Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3237/19.5T8ENT-C.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: VENDA JUDICIAL
SUSPENSÃO DAS DILIGÊNCIAS PARA DESOCUPAÇÃO E ENTREGA DO IMÓVEL
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O artigo 6.º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 16/2020, de 29/05, obriga à suspensão da venda judicial de um imóvel se o rendimento relevante dos executados é proveniente de uma atividade comercial que é exercida no imóvel cuja venda se pretende realizar, se a suspensão foi requerida com esse fundamento e se não causa grave prejuízo à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 3237/19.5T8ENT-C.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: Banco (…), S.A.

Recorridos: (…), (…) e (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 1, no âmbito da execução ordinária proposta pelo recorrente contra os recorridos, foi proferido o seguinte despacho:
A propósito do teor da resposta oferecida pelo exequente sob a ref.ª 7128240, de 28-09-2020, há que fazer notar, para que não passe aqui eventualmente em claro, a circunstância de, pese embora através do despacho proferido no âmbito do Apenso A sob a ref.ª 84171227 se tenha indeferido o pedido de suspensão do prosseguimento da execução sem prestação de caução, não menos certo é que desde logo se acrescentou que tal decisão não prejudicava a apreciação do requerimento deduzido nestes autos principais sob a ref.ª 6917484, de 23-06-2020, a qual ainda se mostra pendente.
Deste modo, e porque os pedidos de suspensão em causa não assentam nos mesmos pressupostos, não vislumbramos razões para que o exequente invoque o caso julgado formal decorrente da sobredita decisão proferida no apenso de oposição à execução.
Dito isto:
Por intermédio do aludido requerimento a que se reporta a ref.ª 6917484, de 23-06-2020, vieram os executados, com os fundamentos que se consideram reproduzidos, requerer que seja decretada «a suspensão da tramitação executiva ou até que tal suceda, possa ordenar à Sra. agente de execução, que se abstenha de praticar atos inerentes à venda do bem penhorado, vistos os fundamentos aduzidos em sede de embargos de executado e fundamentos aduzidos quanto ao pedido de suspensão da tramitação da execução até que sejam decididos os embargos de executado.
Mais se requer ainda V. Ex.ª caso não procedam os pedidos anteriores possa ser decretada a suspensão da prática de atos de venda nos presentes autos de execução, nos termos do que dispõe o n.º 7 do artigo 6.º-A aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março pelo artigo 2.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, na medida em que são suscetíveis de causar prejuízo à subsistência dos executados, considerando que ali é desenvolvida atividade que lhes confere os necessários meios de subsistência».
Notificada nos termos do artigo 221.º do Código de Processo Civil, a exequente não respondeu.
Entretanto foi proferido o despacho plasmado na ref. ª 84568229, determinando a notificação dos executados/requerentes para «alegarem factos materiais e objetivos dos quais possa eventualmente emergir o alegado (em termos claramente conclusivos) prejuízo para a sua subsistência, sendo manifestamente insuficiente para o efeito referir apenas que no imóvel em causa é desenvolvida atividade que lhes confere os necessários meios de subsistência».
Correspondendo ao convite, sob a ref. ª 7098126 (de 16-09-2020) alegaram o seguinte:
«1. Resulta do douto despacho de 7 de setembro de 2020, 1.ª parte, que devem os executados no prazo de 5 dias alegar factos materiais e objetivos dos quais possa eventualmente emergir o alegado prejuízo para a sua subsistência.
2. Nesse sentido, quanto ao executado (…), junta-se declaração de IRS relativa ao exercício de 2019, apresentada no decorrer do presente ano, devidamente validada, evidenciando o rendimento anual ilíquido de € 4.401,52 – Doc. 1.
3. Adicionalmente, faz ainda o executado prova do vencimento mensal dos últimos dois meses, julho e agosto – Doc. 2.
4. Quanto ao executado (…) é menor, não aufere qualquer rendimento, e faz parte do agregado familiar de (…) – Quadro 6 da declaração de IRS – Dependente com o NIF (…).
5. Quanto à executada (…) é pensionista, aufere o valor anual de € 5.333,62 e está dispensada da apresentação de IRS – Doc. 3.
6. Conforme resulta demonstrado os rendimentos auferidos por dois dos executados são bastante precários, impossibilitando-os de prestar qualquer caução nos autos de execução, daí o pedido de ab initio de suspensão da execução em sede de embargos de executado.
7. Reiteram os executados, que, se o próprio teor dos embargos apresenta questões com relevância jurídica, devidamente comprovadas, não se vislumbra que urgência ou que efeito útil, tenha sido fundamentado pela exequente, para que a tramitação da execução possa prosseguir, alheada dos direitos que assistem os executados, designadamente, entre outras questões suscitadas, de relevância alta, também o valor da divida e consequente calculo dos juros de mora, sendo certo que a procederem os argumentos aduzidos pelos executados, é desproporcionada a venda, face ao valor da dívida que existia à data da sentença de 10 de Agosto de 2015, produzida nos autos a que corresponde o processo n.º 36/14.4TBACN-A, no valor de € 30.449,19, tendo por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora – Processo n.º 36/14.4 TBACN.E1 sido declarada a deserção da instância executiva por falta de impulso processual do Banco exequente.
8. Caso V. Ex.ª entenda pela não suspensão da tramitação da execução requerida em sede de embargos de executado, o que, com o devido respeito, não se alcança, reiteramos, nos termos do que dispõe o n.º 7 do artigo 6.º-A aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, pelo artigo 2.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, possa ser decretada a suspensão da prática de atos de venda nos presentes autos de execução, na medida em que são suscetíveis de causar prejuízo à subsistência dos executados, considerando que no imóvel é desenvolvida a única atividade que lhes confere os meios de subsistência, pois não dispõem de outros.
Termos em que se reitera junto de V. Ex.ª tudo o que foi aduzido em sede de embargos de executado, no que se refere ao pedido de suspensão, e ainda tudo o que foi aduzido no pedido apresentado aos autos em 23 de junho de 2020».
Desta feita a exequente respondeu (ref. ª 7128240, de 28-09-2020), concluindo pela improcedência da pretensão dos executados.
Em decorrência do despacho proferido em 27-10-2020 sob a ref. ª 85040920 foi junta informação de acordo com a qual a sociedade (“… Restauração e Bebidas Unipessoal, Lda.”) emitente dos recibos de vencimento relativos ao executado (…) tem sede na Av. ª (…), lote 5, r/c, Esq., 2380-014 Alcanena (ref. ª 85096834, de 30-10-2020), não tendo efetuado qualquer cessação de atividade para efeitos de IVA e IRC (ref. ª 7232472, de 04-11-2020).
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Cumpre apreciar e decidir:
Sendo certo que os factos relevantes emergem do relatório supra, há em primeiro lugar a salientar que, através de despacho prolatado em 07-08-2020 (sob a ref. ª 84171227) no âmbito do Apenso A de oposição à execução deduzida por todos os executados, foi decidido indeferir o pedido de suspensão do prosseguimento da execução sem prestação de caução.
Tal despacho não foi sindicado, para além do que era aquela a sede própria para conhecer da questão em causa, não fazendo por isso qualquer sentido, salvo o devido respeito, estar a respigá-la nestes autos principais.
Em segundo lugar, resulta do disposto no artigo 6.º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2020, de 29/05, que “(n)os casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente mo prazo de 10 dias, ouvidas as partes”.
Ora, na situação dos autos, e de acordo com o vertido na sobredita ref. ª 7098126, apenas um dos executados (…) tem rendimentos provenientes do trabalho, sendo certo que a executada (…) é pensionista.
Tais rendimentos provenientes do trabalho têm origem em sociedade cuja sede corresponde à morada do imóvel objeto dos autos.
Acompanhando as judiciosas considerações tecidas por José Joaquim Martins [(De novo a) Lei n.º 1-A/20200 – uma terceira leitura (talvez final?), Julgar Online, maio de 2020, pp. 21 a 23], estamos perante uma nova “válvula de escape” que pode impedir a prossecução dos processos executivos ou de insolvência «quanto (e só) a “vendas e entregas judiciais de imóveis” (que não sejam também casa de morada de família, dado que aí se aplicaria antes o número anterior)».
Para tanto, «o executado/insolvente deve alegar que a venda ou entrega judicial do imóvel poderá colocar em causa a possibilidade de assegurar os seus “mínimos meios de subsistência futura, maxime, para se alimentar, pagar as despesas mensais essenciais” do executado/insolvente e do seu agregado familiar, “o que só em concreto poderá ser aferido e apreciado”».
(…)
O legislador parece ter querido garantir que, até ao final desta “situação excecional”, o executado/insolvente (e o seu agregado familiar) não vê colocada em causa a obtenção do rendimento mínimo indispensável para a sua sobrevivência, até porque dificilmente teria qualquer possibilidade de obter outros rendimentos no presente contexto existencial».
Imagine-se, por exemplo, e ainda de acordo com o mesmo citado autor, «que o executado explora um estabelecimento comercial no imóvel a vender ou entregar e que dessa exploração retira todo o rendimento para se sustentar a si e à sua família».
Regressando à situação dos autos, está precisamente demonstrado que o executado (…) retira do estabelecimento comercial explorado no imóvel objeto dos autos o seu único rendimento proveniente do trabalho.
Deste modo, caso se concretize de imediato a venda do imóvel, é altamente provável que fique privado desse único meio de sustento do agregado familiar constituído por si e pelo co executado, ainda menor, (…).
Na verdade, e de acordo com a declaração de IRS junta relativa ao ano de 2019, são esses os dois únicos elementos do agregado familiar em causa.
Não descoramos que, quanto à executada (…), a mesma é pensionista, auferindo o valor anual de € 5.333,62, o que significa que não tem aderência à realidade a invocada circunstância de também depender da atividade que é desenvolvida no imóvel.
Ainda assim, também nada nos autos permite que se recorra à pensão de reforma auferida por esta para prover à subsistência do agregado familiar dos dois outros executados, podendo até facilmente intuir-se que, mesmo nesse caso, tal valor de pensão (correspondente a uma média mensal de cerca de € 444,00) seria insuficiente para garantir uma subsistência mínima dos três executados.
Por último, não podemos deixar de salientar que, até por se tratar de uma instituição financeira, a pretendida suspensão não se nos afigura suscetível de causar prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável na satisfação da pretensão executiva, sendo certo que o exequente, alegando embora ter o seu crédito em incumprimento desde 2015, apenas instaurou a presente execução em 02-10-2019 (cfr. ref. ª 6285923, de 05-10-2019).
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Na defluência de todo o exposto, decido determinar a suspensão, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2020, de 29/05, dos atos de venda da fração autónoma designada pela letra A, destinada a estabelecimento de restauração e bebidas para instalação de pizzaria, designado pelo n.º 1, com arrecadação (n.º 1) e garagem (n.º 5) ambas na cave, sita na Avenida (…), n.º (…), na freguesia e concelho de Alcanena, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial da Alcanena sob o número (…), Fração A e inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de Alcanena e Vila Moreira sob o artigo (…), Fração A.
Notifique de imediato (incluindo a Sra. Agente de execução).
Entroncamento, 16-11-2020

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Não se conformando com o decidido, o Banco (…), S.A. apelou formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

I. A douta decisão recorrida não deve manter-se pois não consagra a justa e correta aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos aplicáveis.

II. A quantia exequenda encontra-se garantida por hipoteca genérica constituída sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial Alcanena sob o n.º (…).

III. O Tribunal a quo determinou a suspensão, nos termos do disposto no artigo 6.º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2020, de 29/05, dos atos de venda do imóvel penhorado.

IV. Afigura-se ao Recorrente que a aliás douta decisão recorrida, ao determinar a suspensão dos atos de venda do imóvel penhorado, violou precisamente o disposto no artigo 6.º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2020, de 29/05.

V. Na opinião do Exequente, a Lei n.º 16/2020, de 29/05 não se aplica ao caso sub judice.

VI. A lei em vigor destina-se a proteger o devedor de execuções que são instauradas ab initio e apenas durante o tempo de vigência da lei aqui em análise, nas quais são executadas hipotecas constituídas sobre imóveis, desde que esses imóveis constituam habitação própria e permanente do executado.

VII. Conforme a própria lei se descreve a si própria, esta visa medidas excecionais e temporárias de resposta à situação de pandemia motivada pela doença Covid-19.

VIII. Sucede, porém, que a presente ação executiva foi instaurada em outubro de 2019, sendo certo que o incumprimento remonta a 02/01/2014.

IX. Em janeiro de 2014 não existia o coronavírus SARS-CoV-2 nem a doença Covid-19, pelo que a instauração da presente ação foi feita de forma legítima face ao incumprimento por parte dos Executados das responsabilidades bancárias assumidas perante o Banco Exequente.

X. O legislador não pretendeu impedir o regular andamento das ações instauradas em período anterior à publicação e vigência da lei.

XI. A lei atualmente em vigor apenas se destina a definir as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus.

XII. O incumprimento por parte dos Executados das responsabilidades assumidas perante o Banco Exequente e que constituem o objeto da presente ação executiva – a dívida exequenda – não pode ser atribuído ao coronavírus SARS-CoV-2 e à doença Covid-19.

XIII. Ao aplicar-se a lei em questão a todas as ações executivas em curso, impedindo-se os Exequentes de promover os atos próprios e legítimos de uma ação executiva, estar-se-ia apenas a proteger – ainda que sem fundamento – o devedor, o que tem o revés imediato de prejudicar, gravemente e sem motivo que o justifique, o credor.

XIV. Mesmo que assim não se entenda e se aplique a Lei ao caso em apreço, sempre se dirá que a “regra” é o prosseguimento normal das diligências de venda dos imóveis, na medida em que não existe qualquer impedimento ou suspensão geral de prazos para a prática de atos processuais e procedimentais.

XV. Sendo certo, pois, que, decorridos mais de 6 anos desde a data do incumprimento dos contratos de mútuo celebrados, os Executados mantêm-se ilegitimamente a ocupar o imóvel, de modo gratuito, mediante o recurso a diversas manobras dilatórias.

XVI. De facto, compulsados os autos, resulta claramente demonstrado que os Executados não alegam factos suficientes que permitam enquadrar a sua situação no regime excecional.

XVII. É inaceitável a situação dos Executados, que devidamente informados e conscientes do incumprimento, continuam a criar expedientes dilatórios com vista a eximirem-se ao cumprimento das obrigações assumidas perante o Banco Recorrido e, bem assim, a protelar no tempo um processo judicial.

XVIII. Nesta conformidade e atendendo a todo o exposto, é forçoso concluir que deveria o Tribunal a quo ter indeferido a suspensão requerida pelos Executados, mantendo em curso as diligências de venda do imóvel penhorado.

XIX. O douto despacho de que ora se recorre, violou o disposto no artigo 6.º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2020, de 29/05, motivo pelo qual deve ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento das diligências de venda do imóvel penhorado.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se o douto despacho recorrido e, em conformidade ser ordenado o prosseguimento das diligências de venda do imóvel penhorado.

Assim, se fará, como sempre, inteira justiça.


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I- A exequente defende na sua apelação que a decisão de suspensão decretada pelo Mmº Juiz a quo, quanto a atos de venda do imóvel penhorado nos presentes autos viola o artigo 6.º-A, n.º 7.

II-Alega que a norma apenas se aplica a execuções em que esteja em causa imóvel destinado a morada de família, quando a norma prevê também situações relacionadas com imóveis onde seja desempenhada atividade económica de subsistência.

III- Não se percebe honestamente como pode a exequente alegar que a norma só tem esse âmbito de aplicação, quando a exequente transcreveu na sua apelação a norma de forma integral, sendo indubitável o que está expresso.

IV- O teor da norma é claro, mas nem por isso a exequente deixou de ultrapassar o que está bem expresso e à vista de todos, para gizar interpretações meramente assentes na subjetividade.

V- Alega também a exequente que a lei apenas prevê a suspensão de atos em execuções que tenham sido interpostas após a entrada em vigor dessa mesma lei.

VI- Tal não colhe, por ser claro que a lei não distingue as execuções quanto ao tempo da sua interposição, nem no n.º7 do artigo 6.º-A, nem no seu n.º1 onde se prevê acerca de “diligências a realizar em processos que corram…”

VII- Ou seja, o legislador elaborou previsões para os processos que “corram” e não apenas para os que viessem a correr após a promulgação da lei.

VIII- Se a intenção do legislador fosse a que se defende na apelação, não deixaria de estar bem expresso que apenas ficariam suspensos tais atos, nas execuções instauradas a partir da entrada em vigor da lei.

IX- O elemento literal da norma é ultrapassado pela exequente que nega o que ali está expresso, e o teleológico é erroneamente apreciado, ao atribuir ao legislador uma intenção que não corresponde à real.

X- Entendeu o legislador que os resultados derivados de certos atos executórios, poderiam neste contexto de SARS-COV-2 revelar-se mais fraturantes que os que pudessem ocorrer em circunstâncias normais.

XI- A previsão normativa é por isso ampla, não distinguindo execuções ou atos nestas contidos, quanto ao momento temporal que marca a interposição da execução.

XII-Em resposta ao requerimento dos executados fundado no artigo 6.º-A, n.º 7, que peticionou a suspensão do ato de venda, a exequente pôde exercer o seu contraditório aos factos e à prova carreada, e não conseguiu colocar em crise as alegações dos demandados.

XIII- Acaba a apelar apenas alicerçada na sua inaudita interpretação de conveniência, que salvo melhor opinião, não encontra qualquer paralelo com a letra e espírito da norma.

Termos em que, baseando-se a presente apelação em exercícios interpretativos sem qualquer sustentação, e sem que nada de crucial tenha sido alegado pela exequente na esteira do contraditório que já havia exercido, deverão os Venerandos Desembargadores decidir, salvo melhor opinião, pela improcedência da apelação interposta, podendo assim manter a decisão recorrida, por ser aquela que protege a legalidade, assim se crê.


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Foram dispensados os vistos.

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A questão que importa decidir é a de saber se, em face da factualidade alegada, devem ser suspensos os atos de venda do imóvel penhorado, ao abrigo do disposto no artigo 6.º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2020, de 29/05.
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A matéria de facto a considerar é a que consta do Relatório Inicial.
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Conhecendo.

Alega a recorrente que, à venda do imóvel em causa nos autos, não se aplica a suspensão prevista no artigo 6.º-A, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2020, de 29/05.
O primeiro argumento é o de que, no momento em que a ação executiva foi proposta – outubro de 2019 – não se encontrava em vigor o referido regime legal, nem, tão pouco, na data em que se verificou o incumprimento – 02-01-2014.
O segundo argumento é o de que, a aplicar-se o regime da suspensão legalmente previsto, estar-se-ia a proteger o devedor e, sem motivo que o justifique, a prejudicar o credor.
Concluiu defendendo que a suspensão da venda executiva decretada pelo tribunal a quo violou o referido preceito legal.
É a seguinte a norma legal:
«Artigo 6.º-A
Regime processual transitório e excecional
7 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.
A lei entrou em vigor no quinto dia seguinte à sua publicação, que ocorreu em 29-05-2020.
Quanto à circunstância de o citado preceito legal não se encontrar em vigor no momento da propositura da ação executiva (outubro de 2019), deve atender-se ao que dispõe o n.º 1 do artigo 6.º-A:
1 — No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.
Ou seja, todos os processos que corriam termos nos tribunais judiciais – como é o caso da ação executiva de que tratam os presentes autos – passam a reger-se pelas normas do artigo citado e, quanto às diligências de venda executiva, ficam suspensas se:
- A venda for suscetível de causar prejuízo à subsistência do executado;
- Que a suspensão tenha sido por este requerida com este fundamento e
- Que a suspensão da venda não cause grave prejuízo à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável.
Ora, o processo em análise encontrava-se pendente após a entrada em vigor das referidas normas legais, pelo que lhe é aplicável o que dispõe o nº. 7 – pode ser requerida a suspensão da venda.
Quanto à desproporcionada proteção do devedor e a desproteção do credor, resultou da matéria de facto provada que apenas um dos executados tem rendimentos provenientes do trabalho, sendo a segunda pensionista e auferindo € 444,00 mensais.
Os rendimentos do trabalho, por sua vez, são auferidos da atividade comercial de uma sociedade cuja sede é precisamente no imóvel cuja suspensão da venda judicial foi requerida.
Ora, tendo em consideração que, terminando a atividade comercial por força da venda do imóvel os executados teriam para a sua subsistência a quantia mensal de € 444,00, quantia que é manifestamente insuficiente para prover ao seu sustento porque inferior ao salário mínimo nacional, o argumento da proteção excessiva do devedor não pode prevalecer porque o escopo da lei é esse mesmo – proteger.
Assim sendo, tendo ainda em conta que a suspensão da venda foi requerida pelo executado com o fundamento referido e que a suspensão não causará grave prejuízo à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável – porque de entidade bancária de dimensão internacional se trata – podendo a venda ocorrer logo que a lei seja revogada, a apelação deve improceder na totalidade.
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Sumário:

(…)


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma decisão recorrida.

Custas pela recorrente – artigo 527.º do CPC.
Notifique.

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Évora, 15-09-2022

José Manuel Barata (relator)

Rui Machado e Moura

Emília Ramos Costa