Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
682/13.3TMLSB-C.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME DE VISITAS
Data do Acordão: 02/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O critério de julgamento nos procedimentos de jurisdição voluntária, segundo o qual, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita e deve adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, não se aplica à forma do processo ou do meio processual.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 682/13.3TMLSB-C.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. (…) instaurou contra (…), incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.
Alegou, em síntese, que por acordo homologado por sentença foi estalecido o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor (…), seu filho e da Requerida, que esta desde 1 de Agosto de 2014 tem impedido o menor de estar e de manter qualquer contato com o Requerente, com prejuízos para ambos.
Concluiu pedindo a condenação da Requerida no pagamento de uma multa e em indemnização, a seu favor e do menor e se ordenasse “o auxílio dos meios coercivos com vista a retomar as visitas do Requerente ao menor”.

2. Houve lugar a conferência de pais, no decurso da qual os pais não chegaram a acordo, a Requerida declarou que o menor residia à data (18/9/2017) consigo e com a avó materna em Inglaterra e, sob promoção do Ministério Público, foi provisoriamente fixado o seguinte regime do exercício das responsabilidades parentais:
" - Uma vez por mês o pai poderá estar e conviver com o seu filho, em Inglaterra, decorrendo o convívio na presença de uma assistente ou terapeuta a indicar pela mãe e a viagem será custeada em partes iguais por ambos os progenitores, devendo o pai avisar previamente as respetivas datas.
- As comunicações entre os progenitores relativamente aos convívios com o menor (…), deverá ser feitas através dos seus advogados para os seguintes correios eletrónicos …”

3. Junto o relatório sobre a “audição técnica especializada”, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença que designadamente dispôs a final:
(…) julga-se parcialmente procedente, por provado, o presente incidente, julgando-se verificado o incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais, quanto à resolução de questão de particular importância que acarretou o posterior incumprimento do direito de visita, determinando-se que o pai poderá conviver com o menor em Inglaterra, devendo para tanto articular o plano de visitas com o CAFAP, sem prejuízo das atividades escolares e de descanso do menor, avisando previamente a mãe com, pelo menos, 15 dias de antecedência, sendo os convívios supervisionados por técnico do CAFAP através da sua congénere no Reino Unido, e sem prejuízo das alterações que vierem a ser estabelecidas ao regime de regulação das responsabilidades parentais e, o pagamento das viagens deverá ser suportado por ambos os progenitores em partes iguais.
Sempre que a progenitora vier a Portugal deverá permitir os convívios do pai com o (…), sendo os mesmos comunicados ao CAFAP que deverá supervisionar as visitas.”

3. Recurso
O Requerente recorre da decisão e conclui assim a motivação do recurso:
“I- Determina-se na Douta Sentença recorrida «que o pai poderá conviver com o menor em Inglaterra, devendo para tanto articular o plano de visitas com o CAFAP, sem prejuízo das atividades escolares e de descanso do menor, avisando previamente a mãe com, pelo menos, 15 dias de antecedência, sendo os convívios supervisionados por técnico do CAFAP através da sua congénere no Reino Unido, e sem prejuízo das alterações que vierem a ser estabelecidas ao regime de regulação das responsabilidades parentais e, o pagamento das viagens deverá ser suportado por ambos os progenitores em partes iguais. Sempre que a progenitora vier a Portugal deverá permitir os convívios do pai com o (…), sendo os mesmos comunicados ao CAFAP que deverá supervisionar as visitas».
II- Estamos perante manifesta violação do que se dispõe no artigo 609º do Código de Processo Civil, que reza: «A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir»
III- Ora, objeto do presente apenso (e o respetivo pedido) está bem definido no requerimento que lhe deu origem, datado do 26.0.2016 (Refª: 8693220), cujo pedido é o seguinte:
«Nestes termos, nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V.ª Ex.ª, requer que se digne:
I. Considerar aberto, o incidente de incumprimento;
II. Em consequência condenar a Requerida ao pagamento de uma multa por falta de cumprimento do acordo e ordenar o auxílio dos meios coercivos com vista a retomar as visitas do Requerente ao menor;
III. Ordenar à escola que informe do percurso escolar do menor bem como das faltas existentes;
IV. Condenar a Requerida ao pagamento de uma indemnização a favor do Requerente e do menor nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 41º do Regime Geral do Processo Titular Cível».
IV- Como expressamente se refere no supra identificado requerimento, o objeto do suscitado incidente de incumprimento é tão só e apenas isso mesmo: constatar o incumprimento, por parte da mãe (Requerida) do Acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor (…), datado de 08 de Julho de 2014 e devidamente homologado por Sentença transitada em julgado.
V- Dito de outra forma, nos presentes autos (rectius, no presente apenso), apenas se pode curar de apurar se houve, ou não, incumprimento por parte da Requerida relativamente ao regime judicialmente fixado e, em caso afirmativo, decidir sobre as peticionadas indemnização e multa.
VI- No entanto, é manifesto que na sua Sentença o Tribunal a quo foi muito para além do objeto do processo, ao estipular um regime de visitas diverso do judicialmente fixado desde 2014.
VII- É certo que o fez, procurando agasalhar-se na circunstância de o menor estar a residir no Reino Unido desde 2017 e, nessa medida, alegar que dessa forma se procura conseguir “a reposição do direito de visita do (…)”. Salvo o devido respeito, este raciocínio está ferido de dois vícios insanáveis.
VIII- Em primeiro lugar, trata-se de raciocínio falacioso. Com efeito, a reposição do direito de visita do (…) faz-se (deve fazer-se) pela adoção de medidas (inclusive coercivas) que obriguem a mãe a cumprir aquilo que está judicialmente determinado (por acordo celebrado entre os progenitores em 2014, recorde-se).
Não se faz (i.e., não pode fazer-se) por se ir ‘a reboque’ do(s) incumprimento(s) da mãe, adaptando o regime de visitas a tal(is) incumprimento(s), como se fez no Aresto recorrido.
IX- Por outro lado, do ponto de vista legal e processual, qualquer decisão sobre facto(s) posterior(es) ao concreto incumprimento que deu origem ao presente apenso e que, porventura, constitua novo incumprimento ou facto suscetível de influir no regime de responsabilidades parentais, só pode ser discutido e decidido em apenso próprio.
X- Não procedendo desse modo – erro em que incorreu a Sentença em recurso – age-se ilegalmente porque se viola expressamente o artigo 609º, nº 1, do CPC, bem como o disposto no artigo 615º, nº 1, d), in fine, e nº 2, do CPC.
XI- Mas também porque se trata de uma decisão surpresa. A Douta Sentença recorrida encerra uma “decisão surpresa” ao decidir alterar – sem que nada o fizesse prever e em apenso com objeto distinto – o regime de visitas já anteriormente fixado.
XII- Dessa forma, tal Sentença é nula, por encerrar uma decisão surpresa, vedada pelo artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
XIII- Algumas afirmações contidas na Sentença encerram contradições e ambiguidades. Afirmar que a ‘postura mãe durante o processo é de quem nunca se desinteressou pela questão dos convívios paterno-filiais’ com o fundamento de que chegou a vir a Portugal com o objetivo de participar na sessão conjunta que estava agendada, com vista a uma decisão consensual’ é manifestamente contraditório e ambíguo.
XIV- Com efeito, atente-se no seguinte:
A mãe suspendeu as visitas do pai ao filho em 01 de Agosto de 2014;
A sua vinda a Portugal para estar presente na diligência judicial agendada em sede do apenso de incumprimento deu-se em 18 de Setembro de 2017 (v. Acta de 18.09.2017 com a Refª: 106970968).
XV- Ou seja, durante 37 (trinta e sete) meses e 18 (dezoito) dias, a mãe nada (absolutamente nada) fez para promover, facilitar ou demonstrar qualquer interesse nos “convívios paterno-filiais”. Sendo certo que só compareceu em juízo em 18.09.2017 porque para tal foi notificada pelo Tribunal.
XVI- Acresce ainda que, como se reconhece na Sentença recorrida, já após 01.08.2014 e durante o ano de 2017 a mãe se mudou com o menor para o Reino Unido, onde passou a residir, nada tendo comunicado ao pai.
XVII- Por outro lado, está provado que: «O pai não tem contacto com o menor, nem informação sobre a sua vida pessoal e escolar» (ponto 5 dos factos dados como provados). Competia, obviamente, à mãe facultar ao pai tal informação.
XVIII- Nem sequer consta dos autos qualquer iniciativa da mãe em colocar o menor em contacto com o pai, ainda que por via telefónica. E não consta, porque nunca existiu.
XIX- Ora, como é bom de ver, não se conseguem conciliar estes factos – judicialmente reconhecidos e comprovados nos autos – com a temerária afirmação, contida na Sentença, de que alegadamente a postura da mãe durante o processo é de quem nunca se desinteressou pela questão dos convívios paterno-filiais.
XX- Leve-se ainda em conta, neste contexto, que se considerou provado que o pai continuou a deslocar-se e a permanecer no Algarve nos dias que lhe competia ficar com o menor (v. pontos 6, 7 e 8 da matéria de facto dada como provada). Que melhores oportunidades poderia a mãe ter de obter, com o pai, uma solução consensual, ou para lhe fornecer informações sobre o filho?
XXI- Aliás, o que daqui se pode legitimamente concluir é que a mãe não considera sequer que o contacto com o pai seja essencial ou importante para o menor. E esta postura não é seguramente no interesse do menor. Provavelmente será antes o reflexo e reação da mãe a outros problemas e litígios (emocionais ou outros) que deixou pendentes com o progenitor, aquando da separação do casal.
XXII- No que concerne ao alegado ‘episódio’ de 31 de Julho de 2019, mesmo que porventura se considerasse assente – o que não se concede – que a Drª (…) tivesse tido intervenção para acalmar o menor, não é legítimo ao julgador daí retirar a conclusão que os convívios do menor com o pai o perturbem (no sentido negativo do termo) ou prejudiquem o interesse daquele.
XXIII- A alegada ‘perturbação’ pode resultar da mera alteração de rotinas (não se esqueça que já anteriormente a mãe não permitia o contacto do menor com o pai), sendo por isso mesmo necessário tornar uma rotina o regular contacto com o pai, objetivo a que mãe sempres se opôs, como claramente resulta dos autos.
XXIV- Este contacto regular com o pai é que é do maior e mais relevante interesse para o menor, para o seu desenvolvimento e inclusivamente no contexto da terapia necessária face à síndrome que o afeta.
XXV- O pai não é “terceiro”, como o parece considerar o Tribunal recorrido («As crianças com esta síndrome exibem dificuldades no relacionamento com terceiros», diz-se ali). Desde no seu nascimento em 22.08.2007 até Setembro de 2012 (altura em a que a mãe abandonou o lar conjugal levando consigo o Afonso para morada desconhecida) o menor sempre viveu igualmente na companhia do pai – v. os autos principais, nomeadamente o requerimento de 04.04.2013 com a Refª: 1061823 (nessa ocasião, em 2012, bem como posteriormente em 2017, quando mudou de residência para o Reino Unido, a mãe não terá preocupado muito com as mudanças de rotina do …).
XXVI- Estranha-se que a Sentença não aluda ao facto presenciado em juízo (pela Mª Juíza, pelo Senhor Procurador, pelos mandatários das partes e pelo sr. Escrivão auxiliar) em 17.05.2019, através de Skype – a enorme e incontida alegria do (…) ao ver e falar com o pai. Que perturbação???... Que prejuízo para o superior interesse do menor???....
XXVII- Ora, onde consta nos autos qualquer elemento probatório, i.e., relatório médico, parecer de técnico especializado ou outro que afirme ou sequer aponte para qualquer efeito negativo sobre o menor do estabelecimento da rotina de estar e conviver com o pai??? … Não existe. E não existindo, não é legítimo ao julgador (o Tribunal de 1ª instância) retirar ilações de cariz pseudo-científico ou pseudo-médico sobre a matéria.
XXVIII- Mas parece que é exatamente isso que pretende fazer, ao associar a intervenção de terceiro para acalmar o menor e a alegação da mãe (mera alegação ou informação como se reconhece no ponto 11 dos factos provados), com a necessidade e justificação da decisão da mãe em proibir os convívios e contactos com o pai.
XXIX- Também aqui, para além da contradição e ambiguidade, pode descortinar-se uma decisão-surpresa, na medida em que era de todo improvável que o pai (requerente) pudesse supor que o Tribunal, desprovido de qualquer análise pericial ou técnica sobre os ‘factos’, pudesse ele próprio proceder a tal análise. Nessa medida, a conclusão contida na Sentença sobre esta matéria constitui decisão surpresa, ferida de nulidade.
XXX- Como se referiu supra, verificou-se claro e injustificado incumprimento por parte da Requerida do acordado em Tribunal e homologado por Sentença transitada em julgado.
XXXI- Este incumprimento, pelas razões já suficientemente apontadas, é censurável, não existindo nos autos qualquer prova ou evidência sólida que o permita justificar.
XXXII- Assim, outra solução não resta, a não ser condenar a Requerida em multa.
XXXIII- Os factos que consubstanciam o culposo incumprimento por parte da Requerida estão descritos com pormenor no requerimento inicial e foram provados. Trata-se do incumprimento de um regime de visitas que salvaguarda o interesse do menor e o direito do pai.
XXXIV- Ambos (o interesse do menor e o direito do pai) foram grosseiramente desrespeitados com a dita violação. O que existe de conclusivo nisto???...
XXXV- No requerimento inicial que deu origem ao presente apenso pede-se a condenação da requerida em indemnização a favor do Requerente e do menor.
XXXVI- Os prejuízos sofridos são óbvios, constituem facto notório. Consistem essencialmente na lesão dos referidos bens jurídicos protegidos.
XXXVII- O Tribunal a quo deveria, pois, ter condenado a Requerida em indemnização a favor do Requerente e do menor, recorrendo aos critérios de equidade a que alude o artigo 566º, nº 3, do Código Civil.
XXXVIII- A Douta Sentença recorrida enferma ainda de outra nulidade, a saber: a omissão de pronúncia – cfr. artigo 65º, nº 1, d), primeira parte.
XXXIX- Com efeito, no requerimento inicial o Requerente pediu que o Tribunal adotasse as diligências necessárias para o cumprimento coercivo do acordo (judicialmente homologado) relativo ao exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor (…).
XL- Ora, percorrido todo o texto da Sentença, não se encontra nem uma palavra sobre este pedido. É nula a Sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nulidade que expressamente se invoca – cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
XLI- A Douta Sentença recorrida não contém qualquer fundamentação de facto relativamente ao ponto 9 dos factos considerados provados e quanto aos pontos 1 e 2 dos factos não provados.
XLII- Omissão que resulta na sua nulidade, conforme dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
XLIII- Para além do mais, é manifestamente contraditório, ou no mínimo, ambíguo, que se considerem provados os factos descritos sob os números 4, 5, 6, 7 e 8 dos factos provados; ao mesmo que não se considera provado o facto a que alude o ponto 1 dos factos não provados.
XLIV- Contradição e ambiguidade que também geram nulidade – artigo 615.º, nº 1, alínea c), do CPC.
XLV- Deve, pois, revogar-se a Douta Sentença recorrida.
Assim farão V.as Excelências, venerandos Juízes Desembargadores, a verdadeira e costumada Justiça!”
Respondeu a Requerida por forma a defender a confirmação da decisão recorrida.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objeto, importa decidir (i) se a sentença é nula e (ii) se a Requerida deve ser condenada em multa e indemnização.

III. Fundamentação.
1. Factos.
A decisão recorrida julgou assim os factos:
Provados
1- Por acordo, homologado por sentença, datada de 8 de julho de 2014, devidamente transitada em julgado, ficou estabelecido o exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança, (…), determinando-se, além do mais, que caberiam a ambos os pais as responsabilidades relativas às questões de particular importância da vida da criança, fixando-se a sua residência junto da mãe; responsável pelas decisões relativas aos atos da vida corrente do filho.
2- Na mesma decisão, estipulou-se, além do mais, que “o pai pode ver e estar com o filho em fins-de-semana alternados, indo busca-lo à 6ª feira, ao CAFAP ou ao domicílio profissional da mãe ou à escola (em período escolar), até às 17:00, e entregando-o no Domingo às 18:00, no domicílio profissional, com transição”.
3- Mais ficou acordado que “ no ano de 2014, o menor passará férias de verão com o pai o período de 31 de julho até 10 de agosto: sendo os 2 (dois) primeiros dias sem pernoita, ou seja, no dia 31 de julho de 2014, o pai vai buscar o menor ao CAFAP, às 10:00, e entregando-o ás 18:00, no domicilio profissional da mãe, às 10:00 horas, entregando-o no dia 10 de agosto de 2014, ás 18:00 horas, com ele pernoitando durante tal período. Posteriormente, a partir do próximo verão (2015) inclusive, o pai passará com o menor um período de 15 (quinze) dias, a definir entre os progenitores até ao final do mês de abril de cada ano. No dia de aniversário do pai e no dia do pai, o menor passa o dia com o pai, sem prejuízo das suas atividades escolares e horas de descanso. No dia de aniversário do menor este tomará uma refeição com cada um dos progenitores. O menor passará metade das férias de Natal, com cada um dos progenitores alternadamente, sendo que este ano o menor passará a primeira semana com o pai e a segunda, que abrange o ano novo, com a mãe. O menor passa uma semana de férias da Páscoa, com cada um dos progenitores alternadamente”.
4- No dia 1 de agosto de 2014 a progenitora suspendeu as visitas do pai à criança.
5- O pai não tem contacto com o menor, nem informação sobre a sua vida pessoal e escolar.
6- O progenitor não passou o Natal, as férias de verão, o dia de anos do pai nem o dia de anos do (…).
7- O requerente deslocou-se e permaneceu no Algarve nos dias que lhe competia ficar com o menor, nomeadamente em fins-de-semana alternados.
8- E, após as férias do verão o requerente a cada 15 dias deslocava-se ao Algarve, para visitar o filho, mas sem sucesso, uma vez que se dirigia ao CAFAP e o menor não se encontrava nas instalações.
9- No dia 31 de julho de 2014 a Dr.ª (…) acalmou o menor assim que este saiu do carro da mãe.
10- No apenso B a progenitora informou que as visitas do pai provocavam reação negativa no menor.
11- Desde finais de setembro de 2017 que a criança reside com a mãe, avó e irmão no Reino Unido.
12- A progenitora decidiu levar consigo o menor para o Reino Unido, declarando que o fez por motivos económicos pois estava desempregada.
13- O menor (…) apresenta-se num quadro de ‘essence’ com manifestações significativas de uma perturbação do Espectro do Autismo de nível moderado (síndrome de Asperger).
Não provados:
1. A progenitora suspendeu qualquer contacto do pai com o filho.
2. No dia 31 de julho de 2014 o menor encontrava-se bem-disposto.

2. Direito.
2.1. Se a sentença é nula
Considera o Requerente que a sentença é nula, porquanto (i) condena além do pedido, (ii) omite pronúncia quanto ao pedido ao pedido de adoção das diligências necessárias para o cumprimento coercivo do acordo de responsabilidade parentais judicialmente homologado, (iii) constitui uma decisão surpresa, (iv) enferma de contradições e ambiguidades e (v) não fundamenta o ponto 9 dos factos provados e os pontos 1 e 2 dos factos não provados.
Iniciando por esta última, a falta de fundamentação da matéria de facto não constitui nulidade da sentença; a falta de fundamentação da decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, impõe à Relação o dever de mandar baixar os autos à 1ª instância para suprimento da omissão (artº 662º, nº 2, al. d), do CPC), mas não lhe permite declarar nula a sentença.
Com este fundamento a sentença não é nula, improcedendo o recurso quanto a esta questão.
Prosseguindo, segundo o artº 609º, nº 1, do CPC a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir e, em coerência com este limite da condenação, o artº 615º, nº 1, al. e), do CPC considera nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
No caso, o Requerente deduziu incidente de incumprimento das responsabilidades parentais e pediu: (i) se considerasse aberto, o incidente de incumprimento, (ii) em consequência se condenasse a Requerida ao pagamento de uma multa por falta de cumprimento do acordo e ordenasse o auxílio dos meios coercivos com vista a retomar as visitas do Requerente ao menor (iii) se ordenasse à escola que informe do percurso escolar do menor bem como das faltas existentes, (iv) se condenasse a Requerida ao pagamento de uma indemnização a favor do Requerente e do menor nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 41º do Regime Geral do Processo Titular Cível e a sentença dispôs: “(…) julga-se parcialmente procedente, por provado, o presente incidente, julgando-se verificado o incumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais, quanto à resolução de questão de particular importância que acarretou o posterior incumprimento do direito de visita, determinando-se que o pai poderá conviver com o menor em Inglaterra, devendo para tanto articular o plano de visitas com o CAFAP, sem prejuízo das atividades escolares e de descanso do menor, avisando previamente a mãe com, pelo menos, 15 dias de antecedência, sendo os convívios supervisionados por técnico do CAFAP através da sua congénere no Reino Unido, e sem prejuízo das alterações que vierem a ser estabelecidas ao regime de regulação das responsabilidades parentais e, o pagamento das viagens deverá ser suportado por ambos os progenitores em partes iguais. Sempre que a progenitora vier a Portugal deverá permitir os convívios do pai com o (…), sendo os mesmos comunicados ao CAFAP que deverá supervisionar as visitas.”
A residência do filho e os direitos de visita constituem objeto da regulação judicial do exercício das responsabilidades parentais, em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento (artº 1906º, nº 5, do Código Civil) e na sequência do acordo, homologado por sentença, datada de 8 de julho de 2014, a residência do menor (…) foi fixada junto da mãe, estabelecendo-se quanto visitas, designadamente, que “o pai pode ver e estar com o filho em fins-de-semana alternados, indo busca-lo à 6ª feira, ao CAFAP ou ao domicílio profissional da mãe ou à escola (em período escolar), até às 17:00, e entregando-o no Domingo às 18:00, no domicílio profissional” (pontos 1 e 2 dos factos provados).
A mãe do menor, à data da regulação do exercício das responsabilidades parentais, residia em Portugal e só em finais de setembro de 2017, passou a residir em Inglaterra, para onde levou o menor (ponto 11 dos factos provados) e, assim, a decisão recorrida, ao estabelecer que o pai poderá conviver com o menor em Inglaterra assenta no pressuposto (implícito) que a residência do menor é em Inglaterra, pressuposto este que, não obstante se verificar de facto, representa de direito uma alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais vigente na ordem jurídica, alteração que continua com a periodicidade do regime de visitas fixada ao pai, agora formalmente mais latos – o pai poderá conviver com o menor em Inglaterra – mas amplamente prejudicados pela distância geográfica que separa a residência do menor e a residência do Requerente.
Vista à luz da disciplina já anotada a sentença condena em objeto diverso do pedido do Requerente, uma vez que altera o exercício das responsabilidades parentais e esta alteração não constituiu objeto do pedido.
Os processos tutelares cíveis e, entre eles, a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes, têm a natureza de jurisdição voluntária [artºs 12º e 3º, al. c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, provado pela Lei n.º 141/2015, de 8/9] e segundo esta jurisdição, nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (artº 987º do CPC), significará isto, no caso, um alargamento do âmbito de ingerência do tribunal de menores por forma a permitir ao juiz, por sua iniciativa, alterar o regime das responsabilidades parentais no âmbito do procedimento do incumprimento dessas mesmas responsabilidades?
Estamos em crer que não. E a razão pela qual assim não deverá ser resulta de constituir aquele enunciado um critério de julgamento e não um critério de gestão processual, ou seja, reporta-se ele à regulação do interesse expresso no procedimento e não ao procedimento propriamente dito, mais concretamente à sua gestão que incumbe ao juiz, é certo, mas dentro dos parâmetros enunciados no artº 6º do Código de Processo Civil.
A regulação do interesse nos processos de jurisdição voluntária – “Não há neles, em princípio, um conflito de interesses a compor, mas um interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse” [Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 72] – não prescinde da validade dos pressupostos processuais (personalidade e capacidade judiciárias, legitimidade das partes, competência do tribunal, etc.) necessários a que o juiz conceda ou denegue a providência que lhe é requerida e na falta destes o juiz deverá abster-se de decidir sobre o mérito ou seja, não lhe é permitido adotar a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
E também assim no que respeita às formas de processo e às concretas providências solicitadas; se o processo se destina à fixação judicial do prazo (artºs 1026º e 1027º CPC) não será lícito ao juiz, ainda que lhe surja como solução mais conveniente e oportuna, v.g. autorizar ou confirmar a prática de um determinado ato (artºs 1014º a 1016º do CPC).
O incumprimento das responsabilidades parentais e a alteração das responsabilidades parentais comportam processados distintos (cfr. respetivamente, artºs 41º e 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), importando assinalar que este último mostra-se dotado de maiores garantias de defesa - no incidente da alteração o requerido é citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente, enquanto no incidente de incumprimento o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente (artºs 42º, nº 3 e 41º, nº 3).
Não que o juiz não possa corrigir o erro na forma do processo ou do meio processual que os interessados laçaram mão, nos termos em que a lei genericamente lhe permite e impõe (artº 193º do CPC) o que, a nosso ver, não lhe é processualmente lícito é proferir uma decisão desconforme com a providência requerida no pressuposto que a solução mais conveniente e oportuna dispensa a correção do meio processual utilizado.
A circunstância de a lei prever que os pais, na conferência que, em regra, tem lugar no incidente de incumprimento, podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais (artº 41º, nº 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), revela, a nosso ver, que esta transmutação não constitui a regra, é uma exceção só admissível com a verificação do pressuposto que prevê: o acordo dos pais.
Tornando aos limites da condenação, intentado um incidente de incumprimento das responsabilidades parentais com vista à condenação, em multa e indemnização, do pai incumpridor a sentença que altera a regulação das responsabilidades parentais, sem o acordo dos pais, é nula por emitir uma providência com objeto diverso do solicitado.
Nulidade que prejudica o conhecimento das demais nulidades suscitadas pois independentemente deste conhecimento a solução preconizada não se altera.
A decisão, a nosso ver, é nula, importando conhecer do objeto do recurso.

2.2. Se a Requerida deve ser condenada em multa e indemnização
Segundo o artº 41º, nº 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, “[s]e, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos”.
2.2.1. Prova-se, no caso, que o exercício das responsabilidades parentais foi estabelecido por acordo, homologado por sentença de 8//2014, por forma a fixar a residência do menor junto da mãe e a permitir ao pai, ora Requerente, ter o menor consigo de quinze em quinze dias e durante metade do período das férias escolares (pontos 1 a 3 dos factos provados) e que em 1 de Agosto de 2014 a progenitora suspendeu as visitas do pai à criança (ponto 4 dos factos provados) e em finais de Setembro de 2017 levou o menor consigo para Inglaterra (pontos 11 e 12 dos factos provados).
A demonstrada base factual do litigio não permitem concluir pela justificação daquela sua primeira conduta, embora ela conste no requerimento (fls. 29 a 37) que apresentou nos autos de incumprimento que constitui o apenso “B”, o qual veio a ser incorporado no presente (cfr. despacho proferido a fls. 97 do apenso “B”), mas a circunstância de, sem o acordo do pai, haver levado o menor para Inglaterra, isto é, haver alterado a residência fixada ao menor, consequente ao acordo das responsabilidades parentais, homologado por sentença, constitui, por si, causa bastante para se concluir pelo incumprimento do acordo e justifica, a nosso ver, a condenação da Requerida em multa que se fixa em 2 UCs.
2.2.2. O Requerente pediu a condenação da requerida no pagamento de uma indemnização, a seu favor e do menor e a decisão recorrida declinou esta sua pretensão consignando o seguinte: “Veio também o requerente peticionar a condenação em indemnização, porém, não alega factos que consubstanciem esse seu direito, pois apenas de forma conclusiva disse ter prejuízos físicos, emocionais e financeiros, o que não concretiza factualmente e nem foi respondido por ser matéria conclusiva, improcedendo nesta parte o requerido”.
O Requerente diverge argumentando, em essência, que o incumprimento da Requerida está demonstrado e que os prejuízos são óbvios, constituem facto notório, consistem essencialmente na lesão dos referidos bens jurídicos [cclª XXXVI].
De acordo com a norma em referência o progenitor cumpridor pode requerer ao tribunal a condenação do remisso em multa e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
São pressupostos da obrigação de indemnizar o facto voluntário do agente (por ação ou omissão), a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o resultado danoso – cfr. artº 483º do Código Civil.
É a reunião de todos estes pressupostos e não de apenas de um, ou alguns deles que justifica a indemnização. No caso, o Requerente não alegou quaisquer factos que comportem prejuízos; alegou genericamente que “tem sentido prejuízos quer físicos, quer emocionais e até financeiros” (artº 39º do requerimento inicial), razão pela qual a sentença, a nosso ver, nesta parte, decidiu com acerto.
Os prejuízos não são factos notórios, resultam de factos que carecem de alegação.
O recurso improcede quanto a esta questão.
2.2.3. Pretende ainda o Requerente que se ordene o auxílio dos meios coercivos com vista a retomar as visitas do Requerente ao menor.
O Requerente não especifica quais os meios coercivos que tem em vista e não se vê que meios coercivos, com vista a retomar as visitas, possa ordenar esta Relação, no regime das responsabilidades parentais vigente, o qual supõe a residência do menor em Portugal, numa altura em que o menor se encontra em Inglaterra, sem que o Requerente ou o Ministério Público, sendo o caso, hajam diligenciado pelo regresso da criança.
O recurso improcede quanto a esta questão.

2.3. Custas.
Vencidos no recurso, incumbe ao Requerente à Requerida pagar as custas (artº 527º, nº 1, do CPC), na proporção que se fixa em 1/3 e 2/3 respetivamente.

Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo.
Delibera-se, pelo exposto, na procedência parcial do recurso, em:
a) declarar nula a decisão recorrida;
b) julgar parcialmente procedente o incidente de incumprimento e, em consequência, em condenar a Requerida na multa de 2 UCs.
Custas pelo Recorrente e pela Recorrida na proporção de 1/3 e 2/3 respetivamente.
Évora, 13/2/2020
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho