Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1798/18.5T8TMR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: CATEGORIA PROFISSIONAL
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
DISCRIMINAÇÃO
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. A categoria profissional afere-se em razão das funções efectivamente exercidas pelo trabalhador, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional que caracteriza ou determina a categoria em questão.
2. Exercendo o trabalhador diversas actividades subsumíveis a diferentes categorias, a sua categorização deve efectuar-se atendendo ao núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou à actividade predominante ou, no caso de diversidade equilibrada ou indistinta, atender-se à mais favorável ao mesmo.
3. O princípio “trabalho igual, salário igual”, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, ou com base em factores materiais de discriminação (identificados no art. 24.º n.º 1 do Código do Trabalho).
4. Não sendo invocados quaisquer factores materiais de discriminação, compete ao trabalhador efectuar a prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos gerais do art. 342.º n.º 1 do Código Civil. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Tomar, A…, F…, O… e V…, demandaram E…, S.A., pedindo a condenação desta a reconhecer e atribuir aos AA. a categoria profissional de Técnico Administrativo, com efeitos desde 2009, e a pagar a título de diferenças salariais entre a categoria de Operário e a de Técnico Administrativo, os valores, respectivamente, de € 27.130,10, de € 27.591,30, de € 12.443,18 e de € 23.701,03, bem como as diferenças que se vencerem na pendência da acção.
Contestada a acção, com impugnação pela Ré do conteúdo concreto das funções desempenhadas pelos AA., realizou-se julgamento e foi proferida sentença julgando a causa totalmente improcedente.
Inconformados, os AA. introduzem a instância recursiva e concluem:
1. A sentença julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ora recorrida dos pedidos formulados, mas fez uma incorrecta interpretação dos factos provados, uma errada subsunção jurídica dos mesmos e uma deficiente aplicação do Direito.
2. A matéria de facto provada é suficiente e adequada a que a decisão judicial fosse no sentido contrário, isto é que fossem julgados procedentes os pedidos dos ora recorrentes.
3. Analisando o caso sob dois pontos de vista: a)a categoria profissional de um trabalhador deve corresponder às funções efectivamente exercidas por si; b)deve ser respeitado o princípio constitucional do salário igual para trabalho igual, sempre se chegaria à mesma conclusão.
4. Os ora recorrentes alegaram e provaram que as funções que desempenham são próprias da categoria de Técnico Administrativo, pois não têm qualquer relação com as próprias da categoria de Operário, antes são absolutamente diferentes, nem se podem encaixar na solitária expressão “pode efectuar compras de material ou ferramentas indispensáveis”.
5. Os recorrentes não exercem quaisquer das funções aí elencadas, pois tudo o que fazem, no quotidiano, está relacionado exclusivamente com a aquisição de bens e serviços, incluindo empreitadas.
6. É que os recorrentes apenas realizam as funções próprias do processo de aquisição de bens e serviços, processo esse de grande complexidade, participando e intervindo concretamente em diversas fases daqueles processos de aquisição, alguns deles de âmbito internacional, e isso nada tem a ver com a simples “compra de materiais ou ferramentas indispensáveis” cuja indicação se encontra antecedida da expressão “pode” para a tornar ainda mais precária.
7. O próprio elenco das funções do Técnico Administrativo e a forma como estas estão descritas denuncia claramente uma complexidade só compatível com “comprovados conhecimentos teóricos e práticos em áreas não industriais de especialidade reconhecida” que os recorrentes adquiriram através de participação em “acções de formação e workshops sobre o Código de Contratos Públicos (CCP), com o objectivo de aquisição de conhecimentos no que diz respeito aos procedimentos legais quanto à aquisição de bens e serviços” (facto NN).
8. Atente-se na definição de funções do Técnico Administrativo: “É o trabalhador que, sendo possuidor de comprovados conhecimentos teóricos e práticos em áreas não industriais de especialidade reconhecida: Desempenha funções de exigente valor técnico, de estudo ou apoio, de assessoria ou de execução, que não se limitam à interpretação e aplicação de normas ou modelos preestabelecidos, em áreas de actividade perfeitamente definidas e compatíveis com o nível elevado das suas competências profissionais e de especialização…”.
9. Basta atentarmos na complexidade das tarefas e nos elevados conhecimentos que se exigem aos trabalhadores que desempenham as tarefas efectuadas pelos recorrentes para se concluir imediatamente que essas funções não se podem integrar na simplicidade da expressão “pode efectuar compras de materiais ou ferramentas indispensáveis”.
10. A dimensão, a complexidade e o alcance das funções próprias e nucleares da categoria de Técnico Administrativo são muito diferentes da possibilidade expressa na singela frase constante do elenco de funções próprias da categoria de Operário.
11. No meio de todo o trabalho próprio da categoria de Operário, a compra de materiais ou ferramentas efectuada pontualmente para salvaguardar a necessidade operacional do seu serviço, nada, mas rigorosamente nada, tem a ver com a aquisição de bens e serviços que os recorrentes fazem quotidianamente.
12. É que, para além de serem realidades substancialmente diferentes, o trabalho prestado pelos recorrentes “reduz-se apenas” a esta aquisição de bens e serviços, ou seja, não fazem mais nada…
13. Mas ainda que existam dúvidas sobre a categoria que se deve aplicar – se a de Operário se a de Técnico Administrativo – sempre a classificação dos recorrentes se deverá fazer, por atracção, para a categoria superior.
14. São estes os factos provados, com interesse para o que se discute neste caso: (segue-se a reprodução das alíneas L) a NN) do elenco fáctico, infra reproduzidas);
15. Estas funções em nada estão relacionadas com as funções inerentes à categoria de Operário, antes se devem integrar na categoria de Técnico Administrativo pois os recorrentes “desempenham funções de exigente valor técnico, de estudo ou apoio, de assessoria ou de execução, que não se limitam à interpretação e aplicação de normas ou módulos preestabelecidos, em áreas de actividade perfeitamente definidas e compatíveis com o nível elevado das suas competências profissionais e de especialização”.
16. Dúvidas não subsistem de que os recorrentes nunca podem estar classificados com a categoria de Operário, antes lhes deverá ser atribuída a categoria de Técnico Administrativo pois as funções quotidianas que exercem inserem-se perfeitamente nesta categoria profissional.
17. Também quanto ao aspecto relativo ao princípio constitucional “salário igual para trabalho igual” a decisão deveria ter sido a de procedência dos pedidos dos ora recorrentes, sendo certo que foi efectuada a prova de que o trabalho realizado deve ser igual em “quantidade, qualidade e natureza”.
18. Com efeito, os trabalhadores I…, B…, A…, J… e L… fazem precisamente o mesmo trabalho de aquisição de bens e serviços, pois realizam “todo o tipo de procedimentos descritos no Procedimento Funcional da Qualidade – Contratação”, o que os recorrentes também fazem.
19. Portanto, estes cinco trabalhadores que possuem a categorias profissional de Técnico Administrativo desempenham as diversas tarefas que os recorrentes desenvolvem para aquisição de bens e serviços e embora “o volume de compras centrais seja cerca de três vezes superior à soma de todas as compras feitas pelas unidades locais” isso não significa que só por si a quantidade de trabalho destes cinco trabalhadores seja superior à dos recorrentes pois o que é superior é o volume de compras e não o volume de trabalho.
20. O trabalho efectuado pelos recorrentes relativamente a estes cinco trabalhadores que possuem a categoria profissional de Técnico Administrativo é igual em quantidade, qualidade e natureza.
21. Ao não ter reconhecido e atribuído aos recorrentes a categoria profissional de Técnico Administrativo, condenando a recorrida a pagar-lhe as respectivas diferenças salariais, mal andou a sentença, a qual violou o disposto no artigo 118º do Código do Trabalho, artigos 13º e 59º da Constituição da República Portuguesa, artigos 23º e 25º do Código do Trabalho, ponto 2.2. do Anexo nº 3, Capitulo V e ponto 2.1. do Anexo nº 3, Capítulo II, ambos do Regulamento de Categorias Profissionais do Acordo de Empresa publicado no BTE nº 27 de 22.07.2008.

A resposta sustenta a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Fica assim estabelecida a matéria de facto:
A) A Ré é uma empresa que desenvolve a sua actividade na área da metalomecânica ferroviária, designadamente, na manutenção, reparação, modernização e reabilitação de material ferroviário circulante.
B) Os AA. foram admitidos ao serviço da Ré, nas seguintes datas:
- 28.01.2008: A…;
- 28.01.2008: F…;
- 13.10.1980: O…; e,
- 19.12.2007: V….
C) Mediante a celebração de contratos individuais de trabalho ficando a partir desses momentos sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré;
D) O A. O… passou para a Direcção de Logística da Ré a partir de 01.12.94 desempenhando funções nos armazéns do Parque Oficinal do Centro no Entroncamento, Direcção Logística;
E) Os restantes AA. foram admitidos para a Direcção de Logística da Ré;
F) Todos os AA. foram admitidos com a categoria profissional de “Operário” e exercem funções nos armazéns do Parque Oficinal do Centro no Entroncamento;
G) Os AA. sempre possuíram a categoria profissional de Operário, sendo que posteriormente a Ré atribuiu-lhes a especialização de Operador de Armazém e a partir de 01.02.18 passaram de tal especialização para a de Preparador.
H) Os AA. são associados do Sindefer.
I) Os representantes do Sindefer e da Ré E… outorgaram o Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 27, de 22/07/2008;
J) Consta do ANEXO n.º 3, Capítulo V, do Regulamento de Categorias Profissionais, anexo a tal Acordo de Empresa a seguinte definição:
2.2 — Técnico administrativo. — É o trabalhador que, sendo possuidor de comprovados conhecimentos teóricos e práticos em áreas não industriais de especialidade reconhecida: Desempenha funções de exigente valor técnico, de estudo ou apoio, de assessoria ou de execução, que não se limitam à interpretação e aplicação de normas ou modelos preestabelecidos, em áreas de actividade perfeitamente definidas e compatíveis com o nível elevado das suas competências profissionais e de especialização; Colabora e ou participa na execução das medidas indispensáveis à garantia das condições de higiene e segurança no seu local de trabalho. Pode colaborar e executar acções de formação em matérias da sua especialidade profissional.
K) Consta do ANEXO N.º 3, Capítulo III, do Regulamento de Categorias Profissionais, anexo a tal Acordo de Empresa a seguinte definição:
2.1 — Operário/mecânico/electricista. — É o trabalhador devidamente habilitado com o conhecimento das técnicas próprias da sua profissão que, com base em desenhos, peças modelo, esquemas ou outras especificações: Regula, afina, opera, manobra ferramentas, máquinas-ferramentas e, em geral, todos os equipamentos industriais; Transforma ou prepara matérias-primas para fins determinados, incluindo afinação, montagem, reparação e conservação de instalações ou equipamentos mecânicos, eléctricos ou electrónicos; Procede ou colabora na limpeza de peças e máquinas-ferramentas e em operações de lubrificação; Levanta, distribui e repõe em armazém, materiais e ferramentas; Pode efectuar escriturações ou outras tarefas de carácter administrativo ou de aprovisionamento relacionadas com aquelas actividades; Pode colaborar na fiscalização de obras realizadas por entidades estranhas à Empresa; Pode efectuar compras de materiais ou ferramentas indispensáveis; Colabora e ou participa na execução das medidas indispensáveis à garantia das condições de higiene e segurança no seu local de trabalho; Pode colaborar na formação de estagiários ou de aprendizes; O operário, mecânico ou electricista especializado que se encontre no índice de retribuição 163 ou seguintes da sua categoria profissional, além das funções atrás descritas pode, cumulativamente, exercer funções de supervisão técnica dos trabalhos desenvolvidos por trabalhadores com índices de retribuição inferiores.
L) Desde Abril de 2009 e até 2011, os AA. realizaram quotidianamente operações necessárias para aquisição de bens e serviços, instruindo processos de aquisições locais de materiais para armazéns ou directamente à produção;
M) Participam igualmente nos processos de compras no mercado externo, com excepção do A. F…;
N) Sob a supervisão do Director de Logística;
O) Passaram a pertencer aos júris nos processos de aquisição de bens e serviços, incluindo empreitadas públicas;
P) Preenchem cadernos de encargos e minutas de contrato, com base em modelos pré-elaborados;
Q) Respondem a pedidos de esclarecimento;
R) Verificam a documentação exigida para admissão de propostas e nas respostas às reclamações efectuadas pelas entidades ou empresas concorrentes;
S) Os AA. propõem a realização de compras de materiais para consumo local (área do Entroncamento) cujo custo seja inferior a 5.000,00 seguindo os procedimentos definidos para as consultas simples de acordo com base as requisições que recebem via Planeamento local ou provenientes da área de produção (à ordem do Centro de Custo);
T) O que fazem, segundo o procedimento inscrito na plataforma electrónica e as regras de tramitação definidas pela Ré;
U) Tomam conhecimento, através da requisição do material a adquirir e do prazo de entrega, a fim de poderem desencadear o processo de compra;
V) Identificam, na lista de fornecedores acreditados, tendo em conta o tipo de material a adquirir, a fim de determinar os que vão consultar (no mínimo três);
W) Enviam, por e-mail, os pedidos de propostas para os potenciais fornecedores, a fim de obter as suas propostas;
X) Recebem, via e-mail, as propostas de fornecimento de material;
Y) Analisam as propostas recebidas, verificando se estas correspondem ao pedido solicitado, analisando o preço apresentado e o prazo de entrega proposto, a fim de poderem seleccionar a proposta a adjudicar;
Z) Escolhem a proposta a adjudicar atendendo ao preço e ao prazo de entrega;
AA) Solicitam autorização das suas chefias acerca da proposta seleccionada, os quais ponderam a relação entre o preço, o prazo de entrega e as necessidades de aprovisionamento, a fim de confirmar o fornecedor a adjudicar;
BB) Após prévia autorização superior, enviam, por e-mail, para o fornecedor comunicação da aprovação da encomenda feita, através do SAP, a fim de que este proceda ao fornecimento do material solicitado;
CC) Verificam, através do SAP ou perguntando junto do armazém local, se o material pedido foi entregue;
DD) Reclamam, telefonicamente ou por e-mail, junto do fornecedor, nos casos em que o material não chegou dentro dos prazos de entrega previstos;
EE) Registam o procedimento na plataforma electrónica em conformidade com o registo no SAP para o enviar para aprovação formal pela Direcção de Logística da Ré;
FF) Os AA. procedem à instrução de processos de compras de materiais, cujo custo seja superior a 5.000,00€, seguindo os procedimentos definidos para as consultas directas na plataforma electrónica e as regras de tramitação definidas no PFQ.06.2.0 – Contratação, de acordo com as requisições respectivas, a fim de assegurar o seu fornecimento atempado;
GG) Na qualidade de Presidente de Júri abrem as propostas recebidas, juntamente com mais 2 jurados, a fim de as poderem analisar;
HH) Admitem no sistema informático, seguindo os procedimentos adequados, a melhor proposta para poderem seguir para relatório preliminar;
II) Validam o relatório preliminar, juntamente com os restantes membros do júri, certificando-se de que o fornecedor responde aos requisitos da consulta;
JJ) Enviam, via plataforma electrónica, para a Direcção de Logística, a minuta do contrato devidamente preenchida, para aprovação final;
KK) Concluem o procedimento de compra na plataforma electrónica, após tomar conhecimento da autorização superior para a outorga do contrato de fornecimento (assinado, digitalmente, pelo Director de Logística e pelo fornecedor), para que possa ser feita a respectiva encomenda;
LL) Imprimem e guardam as folhas impressas em pasta própria a fim de assegurar o seu arquivamento;
MM) São responsáveis pelo recebimento de comunicações dos fornecedores que celebram os contratos de fornecimento com a Ré e por muitas das respostas;
NN) Participaram em 2018 em acções de formação e Workshop sobre o Código de Contratos Públicos (CCP), com o objectivo de aquisição de conhecimentos no que diz respeito aos procedimentos legais quanto à aquisição de bens e serviços;
OO) Os trabalhadores I…, B…, A…, J… e L… possuem a categoria de Técnico Administrativo;
PP) Os AA. analisam e preenchem determinados dados em falta nas minutas que já se encontram pré-preenchidas e disponíveis na plataforma electrónica;
QQ) Sempre de acordo com os termos e condições que lhes são indicados pelos seus superiores hierárquicos e ou que vêm já definidas na requisição prévia elaborada pelo órgão requisitante;
RR) Sendo ainda assim posteriormente revistas e validadas pelos seus superiores hierárquicos através do ato que a empresa designa como “Parecer Vinculativo”, que mais não é que um despacho de aprovação;
SS) Diversos pedidos de esclarecimento aos concorrentes, respostas aos esclarecimentos, análise técnica das propostas e a resposta a eventuais reclamações dos concorrentes são elaborados pelos técnicos superiores responsáveis pelos procedimentos ou pelo Gabinete jurídico;
TT) Limitando-se os AA. a transmitir aos destinatários o seu resultado (nesses casos);
UU) A qual é feita automaticamente pela plataforma e com base no mais baixo preço, desde que reúna os demais critérios estabelecidos e verificados pelos membros do júri;
VV) A publicação dos procedimentos na plataforma, a publicação da lista de concorrentes, o agendamento da outorga do contrato de fornecimento entre o fornecedor e a Ré são procedimentos automáticos na plataforma, que os AA. executam, bastando para tanto pressionar o “botão” correto;
WW) Os outros indicados trabalhadores são intervenientes em procedimentos de aquisição de bens e serviços a nível central;
XX) O volume de compras centrais é cerca de três vezes superior à soma de todas as compras feitas pelas unidades locais;
YY) A maioria das compras internacionais são somente feitas a nível central;
ZZ) Realizando tais técnicos todo o tipo de procedimentos descritos no Procedimento Funcional da Qualidade – Contratação;
AAA) A Ré pagou ao A. A…:
- € 10.194,07 em 2014;
- € 11.005,34 em 2017;
- € 10.318,55 em 2018;
BBB) O A. A… passou a auferir o vencimento de € 862,96 (oitocentos e sessenta e dois euros e noventa e seis cêntimos) a partir de Julho de 2017 e de € 938,05 (novecentos e trinta e oito euros e cinco cêntimos) a partir de Outubro de 2017, cujos retroactivos foram pagos em Dezembro de 2017;
CCC) A Ré pagou ao A. F…:
- € 10.193,00 em 2014;
- € 10.890,04 em 2017;
- € 9.811,23 em 2018;
DDD) A Ré pagou ao A. V…:
- € 1.588,48 em 2011;
- € 11.119,36 em 2012;
- € 11.119,36 em 2013;
- € 10.974,34 em 2014;
- € 11.694,56 em 2017;
EEE) Em virtude da promoção que adquiriu em 2010 (passou ao índice 135), e por via da qual passou a auferir a quantia de € 794,24 (setecentos e noventa e quatro euros e vinte e quatro cêntimos) foram pagos em Setembro de 2013 ao A. V… os retroactivos à data em que adquiriu tal direito;
FFF) A Ré pagou ao A. O…:
- € 12.251,99 em 2014.

APLICANDO O DIREITO
Da categoria profissional
Estatui o art. 118.º n.º 1 do Código do Trabalho que «o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.»
A norma que se deixa transcrita consubstancia uma daquelas que a doutrina qualifica de imperativa mínima, não admitindo, por isso, modificações em sentido menos favorável ao trabalhador, permitindo, apenas, modificações num sentido inverso. Assim se compreende que, com a sua entrada numa empresa, o trabalhador não permaneça estaticamente no lugar e na categoria para o exercício da qual foi contratado, mas seja promovido a lugares ou categorias superiores. A sua ascensão na carreira ou no trabalho constitui, assim, o expoente da sua realização como trabalhador e o sinal da sua promoção humana e social.[1]
A posição do trabalhador na organização empresarial em que se insere define-se pelo conjunto de serviços e tarefas que forma o objecto da sua prestação de trabalho. Essa posição, assim estabelecida, traduz a qualificação ou a categoria do trabalhador e é com base nela que – segundo ensina Maria do Rosário Palma Ramalho[2] – se define «a posição jurídica do trabalhador no contrato e no seio da organização do empregador, uma vez que é através da categoria que se determina o regime aplicável a esse trabalhador, do ponto de vista do tratamento remuneratório e dos demais direitos e garantias inerentes à sua posição na empresa.»
De igual modo, Pedro Romano Martinez[3] escreve que «a categoria constitui uma forma de determinar certos limites aos quais o empregador se tem de sujeitar ao concretizar a actividade do trabalhador. No seu poder de concretizar a actividade, o empregador não pode adjudicar uma tarefa que esteja fora da categoria na qual o trabalhador de insere.»
A categoria assume a natureza de conceito normativo, no sentido em que circunscreve positiva e negativamente as funções a exercer em concreto pelo trabalhador, ou, noutros termos, que nela se subsumem as tarefas prometidas e se excluem actividades diferentes, e, por conseguinte, se estabelece uma relação de necessidade entre o exercício de certa função e a titularidade de certa categoria.
A categoria corresponde, pois, em síntese, ao “status” do trabalhador na organização produtiva da empresa, qualquer que seja a sua dimensão, determinada com base numa classificação normativa e em conformidade com a posição que o trabalhador nela realmente ocupa.
Tal como nos é referido por Menezes Cordeiro[4], «(…) da categoria em Direito de Trabalho, pode dizer-se que ela obedece aos princípios da efectividade, da irreversibilidade e do reconhecimento. A efectividade recorda que, no domínio da categoria-função, relevam as funções substancialmente prefiguradas e não as meras designações exteriores; a irreversibilidade explica que, uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode dela ser retirado ou despromovido; (…) o reconhecimento determina que, através da classificação, a categoria assume um estatuto assente nas funções efectivamente desempenhadas.»
Na concretização do exposto, e dentro da denominada categoria-função, importa reter que a categoria profissional de um determinado trabalhador afere-se não em razão do “nomen iuris” que lhe é dado pela entidade empregadora, mas sim em razão das funções efectivamente exercidas pelo trabalhador, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional que caracteriza ou determina a categoria em questão.
Por outro lado, exercendo o trabalhador diversas actividades subsumíveis a diferentes categorias, a sua categorização deve efectuar-se atendendo ao núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou à actividade predominante ou, no caso de diversidade equilibrada ou indistinta, atender-se à mais favorável ao mesmo. E, em caso de dúvida, para determinar qual a categoria profissional, lançar-se mão do princípio que rege em direito do trabalho, a saber, o “favor laboralis”, operando a atracção para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador. [5]
No caso dos autos, os AA. pretendem o reconhecimento da categoria profissional de Técnico Administrativo a partir de 2009, tal como vêm descritas no Acordo de Empresa publicado no BTE n.º 27/2008, celebrado entre o sindicato do qual são associados e a Ré.
Argumenta a sentença recorrida que os AA. não demonstraram realizar tarefas não enquadradas na sua categoria profissional de Operário, pois aquele IRCT «claramente refere que um operário “pode efectuar compras de materiais ou ferramentas indispensáveis” – cfr. alínea K). E, se pode efectuar tal tarefa, pode igualmente efectuar todas as outras que são instrumentais, conexas ou afins, tais como instruir os processos com vista à realização das compras.»
Analisando o Acordo de Empresa supra identificado, observa-se que o Capítulo III do Regulamento de Categorias Profissionais, após definir as funções do Operário nos termos reproduzidos na al. K) do elenco fáctico, continua afirmando que «aos trabalhadores com a categoria de operário pode ser atribuída, sem prejuízo da definição genérica de funções constantes do n.º 2, uma das seguintes especializações profissionais: (…) f) Preparador. — É o trabalhador que, executando tarefas de carácter administrativo no âmbito do planeamento e controlo da produção, nomeadamente: calcula e ou regista, a partir de mapas devidamente preenchidos na área da produção, o consumo de matérias-primas, semi-produtos e produtos fabricados, desperdícios, tempos de paragem dos equipamentos e assiduidade do pessoal. Pode, também, executar funções no âmbito da aquisição de materiais, de equipamentos ou de serviços, desenvolvendo as tarefas de carácter administrativo necessárias, de acordo com o seu nível de qualificação.»
É ao trabalhador que reclama uma categoria diversa da atribuída pela empregadora, que cabe o ónus de alegação e prova de todos os elementos de facto necessários ao reconhecimento da categoria a que se arroga, nos termos gerais do art. 342.º n.º 1 do Código Civil.
No caso, a mera circunstância dos AA. desempenharem diversas tarefas relacionadas com a aquisição de bens e serviços, não é relevante para demonstrar que realizam o núcleo essencial das funções de Técnico Administrativo.
Para além de se notar que essas tarefas também integram aquelas que podem ser desempenhadas pelos trabalhadores com a categoria de Operário, existindo mesmo uma especialização, a de preparador, que envolve especificamente a “aquisição de materiais, de equipamentos ou de serviços, desenvolvendo as tarefas de carácter administrativo necessárias, de acordo com o seu nível de qualificação”, também se notará que o núcleo essencial da categoria profissional de Técnico Administrativo está associado à posse de “comprovados conhecimentos teóricos e práticos em áreas não industriais de especialidade reconhecida” e ao desempenho de “funções de exigente valor técnico, de estudo ou apoio, de assessoria ou de execução, que não se limitam à interpretação e aplicação de normas ou modelos preestabelecidos, em áreas de actividade perfeitamente definidas e compatíveis com o nível elevado das suas competências profissionais e de especialização.”
A mera circunstância dos AA. terem participado, em 2018, em acções de formação sobre o Código dos Contratos Públicos (CCP), para aquisição de conhecimentos quanto aos procedimentos legais sobre aquisição de bens e serviços, não demonstra, apenas por si, “comprovados conhecimentos teóricos e práticos” nem permite concluir que os AA. se encontrem habilitados ao desempenho de “funções de exigente valor técnico” compatíveis com o “nível elevado das suas competências profissionais e de especialização”, que enquadram a categoria do Técnico Administrativo.
Esta categoria profissional estabelece um elevado padrão de exigência ao nível de conhecimentos teóricos e práticos, habilitantes ao desempenho de funções de exigente valor técnico, que não se mostram compatíveis com a mera realização de acções de formação acerca das aquisições de bens e serviços no âmbito do CCP.
Não demonstrando os AA., pois, o desempenho das mencionadas funções de exigente valor técnico, mas apenas a realização de tarefas relacionadas com a aquisição de bens e serviços que também se enquadram na sua categoria profissional, bem decidiu a sentença recorrida ao concluir que não podem ser enquadrados na categoria profissional que reclamaram.
Argumentam, ainda, os AA. que a acção deveria proceder com fundamento no princípio “trabalho igual, salário igual”, porquanto desempenhariam funções idênticas às realizadas pelos trabalhadores I…, B…, A…, J… e L…, fazendo precisamente o mesmo trabalho de aquisição de bens e serviços e aplicando os mesmos procedimentos de contratação.
A sentença recorrida, após chamar à colação os conceitos de “trabalho igual” e de “trabalho de valor igual” que vêm definidos no art. 23.º n.º 1 als. c) e d) do Código do Trabalho, concluiu que os AA. «não demonstraram que prestam trabalho igual, isto é que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade às dos colegas que identificaram.»
E concorda-se com esta conclusão.
Note-se que o supra mencionado princípio pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, ou com base em categorias tidas como factores de discriminação (identificadas no art. 24.º n.º 1 do Código do Trabalho).
Uma vez que os AA. não invocaram quaisquer factores materiais de discriminação, competia-lhes efectuar a prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos gerais do art. 342.º n.º 1 do Código Civil.[6]
Ora, como já se anotou, os AA. não lograram demonstrar a prestação de trabalho objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade em relação aos trabalhadores mencionados na al. OO) do elenco fáctico: não apenas se ignora qual a formação teórica a prática desses trabalhadores, como se desconhece a totalidade das tarefas por eles desempenhadas, notando-se, porém, que estão demonstradas diferenças objectivas na actividade de aquisição de bens e serviços que realizam – als. WW), XX), YY) e ZZ) do elenco fáctico – reveladoras de maior responsabilidade e exigência que as prestadas pelos Recorrentes.
Improcedendo, igualmente, esta linha de argumentação, o recurso fica desatendido.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso, confirmando na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelos AA.
Évora, 16 de Janeiro de 2020
Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
__________________________________________________
[1] Cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 22.06.2005 (Proc. 4085/2005-4), publicado em www.dgsi.pt.
[2] In Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 305.
[3] In Direito do Trabalho, 3.ª ed., 2006, pág. 380.
[4] In Manual do Direito do Trabalho, 1994, págs. 669.
[5] Neste sentido, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.1998 (CJ-STJ, tomo II, págs. 287-289), de 10.12.2008 (Proc. 08B2563), e de 09.03.2017 (Proc. 161/15.4T8VRL.G1.S1), estes últimos publicados em www.dgsi.pt.
[6] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2011 (Proc. 343/04.4TTBCL.P1.S1), de 14.12.2016 (Proc. 4521/13.7TTLSB.L1.S1) e de 01.06.2017 (Proc. 816/14.0T8LSB.L1.S1), todos em www.dgsi.pt.