Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
72/10.0GTSTB.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA
CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DA SENTENÇA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE PERMANENTE GERAL
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário:
I - Nos casos de condução perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º do Código Penal), a pena acessória surge estruturalmente ligada à prática do crime, pelo que, uma vez este cometido, o tribunal não pode deixar de aplicar tal pena acessória. Com efeito, a definição e o modo de aplicação das penas estão balizados pelo princípio da legalidade. O catálogo das penas (como o dos crimes), e do seu modo de execução, é taxativo e estabelecido, necessariamente, por lei (cfr. o disposto nos artigos 29º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, e 1º do Código Penal).

II - O normativo contido no artigo 69º do Código Penal não prevê a possibilidade da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor não dever ser cumprida, nem tal possibilidade é aberta por qualquer outra disposição legal.

III - A Incapacidade Permanente Geral tem a ver com a quebra da capacidade de ganho da vítima, e não com danos de natureza não patrimonial.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 72/10.0GTSTB, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, após audiência de discussão e julgamento, foi decidido:

“A. Condenar o arguido A. como autor material, em concurso real na forma consumada de quatro crimes de ofensas à integridade física negligentes, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de €8,00 (oito euros), por cada um.

B. Condenar o arguido A. como autor material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.º, n.º 1, al. a) e b), e artigo 69.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa, à razão diária de €8,00 (oito euros).

Em cúmulo jurídico das penas em A) e B), condena-se o mesmo arguido na pena unitária conjunta de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de EUR. 8,00 o que perfaz o montante global de EUR. 2880,00 (dois mil oitocentos e oitenta euros).

C. Condenar ainda o arguido na pena acessória de inibição do direito de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses – artigo 69º-1-a- do Código Penal, devendo ser notificado para, no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da presente sentença, entregar o seu título de condução na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, sob cominação de, não o fazendo, praticar o crime de desobediência – artigo 348º a) do Código Penal.

D. Decide ainda julgar totalmente procedentes por provados os pedidos de indemnização civil formulados pela assistente AC e demandantes civis, JV, ME e MC e em consequência condena a seguradora --- Seguros S.A. a pagar em substituição do arguido A:

a. À assistente AC a quantia de EUR. 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.

b. A JV a quantia de EUR. 15.000, 00 (quinze mil euros) a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da presente decisão até efectivo e integral.

c. A ME a quantia de EUR. 2.000, 00 (dois mil euros) a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da presente decisão até efectivo e integral.

d. A MC a quantia de EUR. 2.000, 00 (dois mil euros) a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da presente decisão até efectivo e integral.

E. Mais se condena o arguido nas custas criminais do processo, incluindo a taxa de justiça que se fixa em 3 UC’s, (513º e 514º do Código do Processo Penal e artigos o artigo 8º nº 9 tabela III do Regulamento das custas processuais).

Custas cíveis pela demandada na proporção do respectivo decaimento”.
*
O arguido, inconformado, interpõe recurso, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1 - O Recorrente foi condenado, em cúmulo, a 360 dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante global de € 2880,00 (dois mil oitocentos e oitenta euros), e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses, pela prática dos crimes previstos e punidos no art. 148, nº 1, 291º, nº 1, al. a) e b), e art. 69º, nº 1, al. a) todos do CP (Código Penal).

2 - Pelo Tribunal “a quo” ficou dado como provado que o Recorrente, ao mudar de direção, fê-lo de forma repentina e brusca, tendo como consequência direta a colisão entre o seu veículo e o da Assistente.

3 - Existiu errada apreciação e análise dos fotogramas juntos aos autos e das declarações da Testemunha RP, pelo que a decisão recorrida enferma do vício de erro na apreciação da prova, violando o previsto no art. 410º, 2, al. c) e a), do CPP.

4 - Quanto à apreciação da prova do depoimento de RP está a sentença ferida de nulidade nos termos do art. 379º, 1, al. a), por incumprimento de exame crítico, art. 374º, 2, ambos do CPP.

5 - Pela análise dos fotogramas não se pode concluir que a colisão tenha ocorrido em consequência direta da manobra da mudança de direção por parte do Recorrente.

6 - De acordo com o preceituado no art. 39º do Código de Estrada, o veículo que está a ser ultrapassado terá de facilitar a ultrapassagem, abrandando a marcha, o que não aconteceu no caso concreto, razão por que embateu na parte direita traseira do veículo do Recorrente.

7 - Sendo, esta sim, a razão direta para a colisão dos dois veículos.

8 - Ao não decidir dessa forma o Tribunal fez uma errada interpretação da prova, tendo violado o art. 410º, nº 2, al. c), do CPP, e também enfermando do vício previsto na alínea a) daquele preceito, porque os factos não poderão levar à conclusão que levaram.

9 - O acórdão está também ferido de nulidade, nos termos do art. 379º, nº 1, al. a), do CPP, ao não ter esclarecido qual a razão do seu raciocínio para levar a esta conclusão, ou seja o exame crítico, o que deveria ter feito nos termos da alínea a) do artº 374º do CPP.

10 - Também o dispositivo da sentença enferma de falta de fundamentação, uma vez que não é possível perceber que elementos foram ponderados pelo Tribunal “ a quo” para aplicar aquela pena e não outra.

11 - Não se consegue ver o valor que teve, para a ponderação da pena, a ausência de antecedentes criminais, e contraordenacionais, a situação económica do mesmo, a necessidade da carta para trabalhar, as prevenções gerais e especiais que no caso em concreto devem levar a uma atenuação da pena.

12 - Todos os atos decisórios devem ser sempre fundamentados de facto e de direito, para que o Tribunal Superior consiga entender qual foi o raciocínio lógico que levou o Tribunal a tomar determinada decisão.

13 - A exigência de fundamentação é aplicada a todos os atos decisórios.

14 - Por ser omissa na sua fundamentação a decisão recorrida violou o previsto nos arts. 374º, 379º e 97º todos do CPP.

15 - A Ausência de antecedentes contraordenacionais e criminais do recorrente.

16 - Ter carta de condução há mais de quarenta anos;

17 - É um condutor responsável e diligente.

18 - Após a colisão, prestou assistência à Assistente e demais passageiros do veículo desta.

19 - Tudo isto ponderado leva que no caso em concreto as necessidades de prevenção gerais e especiais encontram-se diminuídas, o que levaria automaticamente a uma pena inferior à aplicada ao recorrente.

20 - Uma vez que o Tribunal “a quo” não tomou em consideração de forma concreta, o próprio recorrente limitando-se sim a aplicar uma pena “regra” para todos os factos similares a este que ocorrem no Tribunal.

21 - A situação económica do arguido alterou-se desde que foi ouvido em audiência, pois que o seu vencimento sofreu cortes e neste momento é ele que tem a seu cargo a filha desempregada com dois netos, prestando também ajuda a seu filho.

22 - A prestação da casa não é de € 400,00 como está nos factos dados como provados, mas sim € 900,00, como está no texto decisório da Sentença.

23 - Os critérios de determinação da pena no caso em concreto foram claramente excedidos, tendo em conta que se tivessem tomado em consideração determinados elementos a pena seria inferior à aplicada ao recorrente, nos termos do art. 71º e 72º do CP, situando-se a pena de multa no máximo de € 4,00 diários e não € 8,00.

24 - Devendo a pena principal ser especialmente atenuada e não ser aplicada a pena acessória.

25 - Não tendo o Tribunal recorrido tido em consideração e em consequência violado os normativos previstos, nos arts. 40º, 70º, arts. 71º nº 1, nº 2, al. a), b), d), e), e 3, art. 72º e 77º todos do C. Penal.

26 - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO - art. 412º, nº 3, do CPP.

27- O ponto de facto incorretamente julgado consiste:

Nos factos dados como provados no ponto 5, de que o Recorrente, sem que nada o fizesse prever, e de forma repentina, muda de direção para a faixa da direita.

28 - Tendo em atenção as declarações do Recorrente presentes na sessão da ata do dia 19/02 Rotações 5, das declarações da Testemunha RP que se encontram na sessão da ata de 11/04, rotações 11.5, bem como dos fotogramas presentes nos autos, que impõem decisão diversa, devendo tal facto ser dado como não provado.

29 - Considerando que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base ao acima referido, já que foi documentada toda a prova, deverá a decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto ser modificada como acima explicitado, o que se requer, nos termos do art. 431º do C.P.P..

Deve ser dado provimento ao presente recurso, nos termos acima alegados, fazendo V. Exas. a habitual JUSTIÇA”.
*
A demandada “--- Seguros, S.A.”, interpôs também recurso da sentença, concluindo nos seguintes termos (em transcrição):

“1.º - A Recorrente entende que a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação da matéria fáctica.

2.º - Salvo o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal “a quo” ao condenar a Recorrente na totalidade do pedido de indemnização civil formulado pela Assistente AC e Lesado JV, não tomou em consideração o critério objectivo, plasmado no art. 496.º do Código Civil.

3.º Isto porque deu como não provados factos, que na opinião da Recorrente, levam necessariamente a uma redução substancial desse mesmo pedido indemnizatório.

4.º Ressaltando, o facto de não ter sido atribuída qualquer Incapacidade Permanente Geral (IPG) tanto à Assistente, como ao Lesado.

5.º E no que diz respeito à Assistente AC esta não apresenta quaisquer alterações, quer a nível funcional, quer a nível situacional.

6.º Entende a Recorrente que o Tribunal “a quo” errou ao condenar pela totalidade do montante peticionado pela Assistente e pelo Lesado, ao ter afastado os factos que deu como não provados e, consequentemente, abandonando o critério objectivo, aludido por aquele Tribunal.

Nestes termos, e nos mais de Direito e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida em conformidade com o supra exposto, assim se fazendo Justiça”.
*
A Exmª Magistrada do Ministério Público na primeira instância apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, concluindo a sua resposta da forma seguinte (em transcrição):

“a) As fotografias juntas aos autos não foram incorrectamente avaliadas pela sentença recorrida, resultando das mesmas que o veículo conduzido pelo recorrente regressou cedo de mais à via de trânsito central, depois de concluída a ultrapassagem ao veículo conduzido pela assistente;

b) Do mesmo modo, o depoimento prestado por RP não impõe conclusão diversa da que foi alcançada pela sentença recorrida, na medida em que o próprio declarou categoricamente que o veículo do recorrente regressou cedo de mais à via de trânsito central;

c) A testemunha declarou ainda que, a partir desse momento, tudo o que se disser é “completamente especulativo”, pelo que não se pode retirar qualquer conclusão no que concerne ao que sucedeu depois do regresso do veículo à via central;

d) Ao regressar cedo demais à via central o arguido não se assegurou de que podia retomar a direita sem pôr em perigo os demais utentes da via, tendo assim violado o dever que para si decorria do disposto no art.º 38º, nº 3, do Código da Estrada;

e) A culpa do arguido reflecte-se na medida da pena que lhe foi concretamente aplicada e não no montante diário fixado, prendendo-se este apenas e só com as suas condições económicas;

f) Em virtude do cúmulo jurídico realizado entre todas as penas que foram aplicadas ao recorrente, a pena única tinha como limite mínimo 90 dias de multa e como máximo 530 dias de multa, tendo sido fixada uma pena concreta de 360 dias de multa;

g) Foram levadas em conta pela sentença recorrida todas as circunstâncias atenuantes que poderiam ser atendidas no âmbito do disposto no art.º 71º, nº 2, do Código Penal, não estando em causa uma situação de atenuação especial da pena, prevista no art.º 72º do Código Penal, salientando-se que nem sequer o recorrente aponta qual a circunstância que determinaria tal atenuação especial;

h) É neste momento pacífico que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é de aplicação necessária, entre outros, nos casos de condenação pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário;

i) No que se refere ao montante diário fixado para a pena de multa, a pretensão do recorrente não tem suporte legal, porque o mínimo legalmente fixado é de € 5 (art.º 47º, nº 2, do Código Penal) e porque, tendo em conta que o máximo é de € 500, ao fixar o valor de € 8 a sentença recorrida pouco se afastou do mínimo, o que é adequado às condições económicas do recorrente.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso”.
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Por sua vez, os demandantes JV e AC responderam ao recurso interposto pela demandada “--- Seguros, S.A.”, entendendo que tal recurso deve ser julgado improcedente.
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Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, aderindo aos fundamentos da resposta apresentada pelo Ministério Público na primeira instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso do arguido.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efectuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objecto dos recursos.

No caso destes autos, face às conclusões retiradas pelo arguido e pela demandada (os dois recorrentes) das motivações apresentadas, e em síntese, são as seguintes as questões a conhecer:

A) Recurso do arguido:

1ª - Nulidade da sentença, por falta de exame crítico da prova (artigos 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do C. P. Penal).

2ª - Vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, als. a) e c), do C. P. Penal).

3ª - Nulidade por falta de fundamentação do “dispositivo” da sentença (artigos 374º, 379º e 97º do C. P. Penal).

4ª - Atenuação especial da pena.

5ª - A medida concreta da pena.

6ª - A taxa diária da pena de multa.

7ª - Não aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

8ª - Existência de erro de julgamento sobre a matéria de facto (por incorrecta apreciação e valoração da prova produzida).

B) Recurso da demandada:

- Discordância relativamente aos montantes indemnizatórios atribuídos, na sentença recorrida, a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais sofridos pela assistente AC e por JV.

2 - A sentença recorrida.

No tocante aos factos (provados e não provados) e à motivação da decisão fáctica, é do seguinte teor a sentença objecto do recurso:

“III. Fundamentação de Facto

1. No dia 23 de Outubro de 2009, pelas 13:40 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, matrícula-- FE, na auto-estrada n.º 12, sentido Setúbal/ Lisboa, utilizando para o efeito a via mais à esquerda.

2. Nessa mesma estrada, e na via mais à direita, seguia o veículo pesado de mercadorias de matrícula --NH, conduzido por AA.

3. Ainda na supra referida estrada, na via central, seguia o veículo ligeiro de passageiros de matricula ---LR, conduzido por AC.

4. Nesse veículo, seguiam ainda como passageiros, ao lado da condutora, JV e nos bancos traseiros ME e MC.

5. Ao aproximar-se do Km 9,600 na localidade do Pinhal Novo, área desta comarca de Setúbal, mais propriamente na zona das portagens, o veículo conduzido pelo arguido, que circulava mais à esquerda, sem que nada o fizesse prever, e de forma repentina, muda de direcção para a faixa da direita.

6. Com esta manobra o arguido colide com a parte traseira do lado direito do FE na parte dianteira do lado esquerdo do veículo conduzido por AC, após o que atravessou toda a faixa onde circulava o LR.

7. Após os veículos seguem trajectórias diferentes e em despiste, assim,

8. Enquanto o veículo de matricula --FE, foi para o lado direito da faixa de rodagem, indo embater com a parte lateral do lado direito no veículo pesado de mercadorias de matricula NH, conduzido por AA, sendo colhido com os rodados traseiros esquerdos do semi-reboque de matricula C---, fazendo com que estes dois veículos fossem para o lado esquerdo da faixa de rodagem.

9. O veículo ligeiro de passageiros de matrícula LR, após a colisão com o FE, guinou para a direita, seguindo em direcção ao pesado NH.

10. Após e ao tentar desviar-se do pesado, a assistente guinou novamente o LR para a esquerda, tendo vindo a capotar, ficando imobilizado na via mais à esquerda junto aos rails de protecção da auto-estrada.

11. Por sua vez, o veículo pesado ficou imobilizado na via central e o ligeiro de passageiros, conduzido pelo arguido, no separador central da via, após ter embatido nos ralis de protecção da auto-estrada.

12. Em consequência directa e necessária dos factos descritos em 5 a 7 a condutora do veículo -LR sofreu as lesões descritas nos autos (cfr.fls.184 a 189, 238 a 246, 256 a 262), que aqui se dão por integralmente reproduzidas, designadamente, fracturas múltiplas na face, fractura do ângulo esquerdo da mandíbula, fractura malar esquerda multifragmentar, fractura maxilar tipo Le fort à esquerda, que lhe determinaram a sujeição a três intervenções cirúrgicas.

13. Essas lesões foram causa directa e necessária de um período de doença desde o dia 23 de Outubro de 2009 (dia em que ocorreu o embate supra descrito) até ao dia 24 de Maio de 2010, ou seja, 223 dias, sendo 30 dias com afectação para a capacidade de trabalho em geral e 50 dias com afectação da capacidade de trabalho profissional.

14. As mesmas provocaram-lhe ainda com carácter permanente sensação de parestesias (falta de sensibilidade e dormência) na hemiface esquerda.

15. Em consequência directa e necessária dos factos descritos em 5 a 7 o passageiro do veículo -LR, JV, sofreu as lesões descritas nos autos (cfr. fls. 190 a 209, 238, 221 a 222), que aqui se dão por integralmente reproduzidas, designadamente, grande escalpe, traumatismo craniano sem perda de conhecimento, traumatismo do punho direito com ferida.

16. Essas lesões foram causa directa e necessária de um período de doença de 60 dias.

17. Em consequência directa e necessária dos factos descritos de 5 a 7 o passageiro do veículo -LR, ME, sofreu as lesões descritas nos autos (cfr. fls. 210 a 213, 229 e 230), que aqui se dão por integralmente reproduzidas, designadamente, traumatismo crânio encefálico com perda de conhecimento.

18. Essas lesões foram causa directa e necessária de um período de doença de 15 dias.

19. Em consequência directa e necessária do supra descrito em 5 a 8 o passageiro do veículo 91-98-LR, MC, sofreu as lesões descritas nos autos (cfr. fls. 213 a 215, 233 e 234), que aqui se dão por integralmente reproduzidas, designadamente, hiperemia conjuntival bilateral mais intenso à esquerda.

20. Essas lesões foram causa directa e necessária de um período de doença de 3 dias.

21. O local dos factos configurava uma recta, com boa visibilidade.

22. O piso era regular.

23. O tempo estava bom.

24. Ao agir da forma descrita em 5 a 8 o arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, e revelou total falta de cuidado e desrespeito pelas regras de circulação rodoviária referentes à mudança de direcção para a direita.

25. Na verdade, ao pretender mudar de direcção, para a direita, o arguido deveria ter-se certificado se na via do centro não circulavam outros veículos, designadamente, o veículo conduzido por AC, regra cujo conhecimento não podia ignorar, sendo titular, como era de carta de condução.

26. Contudo, apesar de a tal estar obrigado e de ser capaz de cumprir essa regra estradal, e de ter avistado o veículo LR a circular na faixa central da estrada, o arguido julgou, erroneamente, que tinha tempo para entrar na referida faixa, avançando e assim provocando um embate e posterior despiste do seu veículo e do conduzido por AC.

27. O arguido conhecia, ainda, as características do veículo que conduzia e ao mudar de direcção, de forma brusca, transpondo a linha longitudinal descontinua Marca M2 separadora das vias de trânsito, não se certificando se nas restantes vias circulavam outros veículos, criou um verdadeiro risco de produção de acidente do qual resultaram estragos nos veículos que com ele se cruzaram, nomeadamente no veículo LR, e lesões corporais nos respectivos condutores e passageiros, não obstante, actuou da forma supra descrita.

28. O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei penal.

29. A responsabilidade civil pela circulação do veículo Peugeot com a matrícula FE foi transferida pela sociedade sua propriedade para a ...seguros S.A. pela apólice nº 104.....

30. ME circulava na viatura LR no lugar atrás do da condutora, AC, sua filha.

31. Teve que assistir e ver a sua filha e marido presos dentro da viatura.

32. Foi transportada para o Hospital de S. Bernardo onde foi assistida.

33. Teve alta hospitalar no mesmo dia com necessidade de acompanhamento médico.

34. Suportou dores, angústia e ansiedade pelo estado de saúde dos restantes ocupantes da viatura LR.

35. Todas estas lesões quer a nível físico e dores, quer a nível psíquico, resultaram única e exclusivamente do acidente de viação de que foi vítima e que foi causa adequada à sua produção.

36. MC circulava no veículo LR conduzido por sua mãe, no banco de trás em cadeira própria para o transporte de crianças.

37. À data do acidente MC tinha 4 anos e meio de idade.

38. Sempre se manteve consciente e foi retirada da viatura onde se encontrava de cabeça para baixo conjuntamente com sua avó.

39. Viu a sua mãe e avó presas dentro da viatura.

40. Foi transportada para o Hospital de São Bernardo onde foi assistida tendo-lhe sido diagnosticado escoriações ligeiras na região frontal, hiperemia conjuntival mais intensa à esquerda e um vidro na cavidade ocular direita.

41. Teve alta no mesmo dia sem necessidade de acompanhamento médico.

42. Esteve impedida de ver a mãe durante dias.

43. Todas estas lesões quer a nível físico e dores, quer a nível psíquico, resultaram única e exclusivamente do acidente de viação de que foi vitima e que foi causa adequada à sua produção.

44. AC após o acidente e por conta das lesões sofridas no mesmo perdeu o conhecimento, só o recuperando no Hospital de S. Bernardo.

45. Após avaliação inicial e sutura das feridas da face e mão foi transferida para o serviço de urgência do Centro Hospitalar de Lisboa - Zona Central.

46. Após o acidente e por conta das lesões sofridas AC foi operada no dia 29-10-2009, onde procederam a abordagem da fractura fronto-malar por incisão na cauda do cupra cílio redução e osteossíntese com placa osteomed 1.6 com correcção da distopia cantal, abordagem do rebordo orbitário inferior por incisão na caudal do supra - cilicio redução das fracturas e osteossíntese com uma placa osteomed 1.6, redução e osteossíntese com placa do corpo malar, abordagem vestibular superior esquerda e redução da fractura do maxilar, abordagem vestibular inferior esquerda redução da factura mandibular e osteossíntese com placa osteomed 2.0, redução da fractura alveolar dente 3.7 e osteossíntese com placa 24º.

47. No dia 14-01-2010 por conta das lesões sofridas AC sofreu nova intervenção cirúrgica para remoção da placa osteossíntese mandibular sob anestesia local com sedação.

48. No dia 20-05-2010 AC foi sujeita a nova intervenção cirúrgica para remoção de osteossíntese por o mesmo estar a ser rejeitado.

49. Actualmente apresenta alterações sensitivas do território do nervo infra-orbitário esquerdo com hipotesia/parestesias - dormência e formigueiro, hipostesia lábio esquerda, afundamento da arcada desigomática esquerda.

50. Durante muitos dias não só sofreu dores como teve de ser alimentada só a líquidos e não pode ver a filha.

51. A assistente nasceu em 15-07-1974.

52. Todas estas lesões quer a nível físico e dores, quer a nível psíquico, resultaram única e exclusivamente do acidente de viação de que foi vítima e que foi causa adequada à sua produção.

53. JV circulava no banco da frente, do lado direito do LR.

54. JV manteve-se consciente dentro da viatura até ser retirado do interior da viatura.

55. JV após o acidente e por conta das lesões sofridas foi transportado ao Hospital de S. Bernardo em Setúbal tendo sido diagnosticado: traumatismo crânio-encefálico; extensa ferida do couro cabeludo; traumatismo do punho direito com ferida.

56. JV por conta das lesões sofridas apresenta parestesia (dormência/formigueiro) na mão direita, falta de força e movimentos limitados na mão direita, dores frequentes no couro cabeludo, cicatriz de 8 (oito) cm na região central vertical, cicatriz de 6 (seis) cm que circunda a região periorbital direita, cicatriz de 9 (nove) que circunda a região periorbital esquerda, cicatriz de 15 (quinze) cm na região interparietal, cicatriz de 10 (dez) cm na face anterior do antebraço direito junto ao punho, cicatriz de dois a três centímetros na face posterior do punho direito, cicatriz de dois centímetros no segundo dedo da mão direita, dores de cabeça, não pode ir à praia por causa do sol, não pode estar em sítios com barulho ou vento, na medida em que fica com tonturas.

57. JV por conta das lesões sofridas realizou cirurgia para extracção de objecto estranho junto ao olho esquerdo.

58. JV por conta das lesões sofridas frequentou vinte sessões de fisioterapia e dezoito sessões hidrocinesioterapia para recuperar dos movimentos em razão das lesões sofridas.

59. JV ainda por conta das lesões sofridas foi submetido a operações de cirurgia plástica e havendo necessidade de mais operações em face das cicatrizes com que ficou.

60. As cicatrizes visíveis na face, punho e braço desgostam JV.

61. JV nasceu em 26-06-1952.

62. O JV suportou dores, angústia e ansiedade em face do estado de saúde dos ocupantes da viatura LR.

63. Seis meses antes do acidente supra descrito JV foi submetido a cirurgia para extracção de um rim o que lhe provocava ansiedade sobre as consequências da pancada sofrida no acidente nos órgãos abdominais.

64. Todas estas lesões quer a nível físico e dores, quer a nível psíquico, resultaram única e exclusivamente do acidente de viação de que foi vítima e que foi causa adequada à sua produção.

Mais se provou:
65. O arguido é pára-quedista com o posto de Sargento-mor e encontra-se reformado.

66. Aufere de reforma o montante mensal de 2000,00 euros.

67. Auxilia na empresa do pai, de que é gerente.

68. Da gerência da referida empresa não aufere qualquer rendimento.

69. Vive sozinho.

70. Do crédito bancário para a aquisição da casa onde habita paga cerca de 400,00 euros mensais.

71. Tem dois filhos maiores.

72. Tem dois veículos automóveis da marca berlier e chrysler.

73. O arguido goza de boa reputação no meio social onde se insere.

Não provado
A. Que o arguido tenha transposto a linha longitudinal contínua marca M1.

B. Que após a manobra descrita em 5 o veículo do arguido não tenha colidido com o veículo conduzido por AC.

C. Que durante a manobra descrita em 5 AC se encontrava a ultrapassar o veículo pesado NH.

D. MC chorava e gritava pela mãe que via dentro do LR mas que não lhe respondia, seguindo-se situação de pânico e choro.

E. MC entrou em pânico quando viu a mãe pela primeira vez depois do acidente, devido ao aspecto que a sua face apresentava.

F. MC teve alta hospitalar no mesmo dia dos factos dados descritos de 5 a 7 com necessidade de acompanhamento médico.

G. A assistente por conta das sequelas que lhe restam em face dos factos dados como provados apresenta redução da amplitude da abertura bocal, dificuldade em mastigar, dificuldade em falar e manter uma conversa demorada ao telefone na sua actividade profissional, hipersensibilidade a alimentos mais quentes e mais frios que lhe provocam dor, com o falar a cara do lado esquerdo sofre alterações internas que provocam o sagrar e não pode apanhar sol na face.

H. A assistente terá ainda que ser submetida a cirurgia plástica.

I. Em face das lesões sofridas a assistente receou não poder voltar a falar e ficar com a cara deformada.

J. A assistente é empregada numa imobiliária.

K. JV perdeu conhecimento por breves momentos.

L. JV não teve ainda alta clínica.

M. JV actualmente tem pesadelos e acorda a reviver os momentos que se passaram depois do acidente.

Motivação da matéria de facto:
O Arguido A. deu a sua versão dos factos de forma muito convicta mas com nenhum arrimo na demais prova produzida, imputando a causa do acidente à condutora do veículo LR, AC, mencionando um embate traseiro no seu veículo que terá causado o rebentamento dos pneus e consequente despiste. Esclareceu qual a via de trânsito em que circulava à data dos factos, a velocidade a que circulava e bem assim para onde se dirigia, confirmando ainda qual o posicionamento final de cada um dos demais veículos acidentados e que tomaram parte no acidente, na via. Não admitindo qualquer erro na sua condução, nem omissão, ou desatenção, reitera que AC terá acelerado o seu veículo sendo que quando o arguido condutor do FE pretendeu mudar para a faixa mais à direita daquela em que circulava embateu no seu veículo.
AC, não se consegue recordar de como ocorreu o acidente. Não obstante, conseguiu explicar qual a faixa em que circulava, sabendo que foi ultrapassada por um veículo ligeiro, confirmando ainda a presença do pesado, cuja ultrapassagem por si realizada também confirmou. A assistente relatou de forma segura, espontânea e tranquila quais as implicações que o acidente teve na sua saúde, bem como os tratamentos a que foi submetida e sequelas com que ficou do acidente. Confirmou quem tripulava a sua viatura, quais as implicações do acidente relativamente à sua filha M, também transportada no seu veículo à data do mesmo.
O Tribunal ouviu o Cabo V, cabo da GNR afecto à Brigada de Trânsito de Setúbal desde 1987, e que elaborou a participação e croqui de fls. 7 respeitante ao acidente em análise nos autos. Confirmou de forma imparcial e distanciada qual a sua intervenção após o acidente, confirmando a posição final de cada um dos veículos após o embate.
TP, guarda principal da GNR, em 2009 prestava serviço no Núcleo de Investigação de acidentes de Viação em Setúbal. A testemunha de forma isenta, imparcial, espontânea e por isso credível, referiu ter-se deslocado ao local em 10 Julho de 2010, procurando a recolha de vestígios para que, e com o auxílio de todos os elementos recolhidos em sede de inquérito até esse momento, e até com auxílio das imagens captadas pela câmara de controlo de tráfego fornecidas pela Brisa, para que procurasse reconstituir e relatar quais as causas do acidente aqui em causa. A testemunha corroborou o teor do relatório constante de fls. 114 e seguintes, explicou a razão de ser e origem dos danos existentes no veículo conduzido pelo arguido, qual terá sido a dinâmica do acidente, reiterando as conclusões que ali apresentou, com excepção da colisão existente entre o veículo LR e o veículo FE.
PB era o acompanhante do arguido à data do sinistro. Dos factos em si pouco se recorda, descrevendo somente o embate sofrido pelo veículo onde se deslocava. Não soube descrever em que faixa seguia, não soube explicar porque é que o jipe (LR) capotou, não conhece a estrada nem sabe para que saída da mesma se dirigia o arguido. A testemunha, com aquilo que se pode considerar amnésia selectiva, pouco mais sabe se não que alguém embateu no carro em que seguia. Assim sendo e sendo pouco verosímil que efectivamente não se recorde nem sequer da faixa de auto-estrada em que se deslocava, memória para a qual não é necessário conhecer o local, a testemunha em causa nenhum crédito mereceu por parte do Tribunal.
JV localizou no tempo e espaço os factos com algum rigor, relatou a dinâmica do acidente corroborando as declarações da assistente e do militar TP. Deu ainda conta das lesões que sofreu, da sua recuperação, e ainda das implicações ao nível de saúde e bem assim bem-estar pessoal e familiar que o acidente provocou. A testemunha teve um depoimento sereno, espontâneo, coerente merecendo credibilidade por parte do Tribunal.
ME de forma espontânea, tranquila e coerente e por isso merecedora de crédito por parte do Tribunal deu conta da dinâmica do acidente, da sua recuperação e dos demais demandantes, a desestabilização que o acidente teve na vida familiar dos demandantes. Corroborou o depoimento prestado por JV e AC.
DP, irmão de JV, relatou de forma isenta e distanciada e por isso de forma credível o acompanhamento que fez relativamente à recuperação do seu irmão, pessoa com quem trabalha, deixando claro o seu afastamento dos projectos profissionais em face dos danos que o acidente causou, bem como dos efeitos do acidente na sua auto-estima.
AM, cunhada de AC, relatou de forma serena, cuidada, espontânea e sincera o acompanhamento que fez dos factos, a intervenção enquanto rede de apoio familiar, porquanto assistiu a assistente ficando com a M nos primeiros dias após o acidente em face da impossibilidade da mãe e avós o poderem fazer. Deu conta do estado da assistente bem como dos demais demandantes e da assistência familiar que foi necessário prestar em face do acidente, bem como da recuperação de cada um dos demandantes. A testemunha mereceu credibilidade por parte do Tribunal.
NC, marido de AC e pai da pequena MC, deu conta dos efeitos do acidente na vida da sua filha, bem como da inocência com a mesma relatava o acidente, ainda que em pormenor, circunstância esta que foi igualmente corroborada pelos demandantes que prestaram declarações, o que demonstra que apesar de o relatar com leveza de espírito foi de alguma forma marcante para a menina que há data tinha apenas 4 anos. Deu conta ao Tribunal do auxílio que ME deu à família, corroborando o depoimento da referida testemunha.
A referida testemunha deu ainda conta da recuperação da esposa bem como da necessidade desta esconder a face de forma a não perturbar a sua filha, nos primeiros tempos de recuperação, porquanto considerava a sua imagem de alguma forma assustadora. Relatou ainda a experiência que a esposa tinha na condução do LR que estava na sua posse diária desde sempre. A testemunha revelou-se espontânea e sincera merecendo por isso credibilidade por parte do Tribunal.
H e V, amigos do arguido há cerca de 40 anos, com quem tiveram uma vivência profissional muito próxima, deram conta ao tribunal, de forma convicta, da personalidade do mesmo, bem como da sua idoneidade enquanto condutor.
Ao abrigo do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal e a requerimento do arguido, o Tribunal ouviu ainda RP, técnico na firma “Icollision” empresa especializada em reconstrução de acidentes de viação, e doutorando no instituto superior técnico de Lisboa. Foi igualmente junto nessa sede a documentação da análise da referida testemunha e ilustração da compatibilidade entre o veículo FE e o veículo LR.
A testemunha RP confrontada com fotogramas de fls. 139 a 142 descreveu a trajectória dos carros ali representada, os danos causados nos veículos ilustrado por fotografias de fls. 121 e 98, dando conta, de forma que se teve como globalmente isenta, da dinâmica do acidente, sendo certo, e conforme adiante se analisará, num particular, designadamente da causa da colisão operada entre o FE e LR, a testemunha não demonstrou isenção, não relevando por isso e quanto a esse ponto o seu depoimento.

Na verdade e analisando:
- O teor de auto de participação de acidente de viação constante de fls. 3 a 7 e aditamento de fls. 29 a 32,
- Print título de condução de A e livrete do veículo FE constante de fls. 65 e 66,
- Print de registo individual de condutor relativo a AC e livrete do veículo LR constante de fls. 70 e 72,
- Print de registo individual de condutor relativo a AS constante de fls. 76 e livrete do veículo HN a fls. 77, onde restam identificados os veículos e condutores intervenientes no acidente aqui em causa, bem como os que ficaram feridos em razão do mesmo e contém um croqui elaborado pelo Militar V onde estão ainda representadas as posições finais e locais de imobilização dos veículos intervenientes e as linhas longitudinais ali existentes,
- Declaração de fls. 11,
- Auto de inspecção ao local realizado pelo militar da GNR TP constante de fls. 79 a 82,
- Fotografias constantes de fls. 88 a 98, 118 a 122,
- Relatório fotográfico de fls. 132 a 143,
- Relatório núcleo de investigação criminal de fls.144 a 161,
- E imagens fls. 308 e 309, 320 e 321, 334 e 335, 353 e 354,
dúvidas não restam que o arguido ao volante do FE e a assistente ao volante do LR seguiam no dia 23-10-2009 pelas 13.40h na auto-estrada nº12 com sentido Setúbal-Lisboa, sendo que a via configura uma recta, composta por três faixas para cada sentido de trânsito, o tempo estava bom, o estado do piso era regular e a visibilidade era boa.
O arguido viajava na faixa mais à esquerda, atento o seu sentido de trânsito, e a assistente na segunda faixa, contando da direita para a esquerda. Ao aproximarem-se da zona das portagens do Pinhal Novo e simultaneamente da saída para tal localidade, o arguido após ultrapassar o veículo conduzido pela assistente, por motivo não concretamente apurado e sem que nada o fizesse prever, realizou manobra de mudança de faixa de rodagem, colocando-se na frente do veículo conduzido pela assistente e por isso embatendo com a sua traseira direita na frente esquerda do LR.
Após o embate e ao aperceber-se da invasão inopinada pelo veículo conduzido pelo arguido na via em que circulava, a assistente guinou instintivamente para a direita.
De seguida e procurando evitar novo embate, agora com um veículo pesado HN que circulava na via mais à direita e imediatamente à sua frente, a assistente voltou a guinar a direcção do LR para a esquerda. Logrou evitar tal embate; contudo, o veículo em que circulava perdeu o controlo, capotando e imobilizando-se mais à frente junto ao rail que divide os sentidos de trânsito da A12.
Por sua vez, o arguido conduzindo o FE, após invadir de forma não calculada e inusitada a faixa central da via em que circulava e embater com a parte direita da sua traseira na parte da frente esquerda do LR, guinou para a direita, indo embater com a lateral direita do seu veículo na lateral do rodado do reboque do veículo pesado - cfr. fls. 118 a 122, rumando posteriormente para a esquerda, batendo com a frente nos rails separadores de vias e aí se imobilizando.
Assim e apesar dos demandante cíveis e TP afirmarem não ter existido colisão a verdade é que considerando as declarações de RP cuja ilustração junta em julgamento e aqui igualmente considerada, no confronto com imagens de fls. 139 a 142 da mesma resulta de forma evidente que o arguido regressou à faixa central cedo demais sendo certo que os fotogramas não representam o veículo da assistente em manobra de ultrapassagem ao veículo pesado. Tal análise demonstra igualmente no confronto com as imagens de fls. 121 que tal evento provocou uma colisão na traseira do veículo FE conduzido pelo arguido.
Na verdade a referida imagem (fls. 121) permite visualizar o sentido em que o dano foi provocado - horizontal e da esquerda para a direita - sendo por isso compatível com uma colisão entre os veículos, conforme a descrita no ponto 5 e 6 dos factos provados.
Na aferição deste aspecto o Tribunal não considerou a ilustração junta após o depoimento de RP no qual estão representados os dois veículos em tudo semelhantes ao FE e ao LR, porquanto e apesar da testemunha ter afirmado que ambas as figuras estão representadas à escala, a verdade é que o veículo semelhante ao LR se encontra num plano diferente do veículo semelhante ao FE o que é bem visível se atentarmos na espessura da linha que serve de plano a ambos os veículos.
Contudo e não obstante RP afirmou que considerando que a velocidade do veículo do arguido era necessariamente superior à do LR e por isso na ocasião descrita nos factos provados realizava manobra de ultrapassagem, não podia colidir o FE com tal veiculo quando regressasse à faixa central, sem que tivesse reduzido a velocidade ou a assistente acelerado.
Na verdade e neste particular não se teve como convincente e imparcial o depoimento de RP porquanto, é por demais evidente que o veiculo FE, conduzido pelo arguido, independentemente da velocidade em que seguia, no momento em que decide regressar à faixa central da via, ocupou um espaço físico que era naquele momento simultaneamente ocupado pelo LR.
Da mesma forma e com recurso às regras da experiência comum não se vê como de alguma forma consonante com as mesmas que a assistente, que à data dos factos viajava com a sua família mais próxima dentro do veículo, designadamente mãe, padrasto e filha, de alguma forma apercebendo-se de que o arguido ia terminar a ultrapassagem acelerasse em sua direcção provocando por isso o embate do LR no FE.
Igualmente não se compreende que RP afirme de forma peremptória, num momento que o FE regressou à faixa central demasiado cedo, e de imediato refira que teve necessariamente que haver aceleração ou desaceleração por parte de algum dos intervenientes.
Ora na verdade e sendo certo que é facto notório aos olhos de qualquer cidadão comum que dois veículos automóveis não podem ocupar simultaneamente o mesmo espaço e lugar sem se sobreporem, e considerando a descrição igualmente feita pela referida testemunha atestadas pelas referidas fotografias, dúvidas não restam que em face da manobra praticada pelo arguido, este embateu no LR e seguindo-se o despiste conforme resultou supra descrito nos factos 5 a 10, o que significa que o acidente descrito se ficou a dever à forma como o arguido A. retomou a via da direita após a ultrapassagem do veículo LR conduzido por AC.
Não obstante TP em julgamento ter afirmado, em sentido contrário à conclusão por si deduzida no relatório junto aos autos a fls. 132 e seguintes, não poder retirar a ilação da existência de colisão da traseira do FE na frente esquerda do LR em momento anterior ao acidente, atribuindo a origem do dano em causa e visualizado fls. 121 a vestígios de pneumáticos do camião, é para nós agora de forma clara e evidente, em face de tudo quanto se expôs que existiu um embate entre o FE e o LR nos termos expostos seguindo-se o despiste conforme está descrito de 5 a 10, pois apesar o mesmo não se encontrar representado nos fotogramas de fls. 139 a 142 a verdade é que como bem esclareceu TP, as câmaras controladoras de trânsito da Brisa existentes no local, de onde são oriundos tais fotogramas, já não captaram o desenlace do acidente por não terem alcance nem câmaras colocadas em perímetro que abrangesse “os momentos seguintes” do mesmo.
Resta concluir que não se crê, conforme se expôs, que os demandantes cíveis de alguma forma tivessem faltado à verdade. A realidade é que em resultado do acidente a assistente não se recorda dos factos e os demais, apesar de o conseguirem descrever, revelam-se inultrapassáveis os limites da memória humana, que em face do decurso do tempo, e sem que haja qualquer intervenção ou fabrico doloso de ideias a mente produz e oculta pormenores.
Do acidente resultaram as lesões descritas para os ocupantes do LR, a saber ME, MC, JV e AC os quais são corroborados por:
- Relatórios de hospitalização de fls. 12 a 15 relativos a AC, JV, ME e MC,
- Requisição de análises de fls. 16 a 24,
- Relatório de toxicologia fls. 34, 36, 38,
- Relatórios de urgência de AC, JV, ME eMC constante a fls. 184 a 215,
- Autos de exame médicos relativos a AC, JV, ME e MCconstantes de fls. 221, 221, 225 a 226, 229 a 230, 233 a 234,
- Documentos relativos a AC, JV, ME e MC constantes de fls. 223, 227, 231, 236,
- Informação clínica de AC proveniente do Centro Hospitalar de Lisboa constante de fls. 239 a 246, 336 a 337, 338, 339,
- Relatório inicial de analise de dano corporal relativo a AC constante de fls. 340,
- Relatório de alta de AC constante de fls. 341,
- Relatório pericial relativo a AC constante de fls. 257 a 261,
- Relação de presenças de JV em Tiagos Clínica Lda. De 22-03-2010 a 01-10-2010,
- Condições particulares da apólice nº 104 da ---Seguros S.A. a fls. 420 a 423, 430 a 433, 440 a 443, 450 a 453.
As relações de parentesco descritas resultaram da análise de assentos de nascimento de fls. 362, 364.
Da análise do registo individual de condutor do arguido A. constante de fls. 64, print titulo de condução de A e livrete do veículo FE constante de fls. 65 e 66, print de registo individual de condutor relativo a AC e livrete do veículo LR constante de fls. 70 e 72, resulta na parte que aqui nos importa nenhuma anomalia estar registada quanto ao estado de circulação dos veículos, bem como a inexistência de antecedentes de infracções rodoviárias a assinalar aos condutores com excepção de uma suspensão do cumprimento de inibição do exercício da condução pelo arguido A. por factos de 2007 e vigente de 12-03-2008 a 11-03-2009 pela utilização de aparelhos radiofónicos durante a condução (cfr. fls. 65).
A formulação do elemento subjectivo resulta da conjugação dos factos relacionados com a dinâmica do acidente conforme se expôs, com as regras da experiência comum, porquanto o exercício da condução por quem está habilitado para tal como é o caso, importa um dever de cuidado e uma obrigação de atenção principalmente no desenlace de manobras perigosas como a de ultrapassagem.
Assim e não havendo sido apurado qualquer factor externo (como álcool ou drogas - cfr. exames toxicológicos supra referidos) nem mesmo qualquer acção levada a cabo por AC que perturbasse o exercício da condução (cfr. imagens 139 a 142), e sendo por isso o arguido capaz de o fazer, resultou como provado que o mesmo não actuou com a atenção e cuidado de que deveria estar munido e que para tanto era capaz.
Resultou ainda provado em julgamento o sofrimento, tratamentos, dores, as constrições familiares e pessoais, que os factos aqui em discussão causaram aos demandantes cíveis.
Os factos relativamente às condições pessoais do arguido resultaram provadas em face das declarações do mesmo, relevando como credíveis neste particular, atenta a sua espontaneidade.
Os factos constantes da acusação e dados como não provado decorrem da análise supra exposta, em face da ausência de elementos probatórios que os corroborem.
Toda a demais documentação junta aos autos e não mencionada, após análise cuidada por parte do Tribunal, revelou não conter qualquer relevância probatória.
As demais alegações constantes dos pedidos de indemnização civil e respectivas contestações e não contidas na factualidade provada reconduzem-se a matéria conclusiva ou de direito”.

3 - Apreciação do mérito dos recursos.

I - Recurso do arguido:

Por razões de precedência lógica (e até de eventual preclusão), as questões suscitadas pelo arguido na motivação do recurso serão apreciadas pela seguinte ordem:
a) Nulidade da sentença, por falta de exame crítico da prova.
b) Nulidade da sentença, por omissão de fundamentação do seu “dispositivo”.
c) Vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova.
d) Impugnação (alargada) da matéria de facto.
e) Atenuação especial da pena.
f) Medida concreta da pena.
g) Taxa diária da pena de multa.
h) Não aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

a) Da nulidade da sentença (por falta de exame crítico da prova).
Alega o arguido que na sentença recorrida não está devidamente explicitado o processo lógico que levou a Mmª Juíza a considerar como provado o facto nº 5 da matéria de facto provada (o arguido, sem que nada o fizesse prever, e de forma repentina, mudou de direcção para a faixa da direita).

Por isso, entende o arguido que a sentença sub judice deve ser declarada nula, ao abrigo do disposto nos artigos 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do C. P. Penal.

Cabe apreciar.

Sob a epígrafe “nulidade da sentença”, dispõe o artigo 379º do C. P. Penal:

“1. É nula a sentença:
a) que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º;
(…)”.
Por sua vez, o artigo 374º do C. P. Penal, sobre os “requisitos da sentença”, estabelece:
1. A sentença começa por um relatório, que contém:
(…).
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
(…)”.

Como refere Marques Ferreira (in “Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal”, Livraria Almedina, 1988, pág. 228), este regime legal, quanto à fundamentação da decisão de facto, consagra “um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controle da sua motivação”.

Nesta mesma linha orientadora de pensamento, escreve-se, com muita pertinência, no Ac. do S.T.J. de 16-03-2005 (Processo nº 05P662, in www.dgsi.pt), que “o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.

É, pois, nesta motivação da decisão fáctica que se dá a conhecer e a compreender aos outros o processo lógico do julgamento, da apreciação e da valoração da prova. E é ainda esta motivação que permite a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo o tribunal superior verificar se, na sentença, foi seguido um processo lógico e racional de apreciação da prova.

No dizer de Sérgio Gonçalves Poças (in “Da sentença penal - Fundamentação de facto”, Revista Julgar, ed. da ASJP, nº 3, pág. 37), o tribunal dará cumprimento ao disposto no artigo 374º, nº 2, do C. P. Penal, com indicação e exame crítico das provas, “ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência de julgamento e ao expor as razões, de forma objectiva e precisa, por que é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e por que é que outras não serviram”.

Continua o mesmo autor (local citado, págs. 38 e 39): ”são as razões – objectivas, necessariamente – que na apreciação da prova, de acordo com as regras da experiência, levaram o tribunal a dar relevância a determinadas provas e irrelevância a outras, que devem ser expostas na motivação. De facto, é a exposição clara destas razões que permite o exame do processo lógico-mental subjacente à formação da convicção do juiz. (…) Em cada caso, o tribunal, de acordo com os conhecimentos científicos e técnicos convocados pelo caso, e na observância das regras da lógica e da experiência, apreciará cada prova na sua singularidade e no conjunto da prova produzida. Desta apreciação conjunta da prova (…) o tribunal formará a convicção que determinará a decisão sobre a matéria de facto. (…) Impõe-se que o tribunal explicite as razões pelas quais deu credibilidade a umas provas e não deu a outras; porque decidiu de um modo e não de outro. Ou seja, o tribunal (ao motivar) está obrigado a explicitar as razões concretas por que deu credibilidade a determinados depoimentos e não deu a outros; por que lhe mereceram crédito ou não as declarações do arguido; por que entendeu ser (ir)relevante para a decisão o documento junto aos autos (…)”.

Indo à sentença objecto do recurso, na parte reservada à motivação da decisão de facto, nela estão amplamente consignadas as razões por que se entendeu dar como provado o facto nº 5 (o arguido, sem que nada o fizesse prever, e de forma repentina, mudou de direcção para a faixa da direita).

Com efeito, no que diz respeito a tal facto dado como provado, e além do mais, a Mmª Juíza refere o seguinte:

A testemunha RP confrontada com fotogramas de fls. 139 a 142 descreveu a trajectória dos carros ali representada, os danos causados nos veículos ilustrado por fotografias de fls. 121 e 98, dando conta, de forma que se teve como globalmente isenta, da dinâmica do acidente, sendo certo, e conforme adiante se analisará, num particular, designadamente da causa da colisão operada entre o FE e LR, a testemunha não demonstrou isenção, não relevando por isso e quanto a esse ponto o seu depoimento. (…) Dúvidas não restam que o arguido ao volante do FE e a assistente ao volante do LR seguiam no dia 23-10-2009 pelas 13.40h na auto-estrada nº12 com sentido Setúbal-Lisboa, sendo que a via configura uma recta, composta por três faixas para cada sentido de trânsito, o tempo estava bom, o estado do piso era regular e a visibilidade era boa. O arguido viajava na faixa mais à esquerda, atento o seu sentido de trânsito, e a assistente na segunda faixa, contando da direita para a esquerda. Ao aproximarem-se da zona das portagens do Pinhal Novo e simultaneamente da saída para tal localidade, o arguido após ultrapassar o veículo conduzido pela assistente, por motivo não concretamente apurado e sem que nada o fizesse prever, realizou manobra de mudança de faixa de rodagem, colocando-se na frente do veículo conduzido pela assistente e por isso embatendo com a sua traseira direita na frente esquerda do LR. (…) Na verdade a referida imagem (fls. 121) permite visualizar o sentido em que o dano foi provocado - horizontal e da esquerda para a direita - sendo por isso compatível com uma colisão entre os veículos, conforme a descrita no ponto 5 e 6 dos factos provados. Na aferição deste aspecto o Tribunal não considerou a ilustração junta após o depoimento de RP no qual estão representados os dois veículos em tudo semelhantes ao FE e ao LR, porquanto e apesar da testemunha ter afirmado que ambas as figuras estão representadas à escala, a verdade é que o veículo semelhante ao LR se encontra num plano diferente do veículo semelhante ao FE o que é bem visível se atentarmos na espessura da linha que serve de plano a ambos os veículos. Contudo e não obstante RP afirmou que considerando que a velocidade do veículo do arguido era necessariamente superior à do LR e por isso na ocasião descrita nos factos provados realizava manobra de ultrapassagem, não podia colidir o FE com tal veiculo quando regressasse à faixa central, sem que tivesse reduzido a velocidade ou a assistente acelerado. Na verdade e neste particular não se teve como convincente e imparcial o depoimento de RP porquanto, é por demais evidente que o veiculo FE, conduzido pelo arguido, independentemente da velocidade em que seguia, no momento em que decide regressar à faixa central da via, ocupou um espaço físico que era naquele momento simultaneamente ocupado pelo LR. Da mesma forma e com recurso às regras da experiência comum não se vê como de alguma forma consonante com as mesmas que a assistente, que à data dos factos viajava com a sua família mais próxima dentro do veículo, designadamente mãe, padrasto e filha, de alguma forma apercebendo-se de que o arguido ia terminar a ultrapassagem acelerasse em sua direcção provocando por isso o embate do LR no FE. Igualmente não se compreende que RP afirme de forma peremptória, num momento que o FE regressou à faixa central demasiado cedo, e de imediato refira que teve necessariamente que haver aceleração ou desaceleração por parte de algum dos intervenientes. Ora na verdade e sendo certo que é facto notório aos olhos de qualquer cidadão comum que dois veículos automóveis não podem ocupar simultaneamente o mesmo espaço e lugar sem se sobreporem, e considerando a descrição igualmente feita pela referida testemunha atestadas pelas referidas fotografias, dúvidas não restam que em face da manobra praticada pelo arguido, este embateu no LR e seguindo-se o despiste conforme resultou supra descrito nos factos 5 a 10, o que significa que o acidente descrito se ficou a dever à forma como o arguido A retomou a via da direita após a ultrapassagem do veículo LR conduzido por AC”.

Como se constata, por forma flagrante, a Mmª Juíza a quo apresenta, desenvolvidamente, indicação e apreciação dos elementos de prova, bem como enunciação de raciocínio, que permitem compreender e avaliar os motivos por que considerou como provado o facto vertido no nº 5 da matéria de facto provada (o arguido, sem que nada o fizesse prever, e de forma repentina, mudou de direcção para a faixa da direita).

O tribunal a quo, de forma transparente e totalmente apreensível, pronunciou-se acerca dos motivos pelos quais deu como provado esse facto, esclarecendo por completo quais as razões dessa convicção.

Na sentença está explicitado e devidamente explicado o processo de formação da convicção do tribunal no aspecto agora em análise, com o exame crítico das provas em que tal convicção se estribou, nomeadamente constando da sentença qual o raciocínio lógico-dedutivo seguido pela Mmª Juíza para dar como provado o aludido facto (nº 5 dos factos provados).

Assim sendo, cumpriu-se o dever legal de fundamentação da decisão fáctica, com exame crítico das provas, incluindo indicação dos elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios de lógica, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formasse em determinado sentido.

Por tudo o que ficou dito, verifica-se que a sentença revidenda satisfaz o disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Tendo a sentença recorrida dado cumprimento a tal preceito, a mesma não enferma da nulidade agora em análise (conforme estatuído no artigo 379º, nº 1, al. a), do C. P. Penal).
Improcede, assim, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.

b) Da falta de fundamentação no “dispositivo” da sentença.
Alega o arguido que também o “dispositivo” da sentença enferma de falta de fundamentação, uma vez que não é possível perceber que elementos foram ponderados pelo tribunal a quo para aplicar aquela pena e não outra.

Na opinião do arguido, por existir omissão de fundamentação no “dispositivo” da sentença, a decisão recorrida violou o preceituado nos artigos 97º, 374º e 379º do C. P. Penal.

Mais invoca o arguido que a sua situação económica se alterou desde que foi ouvido em audiência de discussão e julgamento, pois que o seu vencimento sofreu cortes e, neste momento, é ele que tem a seu cargo a filha, desempregada, com dois netos, prestando também ajuda ao seu filho (sendo ainda que a “prestação” da casa não é de € 400,00 mas sim de € 900,00).

Há que decidir.

Desde logo, os factos relativos à situação económica do arguido só podiam (e podem), como é óbvio, ser aferidos, na sentença sub judice, na data da audiência de discussão e julgamento.

Se, como alega agora o arguido, essa situação económica entretanto se alterou, tal só poderá relevar (eventualmente) na altura do cumprimento da pena de multa aplicada, flexibilizando-se esse cumprimento (mediante requerimento do arguido nesse sentido, requerimento esse sobre o qual terá de incidir despacho do tribunal de primeira instância).

Carece, pois, de relevo e de sentido útil (neste momento) a invocada alteração da situação económica do arguido.

No tocante à omissão de fundamentação no “dispositivo” da sentença, tal invocação do arguido não possui, manifestamente, qualquer fundamento válido.

Na verdade, a fundamentação da decisão quanto à natureza da pena aplicada (e à medida concreta desta) não tem de constar do “dispositivo” da sentença, mas sim da “fundamentação de direito” da sentença (ou seja, a escolha da pena e a determinação da medida concreta da pena têm, necessariamente, de ser fundamentadas em momento anterior ao “dispositivo”).

Foi isso que se fez (como devia ser feito) na sentença revidenda.

Assim é que, na sentença em questão se escreveu (sob a epígrafe geral “III - Enquadramento Jurídico”, e sob a epígrafe específica “Da escolha e medida da pena”):

Ao crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, corresponde pena de prisão até um ano ou pena de multa de 10 a 120 dias.

Ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário corresponde pena de prisão até 3 (três) anos ou pena de multa até 360 (trezentos e sessenta) dias – artigos 291.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

Ora, nos termos do artigo 40.º do Código Penal «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa.

Mostrando-se suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfazendo as exigências de reprovação e de prevenção do crime, haverá que optar pela pena de multa, alternativamente prevista para o crime - artigo 70.º do Código Penal.

Como esclarece Maia Gonçalves, Código Penal Português, Almedina, 16.ª edição (2004), pág. 248, «a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial».

No caso concreto, verifica-se que o arguido não tem antecedentes criminais registados.

Mais, encontra-se social e profissionalmente inserido.

Tudo ponderado, afigura-se que a pena de multa ainda satisfaz de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, designadamente as exigências de reprovação e prevenção dos crimes.

Vejamos, ora, da medida concreta da pena a aplicar ao arguido.

Na determinação da medida da pena, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção nos termos do artigo 71.º, n.º1 do Código Penal, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

«O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida de culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham. O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos. Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para a resposta às necessidades de reintegração social do agente» - Ac. do S.T.J. de 12 de Fevereiro de 2004, Proc. nº 4250/03.

Na determinação da medida concreta da pena, importa assim ponderar no caso concreto os seguintes factores:

Quanto ao crime de ofensa à integridade física por negligência:
a) O grau de ilicitude (média gravidade);
b) O modo como se processou o acidente;
c) As consequências do seu comportamento na pessoa dos ofendidos (graves);
d) A inexistência de antecedentes criminais do arguido;
e) O não ter assumido os factos, o que deve ser valorado como circunstância com valor agravador da culpa e, até, ao nível das exigências de prevenção especial;
f) E às prementes necessidades de reprimir e prevenir este tipo de criminalidade, uma vez que se trata de um crime muito frequente na nossa sociedade.

Tudo visto e ponderado, considera-se ajustada a pena de 90 (noventa) dias de multa por cada crime.

Na determinação da medida concreta da pena relativamente ao crime de condução perigosa, importa assim ponderar no caso concreto os seguintes factores:

- O grau de ilicitude (elevada gravidade);
- Ao dolo com que agiu (dolo directo);
- A inexistência de antecedentes criminais, como se viu supra;
- A natureza da manobra realizada e o perigo daí resultante;
- E às prementes necessidades de reprimir e prevenir este tipo de criminalidade.

Assim, tudo visto e ponderado, considera-se ajustada a pena de 170 (cento e setenta) dias de multa.

O disposto no artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção vigente à data dos factos, tem por finalidade eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os arguidos possuidores de diferentes meios de a solver – cf. Maia Gonçalves, obra citada, pág. 195.

Assim, atendendo à situação pessoal dada como provada supra, entende-se que a determinação de tal montante deve encontrar-se próxima do limite mínimo, pelo que se fixa em € 8,00 (oito euros) o quantitativo correspondente a cada dia de multa.

Da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor:

Mais, tendo em consideração o preceituado no artigo 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e todo o já anteriormente exposto, decide-se condenar o arguido na proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses.

Da punição do concurso:

Nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado num única pena”.

Dispõe ainda o nº 2 do citado artigo 77º que “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”

Assim, a pena aplicável ao arguido A, em resultado do concurso, tem como limite máximo 530 dias de multa e tem como limite mínimo 170 dias de multa.

Considerando o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, entende-se ser de condenar este na pena única de 360 dias de multa, o que totaliza o montante global de 2880,00 (dois mil oitocentos e oitenta) euros e a que corresponde o período de prisão subsidiária de 240 dias”.

Ora, desta fundamentação, colocada no local adequado da sentença revidenda (na “fundamentação” e não no “dispositivo”) é possível percepcionar, sem dificuldade, quais os elementos que foram ponderados pelo tribunal a quo para escolher as penas e para determinar a medida concreta das mesmas.

Posto o que precede, nenhuma razão assiste ao arguido quando alega que, por falta de fundamentação no “dispositivo” da sentença, a decisão recorrida enferma de nulidade (face ao preceituado nos artigos 97º, 374º e 379º do C. P. Penal).

Em suma: é de improceder este ponto do recurso do arguido.

c) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova.

Invoca o arguido, em breve síntese, que, pela análise dos fotogramas não se pode concluir que a colisão tenha ocorrido em consequência directa da manobra da mudança de direcção por parte do mesmo (de acordo com o preceituado no artigo 39º do Código de Estrada, o veículo que está a ser ultrapassado tem de facilitar a ultrapassagem, abrandando a marcha, o que não aconteceu no caso concreto, razão por que embateu na parte direita traseira do veículo do arguido).

Entende o arguido que, ao não decidir dessa forma, o tribunal a quo fez uma errada interpretação da prova, tendo violado o disposto no artigo 410º, nº 2, al. c), do C. P. Penal, enfermando ainda a decisão revidenda do vício previsto na alínea a) de tal preceito legal, uma vez que os factos não poderão levar à conclusão que levaram.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal: “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.

Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.

A insuficiência a que se reporta a citada al. a) é um vício que ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique. Tal vício consiste na formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.

Por sua vez, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

O erro notório na apreciação da prova, por seu lado, é prefigurável quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.

Percorrendo as conclusões extraídas da motivação do recurso do arguido, facilmente se vislumbra que, no essencial, o arguido questiona, não o texto da decisão recorrida, mas sim o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova que foi produzida em audiência de discussão e julgamento, esquecendo-se da norma vertida no artigo 127º do C. P. Penal, segundo a qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do juiz.

Ou seja, e nos seus traços marcantes, as alegações do arguido apenas traduzem uma desconformidade entre a decisão de facto do tribunal a quo e aquela que no caso teria sido a do próprio arguido.

Por outro lado, os raciocínios expostos pela Mmª Juíza a quo, ao fundamentar a decisão de facto, são lineares, claros e totalmente apreensíveis.

Assim, as alegações do arguido, a propósito da fundamentação da matéria de facto, não permitem concluir pela existência de qualquer erro ou vício de raciocínio na apreciação da prova. Não traduzem, de forma patente ou ostensiva, como é exigível, qualquer erro na apreciação do conjunto das provas produzidas na audiência de discussão e julgamento, erro esse que salte aos olhos de qualquer pessoa de média formação, e erro decorrente da simples leitura da sentença recorrida.

Na sucinta (mas claríssima) exposição de Simas Santos e Leal Henrique (in “Recursos em Processo Penal”, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77), existe erro notório na apreciação da prova quando ocorre “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou (…). Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis”.

Quanto ao erro notório na apreciação da prova, vem sendo entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que ele apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias.

Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta, face à prova produzida; ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida.

O arguido considera ter existido erro notório na apreciação da prova porque o tribunal recorrido não valorou as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento no sentido que o arguido entende ser o correcto.

Simplesmente, com isso, o arguido limita-se a trazer aos autos a percepção que teve da prova.

Ora, o tribunal a quo ponderou e relacionou os factos de uma forma coerente e cristalina, não merecendo qualquer censura o processo da sua convicção.

Ou seja, a discordância do arguido perante a matéria de facto é inócua para os fins por si pretendidos, uma vez que, objectivamente, nada resulta do teor da decisão que constitua erro notório na apreciação da prova.
*
Do mesmo modo, não existe qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Alega o arguido, neste aspecto, que a prova produzida não autoriza as conclusões vertidas na sentença, isto é, que a prova não foi adequada para fundamentar a decisão de facto tomada pelo tribunal a quo.

Em grande confusão, salvo o devido respeito, incorre o arguido nesta alegação.

Com efeito, nada disso tem a ver com insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

É que, o arguido não invoca a falta de factos necessários para a decisão, que o tribunal devesse averiguar, desta forma confundindo (estranhamente, diga-se) uma situação de apreciação (objectiva, clara e coerente) da prova com o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Como bem esclarecem Simas Santos e Leal Henriques (ob. citada, págs. 72 e 73), ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando existe uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”.

Verifica-se tal vício quando, no dizer dos mesmos autores (ob. e local citados), “a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.

Nada disto se verifica na situação exposta pelo arguido, pelo que não ocorre também o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

O arguido, mais uma vez, limita-se a invocar um dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal, tão-só por discordar da valoração feita pelo tribunal a quo relativamente à prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

Em face do exposto, a sentença recorrida não enferma de qualquer dos apontados vícios, pois o conspecto fáctico vertido em tal sentença é suficiente para a decisão de direito e não contém qualquer erro e/ou contradição.

Por conseguinte, improcede, manifestamente, esta vertente do recurso do arguido.

d) Da impugnação da matéria de facto.

Alega o arguido, em breve síntese, que o depoimento prestado pela testemunha RP implica a conclusão que o acidente não foi provocado pela invasão do veículo por si conduzido da via de trânsito em que seguia o veículo conduzido pela assistente, mas sim pelo facto de esta, enquanto era ultrapassada pelo arguido, ter acelerado a marcha (causando assim a colisão).

O arguido alega ainda, em reforço dessa sua conclusão, o que se retira (em sua opinião) das fotografias juntas aos autos e que foram captadas pelas câmaras de videovigilância instaladas pela “Brisa” na auto-estrada onde ocorreram os factos.

Assim, entende o arguido que deve dar-se como não provada a matéria de facto constante da sentença sub judice sob o ponto nº 5 (dos factos provados).

Cabe decidir.

Este tribunal de recurso, privado embora da oralidade e da imediação, mas após ponderação das declarações do arguido e da assistente, em conjugação com os depoimentos das testemunhas e com o teor dos documentos juntos aos autos, subscreve inteiramente os raciocínios formulados pelo tribunal a quo e a conclusão a que o mesmo chegou para fixar a matéria de facto.

Também nós, que estamos privados da imediação (importante para captar pormenores de expressão, de olhar, de maneira de estar, e outros que ajudam a credibilizar ou não determinadas declarações ou certo depoimento), procedendo a avaliação autónoma da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, ficamos seguros dos factos dados por provados na sentença revidenda.

Procedendo, pois, a ponderação e convicção autónomas, e autonomamente formuladas nesta instância de recurso, e sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta mesma instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e pelos termos, modelo e modo de impugnação inerentes ao recurso em análise, constatamos, sem dificuldade, que a prova produzida em audiência impõe uma decisão inteiramente conforme com a que foi tomada pelo tribunal a quo.

Há que concretizar.

Ao contrário do que alega o arguido, as fotografias juntas aos autos (e captadas pelas câmaras de videovigilância instaladas pela Brisa na auto-estrada em que os factos ocorreram) não esclarecem o modo como se deu a colisão entre os veículos.

Aliás, com base nessas fotografias nem sequer se pode concluir que tenha existido (ou não) qualquer colisão entre os veículos do arguido e da assistente.

Isto na medida em que as ditas câmaras de videovigilância não possuem ângulo que lhes permitisse captar o local onde ocorreu o acidente, pelo que, obviamente, este não se encontra registado.

As imagens em causa referem-se aos momentos que precederam o acidente, e nelas se pode ver a ultrapassagem feita pelo arguido ao veículo conduzido pela assistente, mas não se pode ver a colisão.

E não se pode ver, não porque não tenha ocorrido, mas, pura e simplesmente, porque, a partir de determinado momento, as câmaras deixam de captar os veículos envolvidos (estes saem do seu ângulo de alcance).

Assim, muito embora as imagens não contenham o acidente propriamente dito, retratam a ultrapassagem e o regresso do arguido à via em que circulava o veículo conduzido pela assistente, e, é para nós evidente, tal regresso deu-se demasiado cedo.

Quanto à colisão, a mesma não resulta das imagens, mas, isso sim, da demais prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

As fotografias em causa (captadas pelas câmaras de videovigilância instaladas pela Brisa na auto-estrada em que os factos ocorreram), juntas de fls. 139 a 142 dos autos (seis ao todo – fotografias aí identificadas com os nºs 14, 15, 16, 17, 18 e 19), revelam, como já se disse, que o arguido regressou à via central (na qual circulava o veículo conduzido pela assistente) demasiado cedo, colocando-se à frente do veículo da assistente de forma inopinada e repentina, e tornando assim inevitável o embate entre a parte da frente do veículo da assistente e a parte traseira do veículo do arguido.

Com efeito, as três primeiras fotografias (nºs 14, 15 e 16) identificam, claramente, os veículos em questão, nelas se vendo o veículo da assistente a circular na via de trânsito central (circulando, na via da direita, um veículo pesado) e o veículo do arguido a circular na via de trânsito esquerda.

Mais se vê, pela sequência dessas três fotografias, que o veículo do arguido vai evoluindo, na sua marcha, mais depressa que o veículo da assistente, mas tudo decorre sem nada de significativo (ou seja, tudo se passa em termos de perfeita normalidade, como cada um dos veículos a circular na sua faixa).

Contudo, logo na quarta fotografia (nº 17 – a primeira de fls. 141) se constata que o arguido se encontra com o seu veículo já quase em cima da linha longitudinal descontínua que separa as duas faixas de rodagem, demasiado próximo do veículo da assistente.

E, confirmando e realçando essa visualização, na quinta e na sexta fotografias (nºs 18 e 19), verifica-se, agora com grande nitidez, que o veículo do arguido está ligeiramente adiantado em relação ao veículo da assistente (na quinta fotografia) e está quase todo adiantado em relação ao mesmo veículo da assistente (na sexta fotografia) - mas não todo adiantado, e, muito menos, com alguma distância entre ambos, ao contrário do que se alega na motivação do recurso do arguido -, e verifica-se também que, nessas posições, o veículo do arguido se encontra, injustificadamente, mais sobre a faixa de rodagem do veículo da assistente, como que apertando este (o qual não podia desviar-se para a faixa mais à direita, por nela circular outro veículo).

Na última das fotografias (a última captada, pois que, a seguir, a câmara de vigilância perdeu o ângulo para o local) constata-se até que o veículo do arguido está a entrar na faixa central, mesmo quase “em cima” do veículo da assistente, e que pela restante faixa da esquerda está já em circulação um terceiro veículo (ao qual, é legítimo concluir, o arguido pretendeu dar passagem).

Ora, da dinâmica dos veículos resultante das duas últimas fotografias (nºs 18 e 19) decorre, com invulgar clareza, que o arguido se desviou para a faixa central (saindo da faixa da esquerda) demasiado cedo, de modo repentino e brusco, como que se colocando à frente do veículo da assistente, e, assim, tornando inevitável o embate (embate este que, como é óbvio, ocorreu logo de seguida a tal manobra do arguido).

Mais: na última fotografia (nº 19) parece estar eminente o choque entre a parte dianteira do veículo da assistente e a parte traseira do veículo do arguido, pelo que é de concluir que a imagem recolhida nessa fotografia o foi alguns instantes antes da ocorrência do acidente sub judice.

Assim sendo, e com o devido respeito, é totalmente descabida a alegação (constante da motivação do recurso) de que a assistente acelerou o seu veículo quando sabia já da presença do arguido, ou que a assistente não tenha facilitado, como devia, a manobra de ultrapassagem efectuada pelo arguido (aliás, e em termos rigorosos, nem sequer estamos, in casu, perante uma normal manobra de “ultrapassagem”, pois que quer o arguido quer a assistente seguiam, tão-só, em duas faixas paralelas de uma auto-estrada, um ao lado do outro, sendo três as faixas de rodagem ali existentes, todas no mesmo sentido de trânsito, e competindo, por isso, ao condutor que mudasse de faixa, fazê-lo com a necessária precaução).

Em suma: temos de concluir, sem qualquer dúvida, que o veículo do arguido ingressou na faixa de rodagem em que circulava o veículo da assistente (faixa central) praticamente “em cima” do veículo da assistente, ou seja, de forma oblíqua e repentina, tornando o embate inevitável, e ficando tal embate a dever-se, exclusivamente, à manobra irregular efectuada pelo arguido.

Por conseguinte, e ao contrário do que se alega na motivação do recurso, não existe qualquer erro, por parte do tribunal de primeira instância, na apreciação das fotografias juntas aos autos (e que foram captadas pelas câmaras de videovigilância instaladas pela “Brisa” na auto-estrada onde ocorreram os factos).

O arguido invoca ainda, na motivação do recurso e em defesa da sua tese (tese segundo a qual o acidente não foi provocado pela invasão do veículo por si conduzido da faixa de trânsito em que seguia o veículo conduzido pela assistente, mas sim pelo facto de esta, enquanto era ultrapassada pelo arguido, ter acelerado a marcha, causando assim a colisão), o depoimento prestado pela testemunha RP.

Desde logo, cumpre dizer que a testemunha RP não presenciou os factos (essa testemunha não estava no local onde aconteceu o acidente de viação em discussão nestes autos, quer na exacta altura da ocorrência do mesmo, quer em momento imediatamente subsequente).

Em segundo lugar, a testemunha RP, que foi indicada nestes autos pelo arguido atendendo à sua especial qualificação (é mestre, e doutorando, em engenharia mecânica, e é técnico de uma empresa especializada em “reconstituir” e “explicar” acidentes de viação), limitou-se, no fundo e bem vistas as coisas, a dar a sua própria interpretação das acima aludidas fotografias juntas aos autos (interpretação essa que, na opinião expressa na motivação do recurso, dá sustentabilidade à versão do arguido sobre a dinâmica do acidente em causa), nada mais a testemunha podendo esclarecer (com efectiva razão de ciência).

Por último (mas não menos importante), e ao invés do alegado na motivação do recurso, o depoimento da testemunha RP, analisado criticamente e em toda a sua extensão, não sustenta a versão do arguido sobre a dinâmica do acidente em discussão nestes autos.

Na verdade, na opinião da testemunha RP (e é de uma “opinião” que se trata, repete-se), a mudança da faixa de rodagem efectuada pelo arguido devia ter ocorrido um pouco mais adiante, de modo a poder ser realizada com maior segurança para todos os intervenientes.

Contudo, ainda na opinião dessa testemunha, nada parece indicar que a colisão tenha ocorrido em consequência directa de tal manobra do arguido (efectuada indevidamente, segundo a mesma testemunha), já que, se o veículo do arguido seguia a velocidade superior à do veículo da assistente (como seguia), a viatura da assistente (na sua zona dianteira esquerda) não podia, sem mais, ter colidido com a viatura do arguido (na zona traseira direita desta).

Ora, discordamos inteiramente desta opinião da testemunha RP.

A nosso ver, a diferença relativa de velocidades a que os dois veículos seguiam não impede a dita colisão, nos termos em que a mesma ocorreu.

Com efeito, mesmo indo o arguido a maior velocidade que a assistente (como ia), ao guinar repentinamente para a direita, colocando-se em frente (mas ocupando parcialmente o mesmo espaço) do veículo da assistente, podia causar, como causou, a dita colisão (ou seja, o “toque” da zona dianteira esquerda do veículo da assistente na zona traseira direita do veículo do arguido).

Por outras palavras: ao obliquar o seu veículo repentinamente, o arguido, mesmo seguindo a maior velocidade que a assistente, podia ter provocado, como provocou, o referido “toque” (uma vez que a diferença de velocidades é esbatida quando os veículos deixam de circular, ambos, em linha recta).

Ou seja, para ocorrer o dito “toque” entre os veículos, e ao contrário da opinião expressa pela testemunha RP, não tinha que haver, necessariamente, aceleração ou desaceleração por parte de algum dos veículos intervenientes.

Foi neste sentido, e muito bem, que a sentença recorrida, apesar de considerar globalmente credível (e isento) o depoimento da testemunha RP, realçou que tal depoimento não se revelou, no aspecto concreto agora em análise (neste segmento das suas opiniões sobre o modo de produção do acidente), isento e credível.

Também nós entendemos, tal como entende o tribunal a quo, que, explicando e admitindo a testemunha RP que o veículo conduzido pelo arguido regressou cedo demais à faixa de rodagem central (na qual seguia o veículo conduzido pela assistente), não faz sentido que tal testemunha venha dizer, depois, que a colisão ocorreu porque ou o veículo do arguido perdeu velocidade ou o veículo da assistente ganhou velocidade.

É que, o arguido, ao regressar demasiado cedo à faixa de rodagem central, de modo oblíquo relativamente ao veículo da assistente, ocupou um espaço que já estava ocupado pelo veículo da assistente, e essa foi, sem margem para dúvidas ou hesitações, a origem da colisão (melhor: do “toque” da zona dianteira esquerda do veículo da assistente na zona traseira direita do veículo do arguido).

Analisando o depoimento integral da testemunha RP, e avaliando-o criticamente (como temos de fazer), é para nós evidente que dele não se pode extrair a conclusão de que o acidente foi provocado pelo veículo conduzido pela assistente.

Refere a testemunha RP que o veículo conduzido pelo arguido regressou cedo demais à faixa de rodagem central, e que, a partir daí, tudo o que se diga é “completamente especulativo”.

Esta opinião da testemunha RP, acerca do carácter “especulativo” da versão do acidente que, no fundo, foi considerada como provada na sentença sub judice, é, para nós, inaceitável, e dela discordamos por inteiro.

Na verdade, tendo-se por assente que o veículo conduzido pelo arguido regressou cedo demais à faixa de rodagem central (aliás, este facto é até afirmado pela testemunha RP), considerando-se, como consideramos (pois só assim se explica a dinâmica posterior do acidente), que o veículo do arguido foi colidido por trás pelo veículo da assistente (que sempre circulou nessa faixa de rodagem central), só podemos concluir que o arguido actuou violando regras de circulação rodoviária.

O arguido, ao “passar” o veículo da assistente, circulando pela terceira faixa de rodagem, e ao regressar cedo demais à faixa de rodagem central, não se assegurou, como podia e devia, de que não colocava em perigo os demais utentes da via (como era o caso da assistente, que circulava nessa faixa central).

Em jeito de síntese de tudo o que vem de dizer-se: quer face ao teor das fotografias juntas aos autos, quer perante o depoimento da testemunha RP, e ao contrário do sustentado na motivação do recurso, mostra-se correcta a avaliação que, na sentença revidenda, foi feita acerca do modo de produção do acidente de viação em apreço.

Nos termos expostos, improcede toda esta vertente do recurso do arguido (impugnação da decisão fáctica tomada pelo tribunal a quo), considerando-se, em consequência, definitivamente assente a matéria de facto tida como provada em primeira instância.

e) Da atenuação especial da pena.

Alega o arguido que, in casu, se impõe uma atenuação especial da pena (artigo 72º do Código Penal).

Cabe decidir.
Desde logo, verificamos que a pretensão do arguido não está fundamentada, especificadamente, na motivação do recurso.

Com efeito, ainda que se considere a pena aplicada demasiado severa (como considera o arguido), tal nada tem a ver com a “atenuação especial da pena”, cujos requisitos se encontram plasmados no artigo 72º do Código Penal.

A graduação da pena, ou seja, a determinação da medida concreta da pena, pode violar o disposto no artigo 71º do Código Penal, sem estar em causa a aplicação do preceituado no artigo 72º do mesmo diploma legal.

Ora, lida e relida a motivação do recurso, constata-se que o arguido não alega a existência de qualquer circunstância (específica) que nos permita aplicar o disposto no artigo 72º do Código Penal (confundindo a atenuação especial da pena com a operação de determinação da medida concreta da pena).

Dispõe o artigo 72º, nº 1 do Código Penal, que “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente ou a necessidade da pena”.

Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo elenca exemplificativamente circunstâncias várias que, correlacionadas com os requisitos contidos no nº 1, ainda do mesmo normativo, potenciam a atenuação especial da pena.

Deste modo, foi criada pelo legislador uma válvula de segurança para situações particulares, que se justifica de acordo com o seguinte, seguindo a exposição do Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2011, § 444, pág. 302): “quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena”.

O funcionamento de uma tal válvula de segurança obedece a dois pressupostos essenciais, a saber:

- Diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, ou da necessidade da pena, e, em geral, das exigências de prevenção;

- A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito (isto é, só poderá ter-se como acentuada), quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

O que, por outras palavras, significa que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, § 454, pág. 307).

A via trilhada pelo legislador, ao elaborar as aludidas normas, foi a de elencar exemplificativamente circunstâncias atenuantes de especial valor, a fim de dar ao juiz critérios mais rigorosos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral. Ou seja, sem criar obstáculo à necessária liberdade do juiz, põem-se à disposição deste princípios delimitadores mais sólidos e facilmente apreensíveis para que, em cada caso concreto, se decida pela aplicação ou não do instituto em causa.

Porém, há que evidenciar que as situações a que aludem as diversas alíneas do nº 2 do citado artigo 72º do Código Penal não têm, por si só, a virtualidade de conferir poder atenuativo especial, impondo-se o seu relacionamento com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.

No caso sub judice, e desde logo, não existe sequer confissão dos factos feita pelo arguido, pelo que de modo algum podemos estar perante o “arrependimento” previsto no artigo 72º, nº 2, al. c), do Código Penal (onde se alude a “actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente”).

Depois, face à natureza dos crimes em causa (crimes inerentes à circulação rodoviária), de nada releva, nesta sede (ponderação da atenuação especial da pena), a ausência de antecedentes criminais do arguido, o facto de ser bom condutor e de conduzir há mais de 40 anos, ou a circunstância de, na altura do acidente, ter prestado auxílio aos passageiros do veículo da assistente.

Ponderando o grau de ilicitude (a intensidade com que o arguido violou o seu dever de cuidado, face ao modo como se processou o acidente), vistas as consequências da conduta do arguido nas pessoas dos ofendidos (ficaram feridos, dois deles com alguma gravidade), e atendendo às prementes necessidades de reprimir e de prevenir este tipo de criminalidade (já que é muito grande a sinistralidade rodoviária registada em Portugal), evidenciam-se in casu fortes necessidades de prevenção geral positiva ou de integração.

Assim sendo, e no quadro do circunstancialismo global que a matéria de facto revela, não existem circunstâncias ligadas à ilicitude do facto, à culpa do agente ou à necessidade da pena, que importem a impossibilidade da adequação concreta da pena dentro da moldura normal estabelecida para os crimes em análise, não se justificando, deste modo, a atenuação especial da pena, ao contrário da pretensão do arguido.

Acresce que, como acima se disse, na motivação do recurso não é invocada a existência de qualquer circunstância que, eventualmente, pudesse preencher a previsão do artigo 72º, nº 1, do Código Penal, nem nós, a partir dos factos dados como provados na sentença revidenda, vislumbramos a existência de uma tal circunstância (nos termos acabados de explicitar).

Bem vistas as coisas, todas as circunstâncias invocadas pelo arguido como susceptíveis de implicar uma diminuição da pena aplicada integram-se, claramente, no mecanismo legal previsto no artigo 71º do Código Penal (determinação da medida da pena), e não no mecanismo estabelecido no artigo 72º do mesmo Código Penal (atenuação especial da pena).

Em conclusão: no caso dos autos não há lugar à aplicação de qualquer atenuação especial da pena.

Improcede, pois, também este aspecto do recurso do arguido.

f) Da medida concreta das penas.

Entende o arguido que, ponderando, nomeadamente, a ausência de antecedentes criminais (ou contraordenacionais), o facto de ser um condutor responsável e diligente, a circunstância de possuir carta de condução há mais de 40 anos, e a existência de diminuídas necessidades de prevenção geral e especial, este tribunal ad quem deve aplicar penas inferiores às aplicadas pelo tribunal a quo (quer penas parcelares, quer pena única).

Há que apreciar e decidir.

O crime de ofensa à integridade física por negligência é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (artigo 148º, nº 1, do Código Penal).

Por sua vez, o crime de condução perigosa de veículo rodoviário é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias (artigos 291º, nº 1, e 47º, nº 1, do mesmo Código Penal).

Na sentença revidenda, o arguido foi condenado, pela prática de cada um dos crimes de ofensa à integridade física por negligência, na pena de 90 dias de multa, e, pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 170 dias de multa.

Preceitua o artigo 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).

O artigo 71º do mesmo diploma estipula, por outro lado, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (nº 2 do mesmo dispositivo).

Dito de uma outra forma, a função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim o delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin (in “Derecho Penal - Parte General”, Tomo I, tradução da 2ª edição alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99 e 100), em asserção perfeitamente consonante com os princípios basilares do direito penal português, “a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada”.

Mais refere o mesmo autor (ob. citada, pág. 101) que “a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva”.

Por fim, escreve ainda Claus Roxin (ob. citada, pág. 103), “a pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais”.

No caso em apreciação, há que considerar:

- O grau de ilicitude dos factos (que entendemos ser de média gravidade relativamente aos crimes de ofensa à integridade física por negligência, e ser de elevada gravidade no que tange ao crime de condução perigosa).

- O grau de culpa com que o arguido agiu (designadamente atendendo ao modo como se processou o acidente, nele se revelando, sem margem para dúvidas, e além do mais, intensa negligência do arguido).

- As consequências da conduta do arguido (bem espelhadas nas lesões que foram provocadas nas pessoas dos ofendidos – nos termos constantes da matéria de facto dada como provada na sentença sub judice).

- A condição pessoal e a condição económica do arguido.

- A conduta anterior do arguido (passado sem condenações).

- Ainda, e finalmente, as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, que são acentuadas, num contexto temporal em que a condução perigosa de veículos rodoviários muito contribui para a eclosão da grande sinistralidade rodoviária registada em Portugal.

Ora, ponderada a globalidade complexiva dos factores agora elencados, afigura-se-nos que as penas de multa impostas pelo tribunal a quo (90 dias de multa para cada um dos crimes de ofensa à integridade física por negligência, e 170 dias de multa para o crime de condução perigosa de veículo rodoviário) estão criteriosamente fixadas, não merecendo da nossa parte qualquer reparo.

Assim, e neste ponto, o recurso é de improceder.
*
Questiona também o arguido a pena única fixada na sentença revidenda (360 dias de multa).

Há que decidir.

A moldura abstracta da pena do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa), e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, nº 2, do Código Penal).

No caso destes autos, o limite máximo da pena a ponderar é de 530 dias de multa (soma das penas parcelares aplicadas ao arguido), e o limite mínimo dessa mesma pena é de 170 dias de multa (pena parcelar mais elevada).

Dentro da moldura abstracta assim encontrada, é determinada a pena do concurso, para a qual a lei estabelece que se considere, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77º, nº 1, do Código Penal), sem embargo, obviamente, de ter-se também em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o artigo 71º, nº 1, do mesmo Código Penal, bem como os factores elencados no nº 2 deste artigo, referidos agora à globalidade dos crimes (e porque aqui se atende a tais factores referidos ao conjunto dos factos, enquanto que nas penas parcelares esses factores foram considerados em relação a cada um dos factos singulares, intocado fica o princípio da proibição da dupla valoração).

Como bem salienta o Prof. Figueiredo Dias (ob. citada, § 421, págs. 291 e 292), tudo deve passar-se, por conseguinte, “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade; só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

No caso, é média a gravidade do ilícito global (aliás, a conduta do arguido, de um ponto de vista das suas consequências para terceiros, é até bastante grave).

No contexto da personalidade unitária do arguido, os elementos conhecidos nestes autos não nos permitem dizer que a globalidade dos factos seja reconduzível a um desvalor que radique na personalidade (do arguido), ou que esta seja manifestamente desconforme aos valores sociais que o direito penal tutela (o arguido não possui anteriores condenações criminais e está socialmente inserido).

Pelo que fica exposto, e tendo também em devida conta os elementos directamente conexionados com as condições de vida do arguido, tem-se como adequada a pena única fixada em primeira instância - 360 dias de multa (junto do limite médio da moldura do cúmulo).

Improcede, assim, também nesta vertente, o recurso do arguido.

g) Da taxa diária da pena de multa.

Vem ainda questionada no recurso do arguido a decisão do tribunal a quo quanto à taxa diária da pena de multa aplicada (fixada em 8 euros), entendendo o recorrente que o montante diário da pena de multa deve ser fixado em 4 euros.

Cumpre decidir.

Dispõe o artigo 47º, nº 2, do Código Penal, que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.

Desde logo, e à estrita luz da letra deste preceito legal, a taxa diária da pena de multa pretendida pelo arguido (4 euros) é legalmente inadmissível, porquanto o valor mínimo que se pode fixar para cada dia de multa é de 5 euros.

Em segundo lugar, e ao contrário do que parece entender o arguido na motivação do recurso, a taxa diária da pena de multa nada tem a ver com a graduação da pena (não é esse, manifestamente, o indicador da desadequação da pena concretamente fixada).

A determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (conforme já acima assinalado), ao passo que a fixação do montante diário da pena de multa prende-se (apenas) com a situação económica e financeira do condenado (os seus rendimentos e os seus encargos pessoais).

Finalmente, ponderando a situação económica e financeira do arguido e os seus encargos pessoais (única ponderação a fazer nesta sede, repete-se), nada há a apontar ao valor da taxa diária da pena de multa estabelecido pelo tribunal a quo (8 euros), valor esse que pouco se afastou do limite mínimo de tal taxa diária (5 euros), e sendo certo que o valor máximo dessa mesma taxa é de 500 euros.

Na verdade, muito embora se deva entender que o arguido não vive abastadamente, tem também de considerar-se que a situação económica do mesmo é claramente mais folgada do que a da maioria dos cidadãos, não havendo qualquer motivo, por isso, para ser-lhe fixada uma taxa diária de multa próxima dos 5 euros (que constitui, como se disse, o mínimo aplicável).

É que, na sentença revidenda, a propósito da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, ficou provado (factos provados sob os nºs 65 a 72):

“- O arguido é pára-quedista, com o posto de Sargento-mor e encontra-se reformado.
- Aufere de reforma o montante mensal de 2000,00 euros.
- Auxilia na empresa do pai, de que é gerente.
- Da gerência da referida empresa não aufere qualquer rendimento.
- Vive sozinho.
- Do crédito bancário para a aquisição da casa onde habita paga cerca de 400,00 euros mensais.
- Tem dois filhos maiores.
- Tem dois veículos automóveis da marca berlier e Chrysler”.

Ora, nenhuma destas circunstâncias (ou o conjunto delas todas) justifica a aplicação de pena de multa a uma taxa diária próxima de 5 euros (mínimo legal).

A nosso ver, tais circunstâncias justificam (e impõem) a aplicação, no caso concreto, de uma taxa diária da multa bastante acima do limite mínimo previsto na lei (ou seja, significativamente acima de 5 euros).

Nesta perspectiva, mostra-se inteiramente equilibrado (e adequado à situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais) fixar em 8 (oito) euros a taxa diária da pena de multa, tal como decidido na sentença sub judice.

Em conformidade, e também neste ponto, o recurso interposto pelo arguido é de improceder.

h) Da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor

Alega o arguido que não lhe deve ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 69º, nº 1, al. a), e nº 2, do Código Penal (na sua actual redacção):

1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291º e 292º.

2 - A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”.

Perante um conjunto de circunstâncias que o arguido invoca na motivação do recurso, sobretudo atendendo a que não possui antecedentes criminais (ou contraordenacionais), tem carta de condução há mais de 40 anos, é um condutor responsável e diligente, prestou auxílio à assistente e aos demais passageiros do veículo desta, e está inserido familiar e socialmente, pretende o arguido que a pena acessória de proibição de conduzir que lhe foi imposta pelo tribunal a quo seja revogada (não se aplicando essa pena, pura e simplesmente).

Com o devido respeito, essa pretensão do arguido/recorrente não tem qualquer cabimento legal.

Desde logo, nos casos de condução perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º do Código Penal), a pena acessória surge estruturalmente ligada à prática do crime, pelo que, uma vez este cometido, o tribunal não pode deixar de aplicar tal pena acessória.

Com efeito, a definição e o modo de aplicação das penas estão balizados pelo princípio da legalidade. O catálogo das penas (como o dos crimes), e do seu modo de execução, é taxativo e estabelecido, necessariamente, por lei (cfr. o disposto nos artigos 29º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, e 1º do Código Penal).

Ora, no caso da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, a lei não prevê qualquer possibilidade de o tribunal não a aplicar.

Está, assim, vedado ao juiz, mesmo que este utilize argumentos da mais esclarecida e avançada consciência político-criminal, não aplicar, num caso como o destes autos, um instrumento sancionatório criminal como o agora em análise (proibição de conduzir veículos com motor, a título de pena acessória para quem comete um crime de condução perigosa de veículo rodoviário).

O normativo contido no artigo 69º do Código Penal não prevê a possibilidade da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor não dever ser cumprida, nem tal possibilidade é aberta por qualquer outra disposição legal.

Mais: como bem refere Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 226, nota nº 8 ao artigo 69º), “a proibição não pode ser limitada a certos períodos do dia, nem a certos veículos (…), nem pode ser diferido o início da respectiva execução” (cfr., neste mesmo sentido, além da jurisprudência citada na anotação agora reproduzida, o Ac. da R.P. de 10-12-1997, in C.J., 1997, Tomo V, pág. 239, e o Ac. da R.G. de 10-03-2003, in C.J., 2003, Tomo II, pág. 285).

Mais ainda: a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor não pode ser substituída por qualquer outra pena, nomeadamente pela suspensa da sua execução.

Com efeito, o Código Penal (no seu artigo 50º) não permite a suspensão de outra pena que não seja a de prisão.

Face ao disposto no artigo 50º do Código Penal, só é susceptível de suspensão a pena de prisão (até cinco anos), e nunca a pena de multa, nem a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69º do Código Penal.

Como bem se escreve no Ac. da R.C. de 17-01-2001 (in C.J., 2001, Tomo I, pág. 52), “se a pena acessória apenas visa prevenir a perigosidade que imanente está na própria norma incriminadora, que a justifica e impõe, sendo-lhe indiferente quaisquer outras finalidades, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução efectiva da correspondente pena” (cfr., neste mesmo sentido, entre outros, os Acs. do S.T.J. de 26-02-1997, in B.M.J. nº 464, pág. 200; da R.E. de 30-10-2001, in C.J., Ano XXVI, Tomo IV, pág. 290; da R.L. de 30-10-2003, in C.J., Ano XXVIII, Tomo IV, pág. 143; Prof. Germano Marques da Silva, in “Crimes Rodoviários - Pena Acessória e Medidas de Segurança”, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1996, pág. 32; e Francisco Marques Vieira, in “Direito Penal Rodoviário”, Publicações Universidade Católica, Porto, 2007, pág. 211).

Em suma: a pretensão do arguido, de que a pena acessória de proibição de conduzir não seja aplicada in casu, carece de qualquer fundamento válido.

Assim sendo, não merece provimento tal pretensão recursória do arguido.

Por tudo o que se deixou dito, o recurso interposto pelo arguido é, na sua totalidade, de improceder.

II - Recurso da demandada:

Alega a demandada que, com base nos factos dados como provados e como não provados na sentença sub judice, decisão diversa devia ter sido proferida no tocante aos pedidos de indemnização civil, mostrando-se excessivos os montantes indemnizatórios fixados relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes AC e JV.

Entende a demandada que, perante a factualidade constante da sentença revidenda (factos provados e factos não provados) - factualidade essa que não está impugnada (de modo algum) na motivação do recurso -, foram erradamente fixados os montantes atribuídos aos demandantes AC e JV a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais por eles sofridos.

A demandada qualifica tal situação como de erro notório na apreciação da prova (escreve a demandada, na motivação do recurso, e neste específico ponto, o seguinte: “o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, fez errada interpretação da matéria fáctica, pelo que ocorreu erro notório na apreciação da prova, a que alude a alínea c) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal”).

Cabe decidir.

Com o muito e devido respeito, a alegação da demandada nada tem a ver com o vício invocado (erro notório na apreciação da prova).

Na verdade, o vício do erro notório na apreciação da prova não abrange a eventual má qualificação jurídica dos factos (dados como provados, ou tidos como não provados), não respeita, manifestamente, a um eventual errado enquadramento jurídico da causa (na alegação da demandada, um errado cálculo do montante indemnizatório).

O vício do erro notório na apreciação da prova é atinente, tão-só, à decisão fáctica propriamente dita, é, no fundo, uma impugnação (restrita) da matéria de facto (por contraponto à impugnação alargada da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4, do C. P. Penal).

Só pode falar-se na existência do vício do erro notório na apreciação da prova quando o conteúdo da decisão revidenda, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida.

Ora, a alegação da demandada nada tem a ver com isto, pois a demandada (estranhamente, diga-se) considera ter existido erro notório na apreciação da prova porque o tribunal a quo não valorou, como devia, para estabelecer o quantitativo da indemnização civil, os factos (sobretudo os factos dados como não provados).

A demandada, com essa alegação, não questiona a decisão de facto, mas, isso sim, a decisão de direito, colocando o problema (unicamente) na apreciação jurídica dos factos.

Por outras palavras: o vício do erro notório na apreciação da prova, como decorre com nitidez do disposto no artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal, não visa a cognição do tribunal recorrido sobre a matéria de direito, incidindo apenas sobre a decisão de tal tribunal relativamente à matéria de facto.

Assim sendo, a discordância da demandada perante o montante indemnizatório fixado na sentença sub judice (com base em matéria de facto que a demandada não questiona no recurso) é totalmente inócua para poder configurar a ocorrência de erro notório na apreciação da prova.

Neste ponto soçobra, pois, manifestamente, o recurso da demandada.
*
Há que apreciar, na sua substância, a referida alegação da demandada, que pretende ver reduzido o montante indemnizatório fixado na sentença recorrida.

Refere a demandada, em breve síntese, que, tendo os demandantes AC e JV pedido, a título de ressarcimento por danos não patrimoniais, 24.000 euros e 15.000 euros (respectivamente), e apesar da factualidade (alegada por tais demandantes) dada como não provada na sentença revidenda (relativa aos danos não patrimoniais), mesmo assim o tribunal a quo aderiu, na íntegra, aos referidos valores, condenando a demandada na totalidade dos montantes peticionados.

Ou seja: na opinião da demandada, o tribunal recorrido ignorou, por completo, os factos que deu como não provados.

Acresce ainda, na opinião da demandada, que não foi atribuída à demandante AC qualquer Incapacidade Permanente Geral, o que releva para a fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais.

Tomando em consideração os factos dados como não provados e também a não atribuição de Incapacidade Permanente Geral à demandante AC, a demandada, na motivação do recurso, pede uma redução dos montantes atribuídos na sentença sub judice a título de ressarcimento por danos não patrimoniais – devendo fixar-se tais montantes em 17.500 euros para a demandante AC e em 12.000 euros para o demandante JV.

Cumpre apreciar e decidir.

Desde logo, a não atribuição de Incapacidade Permanente Geral à demandante AC não releva (pelo menos directamente) para a fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais.

Na verdade, a Incapacidade Permanente Geral tem a ver com a quebra da capacidade de ganho da demandante AC, e não com danos de natureza não patrimonial.

Assim, nenhuma razão assiste à demandada neste ponto, sendo inquestionável que, nesta sede (Incapacidade Permanente Geral), estão em causa danos patrimoniais, ou seja, danos futuros decorrentes da perda da capacidade de ganho (cfr. o disposto no artigo 564º do Código Civil).

Em jeito de síntese: a Incapacidade Permanente Geral relevaria para efeitos de cálculo da indemnização por danos patrimoniais, mas não releva, ao contrário do que entende a demandada, para a determinação do montante devido a título de ressarcimento por danos não patrimoniais.

Em segundo lugar, e também ao invés do que parece entender a demandada, para fixar a indemnização por danos não patrimoniais tem de atender-se à matéria de facto dada como provada, e não à matéria de facto tida, na sentença, como não provada.

Parece-nos óbvio: independentemente dos factos que foram alegados pelos demandantes, independentemente dos concretos valores indemnizatórios que os demandantes atribuíram a cada um desses factos (ou à sua totalidade), e independentemente da circunstância de alguns desses factos alegados pelos demandantes não terem ficado provados na sentença, o tribunal a quo tinha de proceder ao cálculo dos montantes indemnizatórios devidos por danos não patrimoniais apenas com base na factualidade dada como provada.

Também este tribunal ad quem assim tem de proceder, sendo de ponderar a justeza e o equilíbrio dos referidos montantes indemnizatórios tão-só a partir dos factos tidos como assentes na sentença revidenda (factos esses, aliás, não questionados em sede de recurso).

A esta luz, e finalmente, há que apreciar os montantes que foram fixados na sentença sub judice a título de ressarcimento por danos não patrimoniais relativamente aos demandantes AC e JV.

Sob a epígrafe “danos não patrimoniais”, preceitua o artigo 496º, nºs 1 e 4, do Código Civil (na redacção actualmente vigente):

1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
(…)
4. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores”.

Assim, na fixação dos danos não patrimoniais releva a gravidade do dano causado, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

É necessário considerar, desde logo, que estes elementos têm, no seu todo, uma dupla finalidade: a da reparação dos danos causados e o da sanção ou reprovação do agente (cfr., neste sentido, Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Livraria Almedina, 9ª edição, Vol. I, pág. 630).

Há ainda que ter em conta que é manifestamente irrelevante a situação económica da demandada, já que não foi ela quem praticou o acto danoso, sendo apenas a entidade que suporta a responsabilidade que for de atribuir ao agente daquele acto (cfr., neste mesmo sentido, claramente, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 4ª edição, Vol. I, pág. 497).

Por outro lado, na fixação equitativa do valor da indemnização agora em análise, deve ter-se sempre presente que os montantes não devem ser tão escassos que possam ser vistos como miserabilistas, nem tão elevados que possam assumir-se como enriquecimento indevido.

Na fixação do montante da indemnização em apreço deve o tribunal orientar-se por um critério de equidade, que não pode fazer corresponder a indemnização a um enriquecimento despropositado do lesado, nem a uma simples esmola, a um valor meramente simbólico (cfr., em igual sentido, o Ac. do S.T.J. de 16-12-1993, in C.J.-S.T.J., Tomo III, pág. 182).

Como bem escreve o Prof. Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral”, Livraria Almedina, 9ª edição, Vol. I, págs. 599 e 600), “o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.

De qualquer modo, e retomando os termos da lei, cumpre, sempre, fixar a indemnização a este título de acordo com a equidade (“o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal” - artigo 496º, nº 4, do Código Civil).

E, no dizer de Dario Martins de Almeida a propósito deste imperativo legal (in “Manual de Acidentes de Viação”, 2ª ed., Coimbra, 1980, págs. 103 e 104), “quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa. A equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo”.

No caso dos autos, há que considerar o seguinte:

A) Quanto à demandante AC:
- Em consequência do acidente em apreço, a demandante AC sofreu diversas lesões, designadamente fracturas múltiplas na face, fractura do ângulo esquerdo da mandíbula, fractura malar e fractura maxilar, lesões essas que lhe determinaram a sujeição a três intervenções cirúrgicas.

- Essas lesões causaram à demandante AC um período de doença de 223 dias.

- Tais lesões provocaram-lhe ainda, com carácter permanente, sensação de parestesias (falta de sensibilidade e dormência) na hemiface esquerda.

- A demandante AC, após o acidente, e por conta das lesões sofridas no mesmo, perdeu o conhecimento, só o recuperando no Hospital de S. Bernardo.

- Após avaliação inicial, e sutura das feridas da face e da mão, foi transferida para o serviço de urgência do Centro Hospitalar de Lisboa - Zona Central.

- Foi operada, no dia 29-10-2009.

- No dia 14-01-2010 sofreu nova intervenção cirúrgica.

- No dia 20-05-2010 foi sujeita, de novo, a intervenção cirúrgica.

- Actualmente, apresenta alterações sensitivas do território do nervo infra-orbitário esquerdo com hipostesia/parestesias - dormência e formigueiro -, hipostesia lábio esquerda, e afundamento da arcada desigomática esquerda.

- Durante muitos dias, sofreu dores, teve de ser alimentada só com líquidos, e não pôde ver a filha.

B) Quanto ao demandante JV:
- Em consequência do acidente dos autos, o demandante JV sofreu várias lesões, designadamente grande escalpe, traumatismo craniano (sem perda de conhecimento), e traumatismo do punho direito com ferida.

- Essas lesões causaram ao demandante um período de doença de 60 dias.

- O demandante manteve-se consciente dentro da viatura até daí ser retirado.

- O demandante, após o acidente e por conta das lesões sofridas, foi transportado ao Hospital de S. Bernardo, em Setúbal, tendo-lhe sido diagnosticado: traumatismo crânio-encefálico; extensa ferida do couro cabeludo; traumatismo do punho direito com ferida.

- O demandante apresenta parestesia (dormência/formigueiro) na mão direita, falta de força (e movimentos limitados) na mão direita, dores frequentes no couro cabeludo, cicatriz de 8 cm na região central vertical, cicatriz de 6 cm a circundar a região periorbital direita, cicatriz de 9 cm a circundar a região periorbital esquerda, cicatriz de 15 cm na região interparietal, cicatriz de 10 cm na face anterior do antebraço direito (junto ao punho), cicatriz de 2 a 3 cm na face posterior do punho direito, e cicatriz de 2 cm no segundo dedo da mão direita.

- Apresenta ainda dores de cabeça, não podendo ir à praia, por causa do sol, e não podendo estar em sítios com barulho ou vento, na medida em que fica com tonturas.

- O demandante realizou cirurgia para extracção de objecto estranho junto ao olho esquerdo.

- O demandante, em virtude das lesões sofridas, frequentou 20 sessões de fisioterapia e 18 sessões de hidrocinesioterapia, para recuperar os movimentos.

- Foi ainda submetido a operações de cirurgia plástica, havendo necessidade de mais operações (face às cicatrizes com que ficou).

- As cicatrizes, visíveis na face, no punho e no braço, desgostam o demandante.

- O demandante suportou dores, angústia e ansiedade, face ao estado de saúde dos ocupantes da viatura onde seguia.

- Seis meses antes do acidente dos autos, o demandante foi submetido a cirurgia para extracção de um rim, o que lhe provocava ansiedade sobre as consequências da pancada sofrida, no acidente, nos órgãos abdominais.

A demandante AC deduziu pedido de indemnização civil contra a demandada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 24.000,00, relativamente a danos não patrimoniais decorrentes do acidente em apreço nos autos, quantia essa acrescida de juros, “desde a citação e até integral pagamento”.

Por sua vez, o demandante JV deduziu pedido de indemnização civil contra a demandada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00, relativamente a danos não patrimoniais decorrentes do acidente dos autos, quantia essa acrescida de juros, “desde a citação e até integral pagamento”.

Na sentença revidenda, e ao contrário do que alega a demandada na motivação do recurso, o tribunal a quo não aderiu, na totalidade, aos pedidos dos referidos demandantes, na medida em que considerou o seguinte: “as quantias agora fixadas a título de danos não patrimoniais são actualizadas à presente data, pelo que os respectivos juros moratórios deverão ser contabilizados, à taxa supletiva legal, a partir de hoje”.

Ou seja: o tribunal recorrido fixou valores indemnizatórios calculados na data da sentença revidenda, sem mais (sem juros), quando é certo que nos pedidos de indemnização civil em análise foram reclamados juros “desde a citação”.

Por outro lado, e como acima já aflorado, o tribunal a quo tinha de fixar indemnizações pelos montantes que julgasse equitativos, não tendo de atender, para tal fixação, à percentagem de factos provados e não provados, ou sequer ao estrito e específico valor do pedido (parcela a parcela) efectuado pelos demandantes.

Não existem, nesta sede, fórmulas automáticas, e muito menos fórmulas resultantes (objectivamente) do modo como os demandantes alegam os factos, ou do decaimento dos demandantes quanto à prova de alguns desses factos.

O que importa é, por um lado, a matéria fáctica dada como provada na sentença revidenda (não podendo atender-se, obviamente, para o cálculo do montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais, a qualquer facto dado como não provado em tal sentença), e, por outro lado, o valor indemnizatório (englobado) pedido pelos demandantes.

Neste segundo aspecto, o que está vedado ao tribunal é condenar para além do pedido (global), ou seja, deve ter-se em conta o valor do pedido efectuado pelos demandantes e reconduzi-lo, no seu conjunto, aos factos dados como provados na sentença (e não, como pretende a demandada na motivação do recurso, avaliar quantos foram os factos provados e quantos foram os não provados, e, a partir daí, como que por critérios objectivos ou matemáticos, conformar, de acordo com o valor global do pedido, os montantes indemnizatórios).

Feitos estes considerandos, e analisadas (com pormenor e ponderação) as lesões e sequelas do acidente em apreço para os demandantes AC e JV, afiguram-se-nos totalmente equilibrados, justos e equitativos, os montantes fixados na sentença sub judice a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais sofridos por tais demandantes: 24.000 euros para a demandante AC, e 15.000 euros para o demandante JV.

Na verdade, e além do mais, verifica-se que a demandante AC foi sujeita a três intervenções cirúrgicas, que lhe provocaram dores, e que, não obstante a sua recuperação e retorno à vida activa, continua a ter algumas sequelas (uma delas para o resto da sua vida - falta de sensibilidade e dormência na hemiface esquerda).

De igual modo, o demandante JV, além de outros diversos danos, foi sujeito a uma cirurgia (para extracção de objecto estranho junto ao olho esquerdo) e foi também submetido a operações de cirurgia plástica, face às cicatrizes com que ficou (algumas delas ainda visíveis na face, no punho e no braço, o que, como é expectável, desgosta o demandante).

A tudo isso, e relativamente a ambos os demandantes, acrescem a angústia e a ansiedade (e os sofrimentos e padecimentos de ordem psíquica), que são, aliás, observáveis em todos os casos semelhantes ao destes autos (resultam da experiência comum, da normalidade das coisas e das situações).

Posto o que precede, não se mostram excessivas, desproporcionadas ou desadequadas as quantias agora em discussão e arbitradas na sentença revidenda: 24.000 euros atribuídos à demandante AC, e 15.000 euros atribuídos ao demandante JV.

A demandada, na motivação do recurso, entende serem mais correctas as quantias de 17.500 euros (para a demandante AC), e de 12.000 euros (para o demandante JV).

Com o devido respeito, perante a gravidade das lesões sofridas pelos demandantes, não se nos afigura, minimamente, ser de reduzir os montantes indemnizatórios em questão (fixados na sentença recorrida), como pretendido pela demandada.

Em síntese conclusiva: relativamente à indemnização pelos danos não patrimoniais dos demandantes AC e JV, julgamos adequados e respeitadores da equidade os valores fixados pelo tribunal a quo, ou seja, € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) destinados à demandante AC, e € 15.000,00 (quinze mil euros) a favor do demandante JV.

Face ao predito, é totalmente de improceder o recurso interposto pela demandada “... Seguros, S.A.”.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento aos recursos, mantendo-se, consequentemente, a douta sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs..
*
Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 11 de Março de 2014.


(João Manuel Monteiro Amaro)


(Maria Filomena de Paula Soares)