Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1149/17.6T8PTG.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇAO DE LABORALIDADE
JORNALISTA
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – O artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 estabelece uma presunção de laboralidade. A verificação de, pelo menos, duas das características discriminadas nas alíneas a) a e), do n.º 1 deste preceito legal é condição suficiente para operar o funcionamento da presunção. Trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350.º do Código Civil), cabendo à parte contrária demonstrar que, não obstante a verificação das circunstâncias apuradas, existem factos e contraindícios indicadores de autonomia, que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização.
II – Inexiste qualquer óbice legal à aplicação da aludida presunção em ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, desde que o Ministério Público prove a base necessária para que opere a presunção.
III – Tendo o Ministério Público logrado demonstrar que dois jornalistas correspondentes exercem, respetivamente, a atividade de jornalista e de jornalista/repórter fotográfico em locais determinados pela ré (espaço interior todo equipado para a edição das peças jornalísticas e locais exteriores que a ré indica), utilizando equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes ou disponibilizados pela ré (secretária, cadeira, armários de arquivo, computador, impressora, computador portátil, estúdio de som, ilha de edição, microfones, tripé, câmaras de filmar, baterias, carregadores, cabos de áudio e vídeo, pilhas, software licenciado para a ré, veículo automóvel com o logotipo da ré, cujo combustível é pago através de um cartão de combustível propriedade da ré e telemóvel pago pela ré), auferindo em contrapartida dos serviços prestados, uma quantia certa, com periodicidade mensal, tanto basta para que se considerem verificadas, pelo menos, as situações previstas nas alíneas a), b) e d) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.
IV – Não tendo a ré logrado demonstrar que tais funções eram exercidas com autonomia e independência, importa qualificar as relações jurídicas em apreciação nos autos como contrato de trabalho.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.1149/17.6T8PTG.E1


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
O Ministério Público intentou ações especiais de reconhecimento da existência de contrato de trabalho[2], previstas nos artigos 186.º-K e seguintes do Código de Processo do Trabalho, contra BB, S.A., pedindo que seja reconhecida a existência de dois contratos de trabalho, um, celebrado entre a Ré e CC, com início em novembro de 2003, e, outro, celebrado entre a Ré e DD, com início em 1 de maio de 2012.
Em sede de defesa, a Ré alegou, no essencial, que as relações contratuais em apreço nos autos são juridicamente qualificáveis como prestação de serviços, concluindo pela sua absolvição dos pedidos.
Os indigitados trabalhadores não apresentaram articulado próprio, não constituíram mandatário, nem aderiram ao articulado apresentado pelo Ministério Público.
Realizada a audiência de partes, seguida do julgamento, foi posteriormente proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, declarou-se que os contratos celebrados entre a Ré e DD e entre a Ré e CC têm a natureza de contratos de trabalho, fixando-se em 01 de maio de 2012 a data do início da relação laboral existente entre a Ré e o jornalista/repórter de imagem DD, e em 1 de janeiro de 2011, a data do início da relação laboral existente entre a Ré e o jornalista CC.
Não se conformando com esta decisão, veio a Ré interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações, com a seguinte síntese conclusiva:
«1.º
O presente recurso é interposto quanto à sentença que julgou procedente a ação e declarou a existência de contrato de trabalho entre a Recorrente e CC e aquela e DD, abrangendo este recurso a decisão de facto e de Direito.
No que respeita à decisão sobre a matéria de facto:
(…)

Quanto à decisão de Direito:
29.º
Sem prejuízo da revisão pretendida da decisão sobre a matéria de facto, a Recorrente entende que o Tribunal a quo aplicou incorretamente o Direito aos factos assentes, uma vez que dos mesmos não se pode extrair que os vínculos contratuais mantidos entre a Recorrente e, respetivamente, CC e DD seja de trabalho subordinado, ficando esta demonstração reforçada em face das alterações pretendidas quanto à matéria de facto.
30.º
No caso em apreço, fundamenta o Tribunal a quo a sua decisão na aplicação da presunção de contrato de trabalho prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, de onde extrai que competiria à Recorrente a prova da inexistência de vínculo desta natureza, por forma a ilidir a referida presunção.
31.º
Porém, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão, porquanto, estando em causa ação desencadeada por uma autoridade administrativa e em que é Autor o Ministério Público e não o alegado trabalhador, não pode operar a presunção de laboralidade prevista no aludido artigo 12.º do Código do Trabalho.
32.º
Conforme tem entendido a jurisprudência, a aludida presunção não foi legalmente prevista para ser utilizada (permitindo, assim, a inversão do ónus da prova) em benefício de uma autoridade pública, incluindo o Ministério Público ou a ACT.
33.º
Assim sendo, cabia ao Ministério Público, autor na presente ação, a prova dos factos constitutivos do direito que alega, neste caso, da existência de relações de trabalho entre a Recorrente e CC e DD (cfr. artigo 342.º/1 do Código Civil),
34.º
O que, salvo o devido respeito, não sucedeu.
35.º
Em todo o caso, ainda que se entendesse que a referida presunção de laboralidade seria aplicável, sempre se teria de considerar que, no caso concreto, a referida presunção não se encontra verificada, porquanto não se provaram – no que respeita à Recorrente e à relação entre esta e, respetivamente, CC e DD – duas ou mais características elencadas no artigo 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
36.º
Entre a Recorrente e, respetivamente, CC e DD foi acordada a prestação de serviços (em regime de “recibos verdes”), tendo estes últimos consciência e perceção do tipo de vínculo contratual que estavam a estabelecer com a Recorrente – o qual foi reiterado por ambos, pela última vez, em 2017.
37.º
In casu, não foi alegado nem provado qualquer vício da vontade ou divergência entre a vontade real e declarada.
38.º
Pelo que a vontade contratual das partes se afigura, no caso concreto, relevante.
39.º
Atenta a natureza da atividade exercida pelos correspondentes ter-se-á de concluir que não seria possível conferir aos correspondentes liberdade – total – de escolher o local da prestação: (i) desde logo, por ser necessário que uma parte do serviço seja prestado no local onde os acontecimentos que são objeto das reportagens (reportagem jornalística e reportagem de imagem) ocorrem e, quanto a outra parte do serviço, (ii) por ser necessário fazê-lo com recurso a meios técnicos e equipamentos exigidos por razões técnicas, os quais estão disponíveis em local determinado.
40.º
Por esse motivo, parece claro à Recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter considerado relevante, para efeitos de qualificação das relações contratuais em causa, o mencionado indício.
41.º
Da factualidade provada decorre que DD e CC não estavam obrigados a cumprir período de trabalho diário ou semanal determinado, para além de não estarem conformados ao cumprimento de qualquer horário de trabalho definido pela Recorrente ou por quem quer que fosse, não sendo os mesmos alvo de qualquer obrigação de comparência e/ou controlo de assiduidade.
42.º
Donde resulta evidente que a Recorrente não tem qualquer poder de determinar o quantum e o quando da prestação, conforme é característico do contrato de trabalho.
43.º
Pelos motivos acima expostos, entende a Recorrente que o que de provado resulta em matéria de tempo para a prestação da atividade deixa claro que não estamos em presença de relação de trabalho subordinado entre esta e DD e entre a mesma e CC.
44.º
Entende ainda a Recorrente que não se encontra preenchida a característica de laboralidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.
45.º
De facto, se atentarmos na ausência de determinação de período normal de trabalho e de qualquer controlo de assiduidade bem como ausência de qualquer “obrigação de comparência ou permanência em instalações da Ré” e, bem assim, a circunstância dos dias e períodos de tempo em que os serviços são prestados dependerem das necessidades concretas da Recorrente e das especificidades dos serviços solicitados pela mesma torna-se claro que a forma de remunerar, in casu, os serviços prestados não constitui indício relevante da existência de contrato de trabalho, apontando, ao invés, para a existência de contrato de prestação de serviços.
46.º
Com efeito, no modelo de avença, o valor pago não está, sequer indexado ao “volume” da prestação (medida em horas dias ou semanas) sendo o mesmo independentemente de serem muitas ou poucas as horas despendidas para produzir as reportagens solicitadas, factos que se afastam do regime da retribuição próprio do contrato de trabalho.
47.º
Além disso, tal como se demonstrou supra a propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, entende a Recorrente que não se provou nos autos que CC e/ou DD estejam sujeitos a ordens e autoridade por parte da Recorrente, aspetos essenciais do poder de direção do empregador.
48.º
No âmbito de contrato de prestação de serviços, o beneficiário pode dar orientações e diretrizes ao prestador quanto ao serviço a prestar, ou seja, pode conformar aquele serviço, sem que daí se possa extrair a existência de subordinação jurídica.
49.º
In casu, do facto de os coordenadores dos jornais televisivos decidirem os conteúdos jornalísticos a incluir em cada jornal não decorre, pelo contrário, que a solicitação de reportagens que corresponda a esses conteúdos consubstancie ordem, no sentido jurídico-laboral do termo.
50.º
A ausência de ordens e instruções emanadas da Recorrente – que possam ser entendidas como manifestação do poder de direção por parte desta – é um indício relevante da inexistência de relações de trabalho subordinado entre esta e, respetivamente, CC e DD.
51.º
Nada se provou nos autos quanto ao exercício de poder disciplinar por parte da Recorrente.
52.º
Ora, a ausência de poder disciplinar aponta no sentido da existência de contrato de prestação de serviço firmado entre a Recorrente e, respetivamente, CC e DD.
53.º
Conforme se extrai da impugnação da matéria de facto supra indicada, CC e DD não se encontram inseridos na estrutura organizativa da Recorrente, o que igualmente aponta no sentido da inexistência de contratos de trabalho.
54.º
CC e DD não se encontram sujeitos a qualquer obrigação de exclusividade, em sentido próprio (nem total, a que estão sujeitos os trabalhadores da Recorrente), relativamente à Recorrente, reconhecendo o primeiro, no depoimento prestado, que já havia desenvolvido, em simultâneo, serviço para outros meios de comunicação social.
55.º
A ausência de exclusividade constitui indício que aponta para a natureza autónoma da relação jurídica em causa.
56.º
A ponderação global dos indícios apurados nos autos no que respeita à Recorrente são claramente insuficientes para se concluir pela existência de contratos de trabalho entre esta e, respetivamente, CC e DD.
57.º
Atento o exposto, ao declarar a existência de contrato de trabalho entre a Recorrente e, respetivamente, CC e DD, a sentença recorrida infringiu o disposto nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho, bem como os artigos 1154.º e 342.º/1 do Código Civil.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva a Recorrente dos pedidos formulados nos autos.»

Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, por ter sido prestada caução pela recorrente.
O processo subiu ao Tribunal da Relação, tendo, por despacho da relatora, sido mantido o recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:
1.ª Impugnação da decisão de facto;
2.ª Incorreta qualificação das relações contratuais em apreço nos autos.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1 - No dia 15 de Março de 2017, pelos inspetores da ACT foi constatado que a delegação da Ré, situada nas instalações …de Portalegre, … em Portalegre, era o local onde habitualmente DD (…) e CC (…), exerciam, respetivamente, as atividades de jornalista/repórter de imagem e de jornalista em favor da Ré, executando tarefas de gravação/audição de reportagens e de gravação/montagem de uma reportagem, o que ainda hoje acontece.
2 - O local identificado no ponto anterior foi designado pela Ré, tendo sido cedido por Protocolo entre … de Portalegre e a BB, S.A..
3 - O referido local é unicamente utilizado pelo pessoal autorizado pela Ré, no qual se inclui o jornalista/repórter de imagem DD e o jornalista CC, que a ele acedem através de uma chave própria.
4 - As atividades desenvolvidas por DD e por CC em favor da Ré mencionadas no ponto 1., podem igualmente ser executadas em locais situados no exterior previamente determinados pela direcção de programas da Ré.
5 - Todas as tarefas relacionadas com a produção do trabalho realizado por DD e por CC são executadas utilizando sempre os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à beneficiária da atividade ou disponibilizados por aquela, i.e., a Ré.
6 - Nos equipamentos e instrumentos de trabalho mencionados no ponto anterior, incluem-se:
- Mobiliário de escritório, concretamente, secretária, cadeira, armários de arquivo;
- Computador, impressora, computador portátil;
- Estúdio de som, ilha de edição, microfones, tripé, câmaras de filmar, baterias, carregadores, cabos de áudio e vídeo, pilhas;
- Software licenciado para a Ré, nomeadamente EDIUS;
- Veículo automóvel identificado com o logotipo …, de marca Peugeot, modelo 208, matricula …, veículo cuja utilização DD partilha com o CC;
- O combustível usado pelo veículo com a matrícula …, que é pago através de um cartão de combustível propriedade da Ré.
- Telemóvel de serviço nº …, que é pago pela Ré.
7 - As atividades desenvolvidas pelo jornalista/repórter de imagem DD são coordenadas pela estrutura editorial da Ré, mais concretamente pelos coordenadores dos jornais televisivos, recebendo o primeiro ordens diretas do jornalista CC.
8 - As atividades desenvolvidas pelo jornalista CC são coordenadas pela estrutura editorial da Ré, mais concretamente pelos coordenadores dos jornais televisivos.
9 - Os temas/reportagens jornalísticos são determinados pela equipa de coordenadores dos jornais televisivos da Ré, deles recebendo CC ordens diretas.
10 - Para a prossecução dos objetivos definidos pela equipa de coordenadores dos jornais televisivos, CC conta com a colaboração do repórter de imagem DD.
11 - DD e CC executam as suas tarefas sem sujeição a um horário de trabalho.
12 - Quando não pode comparecer ao trabalho DD comunica sempre a sua ausência a CC, por qualquer meio disponível.
13 - As ausências de CC são sempre comunicadas à Ré, concretamente à direção de informação, através de correio eletrónico ou por telefone e durante tais ausências CC substituído por outro jornalista.
14 - Como contrapartida da atividade prestada, a Ré paga a DD, com periodicidade mensal, doze meses por ano, uma quantia certa, no valor de € 1.900,00.
15 - DD executa as suas funções na dependência direta de CC do qual recebe ordens e com quem se coordena em todas as vertentes da execução do trabalho.
16 - DD iniciou a referida atividade por conta da Ré, com as características definidas nos pontos anteriores em 1 de Maio de 2012, tendo celebrado até ao presente sucessivos contratos denominados contratos de prestação de serviços, cujas cópias constam dos autos a fls. 151 a 194 do processo que inicialmente lhe respeitava e que aqui se dão por reproduzidos, sendo o último datado de 01.03.2017.
17 - Como contrapartida da atividade prestada, a Ré paga a CC, com periodicidade mensal, doze meses por ano, uma quantia certa, no valor de € 3.100,00.
18 - CC executa as tarefas e funções na dependência direta da estrutura organizacional da Ré, da qual recebe ordens e com quem se coordena em todas as vertentes da execução de trabalho, sendo os resultados do mesmo transmitidos em diversas plataformas, nomeadamente televisão e através da internet nas plataformas ou perfis criados pela BB (…) nas quais o jornalista surge associado/identificado pelo beneficiário do seu trabalho enquanto “ CC – BB”.
19 - CC iniciou a referida atividade por conta da Ré, com as características definidas nos pontos anteriores pelo menos em 1 de Janeiro de 2011, tendo celebrado até ao presente sucessivos contratos denominados de contratos de prestação de serviços, cujas cópias constam dos autos a fls. 150 a 189 do processo que inicialmente lhe respeitava e que aqui se dão por reproduzidos, datando o último 01.03.2017.
20 - Desde o início das suas relações contratuais com a Ré, com as características definidas nos pontos anteriores, CC e DD têm gozado folgas e férias, cujos mapas – elaborados em articulação com a delegação de Évora – têm sido e são previamente comunicados por aqueles à Ré, podendo esta obstar à execução de tais planos de férias e folgas, o que já sucedeu, sempre que os mesmos não assegurem a existência de disponibilidade de correspondentes de qualquer delegação durante determinado período.
21 - A Ré tem como objeto social o exercício de atividades no âmbito da televisão, multimédia, audiovisual e produção cinematográfica, bem como qualquer outra atividade de comunicação, difundindo programas de informação, entretenimento, documentários e ficção.
22 - Os diversos contratos celebrados ao longo do tempo entre a Ré e DD e entre a Ré e CC foram assinados de forma livre e esclarecida.
23 - Ao abrigo dos referidos contratos, DD e CC têm realizado trabalhos próprios da profissão de repórter de imagem e de jornalista-repórter, na qualidade de correspondentes, submetendo à Ré, para eventual difusão televisiva, peças informativas da sua autoria.
24 - As tarefas contratadas são prestadas por DD e por CC com equipamentos técnicos e com recurso a sistema de software da propriedade da Ré ou contratado a fornecedores especializados nesta área, porque assim o exige a natureza eminentemente técnica dos serviços e o facto de as reportagens serem emitidas pela Ré, cuja qualidade de emissão exige a utilização de material específico e conforme às características técnicas do software de edição.
25 - O espaço cedido pelo … de Portalegre e os equipamentos e instrumentos utilizados por DD e por CC estão disponíveis naquelas instalações para os jornalistas correspondentes que, em cada momento, aí tenham de prestar serviço.
26 - A Ré disponibiliza veículo de reportagem, incluindo cartão Galp frota para uso exclusivo no mesmo, para utilização indistinta pelos diversos jornalistas correspondentes, incluindo DD e CC, o que se destina a permitir o acesso destes a determinados locais, por se tratar de viatura devidamente identificada.
27 - Os serviços contratados são, pela sua própria natureza, prestados no local em que a reportagem seja efetuada, o qual, em alguns casos, é concretamente determinado pelos profissionais que a elaboram, incluindo DD e CC, e, noutros casos, pela natureza da reportagem em si, pela Ré.
28 – DD e CC não se encontram sujeitos a qualquer horário de trabalho ou rotatividade pré-determinados pela Ré, nem tão-pouco a período de trabalho diário ou semanal, mínimo e máximo.
29 - Os dias e períodos de tempo em que os serviços são prestados dependem das necessidades concretas da Ré e das especificidades dos serviços solicitados por esta.
30 - Sobre DD e CC não impende obrigação de comparência ou permanência em quaisquer instalações da Ré ou cedidas a esta.
31 – DD e CC não estão sujeitos a controlo de assiduidade.
32 - A Ré não paga a DD e a CC quaisquer quantias a título de subsídios de férias ou de Natal.
33 - Para cabal organização do serviço, DD e CC comunicam à Ré os períodos em que estarão indisponíveis para prestarem os serviços.
34 – DD e CC encontram-se obrigados ao dever de exclusividade com o âmbito acordado na cláusula quinta dos contratos de prestação de serviços celebrados, que aqui se dá por reproduzida.
35 - Como contrapartida dos serviços prestados, a Ré paga a DD e CC quantias mensais fixas, cujos valores têm variado ao longo das relações contratuais mantida com a Ré, acrescidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) à taxa aplicável, imposto que aqueles auto liquidam e entregam ao Estado.
36 - As quantias referidas no ponto anterior são pagos pela Ré a DD e CC após emissão por estes dos respetivos recibos do tipo fiscalmente definido para o rendimento de trabalho independente.
37 – DD e CC assumiram a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações de natureza fiscal e parafiscal decorrentes do contrato escrito que celebraram com a Ré, denominado contrato de prestação de serviços, bem como pela contratação de seguro de acidentes de trabalho.
38 – DD e CC não estão inscritos no regime da Segurança Social como trabalhadores por conta da Ré.
-
E considerou que não se provaram os seguintes factos:
(…)
*
IV. Impugnação da decisão de facto
A apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância no que concerne aos pontos factuais provados 1, 2, 4, 5, 7, 9, 12, 15, 18 e 20 e à factualidade considerada não provada nas alíneas B), C), D), E) e F).
Observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, nada obsta ao conhecimento da impugnação.
(…)
Concluindo, mostra-se improcedente o recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
V. Qualificação das relações contratuais
A apelante não se conforma com a decisão que declarou que as relações contratuais que celebrou com o jornalista CC e com o jornalista/repórter de imagem DD, são juridicamente qualificáveis como contratos de trabalho.
Impugna tal decisão, utilizando argumentos, que se resumem às seguintes questões:
1. A presunção de laboralidade consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho não pode ser utilizada e aplicada na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
2. A ser considerada aplicável a aludida presunção, não logrou o Ministério Público provar a existência de duas ou mais características, necessárias para que opere a presunção.
Apreciemos.
O tribunal de 1.ª instância depois de ter feito as adequadas e suficientes considerações sobre a distinção entre contrato de prestação de serviços e contrato de trabalho, e de ter apreciado a presunção de laboralidade e os seus requisitos, consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, fundamentos esses que aqui se consideram reproduzidos, uma vez que não foram alvo de impugnação em sede de recurso, passou à apreciação das relações contratuais sub judice, nos seguintes termos:
«Assentando-se em que é o comportamento posterior dos contratantes na execução do contrato – tendo em conta o enquadramento em que o mesmo se desenvolve – que, no rigor, permite decidir a qualificação da relação contratual, verificamos que nos casos dos autos, ficou provado que:
“1 - No dia 15 de Março de 2017, pelos inspetores da ACT foi constatado que a delegação da Ré, situada …Portalegre, … era o local onde habitualmente DD (…) e CC (…), exerciam, respetivamente, as atividades de jornalista/repórter de imagem e de jornalista em favor da Ré, executando tarefas de gravação/audição de reportagens e de gravação/montagem de uma reportagem, o que ainda hoje acontece.
2 - O local identificado no ponto anterior foi designado pela Ré, tendo sido cedido por Protocolo entre o … de Portalegre e a BB S.A..
3 - O referido local é unicamente utilizado pelo pessoal autorizado pela Ré, no qual se inclui o jornalista/repórter de imagem DD e o jornalista CC, que a ele acedem através de uma chave própria.
4 - As atividades desenvolvidas por DD e por CC em favor da Ré mencionadas no ponto 1., podem igualmente ser executadas em locais situados no exterior previamente determinados pela direção de programas da Ré.
5 - Todas as tarefas relacionadas com a produção do trabalho realizado por DD e por CC são executadas utilizando sempre os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à beneficiária da atividade ou disponibilizados por aquela, i.e., a Ré.
6 - Nos equipamentos e instrumentos de trabalho mencionados no ponto anterior, incluem-se:
- Mobiliário de escritório, concretamente, secretária, cadeira, armários de arquivo;
- Computador, impressora, computador portátil;
- Estúdio de som, ilha de edição, microfones, tripé, câmaras de filmar, baterias, carregadores, cabos de áudio e vídeo, pilhas;
- Software licenciado para a Ré, nomeadamente EDIUS;
- Veículo automóvel identificado com o logotipo …, de marca Peugeot, modelo 208, matricula …, veículo cuja utilização DD partilha com o CC;
- O combustível usado pelo veículo com a matrícula …, que é pago através de um cartão de combustível propriedade da Ré.
- Telemóvel de serviço nº …, que é pago pela Ré.
7 - As atividades desenvolvidas pelo jornalista/repórter de imagem DD são coordenadas pela estrutura editorial da Ré, mais concretamente pelos coordenadores dos jornais televisivos, recebendo o primeiro ordens diretas do jornalista CC.
8 - As atividades desenvolvidas pelo jornalista CC são coordenadas pela estrutura editorial da Ré, mais concretamente pelos coordenadores dos jornais televisivos.
9 - Os temas/reportagens jornalísticos são determinados pela equipa de coordenadores dos jornais televisivos da Ré, deles recebendo CC ordens diretas.
10 - Para a prossecução dos objetivos definidos pela equipa de coordenadores dos jornais televisivos, CC conta com a colaboração do repórter de imagem DD.
11 - DD e CC executam as suas tarefas sem sujeição a um horário de trabalho.
12 - Quando não pode comparecer ao trabalho DD comunica sempre a sua ausência a CC, por qualquer meio disponível.
13 - As ausências de CC são sempre comunicadas à Ré, concretamente à direção de informação, através de correio eletrónico ou por telefone e durante tais ausências CC pode ser substituído por outro jornalista.
14 - Como contrapartida da atividade prestada, a Ré paga a DD, com periodicidade mensal, doze meses por ano, uma quantia certa, no valor de € 1.900,00.
15 - DD executa as suas funções na dependência direta de CC do qual recebe ordens e com quem se coordena em todas as vertentes da execução do trabalho.
16 - DD iniciou a referida atividade por conta da Ré, com as características definidas nos pontos anteriores em 1 de Maio de 2012, tendo celebrado até ao presente sucessivos contratos denominados contratos de prestação de serviços, cujas cópias constam dos autos a fls. 151 a 154 e que aqui se dão por reproduzidos, sendo o último datado de 01.03.2017.
17 - Como contrapartida da atividade prestada, a Ré paga a CC, com periodicidade mensal, doze meses por ano, uma quantia certa, no valor de € 3.100,00.
18 - CC executa as tarefas e funções na dependência direta da estrutura organizacional da Ré, da qual recebe ordens e com quem se coordena em todas as vertentes da execução de trabalho, sendo os resultados do mesmo transmitidos em diversas plataformas, nomeadamente televisão e através da internet nas plataformas ou perfis criados pela BB (…) nas quais o jornalista surge associado/identificado pelo beneficiário do seu trabalho enquanto “ CC – BB”.
19 - CC iniciou a referida atividade por conta da Ré, com as características definidas nos pontos anteriores pelo menos em 1 de Janeiro de 2011, tendo celebrado até ao presente sucessivos contratos denominados de contratos de prestação de serviços, cujas cópias constam dos autos a fls. 150 a 189 do processo que inicialmente lhe respeitava e que aqui se dão por reproduzidos, datando o último 01.03.2017.
20 - Desde o início das suas relações contratuais com a Ré, com as características definidas nos pontos anteriores, CC e DD têm gozado folgas e férias, cujos mapas – elaborados em articulação com a delegação de Évora – têm sido e são previamente comunicados por aqueles à Ré, podendo esta obstar à execução de tais planos de férias e folgas, o que já sucedeu, sempre os mesmos não assegurem a existência de disponibilidade de correspondentes de qualquer delegação durante determinado período.
(…).”
Destes indícios decorre, com suficiente clareza, que os contratos celebrados respetivamente entre a Ré e CC e entre a Ré e DD são executados com sujeição à autoridade e direção da Ré, configurando verdadeiros contratos de trabalho não obstante a qualificação de contratos de prestação serviços que as partes lhe atribuíram.
Tal conclusão encontra-se suficientemente fundada na matéria supra referida podendo aqui acentuar-se, por decisiva, a seguinte factualidade:
- O local de trabalho onde os colaboradores sediam a sua atividade foi disponibilizado pela Ré;
- Todos os instrumentos de trabalho foram disponibilizados pela Ré;
- Pese embora não exista horário estabelecido, os colaboradores avisam antecipadamente a Ré das suas ausências, por férias ou folgas, ausências que a Ré pode sindicar por conveniência na organização do serviço de cobertura jornalística;
- A Ré determina-lhes a realização de coberturas jornalísticas em locais e horários específicos, encontrando-se os mesmos sempre disponíveis (com exceção dos períodos de férias e de folgas) para realizarem as tarefas que a Ré lhes solicite.
- Como contrapartida da atividade prestada, a ambos os colaboradores é paga pela Ré uma quantia certa, com periodicidade mensal.
- CC recebe ordens e instruções dos coordenadores dos jornais televisivos da Ré, com quem articula diariamente e DD recebe ordens e instruções da Ré por intermédio de CC, com quem trabalha em equipa.
- Também o gozo pelos dois correspondentes de folgas e de férias, cujos mapas são previamente comunicados e sancionados pela Ré, são sinais que nos apontam claramente para a subordinação jurídica própria do contrato de trabalho e que afastam a caracterização do contrato como contrato de prestação de serviços.
O Ministério Público realizou a prova dos factos índice que acabámos de enunciar e que coincidem com os elencados no artigo 12º do CT, não tendo a Ré logrado ilidir a presunção inerente a tal prova, pois que não demonstrou que os factos índice provados não são manifestações do poder de direção e, consequentemente, que as situações contratuais em análise não revestem a natureza de verdadeiros contratos de trabalho.
E nem se diga em abono da posição sustentada pela Ré que nas relações contratuais que apreciamos não existe qualquer estipulação dos tempo de trabalho e que são os próprios correspondentes que se auto controlam sem qualquer interferência da beneficiária da prestação, pois que, tal como resultou da prova produzida nos autos, a disponibilidade dos mesmos é total em todos os períodos em que não se encontrem de folga ou de férias, em cumprimento dos mapas enviados à Ré.
O que vale por dizer que, com mais ou menos tarefas para realizar, o jornalista/repórter de imagem DD e o jornalista CC se encontram sempre (com exceção dos períodos de férias e de folgas) e em qualquer horário, à disposição da Ré.
Não olvidamos que as diretivas poderão também existir num verdadeiro contrato de prestação de serviços. Porém, não se nos afigura honestamente que o tipo e a frequência dos contactos existentes entre a Ré este correspondentes – diretamente com CC e indiretamente com DD – contactos via telefone e e-mail, de base diária, dos quais emanam ordens de serviço dirigidas aos mesmos, acompanhadas de diretivas e instruções quanto ao local, quanto ao horário e até quanto ao modo da sua concretização, se consubstanciem em manifestações de uma prestação de serviços independente, assumindo antes a natureza de manifestações claras do poder de direção do empregador próprio dos contratos de trabalho – vide a título de exemplo de tais comunicações internas os documentos juntos a fls. 291, 294 a 296, 298, 302, 306, 308, 309 e 311.
Por fim, será ainda de referir que a longevidade dos vínculos contratuais sindicados nos presentes autos, é também ela própria indiciadora da caracterização dos mesmos como verdadeiros vínculos laborais, cujo conteúdo e densidade se foram sedimentando ao longo dos anos.
Termos em que se conclui que os contratos a que se reportam os autos deverão ser tipificados como contratos de trabalho.»
Entendemos que a 1.ª instância decidiu bem a questão da qualificação contratual, nomeadamente sem cometer qualquer ilegalidade ao aplicar a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho.
Atualmente, já é generalizadamente aceite que a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho tem natureza oficiosa, iniciando-se sem qualquer intervenção do trabalhador ou do empregador, tendo por finalidade o combate à utilização indevida de um designado contrato de prestação de serviço, em relações de trabalho subordinado.
Sobre a temática, pode ler-se nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2018, proferidos nos processos n.ºs 17082/17.9T8LSB.L1.S1 e 20416/17.2T8LSB.L1.S1:
«A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho está inserida no Título VI do Código de Processo do Trabalho, referente aos processos especiais, encontrando-se regulada nos artigos 186.º-K a 186.º-R, resultando da alteração ao Código de Processo do Trabalho introduzida pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, com início de vigência em 1 de setembro de 2013.
Trata-se de uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, como se pode observar pelo teor do art.º 186.º-K, que se estriba no procedimento previsto no art.º 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de Segurança Social.
É uma ação de carácter oficioso que se inicia sem a intervenção processual do trabalhador, que pode, em fase posterior, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentando articulado próprio e constituir mandatário, como está previsto no n.º 4, do art.º 186.º-L do Código de Processo do Trabalho.
A tramitação desta ação é muito simplificada, pois o seu objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 88, do art.º 186.º-O, do diploma citado.»
Nesta ação especial, compete, pois, ao Ministério Público alegar e demonstrar que se está perante uma prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, suscetível de causar prejuízo ao trabalhador e ao Estado. Dito de outra forma, o Ministério Público tem de alegar e provar que o negócio jurídico celebrado consubstancia um contrato de trabalho, sob a falsa aparência de um contrato de prestação de serviços ou outro, com o objetivo de evitar custos e responsabilidades que o vínculo laboral implica.
Ora, as regras gerais de direito probatório (341.º e seguintes do Código Civil, destacando-se os artigos 344.º, 349.º e 350.º) e o regime jurídico que instituiu a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto que alterou e aditou, respetivamente, os artigos 2.ª n.º 3 e 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que nos remetem para o artigo 12.º do Código do Trabalho), não impedem, antes permitem, a aplicabilidade da presunção legal consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, desde que o Ministério Público tenha logrado provar a base da presunção.
Tratando-se de uma presunção legal, tal como refere Vaz Serra, «se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal), constitui um elemento desta, e o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, do facto conhecido; de sorte que a presunção legal não é propriamente um meio de prova, mas a atribuição legal de certa relevância a um facto»[3]
Conforme refere Joana Nunes Vicente, «na ótica da carga probatória, a presunção não produz, por isso, uma total alteração dos princípios relativos à distribuição da prova, uma vez que a parte beneficiada com a presunção não fica desonerada de realizar qualquer prova. O que há é uma modificação do thema da prova e, consequentemente um aligeirar desse ónus»[4].
Em síntese, entendemos que inexiste qualquer óbice legal à aplicação da presunção consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, se resultarem demonstrados os pressupostos para que opere a presunção.
Improcedendo a primeira questão suscitada pela recorrente, avancemos, pois, para a análise da segunda questão supra enunciada.
Na motivação do recurso, a recorrente alega que o Ministério Público não logrou provar duas ou mais características elencadas no n.º 1 do referido artigo 12.º.
A posição manifestada permite-nos inferir, desde logo, que a recorrente concorda que a base da presunção em causa se verifica se demonstradas, pelo menos, duas das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do preceito[5].
Apreciemos, então, quais as características mencionadas no n.º 1 do artigo que, em concreto, resultam provadas.
E com arrimo nos factos assentes, depreende-se que CC e DD, exercem, respetivamente, a atividade de jornalista e de jornalista/repórter fotográfico em locais determinados pela recorrente (as instalações mencionada no ponto 1 e todos os locais exteriores que a recorrente indica); utilizam equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes ou disponibilizados pela recorrente (secretária, cadeira, armários de arquivo, computador, impressora, computador portátil, estúdio de som, ilha de edição, microfones, tripé, câmaras de filmar, baterias, carregadores, cabos de áudio e vídeo, pilhas, software licenciado para a recorrente, veículo automóvel com o logotipo BB, cujo combustível é pago através de um cartão de combustível propriedade da recorrente e telemóvel pago pela recorrente); em contrapartida dos serviços prestados, a recorrente paga-lhes uma quantia certa, com periodicidade mensal.
Tanto basta para que se considerem verificadas, pelo menos, as situações previstas nas alíneas a), b) e d) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.
Acresce que o Ministério Público logrou provar que todos os trabalhos desenvolvidos pelos referidos jornalistas eram determinados e coordenados pela recorrente, sendo a coordenação e as instruções para a execução desses trabalhos emanadas, diariamente, da estrutura organizacional da ré. Além disso, os referidos jornalistas marcavam férias e folgas, que comunicavam à recorrente, podendo esta obstar, como chegou a suceder, à execução dos planos/mapas enviados por aqueles.
Estes elementos são importantes, pois levam-nos a considerar que que o Ministério Público logrou provar a verificação da base da presunção prevista no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, inserida num contexto de subordinação jurídica típica de uma relação de cariz laboral. A recorrente dirigia a atividade desenvolvida pelos dois jornalistas, determinando e comunicando-lhes os trabalhos que tinham de fazer, onde, quando, durante quanto tempo, e estes obedeciam, realizando o trabalho solicitado e recebendo, em contrapartida, uma quantia fixa, durante os doze meses do ano.
Embora a presunção prevista no referido artigo 12.º seja ilidível, afigura-se-nos que a recorrente não logrou demonstrar factos e contraindícios indicadores de autonomia que sejam quantitativa e qualitativamente significativos para permitirem a descaracterização.
Passemos a explicar a nossa afirmação.
A configuração do contrato celebrado como sendo uma “prestação de serviços” é uma realidade comum em situações em que o empregador não quer assumir a existência de um contrato de trabalho.
A circunstância dos trabalhadores estarem inscritos na Administração Fiscal como trabalhadores independentes, é também habitual neste tipo de situações e apenas reforçam o propósito do empregador não querer assumir a existência da relação laboral, munindo-se de aspetos formais que não correspondem aos termos reais em que a relação contratual se desenvolve.
O não pagamento ao longo da relação contratual dos subsídios de férias e de natal também não releva por se tratar de uma realidade igualmente comum em situações em que o empregador não quer assumir a existência de um contrato de trabalho.
A inexistência de um horário de trabalho fixo ou de qualquer controlo da assiduidade, têm pouco significado nas concretas circunstâncias do caso, uma vez que as férias e folgas dos dois jornalistas estão dependentes da apreciação da sua conveniência para a recorrente e é esta, quem no dia-a-dia, faz e gere a agenda de trabalho dos dois jornalistas.
Destarte, os aparentes sinais de autonomia e independência, não correspondem, na realidade, a relações contratuais efetivamente exercidas com autonomia e independência.
Concluindo, tendo o Ministério Público logrado provar os pressupostos para a presunção da existência de um contrato de trabalho e não tendo a recorrente ilidido tal presunção, bem andou o tribunal de 1.ª instância em qualificar as relações contratuais em apreço nos autos como contratos de trabalho, com início nas datas indicadas.
Enfim, o recurso mostra-se improcedente.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Évora, 12 de julho de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes
[2] As ações foram, posteriormente, apensadas.
[3] “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ, 1961, n.º 110, pág.183
[4] “Noção de Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade”, Código do Trabalho – A revisão de 2009, Coimbra Editora, 2011, pág.62.
[5] Remete-se nesta matéria para a fundamentação da sentença recorrida.