja crédito a favor da empresa, as horas trabalhadas serão consideradas horas suplementares.
1.6. Horas de trabalho acima dos limites referidos serão, para todos os efeitos, consideradas suplementares com o pagamento de acordo com a legislação em vigor à data.
1.7. O crédito de horas será anulado nos seguintes termos:
a) o saldo respeitante ao período de janeiro a setembro de 2018 será anulado a 31 de dezembro de 2018;
b) O saldo respeitante ao período de outubro a dezembro de 2018 será anulado a 31 de março de 2019.
1.8. Salvo motivo imprevisível ou caso de força maior, a MFTE comunicará o aumento ou a redução das horas de trabalho com a antecedência mínima de 5 dias.
2. TRABALHADORES INDIRETAMENTE AFETOS À PRODUÇÃO
2.1. Entende-se por trabalhador indiretamente afeto à produção aquele que, por força da sua atividade, não tenha a sua presença como imprescindível sempre que haja produção, nos termos definidos pela MFTE.
2.2. Sempre que se torne necessário, a MFTE pode reduzir as horas ou os dias de trabalho, caso em que se gera um crédito a favor da empresa igual ao número de horas não trabalhadas.
2.3. Este crédito pode ser compensado pelo aumento das horas de trabalho, com os seguintes limites:
a) 8 Horas semanais em dia útil, cado em que o prolongamento de horário terá como limite máximo 2 horas por dia;
b) 8 Horas num sábado – em termos médios, só será trabalhado um sábado por mês.
2.4. O aumento de horas de trabalho referido no ponto anterior dará origem a um crédito numa bolsa de tempo de acordo com a seguinte regra:
a) Cada hora trabalhada em dia útil credita 1,5 horas;
b) Cada hora trabalhada num sábado credita 2 horas.
2.5. Sempre que o número de horas a favor do trabalhador na bolsa de tempos ultrapassar as 80 horas, será feito o pagamento das horas excedentes pelo valor horário do salário.
2.6. A bolsa de tempo será gerida entre o colaborador e o seu superior hierárquico direto, com a aprovação final dos Recursos Humanos.
2.7. Quando terminar o MAPP, o saldo de horas deverá transitar para o regime iFLEX.
3. REGRAS COMUNS
3.1. Qualquer trabalhador que esteja impossibilitado de trabalhar nos dias determinados pela MFTE deverá comunicar e justificar essa impossibilidade, nos termos habituais.
3.2. Para os efeitos previstos no número anterior, apenas serão atendíveis os motivos que, de acordo com a Lei, permitem justificar as faltas.
3.3. A ausência de comunicação ou de justificação implicará que o período de ausência seja considerado injustificado.
3.4. A adesão ao MAPP implica a suspensão do iFLEX, pelo que, logo que termine o MAPP, retoma-se o iFLEX. O saldo de horas do iFLEX à data do início do MAPP será transitado para este.
Declaro que aceito o MAPP na qualidade de trabalhador diretamente afeto à produção.”
17.- Com efeito, estes trabalhadores não aceitaram nem aceitam o citado MAPP, sempre se tendo recusado a assinar qualquer documento que implique tal aceitação.
18.- Tendo entregue à R. em 09.11.17 um abaixo assinado datado de 14.12.17 subscrito por 69 trabalhadores, dando conhecimento da sua contestação ao MAPP recusando que o mesmo lhes seja aplicado “…manifestam assim a sua oposição a que lhes seja aplicado esse acordo ao abrigo do nº 4 do artigo 205º do Código do Trabalho”.
19.- Entretanto como no salário de Novembro de 2017 a R. transferiu para cada trabalhador, mesmo para quem não aceitou o MAPP, a quantia de 400,00, sendo que estes trabalhadores comunicaram à R. em 14.12.17 a sua disponibilidade para devolverem tal quantia.
20.- O iFLEX está suspenso durante a aplicação do MAPP e não se aplica aos trabalhadores diretamente afetos à produção mas apenas aos indiretamente afetos à produção.
21.- A R. não contactou nem reuniu com a Comissão Sindical ou com o A. sobre a eventual alteração do horário de trabalho ou de implementação do MAPP, antes de este entrar em vigor.
22.- Entretanto, a R. informou a generalidade dos trabalhadores que o MAPP havia sido aprovado por pelo menos 75% dos seus trabalhadores pelo que ia ser aplicado a todos os seus trabalhadores.
23.- Em 27.12.17 o A. fez uma participação à ACT sobre este assunto, salientando o entendimento de que o MAPP era um mecanismo ilegal, o que determinou uma visita inspetiva em 12.11.2018 e a prestação da resposta pela Sr.ª Diretora do ACT do Centro Local da Lezíria e do Médio Tejo, que consta a fls. 568 a 572 dos autos, para cujo conteúdo se remete e aqui se considera integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos.
24.- O horário de trabalho em vigor na R. é, e sempre foi, de segunda a sexta-feira, com o sábado e domingo como dias de descanso semanais, horário esse que se encontra afixado nas instalações daquela.
25.- Entretanto, no dia 07.02.18 a ACT efetuou uma visita inspetiva à R. tendo-se realizado uma reunião com as partes envolvidas, a qual não foi conclusiva.
26.- Tendo o A. mantido o seu entendimento da ilegalidade do MAPP e voltando a dá-la a conhecer por carta de 14.02.18 à ACT.
27.- O que, aliás, já havia efetuado em 03.01.18, 12.01.18 e em 19.01.18 e voltou a fazer em 30.04.18.
28.- Entretanto, no início do ano de 2018, ou seja nos dias 12, 19 e 26 de janeiro de 2018 (sextas-feiras) dias que foram definidos pela R. como de “não produção” (paragem da laboração) - tendo esta emitido um comunicado aos trabalhadores informando que não havia produção naqueles dias ao abrigo do MAPP - pelo que os trabalhadores estavam dispensados de prestar trabalho nesses dias.
29.- Tal situação de “não produção” (paragem de laboração) voltou a repetir-se nos dia 5, 19 e 26 de Fevereiro de 2018 (segundas-feiras).
30.- Ora, os trabalhadores que não aderiram ao MAPP foram impedidos pela R. de entrar nas suas instalações o que motivou inclusivamente a presença da GNR que foi chamada ao local.
31.- Ou seja, em todos esses dias – dias de trabalho durante a semana -, os trabalhadores que não aceitaram nem aceitam o MAPP foram impedidos de trabalhar pela R..
32.- O A. também deu a conhecer a sua posição à R. através de carta de 29.01.18.
33.- No fundo, por determinação expressa da R., esta pára a laboração alguns dias na semana, habitualmente à sexta-feira ou segunda-feira, sendo os trabalhadores impedidos de prestar trabalho em tais dias.
34.- E isto para depois os trabalhadores serem obrigados a prestar trabalho noutros dias determinados pela R., podendo ser inclusivamente aos sábados (seu dia de descanso complementar).
35.- Em 08.03.18, A. e R. estiveram reunidos na DGERT os quais mantiveram as posições, no âmbito do processo de prevenção de conflitos, o qual foi encerrado.
36.- Da respetiva Ata assinada pelo A. e pela R. sobressaem os seguintes aspetos invocados por aquele e que foram contestados por esta:
“O sindicato começou por informar que no final do ano de 2017 a empresa propôs um acordo de alteração do horário de trabalho, tendo existido alguns trabalhadores que não deram o seu acordo a esta alteração. A questão está em que a empresa quer vincular todos os trabalhadores a esta alteração de horário.
O princípio orientador, nestas situações, segundo, o sindicato deveria ser a negociação da alteração do horário de trabalho com a respetiva comissão sindical, tal com a Lei prevê e só foi abordado num grupo de trabalho constituído pela empresa, não nos parece, o mais correto. Para além disso, a empresa encetou contatos individuais com os trabalhadores sem falar com a comissão sindical.
No entendimento do sindicato, o instrumento utilizado não tem suporte na Lei, o documento distribuído aos trabalhadores, não se enquadra em termos legais, estamos a falar de adaptabilidade ou banco de horas? O sindicato não tem nenhum irct publicado, onde esta prevista esta figura que se aplique aos seus associados. O período de referência de 1 ano e 3 meses, vai para além do que está estabelecido legalmente (1 ano).
Quando se inicia o processo banco de horas com interrupção da laboração, os trabalhadores ficam em dívida, tudo isto está contrário ao que a Lei estipula.
A questão de fundo mantém-se, ou seja, houve um conjunto de trabalhadores que não acordaram este novo regime de horário, a empresa para quem aceitasse atribuiu um incentivo de 400 euros, mas na perspetiva do sindicato, os trabalhadores são livres de aceitar ou não este horário, já que a empresa tem dois grupos de trabalhadores, os da produção e os trabalhadores indiretos, havendo regras diferentes para os respetivos grupos, para um só acordo. A empresa tem cerca de 330 TCO, em que, cerca de 69 não aderiram a esta nova modalidade de horário e manifestaram por escrito a sua não adesão.
O horário pode ser alterado, mas na nossa perspetiva, sindicato, esta alteração não deve ser imposta aos trabalhadores que não aceitaram, para além desta situação, a empresa está a utilizar alguns mecanismos, como, por exemplo, não serem chamados para a realização de trabalho extraordinário, chamando, para a realização do mesmo, trabalhadores temporários (tem cerca de 150 trabalhadores nestas condições), como, represália, situação que não deverá ocorrer e à qual não estão habituados, por não ser uma prática desta empresa e consideramos uma prática discriminatória.
A empresa em outubro de 2017, solicitou, o desenho de um programa, que agora está ser aplicado, tendo, como ponto de partida, um grupo de trabalho criado para o efeito, constituído por membros representativos de todos os trabalhadores, assim, como das diversas situações existentes na empresa, porque em termos de ambiente pensamos que seria a melhor solução, porque tínhamos tido uma experiência em 2015 com o banco de horas pouco positiva, nessa altura por acordo individual, só que não funcionou e daí nos termos pensado no desenvolvimento deste programa, que foi apresentado, realizamos um acordo com a regras comuns e especificas para os trabalhadores direta e indiretamente afetos à produção, o pagamento do bónus, não aceitamos a devolução do bónus, mas não chamamos banco de horas, mas sim, mecanismo de apoio ao plano de produção, quando existe variação das encomendas.
Os sindicatos foram consultados no dia 27.10.2017, no seguinte ao da comunicação do MAPP aos trabalhadores, tendo a empresa reunido com os mesmos posteriormente em diversas ocasiões.
A empresa tem regras definidas, primeiro param e depois é que solicitamos trabalho/horas, o “banco de horas”.
O acordo tem a duração de 1 ano, necessidades de produção do último trimestre de 2018, horas que poderiam ser utilizadas no 1 trimestre de 2019, daí a diferença de opinião. O banco de horas não é uma realidade nova, o grupo de trabalho criado para estudar este assunto, era um grupo heterogéneo, independentemente do nome, do que estamos a falar é de um banco de horas, aliás foi isso que transmitimos em reunião realizada em fevereiro de 2018, ao sindicato.
A empresa tem alguma dificuldade em perceber esta “confusão” em termos de conceitos e gostaríamos que esta questão do banco de horas ficasse assente ao final destes 6 meses, já que não se trata de uma alteração do horário de trabalho. O mecanismo na empresa começa, com a dispensa, depois a bolsa de horas que serão utilizadas. A aplicação está enquadrada pelo banco de horas individual, estendida aos que não aceitaram pelo mecanismo grupal, já demonstrados (requisitos) ao ACT (documentação apresentada), com os 75% de trabalhadores que aceitaram.
O Sindicato considera que aquilo que está a ser aplicado não é o banco de horas da Lei, já que o horário de trabalho fixado na empresa é de segunda-feira a sexta-feira, não inclui o sábado, como tal e não sendo o sábado dia de trabalho este não pode ser utilizado para “banco de horas”, como é intensão da empresa. O banco de horas não pode exceder os valores máximos, ou seja, 2 horas por dia e 50 horas semanais, as regras agora apresentadas pela empresa ultrapassam os limites.
Quanto ao grupo de trabalho, que era constituído por 15 pessoas e não houve consenso em relação a esta matéria. A nossa posição é de rejeição da aplicação da regra grupal e temos algumas reservas em relação à sua necessidade, porque este ano já parámos 3 dias devido à falta de peças ao abrigo do “banco de horas” quando este não prevê, e contrariamente à Lei que diz que o período em que a redução do tempo de trabalho para compensar trabalho prestado em acréscimo deve ter lugar por iniciativa do trabalhador, com este “banco de horas”, o trabalhador fica em casa primeiro e depois fica ao dispor da empresa para compensar a paragem, o que cria dificuldade de gerir a sua própria vida pessoal e familiar.
Em caso de impossibilidade do trabalhador não poder compensar as horas, resulta a possibilidade da empresa descontar no vencimento do trabalhador.
Para realizar um ponto de situação, a posição do sindicato é a de não aceitar este “banco” de horas, já que não está bem referido o enquadramento legal. Nesse sentido, iremos avançar por outras vias para contestar esta situação, na defesa dos trabalhadores que não aceitaram este “mecanismo”, estando já este assunto no âmbito da ACT e foi solicitada uma reunião à Inspetora-geral.
A empresa regista a posição do sindicato e reconhece que os trabalhadores manifestaram essa posição, mas a empresa utilizou o mecanismo de forma legal e fez prova junto da entidade competente, para obter esse reconhecimento legal, logo, irá continuar a sua aplicação.
Quanto à questão da produção existiram alguns problemas no início do ano de 2018 com o fornecimento de peças, mas contamos que durante este mês (março) a situação esteja regularizada.”
***
37.- O período de 01.01.2019 a 31.03.2019 só seria necessário se tivessem ocorrido paragens no período de outubro a dezembro de 2018, o que não ocorreu.
38.- A p.i. deu entrada em juízo a 27.11.2018.
39.- A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de montagem, fabricação, comercialização, exportação e importação de veículos motorizados, nomeadamente veículos pesados, seus componentes, peças e acessórios.
40.- No desenvolvimento de tal atividade, a Ré detém um estabelecimento industrial sito na freguesia do Tramagal, concelho de Abrantes, Distrito de Santarém.
41.- O volume de atividade da Ré depende de uma série de fatores que não controla, nomeadamente do número de veículos automóveis encomendados e das datas de entrega dos mesmos.
42.- Tal volume de atividade não é constante ao longo do ano, apresentando variações decorrentes da natureza estrutural do mercado dos produtos da Ré.
43.- Por esse motivo, a Ré vem recorrendo a mecanismos de banco de horas desde, pelo menos, 2015.
44.- A flutuação das encomendas para o ano de 2018 permitia, no início do último trimestre de 2017, prever com elevado grau de certeza que teria de haver paragens de produção ao longo do ano de 2018.
45.- Razão pela qual se deu início aos trabalhos tendentes à aprovação de um regime de banco de horas para vigorar em 2018, também como forma de manter o nível de emprego na empresa.
46.- Tais trabalhos integraram diversas propostas e sugestões sobre o mecanismo do banco de horas apresentadas por um grupo de trabalho composto por vários trabalhadores da Ré, representativos dos diversos grupos existentes na empresa, incluindo três representantes sindicais, dois dos quais dirigentes sindicais do Autor.
47.- Até ao início de produção de efeitos do MAPP, mais de 75% dos trabalhadores da Ré haviam aderido expressamente ao mesmo.
48.- Com efeito, dos 307 trabalhadores da Ré não considerando a equipa de gestão, 247 aderiram ao MAPP, ou seja, mais de 75%.
49.- Mais especificamente, dos 254 trabalhadores diretamente afetos à produção, 194 aderiram expressamente ao MAPP, ou seja, 76,37%.
50.- Todos os 53 trabalhadores indiretamente afetos à produção aderiram expressamente ao MAPP, ou seja, 100%.
51.- Para efeitos de MAPP, os trabalhadores identificados em 4) qualificam-se como trabalhadores diretamente afetos à produção.
***
52.- No dia 26.10.2017 a Ré comunicou aos seus trabalhadores a necessidade de dotar a empresa de um mecanismo que lhe permitisse gerir os tempos de trabalho, parando a produção em bloco e compensando posteriormente o tempo parado conforme necessário, por forma a ajustar a capacidade e disponibilidade produtiva às flutuações previstas do volume de atividade tendo, para o efeito, apresentado o MAPP e as suas condições e termos.
53.- No mesmo dia a Ré, na pessoa do seu Presidente do Concelho de Administração e Diretor de Recursos Humanos, reuniu com os Managers, Assistant Managers e Encarregados de todos os departamentos e equipas da empresa, para lhes explicar os termos e condições do MAPP, incumbindo-os de transmitir os esclarecimentos aos colaboradores das respetivas secções.
54.- A partir dessa data, os acordos individuais foram distribuídos pelos Encarregados que, por seu turno, os distribuíram pelos trabalhadores das respetivas equipas.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) a decisão recorrida deve ser aplicada a todos os associados do A. que não aceitaram o MAPP; (ii) se o MAPP configura um banco de horas grupal; (iii) o período de referência do MAPP viola o disposto no art. 207.º do Código do Trabalho; (iv) a sentença recorrida é nula; e (v) a cláusula 1.3, al. b), do MAPP é válida.
Por uma questão sistemática iniciaremos a nossa análise pela invocada nulidade da sentença.
1 – Nulidade da sentença
A R. veio invocar a nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil, uma vez que o tribunal a quo ultrapassou o pedido formulado pelo A, tendo condenado a R. em objecto diverso do pedido, quando determinou, ao declarar a nulidade e sem nenhum efeito para os trabalhadores representados pelo A. da cláusula 1.3, al. b), do MAPP, cujos efeitos se reportavam a 01-01.2008, que deveria “ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, uma vez que esta última parte não constava do pedido do A.
Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
(…)
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Dispõe, por sua vez, o art. 289.º, n.º 1, do Código Civil, que:
1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

Apreciemos.
Esta nulidade resulta da violação do disposto no art. 609.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o qual determina que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Na P.I., o A. solicitou, a final, que a R. fosse condenada a anular o MAPP – Mecanismo de Ajustamento ao Planeamento da Produção, por o mesmo ser ilegal, com efeitos reportados a 01-01-2018, sendo impedida de proceder à sua aplicação aos trabalhadores associados do A. que não o aceitaram.
Na sentença recorrida, o tribunal a quo declarou nula e de nenhum efeito com respeito aos trabalhadores referidos em 4) dos factos provados a cláusula 1.3, al. b) do MAPP – Mecanismo de Ajustamento ao Planeamento da Produção, com efeitos reportados a 01-01-2018, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Decorre, assim, da simples leitura da P.I. e da parte decisória da sentença recorrida que efectivamente na P.I. não consta expressamente o pedido de que deveria ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, porém, mostra-se expressamente peticionado pelo A. a declaração de nulidade do MAPP com efeitos reportados a 01-01-2018.
Ora, decorre dos efeitos da declaração de nulidade, nos termos do art. 289.º, n.º 1, do Código Civil, que o acto declarado nulo tem efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, pelo que, necessariamente, no caso em apreço, para que os efeitos do acto nulo deixem de figurar no mundo real, nos termos da citada disposição legal, o que tiver sido prestado terá de ser restituído ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Na realidade, a declaração de nulidade não se traduz numa expressão meramente formal, possuindo, por isso, tal declaração efeitos jurídicos concretos que se traduzem necessariamente na reposição da situação factual, eliminados todos os efeitos decorrentes do acto declarado nulo.
O tribunal a quo limitou-se, assim, apenas a explicitar os efeitos inerentes à declaração de nulidade que proferiu, efeitos esses, aliás, decorrentes de disposição legal expressa.
Cita-se a este propósito, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 16-10-2003, no âmbito do processo n.º 03B484, consultável em www.dgsi.pt:
I - A declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroactivo (ex tunc), devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (artigo 289º, nº. 1, do Código Civil);

Inexiste, assim, qualquer condenação por parte do tribunal a quo em objecto diverso do peticionado pelo A., pelo que não estamos perante a situação prevista no art. 615.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil, visto que o referido tribunal condenou no pedido formulado (na nulidade peticionada reportada a determinada data), explicitando, porém, as consequências concretas que tal declaração implicava nas relações jurídicas afectadas pela mesma, ao abrigo do disposto no art. 289.º, n.º 1, do Código Civil.
Nesta conformidade, nesta parte, improcede a pretensão da R..
2) A decisão recorrida deve ser aplicada a todos os associados do A. que não aceitaram o MAPP
Segundo o A., considerar que a sentença condenatória apenas produz efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no ponto 4) dos factos provados, e não relativamente a todos os trabalhadores associados do A. que prestam trabalho na R. e que não aceitaram o MAPP, coloca em causa o próprio direito de representação conferido pelo art. 5.º do Código de Processo do Trabalho.
Dispõe o art. 5.º do Código de Processo do Trabalho que:
1 - As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.
2 - As associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de acção, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem:
a) Nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra trabalhadores que pertençam aos corpos gerentes da associação sindical ou nesta exerçam qualquer cargo;
b) Nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra os seus associados que sejam representantes eleitos dos trabalhadores;
c) Nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados.
3 - Para efeito do número anterior, presume-se a autorização do trabalhador a quem a associação sindical tenha comunicado por escrito a intenção de exercer o direito de acção em sua representação e substituição, com indicação do respectivo objecto, se o trabalhador nada declarar em contrário, por escrito, no prazo de 15 dias.
4 - Verificando-se o exercício do direito de acção nos termos do n.º 2, o trabalhador só pode intervir no processo como assistente.
5 - Nas acções em que estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores ou dos empregadores, as respectivas associações podem intervir como assistentes dos seus associados, desde que exista da parte dos interessados declaração escrita de aceitação da intervenção.
6 - As estruturas de representação colectiva dos trabalhadores são parte legítima como autor nas acções em que estejam em causa a qualificação de informações como confidenciais ou a recusa de prestação de informação ou de realização de consultas por parte do empregador.

Apreciemos.
Sobre esta matéria citamos a fundamentação expendida no acórdão do STJ, proferida em 22-04-2015, no âmbito do processo n.º 729/13.3TTVNG.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
Conforme decorre do nº1 do artigo 5º do CPT[1], as associações sindicais e de empregadores são parte legítima como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.
Trata-se duma norma que segue o regime que já vinha do nº 1 do artigo 5º do CPT anterior[2], que, por sua vez, havia eliminado o segmento do preceito correspondente do CPT/81[3], que exigia que a tutela desses interesses lhes fosse atribuída por lei.
Efectivamente, o nº 1 do artigo 6º daquele diploma estabelecia que os organismos sindicais e patronais são parte legítima como autores nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos cuja tutela lhes esteja atribuída por lei.
Constatamos assim que a evolução da lei foi no sentido dum alargamento do reconhecimento da legitimidade dos organismos sindicais e de empregadores, pois enquanto o CPT/81 a condicionava à defesa dos interesses colectivos cuja tutela lhes era atribuída por lei, o regime actual confere-lhes legitimidade processual desde que as acções se refiram a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam, deixando de exigir que tal tutela lhes fosse atribuída por lei.
Assim, a formulação actual é considerada mais próxima do conteúdo e sentido do princípio da liberdade sindical constitucionalmente consagrado, e da natureza do direito ao exercício da actividade sindical enquanto direito fundamental (artigo 55º), conforme advoga João Reis[4].
Mas além da legitimidade para serem autores, as associações sindicais podem exercer ainda o direito de acção em representação ou em substituição de trabalhadores que o autorizem nas situações previstas no nº 2 do mesmo preceito.
Assim, isso poderá acontecer nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra trabalhadores que pertençam aos corpos gerentes da associação sindical, ou que nesta exerçam um qualquer cargo - alínea a);
Nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra os seus associados que sejam representantes eleitos dos trabalhadores - alínea b);
E nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados – alínea c).
Para justificar esta alteração da lei, dizia-se no relatório do DL nº 480/99 que “[E]sclarecem-se e ampliam-se os termos do exercício do direito de acção das associações sindicais em representação e substituição dos trabalhadores, assim se concretizando compromissos assumidos em sede de concertação social, indo-se ao encontro das preocupações de superação das crescentes dificuldades dos trabalhadores em fazerem valer individualmente os seus direitos em certos sectores…”
Diga-se ainda que, diversamente do regime do CPT/81, não é necessário um acto positivo para a autorização da representação ou da substituição, pois esta presume-se se comunicada por escrito a intenção da associação sindical exercer o direito de acção e do objecto desta, o trabalhador nada declarar em contrário e por escrito, no prazo de 15 dias - artigo 5º, nº 3.
Por último, podem ainda as associações sindicais e dos empregadores intervir como assistentes dos seus associados nas acções em que estejam em causa interesses individuais destes e exista da parte dos interessados declaração escrita de aceitação da sua intervenção – nº 5.
Assim, e em síntese, no regime actual as associações sindicais podem intervir processualmente a três títulos:
Como parte, nos termos do artigo 5º/1 do CPT, contemplando-se a defesa de interesses colectivos.
Como representante ou substituto do trabalhador, nas situações previstas no nº 2 do mencionado preceito, estando em causa a defesa de interesses individuais daquele;
E como assistente do trabalhador, quando estejam em causa interesses individuais deste, intervenção que tem de respeitar os termos do seu nº 5.

No presente caso está fora de causa a intervenção do A ao abrigo deste nº 5.
Por outro lado, não estão reunidos os requisitos da legitimidade de intervenção ao abrigo do n.º 2, alínea c), do mencionado artigo 5º, já que não podemos concluir que o A esteja munido da necessária autorização dos trabalhadores seus associados a exercer funções na R.
Resta-nos assim apreciar se a situação se integra no nº 1 do mencionado preceito.
Estamos perante uma questão de legitimidade, que como pressuposto processual que é (pressuposto positivo), consiste numa posição da parte perante a acção, sendo a sua existência essencial para que o tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa.
E define-se através da titularidade do interesse em litígio, sendo parte legítima quem tem interesse directo em demandar ou em contradizer, conforme resulta do nº 1 do artigo 30º do CPC actualmente em vigor. E no seu nº 3 estabelece-se um critério supletivo, sendo parte legítima quem detém a titularidade da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.
A legitimidade tem assim a ver com uma relação de pertença ou de titularidade do direito ou interesse que se pretende fazer valer ou defender[5]
De qualquer forma, sempre que a lei faça uma indicação concreta das pessoas legitimadas para defender um determinado interesse jurídico, essa indicação não pode deixar de ser tomada em conta.
É o que acontece com o nº 1 do artigo 5º do CPT, donde resulta uma legitimidade das associações sindicais para instaurar acções desde que ocorra a verificação cumulativa de dois requisitos:
a) Que se trate de acções respeitantes à defesa de interesses colectivos;
b) Que essa defesa se inscreva no âmbito da representação do sindicato A.
Assim, a natureza do interesse em causa no processo é fundamental para aferir da legitimidade do A, pois aquele normativo exige que se trate de acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.
Das dificuldades na delimitação deste conceito nos dá conta João Reis[6], acabando por aceitar a posição da jurisprudência deste Supremo Tribunal que havia sido seguida nos acórdãos de 24/2/99, BMJ 484/237, e de 11/6/87, BMJ 368/464, onde se entendeu que o conceito de interesse colectivo assenta numa pluralidade de interessados, ou seja, na existência de vários indivíduos sujeitos aos mesmos interesses, devendo por isso tratar-se de interesses individuais iguais, ou pelo menos de igual sentido.
O interesse colectivo surge assim não como uma mera soma de interesses individuais, mas como o conjunto de uma pluralidade de interesses idênticos, ou de igual sentido, cujos titulares estão reunidos por uma organização, ainda que precária, que permita ou facilite a sua prossecução.
Por outro lado, diz-se ainda no acórdão de 24/2/99 que “[N]aturalmente que a existência de um interesse colectivo não elimina nem ofusca os interesses (individuais) de cada um dos interessados. Mas confere-lhes mais força, uma maior importância, que em muitos casos, poderá justificar a sua tutela por uma entidade distinta.”[7]
No caso presente, embora seja certo que cada um dos trabalhadores da R, filiados no A, tenha o seu interesse individual em que sejam declarados ilícitos os cortes impostos pela Ré, desde Agosto de 2012, à retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT aplicável, dado que poderão beneficiar da devolução dos valores que foram retirados àquela remuneração, estamos também perante um interesse colectivo, dado que esta pluralidade de trabalhadores partilha do mesmo interesse – o de ver considerada ilegal a actuação da R a partir de Agosto de 2012.
Por outro lado, também quanto ao segundo pedido tal acontece.
Efectivamente, pedindo o A que a R seja condenada a inserir o valor pago a título de diuturnidades no cálculo do valor mensal respeitante à retribuição prevista no n.º 7, da cláusula 74.ª do CCT do sector, com o consequente pagamento a cada uma dos seus trabalhadores seus filiados das diferenças daí decorrentes, estamos também perante uma acção relativa a direitos respeitantes a interesses colectivos, dado que a pluralidade de trabalhadores da R filiados no A participa no mesmo interesse – que o valor das diuturnidades seja incluído na retribuição prevista no n.º 7, da cláusula 74.ª daquele CCT.
Além disso, também ocorre o segundo requisito acima referido, pois a defesa deste interesse colectivo insere-se no âmbito da representação do A.
Na verdade, e conforme dispõe o nº 1 do artigo 56º da CRP, compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam, competindo-lhe ainda exercer o direito de contratação colectiva que é garantido nos termos da lei (nº 3).
Aquele primeiro princípio encontrava já plena expressão no artigo 4º do DL nº 215-B/75 de 30 de Abril, diploma que tendo definido as bases gerais do ordenamento jurídico das associações sindicais lhes atribuía a incumbência de defender e promover a defesa dos direitos e interesses sócio-profissionais dos trabalhadores que representam.
Esta vocação mantém-se face ao disposto no nº 1 do artigo 440º do Código do Trabalho, pois os trabalhadores têm direito a constituir associações sindicais para defesa dos seus interesses sócio-profissionais, podendo aquelas iniciar e intervir em processos judiciais, conforme proclama o nº 1, alínea d) do seu artigo 443º.
Donde concluirmos também pela verificação do segundo requisito de que depende a atribuição de legitimidade ao A para a presente causa, pois quer o primeiro quer o segundo pedidos inserem-se no âmbito dos interesses colectivos cuja defesa cabe na sua representação.
Assim sendo, e ao abrigo do nº 1 do artigo 5º do CPT, temos de considerar que o A tem legitimidade para esta acção, procedendo portanto o recurso.

No caso em apreço, e relativamente aos trabalhadores referidos no ponto 4) dos factos provados, inexistem dúvidas que o A. tem legitimidade para os representar ao abrigo do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo do Trabalho.
Porém, quanto aos trabalhadores associados do A. que prestam trabalho na R. e que não aceitaram o MAPP, mas que também não autorizaram, de forma expressa ou tácita, que o A. os representasse na presente acção, a legitimidade do A. manifestamente não lhe pode ser conferida ao abrigo da citada al. c) do n.º 2 do art. 5.º do Código de Processo do Trabalho, no entanto, importará apreciar, como bem refere o acórdão do STJ citado, se se mostram preenchidos os requisitos de legitimidade constantes no n.º 1 do citado preceito legal.
Tal disposição legal estatui como condição de legitimidade a verificação cumulativa de dois requisitos:
a) Que se trate de acções respeitantes à defesa de interesses colectivos;
b) Que essa defesa se inscreva no âmbito da representação do sindicato A.
Relativamente ao segundo requisito, tratando-se de tais trabalhadores associados do A. e tendo as associações sindicais a competência para defender e promover a defesa e interesses dos trabalhadores seus associados, designadamente iniciar e intervir em processos judiciais quanto a interesses dos seus associados, conforme dispõem os arts. 56.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 443.º, n.º 1, al. d), do Código do Trabalho, é manifesta a sua verificação.
Para que ao A. seja, então, conferida legitimidade na presente acção, torna-se fundamental apreciar a natureza do interesse em causa, visto que apenas perante acções relativas a direitos respeitantes a interesses colectivos é que essa legitimidade lhe pode ser atribuída.
Conforme bem se refere no acórdão do STJ citado, entende-se por interesses colectivos aqueles que assentam “numa pluralidade de interessados, ou seja, na existência de vários indivíduos sujeitos aos mesmos interesses, devendo por isso tratar-se de interesses individuais iguais, ou pelo menos de igual sentido”, surgindo o interesse colectivo “não como uma mera soma de interesses individuais, mas como o conjunto de uma pluralidade de interesses idênticos, ou de igual sentido, cujos titulares estão reunidos por uma organização, ainda que precária, que permita ou facilite a sua prossecução”.
No caso em apreço, o que o A. sempre pretendeu e peticionou foi que o MAPP, por ser ilegal e prejudicial para os interesses dos trabalhadores seus associados, fosse considerado nulo, com efeitos reportados à data da sua entrada em vigor, sendo impedida a R. de proceder à sua aplicação aos trabalhadores associados do A. e que não o aceitaram, pelo que, e independentemente de cada um dos trabalhadores da R., filiados no A. e que não aceitaram o MAPP, ter o seu interesse individual em que o horário previsto no MAPP fosse declarado ilegal desde 01-01-2018, estamos também perante um interesse colectivo, uma vez que a pluralidade de trabalhadores que se encontram nesta situação partilha do mesmo interesse, a saber, de ver considerada ilegal a aplicação do horário previsto no MAPP.
E a circunstância de a sentença recorrida apenas ter considerado ilegal uma cláusula do MAPP (e não a integralidade deste), não afecta o carácter colectivo do interesse em causa, uma vez que tal nulidade produz igualmente efeitos no universo de trabalhadores associados do A. e que não aceitaram o MAPP.
Encontrando-se, assim, preenchidos os dois requisitos de que depende a atribuição de legitimidade do A. nos termos do n.º 1 do art. 5.º do Código de Processo do Trabalho, procede a pretensão recursiva do A., tendo este legitimidade para esta acção também quanto aos trabalhadores seus associados, que não aceitaram o MAPP, nem fazem parte da lista de trabalhadores referidos no ponto 4) dos factos provados.
3) O MAPP configura um banco de horas grupal
No entender do A., não resultando o banco de horas previsto no MAPP de um IRCT, nos termos do art. 208.º do Código do Trabalho, estamos perante um banco de horas grupal ilegal, pelo que não pode o mesmo ser aplicado aos trabalhadores que o não tenham aceite.
Dispõe o art. 208.º do Código do Trabalho, que:
1 - Por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, pode ser instituído um regime de banco de horas, em que a organização do tempo de trabalho obedeça ao disposto nos números seguintes.
2 - O período normal de trabalho pode ser aumentado até quatro horas diárias e pode atingir sessenta horas semanais, tendo o acréscimo por limite duzentas horas por ano.
3 - O limite anual referido no número anterior pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho caso a utilização do regime tenha por objectivo evitar a redução do número de trabalhadores, só podendo esse limite ser aplicado durante um período até 12 meses.
4 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho deve regular:
a) A compensação do trabalho prestado em acréscimo, que pode ser feita mediante, pelo menos, uma das seguintes modalidades:
i) Redução equivalente do tempo de trabalho;
ii) Aumento do período de férias;
iii) Pagamento em dinheiro;
b) A antecedência com que o empregador deve comunicar ao trabalhador a necessidade de prestação de trabalho;
c) O período em que a redução do tempo de trabalho para compensar trabalho prestado em acréscimo deve ter lugar, por iniciativa do trabalhador ou, na sua falta, do empregador, bem como a antecedência com que qualquer deles deve informar o outro da utilização dessa redução.
5 - Constitui contra-ordenação grave a prática de horário de trabalho em violação do disposto neste artigo.

Dispõe igualmente o art. 205.º do Código do Trabalho que:
1 - O empregador e o trabalhador podem, por acordo, definir o período normal de trabalho em termos médios.
2 - O acordo pode prever o aumento do período normal de trabalho diário até duas horas e que o trabalho semanal possa atingir cinquenta horas, só não se contando nestas o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior.
3 - Em semana cuja duração do trabalho seja inferior a quarenta horas, a redução pode ser até duas horas diárias ou, sendo acordada, em dias ou meios dias, sem prejuízo do direito a subsídio de refeição.
4 - O acordo pode ser celebrado mediante proposta, por escrito, do empregador, presumindo-se a aceitação por parte de trabalhador que a ela não se oponha, por escrito, nos 14 dias seguintes ao conhecimento da mesma, aí incluídos os períodos a que se refere o n.º 2 do artigo 217.º
5 - O regime jurídico previsto nos números anteriores mantém-se até ao termo do período de referência em execução à data da entrada em vigor de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que incida sobre a matéria.
6 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo.

Dispõe, por fim, o art. 206.º nºs. 2 e 3, do Código do Trabalho que:
2 - Caso a proposta a que se refere o n.º 4 do artigo anterior seja aceite por, pelo menos, 75 /prct. dos trabalhadores da equipa, secção ou unidade económica a quem for dirigida, o empregador pode aplicar o mesmo regime ao conjunto dos trabalhadores dessa estrutura.
3 - Ocorrendo alteração por entrada ou saída de trabalhadores na composição da equipa, secção ou unidade económica, o disposto no número anterior aplica-se enquanto dessa alteração não resultar percentagem inferior à nele indicada.

Cumpre decidir.
Na realidade, e diferentemente do que é alegado pelo A., o MAPP é aplicado aos trabalhadores da R. nos termos do disposto nos arts. 205.º e 206.º, nºs. 2 e 3, do Código do Trabalho, ou seja, nos termos de uma adaptabilidade grupal que se inicia com base em proposta de adaptabilidade individual e não nos termos do banco de horas previstos por regulamentação colectiva, de acordo com o citado art. 208.º do Código do Trabalho.
E, a ser assim, as normas constantes do MAPP têm de respeitar o disposto nos arts. 205.º e 206.º, nºs. 2 e 3, do Código do Trabalho, já não o disposto no art. 208.º do mesmo diploma legal, sendo que a adaptabilidade grupal prevista nos arts. 205.º e 206.º, nºs. 2 e 3, do Código do Trabalho não carece de previsão em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, possuindo, por isso, aliás, normas específicas distintas das previstas no art. 208.º do código do Trabalho.
Sobre esta matéria, cita-se o artigo Duração e organização do tempo de trabalho de Milena Silva Rouxinol e Joana Nunes Vicente[2]:
Para obviar às limitações subjetivas inerentes a estas modalidades de adaptabilidade, e por razões de racionalidade gestionária – já que, muitas vezes, como sublinha Nunes de Carvalho, a aplicação de esquemas de gestão maleável da duração do trabalho só é viável se abranger a generalidade dos trabalhadores – o legislador laboral confere, desde 2009, ao empregador a possibilidade de, verificados certos pressupostos, estender unilateralmente o regime da adaptabilidade negociado coletivamente ou individualmente aceite pela maioria dos trabalhadores à generalidade dos trabalhadores de um universo considerado – ao conjunto dos trabalhadores de uma “equipa, secção ou unidade económica” –, independentemente, portanto, da filiação ou anuência desses trabalhadores. É a chamada adaptabilidade grupal, consagrada no art. 206.º. Em bom rigor, não estamos perante uma terceira modalidade de adaptabilidade do ponto de vista da fonte, mas perante uma forma de alargar o âmbito de aplicação subjetivo das modalidades acima referidas.

Nesta conformidade, nesta parte, improcede a pretensão do A., ao pretender que a extensão do regime do MAPP a trabalhadores que a ele se opuseram apenas poderia ocorrer se tivesse sido implementado através de um IRCT.
4) O período de referência do MAPP viola o disposto no art. 207.º do Código do Trabalho
O A., em sede de recurso, veio alegar que, nos termos do art. 207.º do Código do Trabalho, a duração do trabalho deve ser apurada por referência ao período que esteja fixado em IRCT, no máximo de 12 meses, ou na falta de previsão, como é o caso dos autos, por um período de 4 meses, sendo este o período de referência, porém, como o período de referência do MAPP é de 15 meses, este período é absolutamente ilegal por violação do citado artigo.
Dispõe o art. 207.º do Código do Trabalho que:
1 - Em regime de adaptabilidade, a duração média do trabalho é apurada por referência a período estabelecido em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que não seja superior a 12 meses ou, na sua falta, a um período de quatro meses.
2 - Na situação a que se refere a parte final do número anterior, o período de referência pode ser aumentado para seis meses quando esteja em causa:
a) Trabalhador familiar do empregador;
b) Trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, ou que tenha poder de decisão autónomo;
c) Actividade caracterizada por implicar afastamento entre o local de trabalho e a residência do trabalhador ou entre diversos locais de trabalho do trabalhador;
d) Actividade de segurança e vigilância de pessoas ou bens com carácter de permanência, designadamente de guarda, porteiro ou trabalhador de empresa de segurança ou vigilância;
e) Actividade caracterizada pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção, nomeadamente:
i) Recepção, tratamento ou cuidados providenciados por hospital ou estabelecimento semelhante, incluindo a actividade de médico em formação, ou por instituição residencial ou prisão;
ii) Porto ou aeroporto;
iii) Imprensa, rádio, televisão, produção cinematográfica, correios, telecomunicações, serviço de ambulâncias, sapadores bombeiros ou protecção civil;
iv) Produção, transporte ou distribuição de gás, água, electricidade, recolha de lixo ou instalações de incineração;
v) Indústria cujo processo de trabalho não possa ser interrompido por motivos técnicos;
vi) Investigação e desenvolvimento;
vii) Agricultura;
viii) Transporte de passageiros em serviço regular de transporte urbano;
f) Acréscimo previsível de actividade, nomeadamente na agricultura, no turismo e nos serviços postais;
g) Trabalhador de transporte ferroviário que preste trabalho intermitente a bordo de comboios ou tendo por fim assegurar a continuidade e regularidade do tráfego ferroviário;
h) Caso fortuito ou de força maior;
i) Acidente ou risco de acidente iminente.
3 - Sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o período de referência apenas pode ser alterado durante o seu decurso quando circunstâncias objectivas o justifiquem e o total de horas de trabalho prestadas não seja superior às que teriam sido realizadas caso não vigorasse o regime de adaptabilidade, aplicando-se com as necessárias adaptações o disposto no n.º 3 do artigo 205.º
4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.

Decidamos.
De acordo com os factos provados nºs. 12, 16 e 37[3], o MAPP (onde foi estabelecido um regime de adaptabilidade individual, o qual, por ter obtido a aprovação de mais de 75% dos trabalhadores da mesma equipa, viu alargado o âmbito de aplicação subjectivo dessa modalidade), apesar de ter previsto a sua duração entre 01-01-2018 e 31-03-2019, apenas vigorou até 31-12-2018, ou seja, doze meses.
De qualquer modo, inexistindo qualquer instrumento de regulamentação colectiva em vigor, afigura-se-nos que, apesar de não constar expressamente do artigo citado, o período de referência para aplicação deste regime de adaptabilidade grupal teria sempre de ser o regime supletivo previsto no n.º 1 do art. 207.º do Código do Trabalho, ou seja, quatro meses, podendo o mesmo ser alargado, nos termos do n.º 2 do citado artigo, caso estivessem em causa as situações aí elencadas, o que, manifestamente, no caso em apreço, não foi alegado nem provado.
Assim, efectivamente este regime de adaptabilidade grupal deveria ter tido como período de referência 4 meses, ou seja, deveria apenas ter vigorado até 30-04-2018 e não, como veio a acontecer, até 31-12-2018.
Veja-se a este propósito o artigo Duração e organização do tempo de trabalho de Milena Silva Rouxinol e Joana Nunes Vicente[4]:
Elemento chave dos regimes de adaptabilidade é o chamado “período de referência”, isto é, o intervalo de tempo durante o qual vigora o regime de adaptabilidade e em função do qual é determinada a duração média semanal do trabalho realizado. (…)
Fica por determinar a que regimes/modalidades de adaptabilidade se aplica o disposto no art. 207.º, n.ºs 1 e 2. Ainda que a questão não se afigure líquida, parece-nos que o artigo se aplica a ambos os regimes de adaptabilidade, coletiva e individual, bem como à sua configuração grupal. Assim, no caso de adaptabilidade por regulamentação coletiva, o período de referência será o fixado no próprio IRCT, ou na sua falta de quatro ou seis meses. Na hipótese de adaptabilidade individual, aquele período também poderá ser fixado por IRCT, que define assim, o quadro de exercício da autonomia individual, ou na ausência dessa previsão, o intervalo será de quatro ou seis meses.

Pelo exposto, por se aplicar à situação em apreço o disposto no n.º 1 do art. 207.º do Código do Trabalho, assiste razão ao A., pelo que se defere, nesta parte, a sua pretensão, devendo, em consequência, ser declarado nulo o regime de adaptabilidade grupal previsto no MAPP a partir de 01-05-2018 e até 31-12-2018.
5) Validade da cláusula 1.3, al. b), do MAPP
De acordo com a R., o tribunal a quo julgou parcialmente procedente a presente acção por ter feito confusão entre os conceitos de duração e de organização do tempo de trabalho e, em particular, de dois institutos, o banco de horas e o horário de trabalho, pelo que não assiste razão a tal tribunal, ao julgar que a prestação de trabalho em dia de descaso semanal complementar (o sábado), ao abrigo do MAPP, configura uma alteração ilícita ao horário de trabalho, pois, como ficou demonstrado, o banco de horas é estrutural e funcionalmente independente do horário de trabalho em vigor, inexistindo impedimento legal à prestação de trabalho ao abrigo do banco de horas em dia de descanso semanal complementar.
Alegou ainda que, decorrendo o dia de descanso semanal complementar do horário de trabalho, ou seja, de determinação da R., procedente do seu poder de direcção, podia o mesmo ser afastado pelos acordos de bancos de horas, que prevalecem sobre o horário, dado que o acordo é fonte de regulação laboral hierarquicamente superior ao poder de direção do empregador, tratando-se, no caso, de uma situação que foi objecto de aceitação generalizada por parte dos trabalhadores da R., correspondendo, por isso, à vontade inequívoca das partes.
Consta da cláusula 1.3, al. b), do MAPP, que:
1.3. Este crédito pode ser compensado pelo aumento das horas de trabalho em bloco, com os seguintes limites mensais:
(…)
b) 8 Horas num sábado;

Cumpre decidir.
Desde logo, importa, uma vez mais esclarecer, que o MAPP consubstancia um regime de adaptabilidade grupal, previsto nos arts. 205.º e 206, nºs. 2 e 3, do Código do Trabalho e não um regime de banco de horas previsto no art. 208.º do mesmo diploma legal.
Ora, nos termos do n.º 2 do art. 205.º do Código do Trabalho, o acordo celebrado entre trabalhadores e entidade empregadora pode prever o aumento do período normal de trabalho diário até duas horas e do trabalho semanal até cinquenta horas, pelo que, desde logo, tal acordo pressupõe a existência prévia de um período normal de trabalho diário e semanal, período esse que, no âmbito do regime de adaptabilidade grupal, cumpridos os necessários requisitos legais, pode ser alargado dentro dos limites mencionados. Não estamos, por isso, perante uma situação de alteração do horário de trabalho normal em lato sensu, no qual, em sua substituição, pode ser atribuído um novo horário de trabalho totalmente distinto do até então em vigor; estamos sim perante uma situação de alteração do horário de trabalho stricto sensu, ou seja, em que o horário de trabalho alterado se reporta exclusivamente ao aumento diário e/ou semanal de horas de trabalho, tendo em atenção o horário normal até então em vigor.
Acresce que a alteração do horário de trabalho implica sempre o respeito pelo disposto no art. 217.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
Conforme bem refere Luís Miguel Monteiro no artigo Adaptabilidade e banco de horas[5]:
Na fixação dos horários de trabalho em regime de adaptabilidade, o empregador não pode pôr em causa nem o período de descanso semanal do trabalhador (cfr. art.º 232.º/1 e 3), nem o gozo de feriados – neste caso, sem prejuízo da prestação de trabalho normal em empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado (art.º 269.º/2) – sob pena de o trabalho prestado nesses dias ser havido como suplementar, ainda que a duração do período normal de trabalho, aferida em termos médios, seja respeitada.

Cita-se, igualmente e uma vez mais, o artigo Duração e organização do tempo de trabalho de Milena Silva Rouxinol e Joana Nunes Vicente[6]:
Do mesmo modo, a implementação do regime de adaptabilidade não exonera a entidade empregadora do dever de fixação prévia dos horários de trabalho, como resulta implicitamente do art. 215.º, n.º 1, alínea h) – nem das exigências procedimentais legalmente impostas para a alteração dos mesmos – ex vi art. 217.º, n.º 2.

Ora, no caso em apreço, não só a citada cláusula 1.3, al. b), do MAPP, prevê que os trabalhadores passem a trabalhar durante o seu período de descanso semanal (consta do facto provado n.º 24 que o horário de trabalho em vigor na R. é, e sempre foi, de segunda a sexta-feira, com o sábado e domingo como dias de descanso semanais, horário esse que se encontra afixado nas instalações daquela), como inexistiu por parte da entidade patronal o cumprimento das exigências formais previstas no art. 217.º, n.º 2, do Código do Trabalho, e que permite a esta alterar unilateralmente o horário de trabalho (consta do facto provado n.º 21. que a R. não contactou nem reuniu com a Comissão Sindical ou com o A. sobre a eventual alteração do horário de trabalho ou de implementação do MAPP, antes de este entrar em vigor).
Nesta conformidade, nesta parte, improcede a pretensão da R., mantendo-se o decidido na sentença recorrida.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar totalmente improcedente o recurso da R. e parcialmente procedente o recurso do A. e, em consequência:
1) A nulidade declarada na sentença recorrida relativa à cláusula 1.3, al. b), do MAPP, produz efeitos também quanto aos trabalhadores associados do A. que não aceitaram o MAPP, nem fazem parte da lista de trabalhadores referidos no ponto 4) dos factos provados;
2) Declara-se nulo e de nenhum efeito, com respeito aos trabalhadores associados do A. que não aceitaram o MAPP (constem ou não do ponto 4) dos factos provados), o regime de adaptabilidade grupal previsto no MAPP a partir de 01-05-2018 e até 31-12-2018, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente; e
3) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Custas pelos A. e R. na proporção dos respectivos decaimentos.
Notifique.
Évora, 16 de Janeiro de 2020
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva
Mário Branco Coelho
__________________________________________________

[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.

[2] Ínsito no livro Direito do Trabalho, relação individual, de João Leal Amado, Milena Silva Rouxinol, Joana Nunes Vicente, Catarina Gomes Santos e Teresa Coelho Moreira, 2019, Almedina, p. 629.

[3] Facto provado n.º 37 – “O período de 01.01.2019 a 31.03.2019 só seria necessário se tivessem ocorrido paragens no período de outubro a dezembro de 2018, o que não ocorreu”.

[4] Conforme obra já citada, pp. 633 e 634.

[5] Em Prontuário de Direito do Trabalho, 2016, II, CEJ, p. 176.

[6] Conforme obra já citada, p. 625.