Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
11/12.3GFALR.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: CRIME DE AMEAÇA AGRAVADA
CRIME DE INCÊNDIO
UNIDADE E PLURALIDADE DE INFRACÇÕES
CRIME CONTINUADO
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário:
I - Tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais Superiores asserção de que a ameaça formulada pelo agente activo só preenche a tipicidade do n.º 1 do art. 153.º do CP quando consubstanciar a cominação de um mal futuro, cuja realização depende exclusivamente da vontade do agente activo e não de algum comportamento do agente passivo ou de um terceiro.

II - Os propósitos anunciados pelo arguido à assistente, nas situações descritos nos pontos 7 e 8 são inequivocamente incondicionados, não tendo o arguido formulado qualquer exigência cuja satisfação fosse de molde a suster a concretização da ameaça.

III - O tipo criminal da ameaça configura-se, no plano da imputação subjectiva, como um crime doloso, sendo suficiente, para que o dolo se considere reunido, a consciência, por parte do agente activo, da aptidão da comunicação por ele feita a causar no agente passivo medo ou qualquer dos efeitos previstos no nº 1 do art. 153º do CP.

IV - Embora as condutas integradoras do crime de incêndio se tenham desenrolado numa sequência sensivelmente ininterrupta, num espaço de tempo inferior duas horas, é possível discernir nelas, claramente, duas «resoluções criminosas»: uma que impele o arguido a atear o primeiro incêndio, que foi extinto pelos bombeiros, e outra que o leva desencadear o segundo fogo depois da extinção do primeiro, o que foi antecedido do consumo de bebidas alcoólicas, por parte dele, aparentemente, como forma de vencer qualquer última resistência à passagem à acção.

V - Poder-se-ia dizer que o arguido teria actuado sob o impulso da primeira resolução criminosa se ele tivesse feito algo no sentido de manter activo o primeiro fogo por si ateado, contrariando a acção desenvolvida pelos bombeiros nesse sentido, por exemplo, ateando novos focos ou espalhando no local quantidades suplementares de material combustível, mas nada disso sucedeu.

VI - Uma vez extinto o primeiro incêndio, teve o arguido de refazer «ex novo» o processo resolutivo, mas uma vez teve ensejo de ponderar a censurabilidade do acto que ia cometer e as razões que lhe impunham que o não cometesse e, novamente, a norma legal, que prevê e pune o crime de incêndio revelou a sua ineficácia, em relação a ele.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório

Por acórdão do Tribunal Colectivo proferido em 26/9/12 no Processo Comum nº 11/12.3GFALR, que correu termos no Tribunal Judicial de Almeirim foi decidido:

6.1. – Parte criminal

6.1.1.Condenar o arguido A, como autor material, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º. n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de seis (6) meses de prisão, cada um;

6.1.2.Condenar o arguido A, como autor material, de dois crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo art.º 272.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, um na pena de três (3) anos e três (3) meses de prisão, e outro na pena de três (3) anos e nove (9) meses de prisão;

6.1.3.Em cúmulo jurídico, condenar o arguido A, na pena única de cinco (5) anos de prisão, a qual suspende por igual período de tempo, acompanhada do regime de prova (art.º 53.º, n.º 3 do Código Penal) e a tratamento adequado ao seu problema de alcoolismo;

6.1.4. Condenar, ainda, o arguido no pagamento de 3 UCs de taxa de justiça (art.ºs 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigos 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro e em conformidade com a Tabela III anexa a este diploma);

Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos nos autos;

Declarar cessada a medida de coacção aplicada ao arguido e ordena a sua libertação imediata, devendo para o efeito emitirem-se os competentes mandados de libertação, caso não interesse a prisão do arguido à ordem de outro processo;

6.2. – Parte cível
6.2.1. – Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por AC e, em consequência, condenar o demandado A. a pagar-lhe a quantia de 13 000,00 € (treze mil euros), a título de danos morais e patrimoniais, acrescida dos juros de mora, contados desde a data de notificação do pedido cível ao demandado e até integral e efectivo pagamento, absolvendo-o do demais peticionado;

6.2.2 – Custas do pedido cível a cargo da demandante e do demandado, na proporção do respectivo decaimento;

Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:

1. No dia 06 de Outubro de 2008, o arguido A e a ofendida AC casaram um com o outro, passando a residir na localidade de Vale Cavalos, Chamusca.

2. Do relacionamento entre ambos vieram a nascer dois filhos, o B e a C, que à data dos factos ora em apreciação contavam, respectivamente, com 4 anos e 1 ano e 10 meses de idade.

3. O relacionamento entre ambos sempre foi pautado por desavenças, em virtude de o arguido ser uma pessoa muito ciumenta.
4. No dia 10 de Maio de 2011, a ofendida AC separou-se do arguido e foi viver, juntamente com os filhos de ambos, para casa da sua mãe, onde permaneceu até final de Novembro desse ano.

5. No dia 01 de Dezembro de 2011 a ofendida AC tomou de arrendamento a casa sita na Rua.., em Alpiarça, propriedade do ofendido J, onde passou a residir na companhia dos dois filhos.

6. Inconformado com a separação, e também para ver os filhos, o arguido passou a deslocar-se regularmente a Alpiarça também para pressionar a ofendida a reconsiderar e a reatar o relacionamento consigo, o que não logrou alcançar.

7. Neste contexto, no dia 21 de Dezembro de 2011, em hora não concretamente apurada, o arguido abordou a ofendida AC, que se encontrava na companhia da sua mãe, na Rua..., Alpiarça, e na sequência de discussão ali travada entre ambos, exibindo-lhe um objecto em tudo semelhante a uma munição de arma de fogo, disse-lhe: “Estás a ver esta bala? Vê lá se não acaba dentro da tua cabeça.

8. Após, exibiu-lhe um objecto de características semelhantes a uma navalha, que lhe encostou do lado esquerdo do abdómen, dizendo-lhe: “Pico-te com esta faca”.

9. Atenta a seriedade com que tais expressões foram proferidas, a ofendida temeu que o arguido atentasse contra a sua integridade fisica e mesmo contra a sua vida.

10. No dia 07 de Janeiro de 2012, depois das 16 horas, o arguido deslocou-se à casa da ofendida e após uma discussão entre ambos, disse-lhe: “Se não ficas comigo, com a casa também não ficas, que eu coloco fogo e destruo isso tudo. Hás-de ficar aí mais os teus filhos”.

11. Com esse propósito firmado, o arguido deslocou-se ao posto de abastecimento de combustível Total/Cepsa, sito em Alpiarça, onde adquiriu gasolina que transportou numa garrafa plástica até à residência da ofendida AC, sita Rua ..., em Alpiarça.

12. Esta casa é constituída por rés-do-chão, sótão com acesso independente e logradouro, e insere-se numa área onde existem outras residências habitacionais contíguas.

13. Aí chegado, por volta das 18,40 horas, derramou o referido combustível sobre os estores da porta da sacada da fachada frontal e porta de entrada, e com o auxílio de um isqueiro igniu três focos de incêndio.

14. Enquanto assim actuava o arguido, a ofendida AC e o filho B encontravam-se no quintal traseiro da habitação e a filha C no interior da habitação, onde foi encontrada pela ofendida junta da porta da rua, que no momento estava tomada pelas chamas, do lado exterior.

15. Acorreram ao local duas viaturas e sete elementos dos Bombeiros Voluntários de Alpiarça, os quais com a sua intervenção extinguiram os focos de incêndio.

16. Em consequência deste incêndio arderam os aludidos estores, propriedade do ofendido J.

17. Após os factos supra descritos, cerca das 19 horas do mesmo dia, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial denominado “Café ...”, onde ingeriu bebidas alcoólicas.

18. Depois, rumou de novo atá à casa da ofendida AC.

19. Aí chegado, cerca das 20,20 horas, de forma não concretamente apurada, rompeu a fechadura da porta traseira que dá acesso ao logradora da habitação, acedendo ao interior da mesma.

20. Deslocou-se a um dos quartos da casa, onde o arguido igniu dois focos de incêndio, um em cada uma das camas aí existentes, cujas chamas progrediram, consumindo os colchões e roupa que a cobriam.

21. Depois entrou num compartimento com posto por duas zonas distintas: uma zona de estar e uma zona de cozinha/refeições.

22. Na zona de estar, colocou a bicicleta eléctrica pertença de J. junto a um sofá e a uma garrafa de gás com a válvula do redutor aberta, por forma a facilmente libertar o gás que continha no seu interior, tendo colocado um foco de incêndio nestes objectos.

23. Na zona da cozinha, cortou um tubo de outra garrafa de gás que se encontrava entre o fogão e a máquina de lavar, tendo de seguida aberto a válvula do redutor e ignido um incêndio nesse local com recurso a aplicação de chama directa sobre uns cartões.

24. Entretanto, alertados pelo ofendido J, acorreram ao local os militares da G.N.R. JL e NC, D e AV, que, aí chegados, avistaram fumo a sair da habitação, chamando de imediato os Bombeiros.

25. Desconhecendo se havia alguém no interior da residencia a necessitar de auxílio e com o intuito de apurar tal facto, entraram no portão lateral da habitação, avistando o arguido a sair da porta da cozinha da habitação.

26. Entraram no interior da cozinha, a qual já estava tomada de fumo espesso, o que impossibilitou o progresso para o interior da habitação, e tentaram extinguir o fogo que alastrava, atirando baldes de água até à chegada dos Bombeiros.

27. Enquanto assim actuavam, começaram a ouvir uns zumbidos provenientes da libertação de gás das referidas garrafas, anunciando iminente perigo de explosão das mesmas, o que só não aconteceu devido à rápida intervenção no local de cinco viaturas e dezassete elementos dos Bombeiros Voluntários de Alpiarça e Almeirim, os quais com a sua intervenção extinguiram os focos de incêndio.

28. Em consequência deste incêndio resultaram estragos nas paredes, portas, janelas e na bicicleta eléctrica, propriedade do ofendido Júlio Teixeira, no valor de 10 000 €.

29. Resultaram, igualmente, estragos, em mobiliário e recheio da habitação, pertença da ofendida AC, designadamente ficaram destruídos:

- Duas camas, de valor não apurado;
- Um frigorífico, de valor não apurado;
- Um microondas, de valor não apurado;
- Uma máquina de lavar roupa, de valor não apurado;
- Uma máquina de café, de valor não apurado;
- Brinquedos pertença de ambos os filhos, de valor não apurado;
- Roupa de cama e roupa de casa de banho, de valor não apurado;
- Vestuário e calçado da ofendida e de ambos os filhos, de valor não apurado;
- Edredons, cobertores e almofadas, de valor não apurado;
- Dois colchões, de valor não apurado;
- Dois televisores, de valor não apurado;
- Uma aparelhagem, de valor não apurado;
- Duas botijas de gás propano, de valor não apurado;
- Fraldas e toalhitas, de valor não apurado;
- Cortinados, de valor não apurado;
- Alimentação, de valor não apurado;

30. O arguido sabia que com as supra descritas condutas ateava estes incêndios, estando ciente de que os mesmos se haviam de propagar ao interior da residência da ofendida, consumindo e destruindo os bens que se encontravam no seu interior.

31. Sabia que a residência da ofendida se encontrava numa zona residencial, junto de outras habitações a ela contíguas, havendo perigo de propagação do fogo às casas vizinhas.

32. Sabia que ao cortar a tubagem e abrir as válvulas das botijas de gás, ateando fogo perto, criava perigo de explosão das mesmas.

33. Sabia que como consequência necessária da sua conduta criava perigo para a vida de AC e filhos de ambos e para militares da G.N.R.

34. Sabia que ao proferir as expressões supra descritas, o fazia de modo a provocar na ofendida AC medo e inquietação pela sua integridade fisica e vida.

35. Agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta lhe estava vedada por lei penal.

36. A partir de 07 de Janeiro de 2011, a ofendida AC passou a viver da ajuda de familiares e de terceiros e em Fevereiro passou a trabalhar na Câmara Municipal de Alpiarça, arrendando uma nova habitação, onde passou a viver juntamente com os seus dois filhos.

37. Teve a ajuda de diversos familiares e amigos que lhe efectuaram diversos donativos para recomeço da sua nova vida, como vestuário, electrodomésticos e alimentação.

38. Com os factos descritos e causados pelo arguido, a ofendida sentiu vergonha pelo que passou e que foi presenciado por várias pessoas, sentindo medo pela sua vida e integridade fisica e pelas dos filhos, sentindo, ainda, ansiedade e nervosismo.

39. O arguido é natural de Vale Cavalos; o progenitor suicidou-se quando o arguido tinha 4 anos de idade, recordando este episódio como marcante; a mãe também já faleceu vítima de doença de Alzheimer há cerca de 5 anos.

40. O arguido é o mais novo de uma fratria de 5 irmãos, mantendo contacto com 3 deles e devido a dificuldades económicas deixou de estudar precocemente concluindo apenas a 4.ª classe, iniciando actividade laboral aos 12 anos de idade na agricultura e mais tarde na construção civil.

41. À data da reclusão, o arguido residia com a irmã, D, numa habitação inserida numa fazenda agrícola, propriedade dos pais; esta irmã está integrada no Centro de Dia de Alpiarça em virtude de ser uma pessoa com vários problemas de saúde (diabética, invisual e transplantada); na casa ao lado reside a irmã E com a sua família.

42. Em termos profissionais, o arguido executava pequenos trabalhos na área da construção civil ou na agricultura e beneficiava do apoio da irmã Anabela ao nível da alimentação e tratamento de roupa.

43. Por dificuldades de colocação no mercado de trabalho, em Julho de 2011 o arguido foi trabalhar para a Holanda, país onde já tinha estado algumas vezes a trabalhar; em Novembro teve de regressar a Portugal em virtude da existência de um processo-crime cuja queixa foi apresentada pela ofendida AC.

44. O arguido assume o consumo excessivo do álcool, referindo que com a morte da mãe estes começaram a ocorrer mais regularmente e de forma patológica; admite que quando está sob efeito do álcool é impulsivo, tendo por vezes atitudes inaceitáveis, mas desvaloriza a necessidade de tratamento.

45. Em meio prisional o arguido adopta bom comportamento, com uma postura colaborante, executando algumas tarefas de construção civil.

46. O presente processo é vivenciado pelo arguido com angústia e ansiedade, revelando capacidade crítica face ao comportamento que teve.

47. O arguido recebe visitas das irmãs no Estabelecimento Prisional.

48. O poder paternal relativo aos menores filhos da ofendida e do arguido já se mostra regulado, o que se efectivou já no decurso da audiência de julgamento dos presentes autos.

49. Por sentença datada de 30.01.2003, proferida nos autos de processo abreviado n.º --/00.7 GESTR, do Tribunal de Santarém, transitada em julgado em 14.02.2003, por factos praticados em 23.09.2000, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 2,00 € e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 50 dias.

50. Por sentença datada de 06.01.2004, proferida nos autos de processo sumaríssimo n.º --/02.7 GEALR, do Tribunal de Almeirim, transitada em julgado em 06.01.2004, por factos praticados em 11.07.2002, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €.

51. Por sentença datada de 11.11.2005, proferida nos autos de processo sumaríssimo n.º --/04.1 GFALR, do Tribunal de Almeirim, transitada em julgado em 11.10.2005, por factos praticados em 18.01.2004, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de 3,00 €.

O mesmo acórdão julgou os seguintes factos não provados:

O valor dos bens pertença da demandante AC e que ficaram destruídos no incêndio; que a demandante AC a partir de 07 de Janeiro de 2011 passou a subsistir apenas com o valor do RSI, no montante de 279,00 €; que aufere a quantia mensal de 500,00 € e que paga de renda de casa a quantia de 250,00 €.

Do referido acórdão interpuseram recurso devidamente motivado o MP, a assistente AC e o arguido A, tendo, cada um deles, formulado as seguintes conclusões:

MP
a) O arguido A. foi, por douto acórdão proferido nos presentes autos, condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, acompanhado do regime de prova, pela prática de dois crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153°, n° 1 e 155°, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, e de dois crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas;

b) As penas encontradas para os dois crimes de ameaça agravada não nos merecem censura;

c) Todavia, as penas parcelares encontradas e arbitradas no douto acórdão, pela prática dos dois crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, previstos e punidos pelo artigo 272°, n° 1, alínea a), do Código Penal, de 3 anos e 3 meses de prisão e de 3 anos e 9 meses de prisão, para cada um deles, ficado aquém do seu ponto óptimo de equilíbrio relativamente aos fins que visam colimar, quer sejam de prevenção especial, quer sejam de prevenção geral;

d) Assim, considerando a personalidade evidenciada pelo arguido, relevando toda a matéria de facto dada como provada, impor-se-á a que sejam aplicadas as penas parcelares de 3 anos e 6 meses e 4 anos e 9 meses de prisão e, mediante cúmulo, a aplicação da pena única em medida não inferior a 6 anos e 3 meses de prisão;

e) Tal pena única revelar-se-á adequada, necessária, fundamentada, justa e oportuna, postulando uma maior severidade e exigindo actuação firme por parte do Tribunal;

f) Pois que, se uma pena superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício;

g) Caso assim se não entenda, a pena única, então, arbitrada de 5 anos de prisão não poderá ser objecto de suspensão na sua execução, por inexistência de um juízo de prognose social favorável ao arguido;

h) O douto acórdão terá violado o disposto nos artigos 71º, 72º e 77º, todos do Código Penal;

i) Em consequência, revogando-se e alterando-se, nesse âmbito e contexto, o douto acórdão condenatório, será feita, conseguida e realizada melhor justiça.

Assistente

a) O ora recorrente impugna a decisão condenatória relativa aos dois crimes de incêndio por discordar da escolha da medida da pena aplicada ao arguido quer nas penas parcelares referentes aos 2 crimes de incêndio quer na pena única aplicada mediante cúmulo jurídico:

b) O recorrente entende que o tribunal a quo violou os artºs 71º.72º e 77º, todos do Codigo Penal:

c) Pugnando pela aplicação da pena única de prisão efectiva em medida não inferior a 6 anos e meses. ou. caso assim não se entenda. revogando a suspensão da execução da pena de prisão aplicada de 5 anos;

d) O recorrente assenta a sua argumentação, na discordância pelo juízo de prognose social favorável que o Tribunal a quo faz sobre o arguido:

e) É na necessidade de uma pena superior que como tal se afigure "adequada, necessária, fundamentada, postulando numa maior severidade e actuação firme por parte do Tribunal*:

f) Pena que deverá ser adequada e suficiente para satisfazer os fins da prevenção que com a tutela jurídico-penal se visa assegurar:

g) Acolhemos quer o pedido quer a argumentação do recorrente, com a qual concordamos:

h) Também nós entendemos que a medida da pena devera ser adequada quer a punir o arguido em função da culpa com que cometeu os crimes como a prevenir acções criminosas por parte do mesmo, o que no caso em apreço não se verificou:

í) O equilíbrio entre a medida da culpa do arguido e os fins de prevenção que as penas deverão observar não se encontram devidamente "alinhados" no douto acórdão a nosso ver.

j) Pois o Direito e as penas deverão assegurar a óptica da prevenção geral por um lado, visando que a ameaça de uma pena, a sua imposição e execução sirva quer para intimidar os potenciais criminosos quer para fortalecer a consciência jurídica dos cidadãos e a sua confiança no Direito.

k) E deverão assegurar a óptica da prevenção especial por outro, dirigida ao agente em concreto castigado com uma pena, tendo sempre em vista que no futuro ela não cometa novos crimes:

l) No caso em apreço, as exigências de prevenção especial impõem a aplicação de uma pena ao arguido mais severa, parecendo-nos que a execução efectiva de uma pena de prisão se revela, do próprio ponto de vista de socialização do arguido necessária e conveniente.

m) O que se conclui por não se encontrarem fundamentados em factos concretos o juízo de prognose social favorável em relação ao comportamento futuro do arguido defendido pelo tribunal a quo que apontem para uma forte probabilidade de uma efectiva inflexão de vida por parte deste

n) Deve assim revogar-se e alterar-se, no âmbito do peticionado cm sede de recurso do recorrente, o douto acórdão, condenando-se o arguido em cumprimento de pena de prisão efectiva.

Arguido
1 – Por douto Acordão proferido nos presentes autos decidiu o Tribunal a quo, condenar o arguido pelos crimes de que vinha acusado, condenando-o assim como autor material de dois crimes de ameaça agravada, p . e p. Pelos artigos 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 al. a) do Código Penal, nas pena de seis meses de prisão, cada um; como autor material, de dois crimes de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas p. e p. pelo art.º 272.º n.º 1 al. a) do Código Penal, um na pena de três anos e três meses de prisão e outro na pena de três anos e nove meses de prisão; e em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos de prisão a qual se suspende por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova e a tratamento adequado ao seu problema de alcoolismo.

2 - Entende o arguido que existiu um erro na apreciação da prova, o que conduziu a uma errada aplicação da lei, e que existiu ainda um erro na aplicação e interpretação da lei.

3 – Entende o arguido que apenas existiu um crime de ameaça e um crime de incêndio, sendo que a factualidade ocorrida no dia 21/12/2012 não se traduz num crime de ameaça, pelo que no que a este crime respeita deveria o mesmo ter disso absolvido.

4 – No que respeita aos crimes de incêndio pelos quais o arguido foi condenado, não pondo em causa a prática dos factos entende o mesmo que existe apenas um único crime, ou quando muito um rime na forma continuada, e não e jamais dois crimes de incêndio.

5 – No que ao alegado crime de ameaças respeita, ocorrido em 21/12/2012, nenhuma das duas situações descritas integra um crime de ameaças, até porque se mais não fosse, a ofendida não revelou qualquer alteração no seu comportamento e na sua rotina diária, sendo que não logrou de forma alguma provado o medo e receio invocados, pois que os mesmos tratando-se de conceitos, têm necessariamente que ser demonstrados com factos e comportamentos reais, o que de forma alguma não ficou demonstrado em sede de audiência de julgamento.

6 – Acresce que um objecto semelhante a uma bala, só por si de nada vale, não podendo ser levado com uma ameaça séria, e no que á navalha respeita, tal não foi uma ameaça, pois que uma ameaça pressupõe o anúncio de um mal futuro, o que de forma alguma sucedeu, e não de um acontecimento imediato.

7 – No que á condenação pelos crimes de incêndio respeita, entende o arguido que a sua actuação no dia 07/01/2012 se reconduz a um único e só crime de incêndio e não a dois crimes, ou quando muito a um crime continuado, uma vez que toda a factualidade no que ao incêndio respeita foi praticada no mesmo dia, o objectivo foi sempre o mesmo, os meios utilizados foram os mesmos, o circunstancialismo, que levou á prática do crime foi a mesma, e os bens jurídicos atingidos foram os mesmos.

8 - Assim e com todo o devido respeito por opinião diversa parece-nos que o arguido apenas deveria ter sido condenado pela prática de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo art.º 272.º n.º1 al.a) do Código Penal, o que desde já se requer.

9 - Por tudo o exposto deverá ser o arguido absolvido do crime de ameaça agravada alegadamente ocorrido no dia 21/12/2011, porquanto a factualidade descrita em audiência de julgamento não é susceptível de preencher o tipo legal deste crime;

10 – Deverá ser o arguido condenado apenas pela prática de um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo art.º 272.º n.º1 al.a) do Código Penal.

11 - Assim, deverá ser a pena única de cinco anos de prisão aplicada ao arguido reduzida na proporção, devendo-se manter-se suspensa a sua execução.

Termos em que deverá o presente recurso ser considerado procedente por devidamente fundamentado e em consequência ser alterada a sentença condenatória em conformidade com o ora solicitado, devendo a pena única em que foi condenado ser proporcionalmente reduzida, devendo manter-se suspensa a sua execução.

O MP e a assistente responderam à motivação do recurso interposto pelo arguido, formulando, cada um, as seguintes conclusões:

MP
a) Os considerandos e fundamentos utilizados pelo tribunal a quo para a motivação da decisão de facto não nos merecem qualquer reparo ou censura:

h) Os factos praticados no dia 21/11/2011, pelo arguido / recorrente, consubstanciarão, irrefragavelmente, a prática de um crime de ameaça agravada. p.p. pelas disposições conjugadas dos art.º 151º. n.º 1 c 155º, n.º 1 al. a), do C. Penal:

c) Igual factualidade típica, tendo como bem jurídico protegido a liberdade de decisão e de acção de outra pessoa e sendo, por um lado, um crime de perigo abstracto-concreto ou de aptidão, quanto a esse bem jurídico, incluindo as condutas que sejam aptas, numa perspectiva, ex ante, de prognose póstuma, a criar perigo para o bem jurídico protegido pela norma, e, por outro lado, sendo um crime de mera actividade ou formal, em que a sua consumação se verifica apenas pela mera execução de um comportamento humano, não se colocando o problema da imputação do resultado à acção, basta-se / realiza-­se com a adequação dessa acção a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do visado:

d) As expressões utilizadas e dirigidas, pelo arguido, à visada / ofendida / assistente, agindo livre, deliberada e conscientemente, terão, precisamente, essa virtualidade de lhe terem provocado medo, receio e inquietação fazendo-a temer pela sua integridade física, quando não também pela sua própria vida:

e) Não terá ocorrido qualquer erro na apreciação da prova ou qualquer outro vício:

f) O recorrente terá sido, igualmente, bem condenado pela comissão de dois crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p.p. pelo art.º 272°. n.º 1 do C. Penal:

g) As suas condutas, em tal contexto, porque tomadas mediante resoluções criminosas autónomas e independentes e formadas em circunstâncias de tempo, modo e lugar diferentes, importarão a sua condenação em moldes de concurso real / efectivo que não de crime continuado e muito menos num único crime, tendo este último por base uma única intenção e unidade de desígnio:

h) Quanto às penas cominadas, quer parcelares, quer unitária, remetemos para as considerações adiantadas e expressas no recurso que, oportunamente, foi interposto pelo Ministério Público, na pessoa do signatário:

i) No mais, não terá sido violado ou desrespeitado qualquer inciso legal:

j) Por via disso, negando-se provimento ao recurso, será feita justiça.

Assistente
a) O recorrente impugna a decisão condenatória relativa ao crime de ameaça agravada referente ao dia 21 de Dezembro do ano der 2011, pela alegada circunstância da assistente não ter alterado o seu comportamento (ao não se recordar do que aconteceu no dia 22 de Janeiro de 2012) e na sua rotina diária, bem como a de que uma bala por si só de nada vale, não podendo ser encarada como ameaça e no que à navalha respeita também a mesma não pressupôs a ameaça de um mal futuro;

b) O recorrente entende assim que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da prova e consequente errada interpretação da lei;

c) Não nos parece que a alegada errada interpretação da prova exista já que o tribunal a quo, em face dos depoimentos vivos e presenciais em sede de julgamento, considerou entendido ser credível o depoimento prestado pela assistente bem como da mãe desta, que de modo" sereno, espontânea, desapaixonada e credível relataram os factos... tendo esclarecido de forma absolutamente credível os factos ocorridos no dia 21 de Dezembro de 2011, versão na qual o tribunal acreditou, em detrimento da posição assumida pelo arguido".

d) O tribunal a quo, segundo o principio da livre apreciação da prova, entendeu não ser credível que o recorrente tivesse negado a pratica dos factos que consubstanciam o crime de ameaça agravada alegadamente cometido dia 21 de Dezembro de 2011;

e) Das provas objectivas e do depoimento vivo recolhido pelo tribunal a quo, designadamente do arguido, da assistente e da mãe desta, valoradas segundo o principio da livre apreciação da prova, e com base nas regras da experiência comum, decorreu a convicção de que o arguido exibiu à assistente no dia 21 de Dezembro de 2011 um objecto similar a uma bala e lhe terá dito "aquele exibiu um objecto em tudo semelhante a uma munição de arma de fogo e disse "estás a ver esta bala'? Vê lá se não acaba dentro da tua cabeça" após exibindo-lhe um outro objecto de características similares a uma navalha que encostou do lado esquerdo do abdómen da assistente dizendo-lhe "pico-te com esta faca".

f) Ora ao agir nos termos supra descritos da presente não restaram dúvidas ao tribunal a quo do preenchimento do ilícito criminal agravado em questão;

g) Tanto mais que para que o crime de ameaça agravada em questão para que se considere praticado basta que a ameaça seja adequada a provocar medo ao destinatário, provocando o justo receio de virem a ser concretizadas;

h) O recorrente impugna, por outro lado, a decisão condenatória relativa aos dois crimes de incêndio, sustentando a verificação do crime único ou crime continuado no caso em apreço;

i) Parece-nos no entanto que se encontram arredados os pressupostos da alegada tese quer do único crime quer do crime continuado, não nos parecendo subsumível a situação em questão ao disposto no artº 30º, n° 1 e 2 do CP.

j) Pois que não obstante a pratica do mesmo tipo de crime ter ocorrido no mesmo dia e num espaço temporal de aproximadamente duas horas dúvidas não restam, segundo os factos dados como provados, que existiram duas resoluções criminosas por parte do recorrente, não tendo resultado provado qualquer circunstância ou situação exterior que tenha facilitado a acção do recorrente ou o tenha compelido à reiteração do seu comportamento criminoso.

1) O tribunal a quo fez, também aqui, segundo a nossa opinião, uma acertada interpretação e aplicação da lei.

m) Deve, assim, ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente.

A motivação dos recursos interpostos pelo MP e pela assistente foram notificados ao arguido, que não exerceu o seu direito de resposta.

Os recursos interpostos foram admitidos com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

Pelo Digno Procurador-Geral Adjunto em funções junto desta Relação foi emitido parecer sobre o mérito dos recursos admitidos, no sentido de serem merecedores do provimento os interpostos pelo MP e pela assistente e inversamente o encabeçado pelo arguido.

O parecer emitido foi notificado aos sujeitos processuais, a fim de se pronunciarem, nada tendo eles respondido.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes, as quais deixámos enunciadas supra.

No caso presente, confrontamo-nos com três recursos interpostos da decisão que conheceu do objecto do processo, encabeçados, respectivamente pelo MP, a assistente e o arguido.

Os recursos apresentados pelo MP e pela assistente versam apenas sobre matéria de direito e visam o mesmo objectivo, a saber, a elevação da medida das penas parcelares em que o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de incêndio, com a consequente repercussão na medida da pena única resultante do cúmulo jurídico e, em qualquer caso, a não suspensão da execução da pena global.

O recurso interposto pelo arguido, embora sem atacar explicitamente a decisão sobre a matéria de facto, impugnou pontualmente o juízo probatório emitido pelo Tribunal «a quo», pois veio alegar que não se provou que a assistente tivesse sentido medo (ponto 9 da matéria provada) na sequência das expressões que o arguido lhe dirigiu em 21/12/11 e que, de acordo com a tese perfilhada no acórdão recorrido, teriam preenchido a prática pelo arguido de um dos crimes de ameaça agravada por que foi condenado.

No plano do enquadramento jurídico-criminal dos factos apurados, o arguido impugna a aptidão das expressões por si proferidas em 21/12/11 e descritas nos pontos 7 e 8 da matéria assente, para preencher tipicidade do crime de ameaça e ainda que os factos por si praticados no dia 7/1/12, na residência então habitada pela assistente, sejam susceptíveis de integrar o cometimento de dois crimes de incêndio, antes se reconduzindo a um único crime dessa natureza ou, quando muito, um crime continuado.

Consequentemente, o arguido peticiona que a pena única em que foi condenado seja reformulada em função do menor número de crimes, que entende ter praticado, mantendo-se a suspensão da respectiva execução.

Como pode verificar-se, o eventual sucesso da pretensão recursiva do arguido acarretará a diminuição do número de infracções criminais por cuja prática ele foi condenado em primeira instância, o que implica que a sua apreciação assuma prioridade lógica sobre a dos recursos interpostos pelo MP e pela assistente.

Passaremos, então, a conhecer do recurso encabeçado pelo arguido.

No que se refere à impugnação pontual do juízo probatório, o arguido sustenta que o Tribunal «a quo» não deveria ter dado como demonstrado que a assistente sentiu medo, na sequência das expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido em 21/12/11, já que a prova produzida mostra que ela não alterou então as suas rotinas, entendendo o arguido que o «medo» é um conceito que tem de concretizar-se em factos.

Ora, afigura-se-nos que a argumentação desenvolvida pelo arguido incorre em equívoco, salvo o devido respeito, ao sustentar que o medo é um conceito.

Na verdade, quando esteja em causa ajuizar da verificação de algum tipo de crime, o «medo» não é um conceito jurídico – como o são, por exemplo, o dolo ou a negligência – que careça de ser integrado por factos, mas antes constitui um facto, na verdadeira acepção do termo, um facto de natureza subjectiva, uma realidade fáctica do domínio psíquico, a qual pode, eventualmente, manifestar-se em condutas exteriores, mas que não tem necessariamente de se exteriorizar, para ser existir ou para poder ser apreendida pelo julgador.

Seguidamente, como adiante melhor se verá, o tipo de crime de ameaça não se configura como um crime de resultado, mas sim como um crime de mera actividade que tem associado um critério de adequação.

Dito por outras palavras, para que o crime se consume não é indispensável que o anúncio feito pelo agente activo ao agente passivo provoque medo a este, mas apenas que seja adequado a provocá-lo.

Como tal, a questão factual suscitada pelo arguido é inócua para o preenchimento do tipo de crime em referência, não sendo sequer evidente que possa relevar para aumentar o grau de ilicitude da conduta e, por essa via, militar no sentido da imposição de uma pena concreta mais severa, tendo em conta que a produção do resultado (medo) nem sempre depende total ou principalmente da actuação do agente activo e é muitas vezes função das características (físicas, psíquicas, mentais) do agente passivo.

As actuações do arguido descritas nos pontos 7 e 8 da matéria de facto assente são susceptíveis de ser compreendidas como ameaças de morte («meter uma bala na cabeça» e «espetar uma faca na barriga»), dirigidas à pessoa com quem ele então falava, ou seja, a ora assistente.

Segundo a normalidade das coisas, as ameaças de morte têm a virtualidade de causar medo àqueles a quem são dirigidas e causam-no efectivamente, a menos que o receptor das mesmas tenha razões para acreditar que não são para tomar a sério, o que, no caso, se não vislumbra, mesmo na eventualidade de a assistente não ter, conforme o arguido alega, alterado as suas rotinas na sequencia de ter ouvido dele as expressões ameaçadoras em apreço.

Consequentemente, teremos de concluir, sem necessidade de ulteriores considerações, que o juízo probatório afirmativo formulado pelo Tribunal «a quo» sobre o facto vertido no ponto 9 da matéria provada mostra-se conforme aos critérios, que devem orientar a apreciação da prova, nos termos do art. 127º do CPP, e não merece censura, improcedendo a impugnação que o arguido dele fez, no recurso por ele interposto.

Passemos, então, a ajuizar se a conduta objectiva do arguido descrita nos pontos 7 e 8 da matéria assente, conjugada com a factualidade subjectiva vertida nos pontos 10 e 34, é idónea a preencher a prática por parte dele de um dos crimes de ameaça agravada p. e p. pelos arts. 153º nº 1 e 155º nº 1 al. a) do CP por que foi condenado em primeira instância.

O art. 153º do CP é do seguinte teor:
1 – Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - O procedimento criminal depende de queixa.

Por seu turno, o art. 155º do CP reza:
1 - Quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados:

a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou

b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; ou

c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do art. 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas;

d) Por funcionário com grave abuso de autoridade;

o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do nº 1 do art. 154º.

2 – As mesmas penas são aplicadas se, por força da ameaça ou da coacção, a vítima ou a pessoa sobre a qual o mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se.

A apurada conduta do arguido, ocorrida em 21/12/11, consubstancia, como já vimos, uma ameaça dirigida à assistente de lhe tirar a vida, o que, na falta de maior especificação, deverá ser entendido como uma ameaça com a prática de um crime homicídio simples p. e p. pelo art. 131º do CP, o qual abre, na sistematização desse Código, o catálogo dos crimes contra a vida.

Tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais Superiores asserção de que a ameaça formulada pelo agente activo só preenche a tipicidade do nº 1 do art. 153º do CP quando consubstanciar a cominação de um mal futuro, cuja realização depende exclusivamente da vontade do agente activo e não de algum comportamento do agente passivo ou de um terceiro.

Os propósitos anunciados pelo arguido á assistente, nas situações descritos nos pontos 7 e 8 são inequivocamente incondicionados, não tendo o arguido formulado qualquer exigência cuja satisfação fosse de molde a suster a concretização da ameaça.

Poderão subsistir algumas dúvidas quanto à natureza de «mal futuro» do conteúdo da comunicação feita pelo arguido, no caso descrito no ponto 8, porquanto empunhou uma navalha, encostou-a à barriga da ofendida e disse que lhe a espetaria, o que pode ser também interpretado, razoavelmente, como o anúncio de uma agressão eminente não concretizada.

Diferentemente, tais não se justificam, relativamente à comunicação descrita no ponto 7 da matéria de facto provada.

Neste caso, o arguido exibiu à ofendida um objecto semelhante a uma bala e, fazendo-lhe crer que se tratava disso mesmo, declarou que a mesma ainda iria parar dentro da cabeça dela, sem lhe ter exibido qualquer arma de fogo ou dado a entender que trazia uma consigo.

Nesse contexto, o anunciado propósito de «meter uma bala na cabeça» da ora assistente era indubitavelmente projectado no futuro.

O tipo criminal da ameaça configura-se, no plano da imputação subjectiva, como um crime doloso, sendo suficiente, para que o dolo se considere reunido, a consciência, por parte do agente activo, da aptidão da comunicação por ele feita a causar no agente passivo medo ou qualquer dos efeitos previstos no nº 1 do art. 153º do CP.

Finalmente, o crime de homicídio simples é punível, pelo art. 131º do CP, com pena de 8 a 16 anos de prisão, pelo que a conduta em apreço é passível da agravação qualificativa prescrita pelo art. 154º nº 1 al. a) do CP.

Como tal, teremos de concluir pela tipicidade da conduta a que nos vimos reportando, tal como a perspectivou a decisão sob recurso.

Aqui chegados, cumpre-nos conhecer da questão suscitada pelo arguido, quanto à unidade ou pluralidade de crimes de incêndio que a sua conduta ocorrida em 7/1/12 e descrita nos pontos 11 a 33 da matéria de facto provada é idónea a preencher.

Na modalidade, por cujo cometimento o arguido foi condenado, o crime de incêndio é tipificado pelo nº 1 do art. 272º do CP, nos termos seguintes:

1 - Quem:
a) Provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício, construção ou meio de transporte;
b) …;
c) …;
d) …;
e) …; ou
f) …;
e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de três a dez anos.

O art. 30º do CP, por seu turno, define os critérios de distinção da unidade ou pluralidade de crimes, incluindo os pressupostos da figura do crime continuado:

1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3 — O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.

Na factualidade descrita nos pontos 11 a 33 da matéria julgada assente pelo acórdão recorrido, é possível distinguir duas condutas do arguido empiricamente distintas e relativamente destacadas no tempo, susceptíveis de integrar a tipicidade do art. 272º nº 1 al. a) do CP e, logo, idóneas constituir outros tantos destes ilícitos, de acordo com o critério estabelecido pelo nº 1 do art. 30º do CP.

Num primeiro momento, o arguido ateou o fogo à casa onde então residia a ora assistente, juntamente com os filhos de ambos, a partir do exterior, fazendo uso de gasolina de que se havia previamente munido, tendo esse incêndio vindo a ser extinto por intervenção dos bombeiros.

Depois de apagado o primeiro fogo, o arguido penetrou na residência, por processo não apurado, e no interior da mesma ateou um novo incêndio, tendo-se servido, para o efeito de aumentar a sua dimensão, de duas garrafas de gás doméstico ali existentes.

Argumenta o arguido, em síntese, que todas as evocadas condutas são de unificar numa só infracção ou, pelo menos, num crime continuado, pois são resultado de uma mesma resolução criminosa.

É conhecida a importância que grande parte da doutrina tem atribuído à resolução criminosa, como critério de separação entre as várias condutas humanas merecedoras de juízos autónomos de censura penal, designadamente, na tese tornada clássica por Eduardo Correia («Unidade e Pluralidade de Infracções», Coimbra 1983, págs. 94 e 95):

«Com efeito, a resolução neste sentido é o termo daquele específico momento do processo volitivo, em que o “eu “ poderá o valor ou desvalor, os prós e os contras dum projecto concebido. É o termo daquela específica fase da volição, que metaforicamente se costuma descrever como constituída por uma luta de motivos e de contra motivos, na qual o próprio “eu” intervém activamente numa afirmação da sua personalidade. Deste modo, quando se trate de um projecto criminoso que entre em execução é precisamente no momento em que toma a resolução de o realizar que a ineficácia da norma, na sua função de determinação, se verifica. Se, pois, diversas resoluções foram tomadas para o desenvolvimento da actividade criminosa, diversas vezes deixa a norma de alcançar concretamente a eficácia determinadora a que aspirava e vários serão os fundamentos para os juízos de censura em que a culpa se analisa».

Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que, quanto à questão em apreço, o arguido carece igualmente de razão.

Torna-se necessário distinguir com rigor entre duas realidades diversas, que a argumentação desenvolvida pelo arguido, aparentemente, confundirá.

Uma coisa é a intenção ou o propósito criminoso, que é um fenómeno do âmbito da pura vontade, a resolução criminosa, que é aquilo que impele o agente a converter em actuação concreta essa inclinação volitiva.

É evidente que as actuações do arguido, que o Tribunal «a quo» julgou merecedoras de censura jurídico-penal, enquanto crimes de incêndio, foram todas fruto de uma mesma «intenção criminosa», isto é a de deitar fogo à casa onde vivia a ofendida e que o arguido formou, pelo menos, na sequência da conversa que teve com ela, no dia 7/1/14

Contudo, embora as condutas em causa se tenham desenrolado numa sequência sensivelmente ininterrupta, num espaço de tempo inferior duas horas, é possível discernir nelas, claramente, duas «resoluções criminosas», no sentido que acima enunciámos: uma que impele o arguido a atear o primeiro incêndio, que foi extinto pelos bombeiros, e outra que o leva desencadear o segundo fogo depois da extinção do primeiro, o que foi antecedido do consumo de bebidas alcoólicas, por parte dele, aparentemente, como forma de vencer qualquer última resistência à passagem à acção.

Poder-se-ia dizer que o arguido teria actuado sob o impulso da primeira resolução criminosa se ele tivesse feito algo no sentido de manter activo o primeiro fogo por si ateado, contrariando a acção desenvolvida pelos bombeiros nesse sentido, por exemplo, ateando novos focos ou espalhando no local quantidades suplementares de material combustível, mas nada disso sucedeu.

Uma vez extinto o primeiro incêndio, teve o arguido de refazer «ex novo» o processo resolutivo, mas uma vez teve ensejo de ponderar a censurabilidade do acto que ia cometer e as razões que lhe impunham que o não cometesse e, novamente, a norma legal, que prevê e pune o crime de incêndio revelou a sua ineficácia, em relação a ele.

Nesta ordem de ideias, estaremos perante dois crimes de incêndio, como julgou o Tribunal «a quo» e não de apenas um, como o arguido propugna.

Quanto à eventualidade, que o arguido defendeu a título, digamos, subsidiário, de as condutas em apreço se reconduzirem a um crime continuado, importa termos presentes os pressupostos desta figura, tal como definidos pelo nº 2 do art. 30º do CP:

- Realização plural do mesmo tipo de crime ou de tipos de crime que protejam o mesmo bem jurídico;

- Executada deforma sensivelmente homogénea;

- No quadro da solicitação de uma mesma situação exterior;

- Que diminua consideravelmente a culpa do agente.

No caso, encontramo-nos perante dois crimes do mesmo tipo (incêndio), que o arguido cometeu mediante um «modus operandi» basicamente idêntico.

Ambos os delitos foram levados a efeito no âmbito de uma situação de conflito entre o arguido e a assistente, motivada pelo facto de esta, que se encontrava casada com ele, ter tomado a iniciativa de dele se separar, indo viver para outra casa, o que o arguido não aceitava.

Neste contexto, pode dizer-se que os dois crimes de incêndio são resultado de uma mesma solicitação exterior.

Contudo, não pode em caso algum entender que essa solicitação exterior seja susceptível de diminuir consideravelmente a culpa do arguido.

A circunstância de uma conduta criminalmente ilícita ter sido motivada ou desencadeada pelo ciúme ou pela não aceitação, por parte de um dos parceiros de uma relação matrimonial ou amorosa, da ruptura dessa relação por iniciativa do outro não será fundamento, como alguns já têm sustentado, para uma agravação qualitativa da responsabilidade do agente, mas de modo nenhum torna menos exigível a este que paute o seu comportamento pelas regras do direito.

Assim sendo, não se mostram reunidos, no caso, os pressupostos da figura do crime continuado elo que o arguido não poderá deixar de ser condenado pela prática de dois crimes de incêndio, como o foi pelo acórdão recorrido.

Consequentemente, improcede, por inteiro, o recurso interposto pelo arguido.

Passemos, então, a conhecer das pretensões recursivas formuladas pelo MP e pela assistente, cujo conteúdo é, no essencial, idêntico.

O nº 1 do art. 40º estabelece como finalidades da aplicação das penas a protecção de bens jurídicos, que se reconduz, essencialmente, à prevenção geral e especial da prática de crimes, e a reintegração do agente na sociedade, dispondo o nº 2 do mesmo artigo que a pena não pode exceder a medida da culpa.

O art. 71º do CP, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui:

1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Os termos da punição do concurso de crimes são definidos pelo art. 77º do CP:

1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 – A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Os pressupostos da suspensão da execução das penas de prisão são fixados pelo nº 1 do art. 50º do CP, como segue:

O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada um medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A sentença recorrida fundamentou a escolha e a determinação da medida das penas, parcelares, única e substitutiva, em que o arguido foi condenado, nos seguintes termos (transcrição com diferente tipo de letra):

IV – ESCOLHA e MEDIDA DA PENA
Estabelecida a responsabilidade criminal do arguido, com o respectivo enquadramento jurídico-penal da sua conduta delituosa, há que cuidar, agora, das respostas punitivas adequadas, com a determinação da medida da sanção a aplicar.

A moldura penal abstracta prevista no art.º 272.º, n.º 1, al. a) do Código Penal para o crime de incêndio, é a de prisão de três a dez anos.

Para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido pelos crimes de incêndio que praticou, segue-se o critério geral do artigo 71.º n.º 1 do Código Penal: à culpa função de determinar o limite máximo da pena; à prevenção geral de integração a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e cujo limite mínimo se encontra nas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial, cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.

Os factores a ter em conta para a determinação da pena, conforme se indica no art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal, são os elementos não constitutivos do tipo legal de crime, mas que intervêm por via da culpa ou da prevenção especial (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, in RPCC, ano 2, 1991, p. 253).

Analisemos, agora, a determinação concreta da pena a aplicar ao arguido.

Foi elevado o grau de ilicitude e média a gravidade das consequências do facto, uma vez que os incêndios foram levados a efeito na residência da mulher e dos filhos do arguido, sendo que no primeiro se encontravam em casa, embora no quintal, censurável o seu modo de execução (utilizando gasolina e botijas de gás), podendo as suas condutas desembocarem numa situação muito mais grave, inclusive para os militares da G.N.R. que se deslocaram ao local, assim como para os bombeiros; o dolo é de média intensidade. Foi a má relação que mantinha com a mulher que determinou os crimes. Na sua conduta anterior, nada há de relevante a assinalar (crimes de condução de veículo em estado de embriaguez).Tem problemas relacionados com o álcool, o que parece também ter contribuído para as condutas que levou a efeito. O arguido tem como habilitações literárias o 4.º ano de escolaridade, conta agora com 31 anos de idade, tem o apoio das irmãs, confessou parte dos factos e demonstrou-se arrependido. Não reparou as consequências dos seus actos.

As exigências de prevenção geral, elevadas, combinadas com as de prevenção especial (porventura menos salientes que aquelas outras, ante a satisfatória inserção social do arguido, embora tenha antecedentes criminais pela prática de crime de condução sob o efeito do álcool – 3 condenações –, revelando capacidade crítica face ao comportamento que teve), suscitam a determinação em três (3) anos e três (3) meses a pena de prisão pelo primeiro crime de incêndio e em três (3) anos e nove (9) meses a pena de prisão pelo segundo crime de incêndio.

Quanto aos crimes de ameaça agravada.

A moldura penal abstracta prevista é a de prisão de um mês a dois anos ou de multa até 240 dias.

Haverá, pois, e antes de mais, que proceder à escolha da natureza da pena a aplicar ao arguido.

De acordo com o art.º 70.º do Código Penal (com referência ao art.º 40.º), a alternativa entre a pena privativa e a pena não privativa da liberdade resolve-se em favor da segunda, sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do agente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime.

Impõe-se assim, uma vez que a referida norma admite, em alternativa, a pena principal de prisão ou de multa, proceder à escolha da pena a aplicar ao arguido.

A este propósito, dispõe o art.º 70.º, do Código Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade (cfr. art.º 40.º, n.º 1, do CP).

Reportando ao caso vertente, atentos os antecedentes criminais do arguido, a sua personalidade e as razões de prevenção geral, entendemos que será de optar pela aplicação de uma pena de prisão que melhor justiça realiza neste caso concreto.

Quanto à fixação da medida da pena, da conjugação do disposto no n.º 2 do art.º 153.º do Código Penal vigente à data dos factos, e do n.º 1 do art.º 47.º do mesmo Código resulta que a pena de prisão é fixada entre um mínimo de 1 mês e um máximo de 2 anos, de acordo com critérios os estabelecidos no n.º 1 do art.º 71.º do mesmo Código: em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Esclarece o n.º 2 do mesmo preceito que o tribunal atenderá, na fixação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, enumerando exemplificativamente algumas delas.

A ilicitude mostra-se elevada principalmente no crime cometido no dia 21 de Dezembro de 2011 em que o arguido exibiu uma bala à ofendida e ameaçou-a com uma navalha, e as circunstâncias em que os factos ocorreram: o arguido praticou os factos na presença dos filhos e da sogra, no que se reporta ao citado dia 21 de Dezembro.

Militam, ainda, em desfavor do mesmo a intensidade do dolo com que actuou (dolo directo ou intencional), o receio que efectivamente causou na ofendida.

Como tal, o tribunal fixa em 6 meses de prisão a pena a aplicar a cada um dos crimes de ameaça agravada praticado pelo arguido.

Cúmulo jurídico
O arguido cometeu no âmbito destes autos mais do que um ilícito criminal. Encontrando-se os crimes referidos em relação de concurso, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do C.P.P., pois foram cometidos sem qualquer deles ser objecto de apreciação e decisão judicial anterior, impõe-se condenar o arguido numa pena única.

Dispõe tal preceito legal que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, adiantando o artigo 78.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, será também condenado naquela pena única.

Referem-se as citadas disposições legais ao concurso de penas que ocorrerá, assim, quando se verificar a prática de diversas infracções pelo mesmo arguido antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.

Daqui deriva, em primeira linha, que o trânsito em julgado de uma condenação é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois ou, por outras palavras, o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes para efeito de aplicação de uma pena única é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente.

Da leitura do n.º 2 do referido preceito decorre que dever-se-á proceder à fixação das penas parcelares respeitantes a cada um dos crimes em concurso – o que já foi feito – e, posteriormente, somam-se as penas parcelares obtidas para determinar o limite máximo da moldura abstracta aplicável ao concurso, dentro dos limites absolutos aí expressamente previstos. O limite mínimo é constituído pela mais grave das penas parcelares fixadas. Encontrada desta forma a moldura abstracta, a pena única é determinada nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, ou seja, considerando “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Assim, considerando em conjunto os factos e a personalidade do arguido (retractada, além do mais, na realização dos próprios factos em concurso) e que a moldura da pena de prisão única varia entre 3 anos e 9 meses de prisão e 8 anos de prisão, têm-se por adequada a pena única de cinco (5) anos de prisão.

Suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido:

Dispõe o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às consequências deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição

É líquido que a suspensão da execução da pena de prisão constitui ela própria uma verdadeira pena de substituição e que estas ganham particular importância por força da orientação político-criminal de restrição da aplicação da pena de prisão, orientação esta que o Código Penal decididamente seguiu no tocante à pequena e média criminalidade.

A finalidade do instituto é, fundamentalmente, a de afastar o delinquente da criminalidade. Todavia, ainda que em tal sentido apontem as considerações retiradas da prevenção especial de socialização, a suspensão não deverá ser decretada se com ela se postergarem as necessidades de reprovação e de prevenção do crime: “Estão aqui em causa não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica” – cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e Novas Questões sobre a pena de suspensão de execução da prisão” in RLJ, Ano 124º, pp. 65 e ss. A aplicação desta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do citado art.º 50.º.

Circunscrevendo-se estas, de acordo com o art.º 40.º do Código Penal, à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa.

Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”. E acrescentava: para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.

Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.

Adverte ainda – § 520 – que apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime».

Reafirma que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.

A suspensão da execução da pena assenta, assim, num prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente. O juízo de prognose fundamentar-se-á, cumulativamente, na ponderação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto. Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao agente, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme ao direito.

No caso sub judice há que ponderar, em primeiro lugar que o arguido não tem antecedentes criminais relevantes, nem da mesma natureza que os crimes agora em causa (tem 3 condenações por crimes de condução sob efeito do álcool, problemática que estará também no cerne das circunstâncias em que ocorreram os factos objecto deste processo), confessou parcialmente os factos, demonstrou arrependimento (embora não tenha indemnizado a ofendida, mas a prisão a que se encontra sujeito também o impede de obter proventos), o poder paternal relativo aos filhos menores da ofendida AC e do arguido já se encontra regulado, o que poderá indiciar que a conflitualidade entre ambos possa estar atenuada, que os factos ocorreram no âmbito de uma situação muito específica (o arguido não é nenhum pirómano), ou seja, estão circunscritos ao âmbito familiar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta. Mas também se deve atender, a lei assim o impõe, às necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização. As necessidades de prevenção especial têm que ter em consideração e obviar de algum modo aos efeitos criminógenos e dessocializadores da prisão, ao estigma associado à mesma. No caso um apreço, há que ponderar se uma pena de prisão efectiva cumpre a prevenção geral e também a especial. A prevenção geral, não há dúvida que cumpre, talvez até excessivamente, mas a prevenção especial ficará comprometida. Não subsistem dúvidas, que o arguido, com 30 anos de idade, nunca esteve preso e está socialmente integrado, e ainda terá possibilidade de inserção no mundo laboral e social e, assim, contribuir para a educação dos seus filhos menores.

O arguido tem um problema, que assume: o consumo de álcool em excesso. Mas pode tratar-se. Aliás, deve tratar-se para poder ser um cidadão socialmente inserido e familiarmente presente na educação dos filhos menores.

O arguido, em meio prisional, tem adoptado bom comportamento, com uma postura colaborante, executando algumas tarefas de construção civil; revela capacidade crítica face ao comportamento que teve e tem apoio familiar.

Julgamos ser possível fazer um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido.

A prevenção geral fica assegurada com a aplicação da pena mínima ao arguido: cinco anos, suspensa na sua execução. Tal pena realizará de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, bem como satisfará as necessidades de prevenção geral e especial e não se apresentará como excessiva, exagerada, desproporcionada e desadequada.

A suspensão da execução da pena de prisão ficará subordinada, nos termos do art.º 53.º, n.º 3 do Código Penal, ao regime de prova (uma vez que a pena a suspender é superior a três anos de prisão).

Deverá ser, pois, ser traçado um plano de reinserção social, para o arguido, pela Direcção Geral de Reinserção Social e durante o período de suspensão da execução da pena, nos termos do art.º 494.º do Código de Processo Penal.

Se o tribunal o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, pode, nos termos do art.º 50.º do Código Penal, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta.

É, pois, legalmente permitido fazer depender a suspensão da execução da pena do cumprimento, por parte do destinatário, de determinados deveres ou obrigações, quer com um objectivo pedagógico e ressocializador, quer com a finalidade de se minorarem os nefastos efeitos materiais e morais do delito e, ainda, para fortalecer a função retributiva da pena, fazendo sentir ao arguido, por via dessa imposição, os efeitos da condenação.

Nos termos do art.º 52.º do Código Penal, o Tribunal pode, obtendo o consentimento do condenado, determinar a sua sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada.

No caso dos autos provou-se que o arguido é consumidor excessivo de bebidas alcoólicas, pelo que o Tribunal determina que o mesmo seja sujeito a tratamento médico adequado à cura do problema. Deu consentimento ao seu tratamento.

Para o efeito, deverá ser oficiado ao Hospital de Santarém, a fim de que de acordo com um plano traçado pelos profissionais de saúde competentes se submeta o arguido a tratamento médico adequado à sua problemática, no regime que melhor entenderem e melhor se adeqúe ao arguido.

No que se refere à determinação do quantitativo das penas parcelares em que o arguido foi condenado e que os recorrentes MP e assistente impugnaram (as cominadas aos crimes de incêndio), o Tribunal «a quo», no trecho do acórdão recorrido, que acabámos de reproduzir, equaciona de forma em geral correcta os critérios que, nos termos do art. 71º do CP, hão de presidir a essa operação.

O MP e a assistente questionaram o quantitativo das penas aplicadas ao arguido pela prática de um dos crimes de incêndio por ele cometidos, invocando exigências de prevenção geral e especial da prática de crimes, que não teriam ficado devidamente satisfeitas.

O crime de incêndio, quando praticado como o arguido o fez, em zona habitacional, ocorre com alguma frequência, sobre em contextos de conflito familiar ou matrimonial, como é o caso, e suscita relevantes imperativos de prevenção geral, que decorrem, essencialmente, do perigo que tais condutas provocam para a segurança das pessoas e do património imobiliário.

Diferentemente, a prática de crimes de incêndio em áreas florestais ou similares, sendo, por via de regra, menos geradora de perigo para pessoas e habitações, acontece com extrema frequência, sobretudo no período estival, desde há várias décadas, pelo que assumiu foros, no nosso País, de verdadeira catástrofe, social, económica e ambiental.

Como tal, em comparação com os fogos florestais, os crimes de incêndio em zona urbana despertam exigências de prevenção sem dúvida importantes, mas, ainda assim, não extremamente exacerbadas.

Relativamente aos imperativos de prevenção especial, diremos, antes de mais, que o arguido não é delinquente primário, apresentando três condenações, sempre em pena principal de multa e pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo última decisão condenatória transitado no mês de Outubro de 2005.

Deste modo, os antecedentes criminais do arguido, sem serem despiciendos, não deverão ser sobrevalorizados já que dizem respeito a condenações sempre pela prática do mesmo tipo de crime, cuja gravidade é substancialmente inferior à dos crimes de incêndio por que ele agora responde, e só deu origem à cominação de penas principais de natureza pecuniária, nunca tendo o arguido sido anteriormente punido com prisão, mesmo suspensa na sua execução.

A isto acresce que a circunstância de terem mediado seis anos entre o trânsito em julgado da última condenação sofrida pelo arguido e a prática dos factos por que ele responde no presente processo é sinal de que o efeito dissuasor da prática de crimes, que as condenações anteriores podem ter exercido sobre o arguido, não terá sido, ainda assim, negligenciável.

Em todo o caso, é detectável um fio condutor entre as condutas que estiveram na origem das condenações, que o arguido tem registadas no seu CRC, os factos ilícitos por que agora responde, em particular, o mais grave de todos, o segundo crime de incêndio, o qual se reconduz ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

A postura do arguido perante as condutas que lhe foram imputadas, pelas quais foi condenado em primeira instancia, não é unívoca.

Assim, conforme resulta do teor do trecho do acórdão recorrido, dedicado à fundamentação do juízo de prova, o arguido apenas negou os factos dados como provados, ocorridos em 21/12/11, e integradores do primeiro crime ameaça agravada por que foi condenado.

Quanto aos crimes de incêndio, o arguido confessou os factos integradores do primeiro e declarou não se recordar daqueles em que se concretizou o segundo, por se encontrar embriagado, admitindo tê-los praticado, o que é compaginável com o facto, julgado provado, de ele ter consumido bebidas alcoólicas, antes de ter incorrido nessa conduta, e com o depoimento testemunhal de um militar da GNR, que então o abordou.

Tanto quanto vislumbramos, o arguido manteve, relativamente aos factos integradores dos crimes mais graves por que responde, uma atitude de sinceridade e não procurou, como frequentemente acontece, valer-se da embriaguez como elemento desculpante ou, pelo menos, atenuante do seu comportamento.

O arguido apresenta um grau minimamente satisfatório de integração social, surgindo o consumo exagerado de bebidas alcoólicas como principal factor potenciador de condutas desviantes.

As penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes de incêndio – 3 anos e 3 meses, para o primeiro e 3 anos e 9 meses, para o segundo – foram quantificadas num nível bastante modesto, se tivermos em conta que a moldura abstractamente aplicável vai de 3 a 10 anos de prisão.

No entanto, tudo ponderado, não se nos afigura que as finalidades da punição e, em especial, as necessidades de prevenção geral e especial do crime, nas quais se apoiou a impugnação deduzida pelo MP e pela assistente da medida das referidas penas, imponham impreterivelmente o aumento destas sob pena de inutilização destas reacções penais, conforme aqueles recorrentes alegam.

Nessa ordem de ideias, não haverá lugar à alteração do quantitativo das penas aplicadas ao arguido pela prática dos crimes de incêndio, no sentido peticionado pelo MP e pela assistente.

Os recorrentes em detrimento do arguido não impugnaram especificamente a medida da pena global em que este foi condenado, em resultado do cúmulo jurídico das penas aplicadas aos diferentes crimes, mas somente peticionaram o seu redimensionamento em função do aumento das penas parcelares dos crimes de incêndio, por eles pretendido e que acaba de lhes ser denegado.

No caso presente, o Tribunal «a quo» fixou a pena única em 5 anos de prisão, dentro de uma moldura punitiva, calculada nos termos do nº 2 do art. 77º do CP, que vai de 3 anos e 9 meses até 8 anos, quantitativo que se situa entre a soma da medida da pena mais grave, determinativa do limite mínimo da pena global, e com terço das penas remanescentes e a da mesma pena com um quarto das restantes penas, mais próximo deste último valor.

Assim sendo, a medida da pena única aplicada pelo Tribunal «a quo» situa-se um pouco abaixo da bitola em que normalmente são quantificadas, por este Colectivo, as penas resultantes do cúmulo jurídico, quando não haja factores que pesem especialmente no sentido de uma maior atenuação ou agravação

Contudo, conforme é entendimento pacífico, a determinação da pena emergente do cúmulo jurídico não é uma operação aritmética, mas sim um juízo de valor que o Tribunal formula mediante a reconsideração conjunta dos factos e da personalidade do arguido.

A pluralidade de crimes praticada pelo arguido dos presentes autos não traduz uma tendência para delinquir, mas apenas uma mera pluriocasionalidade.

Os antecedentes criminais, que o arguido apresenta, dizem respeito a crime de natureza diferente daqueles por que agora responde e mostram-se relativamente afastados no tempo.

Os crimes, pelos quais o arguido foi condenado no actual processo, concentram-se em dois episódios, que ditam temporalmente um do outro pouco mais de duas semanas, e ocorreram em resultado de uma mesma situação de conflito, que emergiu entre ele e a assistente,

Finalmente, os dois crimes de incêndio foram cometidos no quadro de uma mesma intenção criminosa.

Tal relação de afinidade não é, conforme já verificámos, suficiente para unificar essas condutas numa só infracção, mas faz com que a dualidade de crimes fique algo esbatida, o que deverá ter algum reflexo na medida da pena única.

Os aspectos que vimos considerando, militam no sentido de um abaixamento sensível do «quantum» da pena global, razão pela qual se nos afigura ser de confirmar a quantificação desta sanção operada pelo acórdão recorrido.

Uma vez assente a manutenção da medida de 5 anos de prisão da pena emergente do cúmulo jurídico, importa ajuizar se será de manter a suspensão da respectiva execução.

Conforme resulta da disposição do nº 1 do art. 50º do CP, que acima deixámos transcrita, a suspensão da execução da pena depende da formulação pelo julgador de um juízo de prognose favorável no sentido de a censura do facto e a ameaça da prisão poderem satisfazer adequada e suficientemente as finalidades da punição, designadamente, os imperativos de prevenção geral e especial do crime e as necessidades de ressocialização do arguido.

Como tal, o sucesso dos recursos interpostos pelo MP e pela assistente está dependente, nesta parte, da viabilidade ou não da formulação de semelhante juízo de prognose, em face do conjunto da factualidade dada como provada em julgamento.

Servem de apoio à pretensão recursiva, quanto a esta matéria, as razões de prevenção geral e especial da prática de crimes, invocadas como fundamento do pedido de alteração da medida das penas parcelares aplicadas pelos crimes de incêndio, que já foram discutidas aquando do ajuizamento deste pedido.

Os pressupostos do instituto penal a que agora nos referimos, tal como os define nº 1 do art. 50º do CP, inequivocamente deixam transparecer a natureza excepcional do mesmo, no sentido de que a sua decretação depende da verificação de determinado requisito, que, no caso, reside na emissão pelo Tribunal de um juízo de valor, o qual terá de basear-se em dados factuais concretos que, racionalmente, o suportem,

A jurisprudência tem vindo a caracterizar o juízo de prognose referido no nº 1 do art. 50º do CP como a assunção pelo Tribunal de um «risco prudente».

Ora, as exigências de prevenção quer geral quer especial, invocadas pelos recorrentes como fundamento para a revogação da suspensão da execução da pena, são significativas, mas não exacerbadas, conforme já verificámos.

O arguido não foi ainda confrontado com a condenação em qualquer pena de prisão, suspensa ou não na sua execução, pelo que nunca foi testada a sua capacidade para conformar a sua conduta social em consonância com as regras do direito, perante a ameaça da privação de liberdade.

Em face daquilo que se apurou sobre as condições pessoais do arguido, os seus antecedentes criminais (relativamente pouco graves e afastados no tempo) e a sua postura perante os factos por que responde no presente processo, existe ainda alguma margem para acreditar que o efeito dissuasor dessa ameaça não será desprezável.

Conforme se infere das anteriores condenações sofridas pelo arguido e de parte dos factos pelos quais foi agora condenado, o principal factor que o tem impelido para condutas desviantes tem residido no consumo abusivo de álcool.

A circunstância de o Tribunal «a quo» tem subordinado a suspensão da execução da pena à sujeição do condenado a tratamento ao problema de alcoolismo de que padece pode constituir um bom incentivo para que o arguido supere tal aspecto negativo do seu quadro de vida.

Em face de tudo o que acabamos de expender, é possível concluir, como concluiu o Tribunal «a quo» pela formulação de um juízo de prognose no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão, concretizadas na pena de prisão suspensa na sua execução, aplicada ao arguido, serão bastantes para assegurar as finalidades da punição.

Nesta conformidade, terão os recursos interpostos por MP e assistente de improceder também por inteiro, mantendo-se inalterado o acórdão impugnado.

III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

negar provimento aos recursos interpostos do acórdão, respectivamente, pelo MP, pela assistente e pelo arguido e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas o recurso do MP.

Custas dos recursos da assistente e do arguido pelo recorrente respectivo, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida em ambos os casos.

Notifique.

Évora, 3/6/14 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)