Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1078/18.6T8STB-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
URBANIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - o recurso, que não se destina a apreciar questões novas, não constitui o meio adequado para invocar matéria da oposição que seja superveniente;
- a ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, em sede de AUGI, constitui título executivo;
- contudo, dela há de constar a determinação do concreto montante a pagar por referência aos lotes que integram o loteamento.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Embargantes: (…), (…), (…) e (…)

Recorrida / Embargada: Comissão da Administração Conjunta da AUGI de (…)

As Embargantes apresentaram oposição à execução instaurada com base na ata da assembleia de comproprietários que reuniu a 27/03/2004 contendo métodos e fórmulas de cálculo das comparticipações devidas pelos comproprietários nos custos de reconversão a título de provisões ou adiantamentos até aprovação das contas finais da administração conjunta. Vindo entretanto a propor a atribuição dos lotes nºs 159 a 167, 189 a 197 e 819, 821, 844, a verba monetária exigida na execução ascende a € 357.998,72 acrescida de juros de mora vencidos nos últimos 5 anos, desde 2013.
As Embargantes sustentaram que o título não preenche os requisitos legais da exequibilidade porquanto, embora se mostrem aprovados os métodos e fórmulas de cálculo e as datas para entrega das comparticipações, não se aprovou o mapa, lote a lote, com o valor exato da respetiva comparticipação para as infraestruturas, que pagaram já € 28.054,68 e não só o valor referido no requerimento executivo, e que lhes assiste o direito a negar o pagamento por alteração anormal das circunstâncias que conduziram à fixação da deliberação exequenda.

II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a oposição totalmente improcedente.
Inconformadas, as Embargantes apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue procedente a oposição deduzida. Concluem a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«A) – A oposição invoca a falta de requisitos do título dado à execução (doc. 3), ou seja, a Ata da assembleia de comproprietários de 27/03/2004 e “anexo” que aprovou os métodos e fórmulas de cálculo, bem como as datas para entrega das comparticipações, MAS NÃO APROVOU O MAPA, lote a lote, ONDE DEVERIA CONSTAR O VALOR EXACTO DA RESPECTIVA COMPARTICIPAÇÃO PARA AS INFRAESTRUTURAS, conforme obriga o estipulado no artigo 10º, nº 2, alínea f) - da Lei das AUGI.
B) – A numeração dos lotes, nesse anexo, diz “Nº Avos dos Lotes”, começa com o lote 401 e termina no 3000! É evidente que iniciando a numeração no 401, só abrange três dos lotes alegadamente a atribuir a (…).
C) – Lotes estes referidos em documento 4 junto com a contestação da Exequente, datada de 25/08/2009, que é uma carta, dirigida a (…), onde se propõe a atribuição, ao mesmo, dos lotes nºs 159 a 167, 189 a 197 e 819, 821, 844.
D) – Os documentos que estão nos autos teriam permitido ao Tribunal “a quo”, pela sua análise, essa mesma verificação, o que, seguramente não fez, não verificou que o mapa não contém todos os lotes de 1 a 3000. Antes concluindo, de imediato, pela validade do título executivo doc. 3. Tudo sem considerar o alegado pelas executadas.
E) – A douta sentença entra em contradição entre os pontos 2 e 17, dos factos assentes, pois que se em 2. refere o meritíssimo juiz que (…) faleceu em 29.01.2009, em 17. Diz que “por carta datada de 25 de Agosto de 2009, enviada pela exequente ao comproprietário (…), foi este último informado da proposta de atribuição dos lotes, devendo no prazo de 15 dias manifestar a sua discordância…” (…), nunca pode receber tal carta!
F) – Além disso a indicação dos lotes a atribuir, nunca poderia suprir a listagem que tem que incluir a Ata, título executivo, ou seja o mapa aprovado em assembleia com a indicação expressa, lote a lote, de acordo com o estipulado no artigo 10º, nº 2, alínea f), da Lei das AUGI.
G) – É totalmente errada a decisão em recurso por aceitar o anexo que não só não faz parte integrante da Ata, como não foi aprovado em assembleia, como ainda não inclui a totalidade dos lotes.
H) – As iniciativas da comissão não são suscetíveis de sanar omissão: como aprovar o mapa lote a lote, onde deve constar o valor exato da respetiva comparticipação para as infraestruturas cabe, por Lei, à assembleia de comproprietários.
I) - Está, totalmente errada a decisão constante do Saneador/Sentença, quando diz que “a exequente notificou (…) da proposta de atribuição dos 21 lotes... e este se conformou, com aquela proposta, vinculando-se à mesma.. ”, pois:
- A carta, correio simples, tem data posterior ao óbito de … (logo por ele nunca recebida).
- É enviada na sequência, de alteração à licença de loteamento, sendo uma proposta.
- A Ata 35, título dado à execução data de 27/03/2004, não contém o mapa legalmente exigido, nem o seu “anexo” contem a totalidade dos lotes, o que é mais grave, nem contém a totalidade dos lotes referidos na carta de 25/08/2009!
- As executadas alegaram a ausência de mapas com a totalidade dos lotes, por violar o exigido no artigo 10º, nº 2, da Lei das AUGI.
- A Exequente não logrou, provar que a Ata título executivo contivesse tal mapa!
J) - A decisão do Tribunal a quo é, totalmente contraria á Lei, aceitando uma alegada comunicação parcial, em substituição da legalmente prevista, aprovação em assembleia geral dos mapas de comparticipações, artigo 10º, nº 2, alínea f), da já citada Lei das AUGI.
L) - Encerrada a fase dos articulados, neste caso, requerimento inicial e contestação, (sem direito a replica por ausência de reconvenção, como dispõe o artigo 584º, nº 1, do CPC) foram as partes notificadas, para uma tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594º do CPC.
M) - A referida diligência de 04/12/2018, não deu cumprimento ao disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 594º do CPC, ou o Meritíssimo Juiz não se empenhou na obtenção da solução, e por isso não, consignado em Ata as concretas soluções sugeridas pelo juiz, bem como os fundamentos que, no entendimento das partes, justificam a persistência do litígio, como é de Lei.
N) - Antes veio a produzir o Saneador-Sentença, o que provocou um efeito de uma decisão-surpresa, pelo que a sentença deve ser declarada nula, por serem estas decisões surpresa, matéria que está vedada pelo artigo 3º, nº 3, do CPC.
O) - A matéria em causa levaria á realização de julgamento com a audição da prova indicada pelas executadas e de um modo geral o exercício do contraditório, o que não ocorreu. Esta nulidade processual viola o disposto no artigo 3º, nº 3, do CPC e de modo geral, o princípio do contraditório, constituindo uma decisão surpresa que é atentatória do princípio do processo justo e equitativo, garantido no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
P) - Os valores em cobrança, já, até em sede de requerimento de oposição/embargos, doc.3 que o acompanha, ficam postos em causa pela Câmara Municipal de Palmela que emitiu um parecer dirigido á comissão, exequente, com data de 03/10/2017, onde se lê: “haver a possibilidade de vir a ser apresentada uma nova proposta de desenho urbano, com vista a uma redução significativa do número de lotes, dos encargos financeiros com a operação de reconversão, quer a nível das obras de urbanização quer também das taxas”.
Q) - Estes documentos, apesar de porem em causa os cálculos e valores em cobrança, impugnados pelas embargantes, não foram considerados pelo Tribunal “a quo”.
R) – É erro da sentença entender a forma de cálculo da quantia exequenda, dando como provado no ponto 6. do douto Saneador-Sentença todos os pontos da fórmula de calculo para repartição de custos de reconversão dos lotes constantes da Ata 35 doc. 3 do requerimento executivo. Aqui transcrevemos o ponto:
T = “Valor das taxas a liquidar á Câmara Municipal de Palmela pela realização das infra-estruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente, sejam devidas”. Quando o doc. 8, igualmente junto com o requerimento executivo demonstra o apuramento de custo, com os supostos parâmetros de cálculo da Ata 35 mas os mesmos não foram respeitados: por exemplo o ponto “T”, é descrito em doc. 8., como:
T = “ Custo relativo à gestão das obras = € 20,95* K*86 meses + IVA”
Tal é por si bastante para declarar a invalidade do título executivo e da liquidação em cobrança.
S) – As executadas impugnaram, para além de tal facto ser notório e de obrigatória verificação pelos documentos dos autos nomeadamente. Havendo necessidade de mais prova ou de ouvir a prova testemunhal indicada, nunca deve o Tribunal decidir sem verificar dessa prova, neste sentido, ou seja o de evitar as decisões surpresa, ver acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-02-2015, processo 1279/13.3TBLGSD.E1.
T) - A exequente está em juízo legitimada pela assembleia de comproprietários de 23/03/2002, conforme doc. 1, junto com a execução, com as competências definidas no artigo 15º, nº 1, alínea f), do mesmo normativo, nomeadamente a de representar a administração conjunta em juízo.
U) A executada (…), e todas as outras, a receber uma comunicação/convocatória em 31/12/2018 de um comproprietário para, entre outras informações, a realização de uma assembleia constitutiva, com a finalidade, entre outras, de eleger A NOVA COMISSÃO DE ADMINISTRAÇÃO DA AUGI (doc. 1 junto com estas alegações). Estando notificada da sentença em recurso desde 12/12/2018.
V) - A gravidade do conteúdo do documento junto põe em causa a legitimidade de representação da exequente nestes autos, pelo que se justifica a sua junção, o que se faz nos termos do artigo 651º, nº 1, conjugado com o artigo 425º, ambos do CPC.
X) - A Comissão só retoma a sua legitimidade em nova assembleia constitutiva.
Face ao exposto e nos termos do artigo 577º, alínea c), do CPC, a exequente não detém capacidade judiciária, importando em consequência dá lugar à absolvição da instância, nos termos do preceituado no artigo 576º, nº 2, do mesmo Código.
Z) - Em face disto, mais releva ainda o doc. 3 da petição de embargos, de que o douto Saneador/Sentença faz tábua-rasa, na qual o processo urbanístico da reconversão não foi julgado deserto, entre outras razões porque (ver pág. 4) “existe a possibilidade de vir a ser apresentada uma nova proposta de desenho urbano com vista a uma redução significativa do número de lotes e, consequentemente, dos encargos financeiros com a operação de reconversão, quer a nível de obras de urbanização, quer, também de taxas, ato que sempre será de saudar pela intenção de conferir maior sustentabilidade à reconversão em causa.”
AA) - A Comissão, em 2017, para obstar à deserção da licença de loteamento, declarava que se pretendia reduzir SIGNIFICATIVAMENTE o número de lotes e respetivos encargos financeiros e a técnica municipal considerava que a solução existente tinha “pouca sustentabilidade”.
AB) - A exequente não detém capacidade judiciária, o que pela aplicação do artigo 577.º, alínea c), do CPC, conjugado com o artigo 576.º, n.º 2, do mesmo Código, dá lugar à absolvição da instância.»

Em contra-alegações, a Recorrida pugna pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida, invocando que não se exige a elaboração do mapa para conferir exequibilidade à ata da assembleia nem que desta conste o valor exato da comparticipação devida por cada comproprietário, sendo que, no caso em apreço, as embargantes tinham conhecimento dos lotes que lhes foram atribuídos. Assinala que a deliberação tomada não foi impugnada e que a Administração Conjunta é parte legítima e tem capacidade judiciária.

Cumpre conhecer das seguintes questões, salvo prejudicialidade decorrente do anteriormente apreciado:
- da nulidade da sentença;
- da junção de documento em sede de recurso e da redelimitação da AUGI pela Câmara Municipal de Palmela;
- da falta de título executivo;
- da ilegitimidade e da falta de capacidade judiciária da exequente;
- da quantia paga pelas opoentes.

III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. A exequente tem, entre outras, a atribuição de praticar os atos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas na AUGI de (…).
2. Por escritura notarial de habilitação de herdeiros outorgada em 28.07.2009, por morte de (…) ocorrida em 29.01.2009, foram as opoentes/executadas declaradas únicas e universais herdeiras do falecido.
3. A favor do falecido (…) e de (…) encontra-se registada, pelas Ap. nº (…) de 14.10.1986 e Ap. nº (…) de 28.11.1986 na Conservatória do Registo Predial de Palmela a aquisição de 3.522,30/106.064,30 e de 3.142,90/106.064,30 avos do prédio rústico sito na Freguesia da Quinta do (…), Concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o nº (…), correspondente a 21 (vinte e um) lotes de terreno nº 159 a 167, 189 a 197, 819, 821 e 844, respetivamente.
3. O referido prédio faz parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de (…).
4. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de (…) realizada em 23.03.2002 fez aprovar a comissão de administração.
5. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de (…), realizada em 27.03.2004, deliberou, além do mais, aprovar o orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis, no montante global de € 8.916.880,49 euros.
6. A assembleia geral deliberou ainda sobre a seguinte proposta:
«1 - Que seja adotada a seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote:
CL = (P+G+GO)*K+((T+IE)/STPT)*STPL, em que:
CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote;
P = Custo relativo à 1ª fase do processo (execução e aprovação dos projetos), no montante de € 762,66 (…), com IVA incluído;
G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67 (…), com IVA incluído, por cada mês, desde Julho de 2000 até à aprovação das contas finais;
GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95 (…), a que acresce o IVA em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão;
T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de Palmela pela realização das infraestruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente, sejam devidas;
IE = Custo de todas as infraestruturas a realizar;
STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respetivo alvará;
STPL = Área máxima de construção atribuída ao respetivo lote no alvará de loteamento;
K = Índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com a tabela em anexo.
2 - Que seja estabelecido o dia 30 de Abril do corrente ano como data limite para o pagamento dos custos adicionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado por esta assembleia, sem qualquer encargo adicional;
3 - Que seja estabelecido um prazo máximo de 30 dias meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos, desde que seja apresentado e aceite por esta Comissão no prazo de um mês um plano de pagamento e que, neste caso, que o valor em dívida sujeito a um encargo equivalente a 6% (…) ao ano.»
7. Consta o seguinte da ata da assembleia geral, logo após o texto da proposta referida no ponto anterior: «Apresentada esta proposta (…), face à indefinição quanto à STPL (área de construção) a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos comproprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área (s) de construção do (s) seu (s) lote (s) findo o qual se considerará a área prevista no atual projeto aprovado, atribuindo-se então o respetivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação».
8. As aludidas propostas foram aprovadas por maioria absoluta.
9. Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efetuou o cálculo relativo aos 21 (vinte e um) lotes a atribuir às opoentes/executadas com os nºs 159 a 167, 189 a 197, 819, 821 e 844 respetivamente, de acordo com a área de cada lote e a respetiva STPL pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.
10. Do referido cálculo resulta que a comparticipação das opoentes/executadas, com os custos de reconversão, ascende aos € 385.933,72 euros.
11. Dessa quantia, foi pago o valor de € 27.935,00 euros.
12. Foi enviada às opoentes/executada, na qualidade de herdeiras do comproprietário (…), uma carta datada de 25.11.2014, na qual a exequente solicitou o pagamento da quantia remanescente, no valor de € 347.099,00 euros no prazo máximo de 15 dias.
13. As opoentes/executadas não efetuaram o pagamento do valor constante da carta referida em 12.
14. A deliberação aprovada na assembleia geral de comproprietários de 27.03.2004 foi publicada no dia 05.04.2004, no jornal “(…)”.
15. Por edital de 30.07.2010, foi tornada pública a aprovação pela edilidade camarária da licença de loteamento, e respetivas alterações, referente à Reconversão da AUGI da Quinta do (…), por deliberação da Câmara tomada em reuniões de públicas de 13.12.2000, 18.10.2006 e 19.08.2009.
16. Por deliberação da Câmara Municipal de Palmela de 19.08.2009, foi aprovada a licença de loteamento e respetivas alterações, referentes à reconversão da AUGI da Quinta do (…).
17. Por carta datada de 25 de Agosto de 2009, enviada pela exequente ao comproprietário (…), foi este último informado da proposta de atribuição dos lotes de terrenos identificados em 3. dos factos assentes, devendo, no prazo de 15 dias manifestar a sua discordância caso não concordasse com a mesma – cfr. doc. nº 4 do articulado de contestação. 18. Por despacho exarado pelo Sr. Vereador do Pelouro em 19.07.2010, no uso da competência subdelegada pela Sra. Presidente da Câmara (através do despacho n.º 20/2009 de 23.11), foi deferido o licenciamento de obras de urbanização.

Mostra-se documentalmente provada a seguinte factualidade invocada no requerimento executivo:
- na Assembleia de Comproprietários de 27/03/2004 foi fixada como data limite para pagamento das comparticipações o dia 30 de Abril de 2004 (conforme resulta do n.º 6 dos factos provados, no seu ponto 2) – cfr. doc. nº 3 junto com o requerimento executivo;
- foi enviada aos Executados a carta datada de 25/11/2014 (doc. n.º 6 junto com o requerimento executivo) na qual foram determinados os coeficientes da fórmula aprovada e se procedeu à liquidação e ao cômputo dessa fórmula, interpelando para pagamento com aplicação concreta dos valores da fórmula aprovada na assembleia geral de comproprietários, com indicação do valor concreto que tinham de pagar;
- este cálculo foi efetuado utilizando a referida fórmula e considerando a licença de loteamento aprovada a que se refere o edital nº 03/DAU-GRACI/2010 de 30 de Julho de 2010 da Câmara Municipal de Palmela – cfr. doc. n.ºs 7 e 8 juntos com o requerimento executivo;
- os custos de reconversão dos lotes correspondentes à participação das embargantes na AUGI foram calculados pela aplicação desse critério, lote a lote, a 07/09/2017 – cfr. doc. n.º 8 junto com o requerimento inicial.

Mais resulta dos autos que:
- da ata de tentativa de conciliação consta que foi tentada a conciliação das partes, o que se revelou infrutífero, tendo sido lavrado o seguinte despacho: «Oportunamente abra conclusão a fim de ser proferida decisão de mérito sobre a oposição.»

B – O Direito

Da nulidade da sentença
As Recorrentes sustentam que a sentença enferma de nulidade por se ter incorrido na violação do regime inserto no art. 3.º, n.º 3, do CPC, já que o saneador-sentença consubstancia uma decisão surpresa. Para além disso, na referida diligência, não se deu cumprimento ao disposto no art. 594.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.
Os vícios processuais apontados contendem com nulidades processuais sujeitas ao regime inserto nos arts. 195.º e ss do CPC[1]. No entanto, vem-se entendendo que, por se encontrarem cobertas, ainda que de modo implícito, por decisão judicial, acabam por se projetar nela, por a inquinar, ferindo-a de nulidade[2] que consome a nulidade processual cometida, pelo que devem ser esgrimidas em sede do recurso interposto dessa decisão.[3] Efetivamente, «sempre que o juiz, ao proferir a decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade imposta por lei, o meio de reação da parte vencida passa pela interposição de recurso fundado na nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d)[4]. Afinal, nesses casos, (…), a parte prejudicada nem sequer dispôs da possibilidade de arguir a nulidade processual emergente da omissão do ato, não podendo deixar de integrar essa impugnação, de forma imediata, no recurso que seja interposto de tal decisão.»[5]
No caso em apreço, no entanto, está em causa a realização da tentativa de conciliação que, tendo sido tentada, não se alcançou. Foi, então determinada a conclusão dos autos para prolação de decisão de mérito sobre a oposição deduzida à execução. Perante tal anúncio não existe fundamento para afirmar ter sido proferida decisão surpresa. Por outro lado, estando as partes representadas nessa diligência e não tendo arguido qualquer nulidade, designadamente quanto ao âmbito da tentativa de conciliação, tem-se a mesma por sanada – cfr. art. 199.º, n.º 1, do CPC.
Termos em que se conclui não enfermar a sentença das apontadas nulidades.

Da junção de documento em sede de recurso e da redelimitação da AUGI pela Câmara Municipal de Palmela
Com vista a demonstrar que a Câmara Municipal de Palmela, a 05/12/2018, deliberou pela alteração da delimitação da AUGI do (…), ao que procedeu na sequência da aprovação de nova alteração à licença de loteamento de reconversão reduzindo a área de loteamento e a reconverter, as Recorrentes requerem a junção do documento que acompanha a alegação do recurso.
Nos termos do disposto no art. 651.º, n.º 1, do CPC, «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.» O art. 425.º do CPC, por sua vez, determina que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.»
A apresentação da prova documental encontra-se regulada desde logo no art. 423.º do CPC, nos seguintes termos:
«1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.»
Consagra-se, assim, o ónus de provar os factos alegados em fundamento da ação e da defesa e o dever de apresentar ab initio os documentos que os provem com o articulado em que a alegação seja feita. Não sendo junto o documento a par da alegação do facto probando, a admissão dele em momento posterior está condicionada ao regime legal citado.
Conforme vem sendo unanimemente apontado[6], da concatenação destas normas decorre que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excecional) depende da alegação e da prova, pelo interessado nessa junção, de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, alicerçada na remissão do art. 651.º, n.º 1, para o art. 425.º; (2) ter o julgamento da primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí, ao julgamento em primeira instância, se mostrava desfasada do objeto da ação ou inútil relativamente a este.
A superveniência dos documentos, que o apresentante tem de invocar e demonstrar, pode ser objetiva, nos casos em que o documento só foi produzido em momento posterior ao do encerramento da discussão, ou subjetiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desse momento. Estão, assim, em causa, documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, pelo que resulta afastada a admissibilidade da junção de documento que a podia e devia ter sido junto na 1.ª instância.
No caso em apreço, não se trata apenas da superveniência (objetiva) do documento mas ainda da superveniência do facto que o documento pretende demonstrar. A alteração da delimitação da AUGI do (…) pela Câmara Municipal de Palmela, implicando na redução da área de loteamento e a reconverter, ocorreu na pendência dos autos, após a tentativa de conciliação e de se ter determinado a conclusão para prolação de decisão de mérito. Por se tratar de factualidade que, na ótica das Embargantes, constitui fundamento para oposição à execução, dada a superveniência dela teria de ser esgrimida em juízo a coberto do disposto no art. 728.º, n.º 2, do CPC ou seja, no prazo de 20 dias a partir do dia em que ocorreu o facto ou dele tiveram conhecimento as Embargantes.
O recurso, que não se destina a apreciar questões novas[7], não constitui o meio adequado para invocar matéria da oposição que seja superveniente, pelo que não tem aqui cabimento a apreciação do impacto de tal deliberação camarária na execução.
Em face do que se indefere a requerida junção de documento, determinando-se o respetivo desentranhamento, condenando-se as Recorrentes em multa que se fixa em 0,5 (meia) UC – artigos 443.º do CPC e 27.º, n.º 1, do RCP.

Da falta de título executivo
As Recorrentes sustentam que a ata dada à execução como título executivo, para obter pagamento da quantia de € 357.998,72 acrescida de juros de mora vencidos nos últimos 5 anos, desde 2013, documentando a reunião da assembleia de comproprietários que reuniu a 27/03/2004, não constitui título executivo válido que alicerce a execução. Não obstante contenha os métodos e fórmulas de cálculo das comparticipações devidas pelos comproprietários nos custos de reconversão, não foi aprovado o mapa onde se discriminasse, lote a lote, o valor exato da comparticipação nesses custos.
O processo executivo alicerça-se no título executivo, no documento que lhe serve de base (cfr. art. 703.º do CPC), cabendo ao exequente instruir o requerimento executivo com cópia ou o original do título executivo (cfr. art. 724.º, n.º 4, do CPC). Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva – art. 10.º, n.º 5, do CPC.
Os títulos executivos são documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório para certificar a existência do direito do portador. O título executivo reside no documento e não no ato documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o ato documentado subsista, quer não)[8]. Trata-se do documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coativa da correspondente pretensão através de uma ação executiva; esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efetiva do seu direito à prestação (cfr. arts. 817.º e 818.º do CC).[9]
De entre os vários títulos que podem servir de base à execução constam «Os documentos que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.» – artigo 703.º, n.º 1, al. d), do CPC.
No âmbito da definição das competências da assembleia de proprietários ou comproprietários em sede de AUGI, estabelece-se que «A fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo.»[10]
É que «compete à assembleia acompanhar o processo de reconversão e fiscalizar os atos da comissão de administração, sem prejuízo das competências atribuídas à comissão de fiscalização.
Compete ainda à assembleia:
a) Deliberar promover a reconversão da AUGI;
b) Eleger e destituir a comissão de administração;
c) Eleger e destituir os representantes dos proprietários e comproprietários que integram a comissão de fiscalização;
d) Aprovar o projeto de reconversão a apresentar à câmara municipal, na modalidade de pedido de loteamento;
e) Avaliar a solução urbanística preconizada, na modalidade de reconversão por iniciativa municipal;
f) Aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º;
g) Aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, os orçamentos apresentados pela comissão de administração para a execução das obras de urbanização;
h) Aprovar o projeto de acordo de divisão da coisa comum;
i) Aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, as contas anuais e intercalares, da administração conjunta;
j) Aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, as contas finais da administração conjunta.»[11]
Decorre do exposto que, em ordem a implementar o projeto de reconversão da AUGI, à assembleia de proprietários ou de comproprietários incumbe, designadamente, aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações. De modo a que a ata revista a qualidade de título executivo, a mesma há de conter a deliberação que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, contemplando o valor da comparticipação que cabe a cada lote e a data em que é devida a entrega de comparticipação.
No caso em apreço, constata-se que:
- a ata dada à execução, respeitante à deliberação de 27/03/2004, contempla a aprovação do orçamento provisional das obras de urbanização, os métodos e formas de cálculo na comparticipação dos custos, estabelecendo como data limite para pagamento das comparticipações o dia 30 de Abril de 2004;
- foi enviada carta datada de 25 de agosto de 2009 ao comproprietário (...) contendo a informação da proposta de atribuição dos lotes de terrenos, concedendo o prazo de 15 dias para manifestar a sua discordância;
- foi enviada aos Executados a carta datada de 25/11/2014 na qual foram determinados os coeficientes da fórmula aprovada e se procedeu à liquidação e ao cômputo dessa fórmula, interpelando para pagamento com aplicação concreta dos valores da fórmula aprovada na assembleia geral de comproprietários, com indicação do valor concreto que tinham de pagar;
- este cálculo foi efetuado utilizando a referida fórmula e considerando a licença de loteamento aprovada a que se refere o edital nº 03/DAU-GRACI/2010 de 30 de Julho de 2010 da Câmara Municipal de Palmela;
- os custos de reconversão dos lotes correspondentes à participação das embargantes na AUGI foram calculados pela aplicação desse critério, lote a lote, a 07/09/2017.
Este quadro circunstancial revela que apenas em 07/09/2017, considerando a licença de loteamento aprovada em 2010 pela Câmara Municipal de Palmela, se calcularam os custos de reconversão correspondentes aos lotes atribuídos, em 2009, a (…), aplicando-se, é certo, os coeficientes da fórmula aprovada na assembleia que reuniu a 27/03/2004.
Por conseguinte, é manifesto que a deliberação tomada a 27/03/2004 não consubstancia a determinação para pagamento de verba concreta e precisa, não determina o montante a pagar por cada comproprietário, indefinidos que estavam os lotes a atribuir a cada um deles, sendo certo que apenas na sequência da aprovação da licença de loteamento em 2010 é que se vieram a calcular concretos custos de reconversão por cada lote. A aprovação do orçamento provisional das obras de urbanização e dos métodos e fórmulas de cálculo, definindo-se o prazo de 30 dias para a entrega das comparticipações, sem aprovação do mapa donde se alcance a comparticipação devida por cada lote, e sem que estejam definidos os concretos lotes que cabem a cada comproprietário, não consubstancia título que contemple os itens necessários ao apuramento da quantia exequenda. Não constitui título executivo para cobrança de comparticipações nos custos de reconversão.[12]

O que implica na extinção da execução, dada a procedência do recurso e, por via disso, a procedência dos embargos (arts. 729.º, al. a), 731.º e 732.º, n.º 4, do CPC), resultando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

As custas recaem sobre a Recorrida – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, determinando-se a extinção da execução.
Custas pela Recorrida.
Évora, 2 de Maio de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Neste sentido, entre muitos outros, Ac. TRL de 15/05/2014.
[2] Cfr. Ac. STJ de 22/02/2017.
[3] Cfr. Acs., entre outros, TRL de 11/01/2011, STJ de 13/01/2005, TRP de 18/06/2007, TRE de 10/04/2014.
[4] Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, no caso da decisão-surpresa, proferida inobservando o princípio do contraditório, a nulidade processual é consumida pela nulidade da sentença por excesso de pronúncia prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não podia conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão – cfr. artigos publicados no blogippc.blogspot.pt, entre os quais “Dispensa da audiência prévia e observância do dever de consulta”.
[5] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, 2016, p. 25.
[6] Cfr. Acs. TRC de 18/11/2014 (Teles Pereira); TRP de 21/11/2016 (Manuel Domingos Fernandes), entre outros.
[7] Salvo questões de conhecimento oficioso.
[8] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 78 e 79.
[9] Ac. STJ de 14/10/2014 (Fernandes do Vale).
[10] Cfr. art. 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro.
[11] Cfr. art. 10.º, n.ºs 1 e 2, da citada Lei.
[12] Neste sentido, cfr. Ac. TRL de 09/07/2015 (Anabela Calafate), Ac. TRL de 24/11/2016 (Ezaguy Martins).