Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1583/19.7T8FAR.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
Data do Acordão: 02/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Na Lei n.º 61/2008, que introduziu, igualmente, alterações ao artigo 1906.º do CC e entrou em vigor em 01/12/2008, ficou expresso no seu artigo 9.º que o novo regime não se aplicaria aos processos pendentes em tribunal;
Porém, na Lei nº 65/2020 não foi incluído preceito com idêntica previsão;
Pelo que e atendendo, outrossim, ao disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 12.º do CC, será de considerar a actual redacção conferida ao n.º 6 do dito artigo 1906.º desse diploma legal aplicável aos processos que pendiam em tribunal à data de 01/12/2020, o que abrangerá o caso dos presentes autos, deixando claro não ser necessária a existência de acordo entre os progenitores para aplicação do regime de residência alternada.
2 – O critério orientador para a escolha do regime da residência alternada assenta no superior interesse da criança em manter com ambos os progenitores uma relação em moldes igualitários de grande proximidade com cada um deles e revela-se no acervo de circunstâncias factuais concretas e relevantes provadas nos autos, não sendo de afastar tal aplicabilidade mesmo em crianças de tenra idade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1583/19.7T8FAR.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Família e Menores de Faro – Juiz 1
Apelante: (…)
Apelado: (…)
***
Sumário do Acórdão
(da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
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Acordam os Juízes da 1 ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – RELATÓRIO
(…), progenitor da criança (…) intentou a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra a progenitora da criança, (…), alegando a inexistência de acordo entre os progenitores quanto a esse exercício.
Foi designada data para conferência de pais, não tendo sido alcançado acordo entre os progenitores, sendo fixado um regime provisório e efectuada audição técnica especializada, na sequência do que foi alterado o regime provisório em 11/2/2020.
Os progenitores apresentaram alegações e testemunhas.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento a que se seguiu a prolação de sentença que contem o seguinte segmento decisório:
“VI - Decisão
Face ao exposto, decide-se regular o exercício das responsabilidades parentais relativas à criança (…), fixando-se o seguinte:
1. Exercício das responsabilidades parentais
a) Fixa-se a residência da criança junto dos progenitores, passando alternamente uma semana com cada um dos pais, devendo a criança ser entregue/recolhida à sexta-feira no estabelecimento escolar ou, caso este se encontre encerrado, na esquadra da PSP de (…), às 18 horas;
b) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da criança incumbe a cada um dos pais no período que lhe compete, devendo os pais seguir as orientações educativas mais relevantes definidas conjuntamente;
c) O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança (v.g. residência no estrangeiro, intervenção cirúrgica programada, opção pelo ensino público ou privado) são decididas de comum acordo por ambos os progenitores.
2. Convívios
a) A criança passará com cada um dos pais, de forma alternada, metade das férias escolares de Natal, Páscoa e Verão;
b) No dia do seu aniversário, a menor tomará, alternadamente em cada ano, uma das refeições principais com cada um dos pais;
c) No dia do aniversário dos pais, a menor passará o dia com o respectivo aniversariante.
d) No dia do pai e da mãe, passará o dia com o progenitor a quem o dia respeita.
e) Na semana que compete a cada um dos pais, a criança manterá contacto à distância com o outro progenitor através de telefone ou de videochamada, pelo menos duas vezes por semana.

3. Alimentos
a) Cada um dos progenitores suportará as despesas inerentes ao sustento da criança durante os períodos em que este consigo estiver (nas semanas que lhe competem);
b) Os pais suportarão, em partes iguais, as despesas de saúde e escolares (com livros, material didáctico, actividades extracurriculares, mensalidade do infantário e, futuramente, do ATL) da criança.
Custas por ambos os progenitores, na proporção de ½ para cada um.”
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Inconformada com a decisão a Requerida (…) apresentou requerimento de recurso dirigido a este Tribunal da Relação alinhando as seguintes conclusões:
“1ª- Quando se verifica que, com o decretamento de um regime de guarda partilhada da menor, a execução desse regime tem consequências negativas para o desenvolvimento pessoal, social e psíquico da menor, é demonstrativo que tal regime não se deve manter, devendo ser substituído por um regime que confie a menor à guarda e vigilância da mãe, estabelecendo-se o regime de visitas, fins de semana e férias da menor, de modo a esta poder conviver e estar com o seu pai, regime este a manter, pelo menos, enquanto esta for de tenra idade.
2ª- Um regime decidido pelo Tribunal de Menores, deve ter em devida conta, sempre, os superiores interesses da menor, a salvaguarda dos seus direitos à felicidade, à instrução e ao harmonioso desenvolvimento a que tem direito e que não pode ser negado e violentado, pelo estabelecimento de um regime de guarda partilhada, aplicada sem cuidado expresso, para seguir apenas as tendências das novas relações familiares dos termos que correm neste século XXI.
3ª- Sempre que se verifique que não existe acordo dos progenitores, quanto ao estabelecimento da guarda partilhada, sempre que se constate que um dos progenitores não tem confiança no outro progenitor, quanto à guarda do seu filho menor, não pode, nem deve o Tribunal fixar um regime da guarda partilhada, pelas nefastas consequências que tal regime tem para a menor e também para as relações interpessoais dos progenitores.”
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O Requerente (…) respondeu ao recurso alinhando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
94. A menor não sofre de graves situações psíquicas.
95. Está provado pelo decurso do tempo e pela factualidade que lhe está adstrita, que o regime instituído pela decisão do Tribunal a quo é a mais adequado.
96. Andou bem o Tribunal a quo ao estipular um regime provisório próximo da guarda partilhada, para que depois pudesse ser analisada a situação de modo definitivo.
97. Após sensivelmente 1 ano de regime provisório, os resultados foram concludentes, a menor melhorou em todos os aspectos e a relação dos progenitores também.
98. A douta decisão do Tribunal a quo deveria ser consensual porque vai de encontro ao pretendido pela Rte., que em requerimento submetido em 27/11/2019, nos pontos 10 e 11.
da peça processual apresentada a Rte. referiu: “10. A pretensão do requerente é no sentido de alcançar situação em que a menor residirá, alternadamente (geralmente, semana sim, semana não), com os dois pais. 11. Situação esta a que a requerida nunca se opôs, tendo referido e exigindo apenas, face à idade da menor e ao facto de sempre ter residido com a mãe, que essa alteração deveria ter-se como gradual para não ofender a estabilidade emocional da menor para além do expectável numa situação semelhante”.
99. É posição dominante na jurisprudência a admissibilidade da guarda compartilhada.
100. Depois de instituído pelo Tribunal a quo em 28/10/19 o regime provisório, do respectivo reajustamento em 11/02/20, não mais houve quaisquer conflitos entre os progenitores.
101. A Rte. ao alegar, que se deveria tornar ao primeiro regime, contraria tudo o que sempre disse ao longo do presente processo, desde logo, que não se opunha ao regime de guarda alternada, desde que existisse um período transitório, que efectivamente veio a verificar-se.
102. A menor actualmente vive feliz e está emocionalmente estável e tranquila, conhece as regras e tem presente o seu conceito de família, identifica ao pai e a mãe enquanto tais e os respectivos companheiros, sabendo colocar-se perante uns e outros.
103. A presente sentença está apresentada de forma exemplar, atende à prova produzida, está bem motivada, analisa a prova sempre com o intuito de proteger a menor e consideramo-la impoluta sob o ponto de vista técnico.
104. A Sra. Técnica da Segurança Social não só acompanhou este processo com acuidade e assiduidade, como rapidamente percebeu o que era melhor para o futuro da menor.
105. No que concerne à Sra. Educadora, esta esclareceu e reportou a realidade nua e crua relativamente ao comportamento e à personalidade da menor.
106. As alegações do Ministério Público aportam ao recurso factos mal interpretados e até incoerentes, que após explicação dada são de fácil entendimento.
Nestes termos e nos melhores de Direito que o Venerando Tribunal doutamente suprirá deverá ser negado total provimento ao recurso apresentado por falta de fundamento de facto e de direito, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Assim, decidindo, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores, Sã, Serena e Objectiva
JUSTIÇA”.
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O Ministério Público respondeu igualmente ao recurso alinhando no seu final as seguintes conclusões:
“CONCLUSÃO
a) A menor tem quatro anos e sempre teve residência com a progenitora e tinham feito um acordo, no qual a criança residiria com a mãe (cfr. ponto 7 acima).
b) O requerente pede “aclarar” o regime (cfr. ponto 6 da petição) e alargamento das visitas, mas não a residência alternada.
c) Os progenitores mantêm uma relação muito conflituosa, conforme é mencionado por várias vezes na sentença, inclusive com participações policiais, pelo menos uma das quais pendentes.
d) Existindo este clima, certamente, que a criança viverá em casa de cada um isolada e sem possibilidade de contactar com outro progenitor.
e) Dos autos não resultam que no caso concreto a criança beneficie do regime de residência alternada.
Nestes termos, e por tudo o mais que consta dos autos, o recurso deverá ser julgado procedente, conforme requerido pela recorrente, fixando-se a residência da criança com a progenitora, embora com visitas ao progenitor conforme tinham sido acordadas entre os progenitores.
Todavia, e como sempre, V. Exas. farão a costumada Justiça”.
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O recurso foi recebido na 1ª Instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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O recurso é o próprio, tendo ainda sido admitido adequadamente na primeira instância quanto ao modo de subida e ao efeito fixado.
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Correram Vistos.
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II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que, in casu, importa reapreciar de mérito centrando a atenção no segmento da residência fixada à criança.
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III – FUNDAMENTOS DE FACTO
Consta da sentença recorrida a seguinte matéria de facto:
II – FACTOS PROVADOS
Com interesse para a decisão, considera-se provado que:
1. A criança (…) nasceu em 29/2/2016 e é filha do requerente e da requerida (fls. 9);
2. Os progenitores separaram-se em Janeiro de 2017, permanecendo a criança aos cuidados da mãe.
3. Os progenitores estabeleceram entre si um acordo (extrajudicial) de regulação do exercício das responsabilidades parentais (fls. 5 verso a 8), do qual constava que a criança ficava a residir com a mãe, sendo fixados convívios com o pai, nomeadamente fins de semana, sendo consignado que «até a menor perfazer 30 meses vigorará um regime excepcional, em que a menor pernoitará sempre na casa da mãe, sendo que nos dias em que a menor se encontre com o pai este entregará a mesma na casa da mãe até às 21 horas e recolherá a menor no dia seguinte pelas 9 horas; a partir dos 30 meses da menor e durante os 3 meses seguintes a menor pernoitará apenas uma noite com o pai, por forma a gradualmente se adaptar a pernoitar com o mesmo, passando após esse período a vigorar na íntegra o regime (de convívios) supra descrito, ou seja, nos períodos em que a menor esteja com o pai pernoitará sempre com este, sendo a mesma recolhida e entregue nos horários referidos supra».
4. A criança começou a pernoitar em casa do pai a partir dos 30 meses de idade.
5. Na conferência de pais realizada em 28/10/2019 foram alargados os convívios, sendo fixado provisoriamente fins de semana quinzenais desde sexta feira até terça-feira, cabendo ao pai entregar e recolher a criança no infantário, para além do jantar à quarta-feira, incluindo pernoita (de quarta para quinta-feira) antes do fim de semana da mãe.
6. A conferência de pais foi suspensa, tendo os progenitores sido remetidos para audição técnica especializada (ATE) e estabelecido o acompanhamento do regime provisório pela técnica da Segurança Social. 7. Na data designada para continuação da conferência em 11/2/2020, face ao cumprimento do regime provisório avaliado positivamente pela Técnica da Segurança Social, foi definido provisoriamente que o pai passa com a criança quinzenalmente o período de sexta a quarta-feira, com entrega e recolha no infantário, sem a presença dos companheiros dos progenitores, a fim de evitar o conflito parental (acta de fls. 51/52).
8. Em tal conferência, a técnica da Segurança Social considerou que a progenitora revelava um comportamento algo obsessivo em relação à filha, referindo que a mesma telefonava sistematicamente à criança quando esta se encontrava com o pai, perguntando nomeadamente se não tinha saudades do seu quarto, o que desestabilizava a criança.
9. O regime provisório em vigor tem sido cumprido, registando-se uma boa adaptação da criança e uma melhoria na comunicação entre os pais.
10. A criança iniciou acompanhamento psicoterapêutico em finais do ano de 2018, por iniciativa da progenitora, alegando esta angústia, agressividade e choro fácil da filha, considerando a psicóloga (…) que a criança (então prestes a completar 3 anos) estava muito bem desenvolvida para a idade.
11. Em Agosto/Setembro de 2019 a psicóloga, atendendo aos sinais de exposição da menor ao conflito familiar, decorrentes de alguns comportamentos agressivos da criança (que, diversamente do que era habitual nas consultas, recusou em dois momentos brincar com figuras representativas da família, optando por brincar com os animais selvagens – cfr. informação clínica junta a fls. 83 e em sede de julgamento) encaminhou a criança para outro psicólogo (…).
12. O progenitor não teve intervenção no processo de acompanhamento psicológico da criança.
13. O psicólogo (…) iniciou o acompanhamento da criança em Janeiro de 2020, tendo efectuado quatro consultas, a última das quais em Março, tendo a clínica encerrado nessa altura devido à pandemia causada pela Covid-19.
14. Segundo o mesmo psicólogo, a menina (…) é muito afectiva, manifesta alguma ansiedade devido ao conflito parental, gosta de estar com o pai, mas prefere dormir em casa da mãe, com quem tem uma forte vinculação emocional, mostrando algum sofrimento quando a mãe está ausente, não observando o psicólogo indícios de alienação parental; propondo que quando está com um dos pais, a criança possa estabelecer videochamada com o outro progenitor.
15. O referido psicólogo contactou telefonicamente o progenitor, o qual se mostrou receptivo a intervir no processo de acompanhamento da filha. 16. A criança frequenta a creche/jardim de infância (…), em (…), desde Setembro de 2017.
17. Consta da avaliação da creche, relativa ao ano lectivo 2019/2020, 1.º período (datada de 21/1/2020), que a (…) teve uma excelente adaptação no início do ano lectivo, é cumpridora de regras; é uma menina que se sente segura nos diferentes espaços, já tem os seus amigos preferidos, é uma menina autónoma e independente, muito doce; apresenta uma boa capacidade de concentração, mesmo quando está no grande grupo; aceita a ausência dos pais, em algumas manhãs fica a chorar um pouco no momento da separação, é relativamente rápido o período em que retorna à calma; tem iniciativa e gosta de ajudar em tarefas simples, mostrando-se feliz (doc. de fls. 53).
18. Nas entregas da criança no infantário, a criança manifesta maior dificuldade na despedida da mãe e mais facilidade na despedida do pai, o que a educadora justifica pelo facto de o pai adoptar uma postura de maior tranquilidade diante da criança, levando a filha pela mão, enquanto que a mãe revela atitude mais ansiosa, levando muitas vezes a criança ao colo, o que dificulta a entrega.
19. No ano lectivo 2019/2020 a criança não apresentou enurese (diurna) no infantário, nem registou problemas em dormir a sesta.
20. No infantário o comportamento da criança é considerado normal, tranquilo e equilibrado, não registando a educadora qualquer alteração de comportamento na criança, sobretudo desde Outubro de 2019, quer esteja integrada no agregado materno ou paterno, denotando a criança vinculação afectiva a ambos os progenitores e revelando estes conhecimento sobre as necessidades da filha e investimento no acompanhamento do seu percurso.
21. Em 15/2/2019 a progenitora apresentou reclamação junto do Hospital Particular do … (…- …) em virtude de o progenitor ter comparecido naquele local no dia previamente agendado para realização de exames de diagnóstico à menor (raio-x e timpanograma), alegando que não o informou de tal data, solicitando saber como o mesmo tomou conhecimento da data dos exames, invocando «fuga de informação sigilosa», invasão da sua privacidade, alegando ser constantemente intimidada, temendo pela sua segurança, mais referindo que a pessoa que realizou a admissão do raio-x é amiga pessoal do pai da menor, pedindo o apuramento de responsabilidades e a tomada de medidas para evitar a repetição da situação (doc. de fls. 10/11).
22. O pai passou com a criança o período entre 26 de Agosto e 4 de Setembro de 2019, com pernoita.
23. Em 28/8/2019 a progenitora apresentou queixa na PSP de Faro em virtude de o progenitor não ter entregue a menor no dia 26/8/2019, tendo o progenitor informado a autoridade policial que apenas entregaria a filha no dia 1 de Setembro (doc. de fls. 29).
24. O agregado do progenitor é constituído além do próprio, pela companheira.
25. O progenitor é sócio de um ginásio em (…), sendo preparador físico e a sua companheira é professora de equitação.
26. O agregado da progenitora é integrado, além desta, pelo seu companheiro.
27. A progenitora trabalha numa loja de roupa de criança, no (…) de (…) e o companheiro é bancário.
28. Ambos os progenitores residem em (…), sendo as residências próximas.
29. Os convívios do pai com a criança são gratificantes para ambos.
30. A relação entre os progenitores é conflituosa.
31. A comunicação entre os progenitores para tratar dos assuntos da criança tem sido efectuada através de mensagens escritas de telemóvel.
32. O progenitor não apresenta patologia psíquica ou perturbação da personalidade, sendo o seu funcionamento psicológico adaptado e adequado no plano funcional (doc. de fls. 107/108).
33. O progenitor demonstra firme vontade em estar com a criança, pretendendo que esta passe o mesmo tempo com cada um dos pais, ao que a mãe se opõe.
34. A Técnica da Segurança Social pronuncia-se favoravelmente no sentido da fixação da residência alternada.
35. Existe uma forte vinculação da criança com ambos os progenitores.
36. Os progenitores revelam um global conhecimento das características inerentes ao processo sócio-educativo da criança, com investimento no quotidiano da mesma.
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III – FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com relevo para a decisão, designadamente não se provou que:
 No dia 28 de Abril a requerida recusou-se a informar o requerente do problema de saúde que levou a criança às urgências.
 Em Junho de 2019 a menor foi sujeita a uma intervenção cirúrgica.
 O requerente apenas conseguiu ver a filha uma semana depois da cirurgia.
 Sempre que a menor vai ao médico com a mãe, esta não informa o pai.
 O pai tem conhecimento das consultas apenas quando recebe as facturas para pagar.
 No início do Verão de 2019 a mãe recusou-se a informar o pai sobre os problemas que levaram ao acompanhamento psicológico da menor.
 No dia 31 de Agosto de 2019 a mãe perseguiu o pai durante o período em que a menor estava ao seu cuidado, situação já ocorrida noutros momentos.
 A requerida acusa e difama o requerente nas redes sociais.
 A requerida fez insinuações graves ao requerente relativamente ao corpo da menor, questionando a colocação de pomada (halibut) nas zonas íntimas da criança.
 A requerida convenceu o requerente quando a menor nasceu que era melhor para o bem-estar desta que ela apenas pernoitasse com o pai a partir dos três anos.
 A menor sofre de uma constante manipulação da requerida, que resulta em situações em que a menor fica renitente em ir para casa do pai.
 Após a separação a progenitora afastou o progenitor da criança de modo violento.
 O pai causou um profundo abalo psicológico à criança por ter esta ter pernoitado em sua casa de 26 de Agosto até 4 de Setembro de 2019.
 Até à Páscoa de 2019 nunca o pai tinha mostrado interesse em privar com a menor além do tempo estipulado no acordo firmado entre os pais.  O progenitor é uma pessoa psicologicamente perturbada e que sempre demonstrou comportamentos de extrema agressividade, controlo e possessividade pela progenitora, mesmo após a separação.
 O progenitor demonstra um ciúme extremo e despropositado pelo companheiro da requerente, acusando-o várias vezes de querer ser pai da sua filha.
 Com a presente acção o progenitor visa controlar a vida da requerida.  Desde que pernoitou forçosamente com o requerido e regressou da casa do pai a criança recusa-se a dormir na própria cama, como sempre fez, só aceitando dormir na cama da mãe, agarrada a ela.
 Acorda diversas vezes aterrorizada, perturbada e a gritar a chamar pela mãe e só se tranquiliza quando se apercebe que a mãe está, efectivamente, ali perto dela.
 A menor continua a mostrar elevada resistência em ir com o requerente e as visitas determinam um acréscimo de instabilidade no menor por essa razão.
 O alargamento do tempo das visitas à casa do pai provocam instabilidade na menor, que quando regressa a casa demonstra alterações a nível da alimentação e do sono, rejeitando até sair de casa para passear por achar que o pai estará a espera dela para a levar.
 Por diversas vezes o requerente, em face do comportamento da menor (de não querer ir consigo), ficava irritado e discutia com a requerida e seu companheiro em frente à menor.
 Tendo a menor assistido, por diversas vezes, ao requerente a ameaçar o companheiro da mãe, proferindo expressões tais como «eu parto-te a cara», «a vida vai-te correr tão mal seu filho da puta».
 O requerente persegue a requerida e seu companheiro e insiste em estar presente em todos e quaisquer actos que tenha conhecimento, tais como consultas de rotina ou realização de exames médicos.
 Para tal suscitou ajuda de uma funcionária do Hospital Particular do (…) que, em manifesta violação da protecção de dados do menor, divulgou a data e hora da consulta de rotina da menor agendada pela requerida.
 No dia 15/2/2019 o requerente apareceu naquele hospital e começou a gritar com o companheiro da requerida, dizendo «tu não tens que estar aqui, o pai sou eu! Desaparece!».
 Desde a estipulação do regime provisório, todas as entregas e recolhas da menor em que comparecem ambos os progenitores, a menor demonstra enorme resistência em ir para o pai, sendo arrancada pelo pai e levada à força a chorar e aos gritos.
 O requerente não dispõe de rendimentos suficientes para fazer face às despesas inerentes aos cuidados da menor, caso fossem repartidas de forma igual.
 Nos dias em que fica com a menor e pernoita com ela, o pai não a veste ou toma o pequeno almoço com ela, sai para trabalhar e regressa para levá-la à escola, com o intuito de fazer crer à escola que é um pai responsável e extremoso.
 Nem a vai buscar a maior parte dos dias que fica com a menor.
 Passando a menor mais tempo com a companheira do pai ou avó do que com o pai nesses dias.
 A psicóloga (…) pediu escusa do acompanhamento que sempre fez com a menor (…) por ter sido ameaçada no seu local de trabalho pelo requerente em frente das restantes pessoas da clínica (…), onde exerce funções.
 E com medo pediu ao colega Dr. (…) que a substituísse no que respeita à continuidade do acompanhamento da menor.
 O requerente é pessoa agressiva, impulsiva e violenta.
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Quanto aos demais factos alegados pelos progenitores, que constituem matéria conclusiva, deverão ser valorados em sede própria.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se a Apelante contra a fixação a favor da (…) do regime de residência semanal alternada junto de cada um dos progenitores, concretamente Apelante e Apelado, pugnando pela substituição do mesmo por regime de residência única junto de si Apelante, com o correlativo estabelecimento de regime de visitas/convívios entre a criança e o Apelado a manter enquanto a (…) for “de tenra idade”.
Retira-se da leitura das conclusões recursivas da Apelante que esta considera que no caso vertente o decretamento do regime da “guarda partilhada” dada a ausência de acordo dos pais quanto ao estabelecimento deste último, bem como a falta de confiança da Apelante no Apelado no que tange aos cuidados a prestar à criança, tem consequências nefastas para o desenvolvimento pessoal, social e psíquico da (…), dessa forma prejudicando o seu superior interesse, bem como “as relações interpessoais dos progenitores”.
O pai da (…), ora Apelado, entende que o regime de residência alternada fixado na sentença recorrida deve manter-se inalterado, alertando para o facto de ter sido fixado nos autos em 28/10/2019 um regime com carácter provisório “próximo da guarda partilhada”, que abarcou um período transitório, o qual esteve em execução durante cerca de um ano com bons resultados quer para a criança, que melhorou a vários níveis, quer para a relação entre os progenitores, que deixaram de conflituar entre si a partir do “reajustamento” feito ao dito regime provisório em 11/02/2020.
Salientou ainda o pai da (…) que a ora Apelante chegou a expressar nos autos em 27/11/2019 que não se opunha a uma futura fixação do regime de residência alternada semanal da filha com mãe e pai sublinhando então e apenas aquela que a passagem para tal regime deveria ser gradual para não afectar a estabilidade emocional da (…) face à pouca idade da criança e bem assim ao facto de a mesma ter residido até ali sempre na companhia da mãe.
O Ministério Público expressou nas respectivas conclusões recursivas dever o recurso ser julgado procedente e fixar-se a residência da (…) com a Apelante apontando a relação ”muito conflituosa” mantida entre os pais da criança, insusceptível de poder contribuir para que a residência alternada seja um beneficio para a criança, salientando ainda que na petição inicial o pai da (…) não peticionou a fixação de residência alternada, mas sim o aclaramento de um acordo feito com a mãe da (…) no sentido da menina residir com a mãe e, bem assim, o alargamento do regime de visitas entre a sua pessoa e a filha.
Dito isto, impõe-se saber se o regime de residência semanal alternada fixado na sentença recorrida é o que melhor se compatibiliza com o superior interesse da menina (…), ou se, ao invés, tal interesse fica melhor acautelado com a alteração desse regime, fixando-se a residência da criança com um dos progenitores, mormente com a Apelante, que assume pretende-lo em exclusivo neste recurso.
Naturalmente que neste último caso, afigurar-se-á imperioso reformular o regime de visitas/convívios e bem assim o segmento atinente à pensão alimentícia fixados na sentença recorrida.
Será, obviamente, o acervo de factos considerados provados na sentença recorrida que permitirá orientar-nos no sentido da melhor decisão, ou seja, daquela que poderá trazer mais beneficio à (…), sendo certo que tal decisão de facto não foi objecto de válida impugnação em sede recursiva, como facilmente se constata das conclusões recursivas da Apelante.
Diz-nos o artigo 1906.º, n.º 5, 6 e 8, do Código Civil (doravante apenas CC), na redacção actual conferida pela recente Lei n.º 65/2020, de 04/11, que entrou em vigor no passado dia 01/12/2020, o seguinte:
“5- O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6- Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
[…]
8- O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.”
Do cotejo com a Lei n.º 61/2008, de 31/10, percebemos que a Lei n.º 65/2020 manteve intacta a redacção do n.º 5, bem como a do anterior n.º 7, que passou a ser o n.º 8.
A novidade consiste na redacção conferida ao actual n.º 6.
Na Lei n.º 61/2008, que introduziu igualmente alterações ao artigo 1906.º do CC e entrou em vigor em 01/12/2008, ficou expresso no seu artigo 9.º que o novo regime não se aplicaria aos processos pendentes em tribunal.
Porém, na Lei n.º 65/2020 não foi incluído preceito com idêntica previsão.
Pelo que e atendendo, outrossim, ao disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 12.º do CC, será de considerar a actual redacção conferida ao nº 6 do dito artigo 1906.º desse diploma legal aplicável aos processos que pendiam em tribunal à data de 01/12/2020, o que abrangerá o caso dos presentes autos.
E assim sendo cai desde já pela base o argumento de que o regime de residência alternada não poderia ser decretado no caso concreto por eventual desacordo entre os pais da (…) quanto a tal opção.
Sobre a nova redacção conferida ao n.º 6 do artigo 1906.º do CC pela Lei 65/2020 se pronunciou muito recentemente na esteira do que supra acabamos de exprimir o acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 03/12/2020 (Processo n.º 1936/15.0T8TMR-A.E1), acessível para consulta in www.dgsi.pt.
Refere ainda o artigo 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Comum (doravante apenas RGPTC), no seu n.º 1, que:
“1- Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela.”
O preceito em causa não refere expressamente a expressão “residência alternada”, sendo certo, porém, que ao mencionar a possibilidade de confiança “a ambos” os progenitores está inegavelmente a apontar nesse sentido.
E também dele não resulta expresso que tal confiança a ambos os progenitores da criança quanto à fixação de tal regime tenha de depender de mútuo acordo dos mesmos.
Como tal, é nosso entendimento que ainda que a Lei n.º 65/2020, de 04/11 não tivesse conferido ao n.º 6 do artigo 1906.º do CC a redacção que lhe conferiu, ou que esta última não pudesse ser considerada no caso vertente, sempre seria de afastar o argumento da eventual falta de acordo inviabilizar o Tribunal a quo de decretar o regime de residência alternada a favor da (…), por força da aplicação do artigo 40.º, n.º 1, do RGPTC, na interpretação que acima deixamos expressa e também pelo facto de nada resultar em contrário a tal do disposto no n.º 5 do artigo 1906.º do CC, também acima transcrito.
Dito isto, pensamos que a fixação do regime de residência alternada (por vezes também apelidado de “guarda conjunta” ou “partilhada”), no âmbito do segmento da regulação conhecido tradicionalmente como guarda e confiança (ou custódia), da criança tem fundamentalmente como critério orientador, dessa forma possibilitando, ou não, a sua aplicabilidade, o chamado interesse superior da criança, o qual se extrai dum conjunto de circunstâncias factuais concretas relevantes, na certeza, porém, que a decisão final, enveredando, ou não, pela opção da residência alternada, deverá, como regra, acautelar o estabelecimento e manutenção de uma relação de grande proximidade da criança com ambos os progenitores.
Tal pode, em nosso entender, conforme já acima aflorado, extrair-se com mediana clareza do disposto no artigo 1906.º, nºs 5, 6 e 8, do CC, na actual redacção e, bem assim, do artigo 40.º, n.º 1, do RGPTC.
Muito se tem escrito e decidido sobre o conceito de superior interesse da criança.
Começando pelo apoio legal encontramos a seguinte abordagem na alínea a) do artigo 4.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (doravante apenas LPCJP), aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01/09, para que remete, aliás, o artigo 4.º, n.º 1, do RGPTC:
a) Interesse superior da criança e do jovem – a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.”
Doutrinariamente e apesar do período temporal decorrido sobre a mesma salientamos, por manter actualidade, a noção de Almiro Simões Rodrigues (“Interesse do Menor, Contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, páginas 18-19) que considera que o interesse superior da criança deve ser entendido como “o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.”
Nesta sede realçamos igualmente a noção apresentada por Maria Clara Sottomayor (“Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, 3.ª edição, Almedina, 2000, página 30), traduzida no seguinte: “O interesse do menor é um conceito indeterminado e que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo do poder paternal: a) a segurança e saúde do menor, o seu sustento, educação e autonomia […] b) o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos […] c) a opinião do filho”.
Seguindo ainda Tomé d`Almeida Ramião (“Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado”, 3ª edição, Quid Juris, 2018), diz-nos o referido Autor no seguimento do defendido pelos dois autores supracitados que […] o conceito de “superior interesse da criança” está relacionado com o exercício dos seus direitos. O que significa que no confronto dos vários interesses em presença, porventura legítimos […], deve dar-se preferência e prevalência à solução que melhor garanta o exercício dos seus direitos” (página 23).
E acrescenta ainda que constituirão bens e interesses prioritários da criança “a sobrevivência, a integridade física e psíquica e a liberdade (quer no sentido do desenvolvimento da personalidade, quer no da liberdade física e da liberdade ideológica)” – (página 24).
No domínio da jurisprudência são vastíssimos os arestos que de uma forma ou de outra aludem ao superior interesse da criança.
Entendemos como particularmente elucidativa a menção feita a este propósito no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 20/01/2005 (Processo n.º 8522/2004-8, acessível para consulta in www.dgsi.pt.), nos seguintes termos: “O interesse do menor constitui um conceito jurídico indeterminado utilizado pelo legislador por forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto.”
Aqui chegados há que baixar à dimensão factual, mormente para atentar nos factos considerados como provados na sentença recorrida, por forma a se aferir, na perspectiva do superior interesse da criança já acima tratado, se assistirá razão à Apelante, ou, pelo contrário se deve manter-se o regime fixado pelo Tribunal a quo.
Previamente, recordemos que na nossa perspectiva e pelas razões que já acima deixamos expresso não existe seguramente neste momento qualquer impedimento legal a que se opte pelo regime da residência alternada mesmo na ausência de acordo entre os progenitores nesse sentido, bastando que circunstâncias factuais relevantes apuradas no caso concreto apontem no sentido de que tal regime concorre mais favoravelmente para o prosseguimento do superior interesse da (…).
Por outro lado, sendo decisivo para a fixação do regime o critério orientador do superior interesse da criança tão pouco se revela preponderante o argumento de que o pai da (…) não tenha peticionado inicialmente e de forma expressa o estabelecimento do regime da residência alternada, dado que estando em causa um processo com natureza de jurisdição voluntária onde o Tribunal a quo (e o Tribunal ad quem quando é interposto recurso), deve no seu julgamento “adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, por respeito ao disposto nos artigos 12.º do RGPTC e 987.º do CPC, competirá ao Tribunal definir na sua decisão o regime que alicerçado nos factos que se provem melhor se compatibilize com aquele critério orientador, independentemente de o mesmo ter, ou não, chegado a ser concretamente peticionado ou requerido.
De resto nem sequer será de todo exacto sustentar que o ora Apelado não peticionou a fixação da residência alternada uma vez que logo que ficou assente que a acção prosseguiria como regulação do exercício das responsabilidades parentais aquele apressou-se a atravessar nos autos o requerimento de 25/10/2019 onde pede expressamente ao Tribunal a quo que decrete tal regime a favor da menina (…).
A factualidade considerada como provada na sentença recorrida, que temos como definitiva, revela-nos uma criança prestes neste momento a atingir os cinco anos de idade, ou seja já independente nesta fase da sua vida de cuidados diários imprescindíveis que só a progenitora lhe possa assegurar tais como a amamentação, que usualmente contende de forma evidente, pela tendencial impraticabilidade do mesmo, com o decretamento de um sistema de residência alternada.
Sabemos também que a (…) começou a pernoitar em casa do Apelado logo a partir dos 30 meses de vida, o que equivale a dizer que o faz desde há cerca de 30 meses, tendo ainda no ano de 2019 registado 10 pernoitas seguidas na companhia do pai, resultando tal da descrição factual constante dos pontos 4 e 22 do elenco dos factos considerados como provados na sentença recorrida.
Resulta, outrossim, do elenco dos factos assentes na sentença recorrida que o processo conheceu durante a sua instrução dois regimes provisórios, um fixado em 28/10/2019 e o outro em 11/02/2020 tendo neste último o regime de convívios e de pernoitas entre a (…) e o seu pai conhecido um alargamento e adaptabilidade ao mesmo por parte de ambos os progenitores da criança que o têm cumprido, registando-se ainda “uma boa adaptação da criança”.
Ainda relativamente à (…) podemos concluir do cotejo das circunstâncias factuais consideradas assentes no âmbito dos factos provados na sentença recorrida sob os pontos 14, 17, 19 e 20, no sentido de uma evolução positiva da criança desde pelo menos Outubro de 2019 no plano do controlo das respectivas emoções, revelando paulatinamente maior tranquilidade e segurança em si, na autonomia e independência relativamente a tarefas elementares, no tocante ao cumprimento de regras básicas a nível escolar e social e no respectivo processo de socialização com outras crianças.
Por outro lado, podemos concluir também, designadamente do conjunto factual descrito no segmento dos factos provados na sentença recorrida sob os pontos 20 (segunda parte), 35 e 36, que a (…) se encontra já fortemente vinculada do ponto de vista emocional a ambos os progenitores.
Por seu turno, quanto a estes últimos, percebemos do acervo factual reunido sob os pontos 20 (última parte) e 36. dos factos considerados como provados na sentença recorrida que reúnem condições do ponto de vista psico-afectivo para ter a criança consigo, estando bem inteirados sobre as necessidades quotidianas da (…), bem como focados e investidos em satisfazê-las com responsabilidade no âmbito do acompanhamento do processo educativo pessoal da criança.
Especificamente quanto ao progenitor, que pretende e pugna pela manutenção da residência alternada, decorre ainda da factualidade descrita sob os pontos 29 e 33 do aludido segmento dos factos provados que a convivência pai-filha é muito positiva para ambos e que o mesmo revela interesse e um firme propósito de partilhar igualitariamente com a respectiva progenitora períodos de tempo com a criança na sua companhia.
Por outro lado, o descritivo factual constante dos pontos 24, 25, 26 e 28 do segmento dos factos provados na sentença recorrida permite-nos constatar que os progenitores da (…) residem geograficamente próximo um do outro, ambos na cidade de Faro, o que facilita um eventual contacto presencial entre si relativo ao prosseguimento de necessidades da criança, caso se afigure necessário, sendo o agregado familiar de cada um deles composto por mais um membro, concretamente o(a) actual companheiro(a), o que permite presumir a possibilidade de apoio de rectaguarda no tocante a ambos os progenitores quanto à resolução de questões respeitantes a interesses/necessidades da (…).
De resto, no concernente a condições materiais dirigidas à satisfação das necessidades da criança verificamos pela leitura do teor dos pontos 25 e 27 dos factos considerados como provados na sentença recorrida que os membros de ambos os agregados possuem actividade profissional de cujo exercício efectivo presumivelmente auferirão como contrapartida rendimento compatível.
Por conseguinte, perante os dados factuais analisados até ao momento é de aceitar que o superior interesse da criança em ter ambos os progenitores presentes e activos no seu percurso de vida com vista ao estabelecimento de uma relação de grande, diremos mesmo de máxima, proximidade com cada um deles para desse modo poder conhecê-los e dar-se a conhecer aponta para a manutenção da decretada residência alternada.
Vejamos, porém, se o relacionamento interpessoal entre os pais da (…) poderá apontar noutra direcção.
Resulta da matéria de facto provada na sentença recorrida, mormente do acervo factual descrito sob os pontos 2, 23, 30 e 31 do segmento dos factos provados na sentença recorrida que os progenitores da (…) se separaram um do outro em Janeiro de 2017, tendo à data a criança 11 meses de vida, que em 28/08/2019 a ora Apelante apresentou uma queixa na PSP de Faro por alegadamente o ora Apelado não lhe ter entregue a filha a 26/08/2019, ao que este último esclareceu os efectivos da PSP que apenas teria que a entregar a 01/09/2020 e bem assim que a relação entre os pais da (…) é “conflituosa”, comunicando os mesmos através de mensagens escritas de telemóvel para tratar de assuntos relativos à (…).
A consideração de que a relação entre os progenitores é “conflituosa”, só por si não nos revela qualquer circunstância factual decisiva uma vez que se traduz num facto conclusivo e não descritivo de qualquer facto naturalístico concreto.
Por seu turno, o facto de os progenitores da (…) comunicarem entre si por mensagens escritas sobre os assuntos atinentes à criança apenas nos permite saber que existe uma preocupação mútua em resolver as necessidades da criança sendo a forma de comunicação em apreço perfeitamente aceitável e regulamentar, nada sendo, a nosso ver, de imputar desfavoravelmente a tal.
De resto, sempre será de trazer à colação o que também resultou como provado na sentença recorrida, mormente na parte final do ponto de facto vertido sob o n.º 9 dos factos provados, concretamente que após a revisão do regime provisório feita nos autos em 11/02/2020 se registou “uma melhoria na comunicação entre os pais.”
Dito isto, a circunstância factual atinente à participação policial feita pela Apelante para além de não indiciar sequer de modo consistente a existência de um qualquer incumprimento imputável ao Apelado tão pouco pode levar o julgador a formar a convicção de que existe um grau de litigiosidade entre os progenitores da (…) suficientemente grave para se dever concluir não ser do interesse da criança a fixação do esquema de residência alternada.
Tal poderia ser equacionado e sempre pressupondo um quadro indiciário seguramente de maior rigor se tivesse resultado dos factos provados alguma das circunstâncias passíveis de integração na previsão de violência em contexto familiar a que alude o artigo 1906.º-A do CC, dado que a provável desconsideração do regime do exercício em comum das responsabilidades parentais colocaria inegáveis obstáculos à fixação de um regime de residência alternada.
Mas, felizmente, não consta do acervo dos factos considerados como provados na sentença recorrida dados dessa natureza, concretamente proibição judicial de contactos entre os progenitores da (…) e menos ainda de maus tratos ou abuso sexual de crianças.
Ainda nesta sede devemos reter que a separação entre os pais de uma criança que anteriormente vivenciaram uma experiência de vida em comum, como sucedeu no caso concreto, muito provavelmente terá tido na sua fonte, ou génese, algum tipo de conflito, ainda que mais ou menos directamente causador da separação.
Ora se tal justificasse afastar sistematicamente o regime da residência alternada relativamente aos filhos gerados estar-se-ia praticamente a apagar este último do leque de opções atinentes à chamada “guarda” das crianças.
Acresce que o regime de residência alternada permitindo um patamar de contacto mínimo entre os pais, uma vez que na gestão do mesmo ambos têm que demonstrar e agir com franca autonomia e independência relativamente ao outro, pode perfeitamente contribuir para diminuir situações dilemáticas de conflito.
Por outro lado e tal até já decorre de algum modo do que supra foi exposto nada resultou provado que permita pensar que o progenitor da (…) não esteja em condições de tratar quotidianamente da criança em moldes correspondentes à prossecução do seu bem estar a nível material, emocional e educativo, pois, de acordo com o facto assente sob o ponto 32 do elenco dos factos provados na sentença recorrida estamos perante um pai que denota sentido de responsabilidade relativamente ao tratamento com a filha, não padecendo de qualquer patologia, ou perturbação, de personalidade apresentando, outrossim, do ponto de vista psicológico, um quadro de adaptação e adequação no plano funcional à assunção de responsabilidades parentais.
Mostra-se relevante reter ainda que os factos considerados como provados na sentença recorrida ilustram, ademais, que do ponto de vista das chamadas entidades de primeira linha, onde se incluem as que possuem competência em matéria de infância e juventude , bem como as escolas e as creches, percepcionaram, através das educadoras da (…) um pai tranquilo, responsável, atento e afectuoso para com a filha, tendo a Segurança Social no acompanhamento que fez à situação da criança no âmbito instrutório destes autos alinhado pelo mesmo diapasão ao ponto de se pronunciar, como decorre do ponto 34 dos factos provados na sentença recorrida, favoravelmente à fixação da residência alternada.
A nossa Lei Constitucional dispõe expressamente no seu artigo 36.º, epigrafado “Família, casamento e filiação”, que:
“[…]
3- Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.
4- Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer descriminação…
5- Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
6- Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”
Esta norma entronca em princípios e regras estabelecidas em instrumentos jurídicos supranacionais, aplicáveis directamente no nosso ordenamento jurídico, de que se destaca designadamente a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26/01/1990, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, publicada no D.R. n.º 211/90, Série I, 1º Suplemento de 12/09/1990 e ratificada pelo Decreto Presidencial n.º 49/90 de 12/09, que destaca no seu artigo 18.º, o seguinte:
“1- Os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do principio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.”
É já diversa a jurisprudência nacional dos nossos Tribunais Superiores que acolhe a solução da residência alternada e dela a sentença recorrida não deixou de dar conta no respectivo enquadramento jurídico, por via da menção de três acórdão recentes, sublinhando-se aqui particularmente pelo seu interesse face aos contornos do caso concreto o acórdão proferido no Tribunal da Relação de Lisboa em 07/08/2017 (Processo n.º 835/17.5T8SXL-A.L2) e o acórdão proferido no Tribunal da Relação de Coimbra em 11/12/2018 (Processo n.º 2311/18.0T8PBL-A.C1), qualquer deles acessível para consulta in www.dgsi.pt.
Em sede de resenha jurisprudencial entendemos ainda acrescentar, para sustento da posição defendida neste acórdão, o aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 24/01/2017, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, no processo n.º 954-15.2T8AMD-A.L1-7, igualmente acessível para consulta in www.dgsi.pt., de que extraímos o seguinte trecho:
“Havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os pais e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, a guarda/residência conjunta é o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que necessariamente concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado do menor e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos, das responsabilidades parentais”.
Do mesmo passo não podemos deixar de indicar outro acórdão muito recente proferido neste Tribunal da Relação de Évora em 14/07/2020 (Processo n.º 546/19.7T8PTM.E1), acessível in www.dgsi.pt., que aborda a situação de uma criança de idade próxima da idade da (…), de que destacamos a seguinte passagem do respectivo sumário.
1. A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
2. A lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
3. A tal não obsta a circunstância da criança ter dois anos de idade, não apenas porque a partir desta idade é importante iniciar o processo de desmame, como estímulo à sua independência e promoção da sua inteligência e estruturação emocional, como os estudos realizados sobre esta matéria indicam que crianças que, desde cedo, vivem em regime de residência
alternada possuem melhores indicadores de bem-estar emocional do que as que crescem em modelo de residência única”.
Nos termos expostos entendemos que nada impede, bem pelo contrário, pois nesta fase da sua, ainda, curta vida tal corresponde ao superior interesse da menina (…), a fixação do regime de residência alternada nos termos decretados pelo Tribunal a quo, regime esse que, obviamente, poderá sempre ser objecto de alteração futura se outro circunstancialismo superveniente e relevante se vier a revelar, após prévia reavaliação, no âmbito de adequado procedimento tutelar cível.
De acrescentar que o regime de convívios em férias e datas festivas determinado na sentença recorrida afigura-se igualmente compatível com o superior interesse da (…) e com os dados factuais assentes nos autos.
Perante o que resultou provado na sentença recorrida concluímos, ainda, que não estão reunidos factos que permitam percepcionar um desequilíbrio a nível de rendimento disponível entre os progenitores da Eva que justifique a fixação de uma pensão alimentícia stricto sensu a favor da criança a pagar por algum dos ditos progenitores ao outro, o que sempre seria possível designadamente à luz do actual n.º 6, parte final, do artigo 1906.º do CC.
Por todo o exposto, não merece censura a douta sentença recorrida que, a nosso ver, avaliou correctamente a factualidade considerada provada mostrando-se adequado, por conveniente e oportuno, o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais decretado pelo Tribunal a quo.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões recursivas.
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V - DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta 1ª Secção Cível em negar provimento ao presente recurso de apelação interposto por Andreia Pedro Jorge e em consequência decidem:
a) Confirmar a sentença recorrida;
b) Condenar em custas a Apelante – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
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DN
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Évora, 25/02/2021
(José António Moita – relator: Assinatura electrónica certificada no canto superior esquerdo da primeira folha do acórdão).
(Silva Rato – 1º Adjunto: votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05).
(Mata Ribeiro – 2ºAdjunto: votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05).