Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1639/11.4TBTMR.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: SUSPEIÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DOLO
SEGURO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- findo que esteja o incidente de suspeição deduzido contra o juiz da causa, se a suspeição for desatendida, o mesmo juiz continua a intervir no processo, realizando a audiência final a que haja lugar e prolatando a sentença que ao caso couber;
II- tendo a ação por objeto o direito de indemnização alicerçado na conduta ilícita e dolosa do R, este tem legitimidade para ser demandado sem que haja lugar à intervenção na lide da sociedade seguradora, com quem o R firmou contrato de seguro de responsabilidade civil decorrente da sua atividade profissional de advogado com vista a assegurar o pagamento de prejuízos que resultem para terceiros de condutas negligentes do R;
III- a prescrição, constituindo uma exceção que não é de conhecimento oficioso, carece de ser invocada pela parte que dela aproveita;
IV- por via do princípio da concentração da defesa, a arguição da exceção da prescrição há de fazer-se no âmbito da contestação apresentada no processo.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Réu: AA

Recorrido / Autor: BB

Trata-se de uma ação declarativa por via da qual o A pretende obter a condenação do R a pagar-lhe a quantia de €35.000 a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, danos esses decorrentes da conduta ilícita e culposa do R.


II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue:
“ (…) julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se AA a pagar a BB a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento.

Custas a suportar por A. e R. na proporção do decaimento.”

Inconformado, o R apresenta-se a interpor recurso pugnando pela revogação da sentença por nulidade absoluta por violação dos art.ºs 611.º, 612.º, 615.º, 499.º do CPC e ainda dos preceitos criminais previstos e punidos pelo CPP no que respeita à ofensa à honra e consideração da parte e prevaricação do julgador.

Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes e concretos termos:
“1 - A pratica de crimes pelo julgador para obter sentença a favor de alguém com motivações estranhas não pode permitir essa atividade jurisdicional, que uma vez impugnada deve ser de imediata suspensa.
2 - Tendo conhecimento que contra si foi intentada queixa crime por praticas ILlCITAS e mesmo criminosas, não pode, não deve o julgamento continuar com esse magistrado, exceto se quiser realizar como realizou a Prevaricação.
3 - Ocultar os fatos reais ao TRE para disfarçar a sua atividade ilícita e deste modo sujeitar um Magistrado superior a processo crime é muito grave e devia ter determinado a imediata intervenção do CSM.
4 - Os crimes denunciados estão em investigação de devem determinar a Prejudicialidade do processo cível ao momento em que tal denuncia foi feita SENDO anulado tudo o que desde então se passou.
5 - Exercer o terror e ameaça durante o julgamento contra a parte e suas testemunhas para ficar sozinho com o A e sus testemunhas e cozinhar o julgamento, para alem de Prevaricação, não tem o menor acolhimento na CRP que é democrática e tem a soberania do povo e não da Idade Média ou da ditadura fascista.
6 - Tendo o R atuado em nome e no interesse dos seus clientes por causa destes fatos; Invocando a sua defesa contra denuncia caluniosa que o MP não conheceu e devia, é o R parte ilegítima pois não tem interesse nesta demanda. Ainda que assim se não entendesse e existindo seguro de responsabilidade profissional , devia a seguradora ser citada para contestar querendo.
7 - Existe Caducidade para a Acão, pois que passaram VARIOS anos depois dos fatos CAUSA de Pedir e a sentença criminal não constitui causa de pedir, nem ali foi formulado pedido cível.
8 - Este julgamento e este processo deve ser de imediato ANULADO e aguardada a decisão do STJ sobre o crime de denegação de justiça e do TREvora e do TRLisboa sobre os crimes imputados ao juiz impugnado e denunciado com ou sem associação criminosa com o Jose MARTINS e outros, denunciados no processo 407/13.3TSLSB.”

O Recorrido apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deve improceder na totalidade, confirmando-se a sentença recorrida. Aponta, em conclusão, os seguintes fundamentos:
1. “O aqui Recorrente veio interpor recurso da sentença proferida no Tribunal a quo, pugnando pelo provimento do recurso interposto.
2. Para tanto, invoca o Recorrente nas suas alegações de recurso, a prejudicialidade da sentença e caducidade do processo.
3. Alega o Recorrente que existindo contra o Juiz do Tribunal a quo, queixa-crime, não deveria este ter continuado o Julgamento, enquanto tais factos não fossem objeto de decisão do Tribunal da Relação de Évora.
4. O Recorrido não é do mesmo entendimento do Recorrente, isto porque quando o Recorrido suscitou incidente de suspeição do Juiz do Tribunal a quo, já na pendência do Julgamento, a respetiva diligência só teve continuidade após a suspeição suscitada ser julgada improcedente.
5. O Juiz do Tribunal a quo estava devidamente legitimado para proferir a decisão que foi tomada, ou de qualquer outra decisão que pudesse vir a ser proferida.
6. Pelo que a prejudicialidade invocada pelo aqui Recorrente não pode nem é causa adequada a inverter uma decisão judicial que foi efetivada de forma legítima.
7. No que diz respeito à caducidade invocada pelo Recorrente, não assiste igualmente qualquer razão ao Recorrente.
8. Salvo melhor entendimento, estamos perante uma responsabilidade civil por factos ilícitos.
9. A ação intentada contra o aqui Recorrente e que deu origem aos presentes autos, cuja sentença recorreu o aqui Recorrente, teve como causa de pedir o direito a uma indemnização a título de danos não patrimoniais causados pela prática de um crime de difamação a que o Recorrente foi condenado.
10. In casu, estamos perante uma prescrição e não no âmbito de uma caducidade.
11. A prescrição não é de apreciação oficiosa, pelo que deveria ter sido arguida pela parte que lhe conferia esse direito.
12. A caducidade, embora de apreciação oficiosa, não é o meio jurídico idóneo para o tipo de ação que comporta a causa de pedir.
13. Pelo que deverá improceder a caducidade invocada pelo Recorrente.”

Assim, atentas as conclusões da alegação apresentada pelo Recorrente[1], são as seguintes as questões a decidir:
- da ilegalidade decorrente da realização integral da audiência final;
- da ilegitimidade do R na ação;
- da falta de citação da seguradora a coberto do seguro de responsabilidade civil profissional;
- da caducidade da ação;
- da sustação do presente processo até decisão final pelo STJ sobre os crimes denunciados no proc. n.º 407/13.3TSLSB.


III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª instância

Na sentença de fls. de fls. 2620 e ss
1. O A. foi vítima de tentativa de homicídio no dia 26 de Junho de 2006, tendo sido atingido por dois tiros de arma de fogo, tendo sido proferido acórdão que condenou os executantes do crime, e que transitou em julgado a 04-05-2009;
2. O A. apresentou queixa-crime contra o R. nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca, que deu lugar ao Proc. n.º 390/08.7TATMR;
3. Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular n.º 390/08.7TATMR, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação, que transitou em julgado a 23-11-2011, o aqui R., foi condenado pela prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias, à razão diária de 10 euros, perfazendo o total de 2.400,00 euros;
4. Nesse processo provaram-se os seguintes factos, com base nos quais foi o aqui R. e aí arguido condenado por tal crime:
1) O arguido escreveu a carta junta aos autos a fls. 8 ao Jornal para ser publicada.
2) Na referida carta pode ler-se “E convenhamos que este atentado que o Sr. BB diz que recebeu foi muito útil neste contexto” e que “estranhamente pseudo profissionais dispararam duas vezes e não só não mataram como tiveram o cuidado de disparar para onde era impossível matar”.
3) Mais escreveu que “Como amigo desse jornal e dos seus responsáveis hesitei durante longo tempo neste exercício constitucional”.
4) A carta foi publicada na edição de 20 de Dezembro de 2007;
5) Em face do teor da carta publicada, os leitores começaram a duvidar que o assistente tivesse sido vítima da tentativa de homicídio.
6) O arguido é advogado e conhecido na zona.
7) O arguido, quando escreveu o excerto da carta transcrita em 2), sabia que faltava à verdade porque conhecia o teor da perícia médica, que os disparos visavam zonas vitais do corpo e que só por factores estranhos à vontade dos executantes o assistente não faleceu, e que essa “informação” ofendia a honra, o bom nome, a consideração pessoal e o enxovalhava socialmente.
8) Ao escrever e pedir a publicação da carta referida em 1), o arguido quis passar para a opinião pública a ideia de que o assistente não fora vítima de uma tentativa de homicídio, que antes se tratou de uma jogada do assistente, encenada para beneficiar nos processos que é parte contra os clientes do arguido.
9) O arguido quis livre, deliberada e conscientemente passar para a opinião pública informações que sabia serem falsas, de modo a prejudicar a imagem, a credibilidade e a honorabilidade do assistente, o que conseguiu, fim quis atingir, como atingiu.
10) Sabia que a sua conduta era proibida e criminalmente punida.
11) O assistente tem um conflito com CC e DD, clientes do arguido, em vários processos a correr termos nos tribunais, por questões relativas a relações societárias, na actividade da construção civil.
12) O assistente denunciou os referidos clientes junto da Câmara Municipal, do IMOPPI, da Câmara Municipal e dos Serviços do Ministério Público, pela prática de violação de lei que regula a actividade das empresas de construção civil, nomeadamente o uso de alvarás de construção alheios, emprestados ou alugados e pela prática de crimes de fraude fiscal na venda de imóveis.
13) Os referidos clientes do arguido propuseram acções cíveis contra o assistente.
14) Em Julho de 2006, o assistente foi vítima de uma tentativa de homicídio, tendo sofrido dois tiros, disparados à queima-roupa, de caçadeira de canos serrados, quando estava ao volante do seu automóvel, na rua onde tinha o seu escritório.
15) A Polícia Judiciária conseguiu identificar os indivíduos que foram os executantes materiais da tentativa de homicídio.
16) Durante a fase de inquérito, os dois executantes materiais da tentativa de homicídio confessaram que a morte do assistente fora encomendada por um individuo que adquiriu a quota social do queixoso na empresa “EE Construções, Lda.”, o FF, tendo como intermediário um amigo desse individuo de nome GG.
17) O assistente, durante a fase de inquérito, denunciou EE e DD, clientes do arguido.
18) Estes foram constituídos arguidos e em 11-12-2007 constituíram como seu defensor nos autos o arguido AA.
19) Foi realizada durante o inquérito, uma perícia médico-legal feita ao assistente.
20) Nessa perícia médica legal são indicadas as lesões provocadas no corpo do assistente pelos dois disparos de arma de fogo, produzidos a distância não superior a dois metros: o primeiro atingiu o assistente na região abdominal e torácica, fazendo-o tombar para o banco do passageiro e o segundo na região lombar esquerda, tendo sido considerado que “atento o instrumento empregue e a região do corpo atingida, que aloja, como é sabido, órgãos essenciais à vida, as lesões traumáticas resultantes da ofensa, por si só, revelam-se idóneas para poderem produzir a morte do ofendido e de lhe causarem uma situação de perigo para a vinda”. Do evento resultou, em concreto, perigo para a vida do(a) examinado(a)”.
21) Na publicação da carta identificada em 1), dirigida ao Director do Jornal, é feita a menção “Direito de Resposta”, está intitulada como “A propósito da tentativa de homicídio de BB” e, antes da redacção cuja autoria é imputada ao arguido é referido “Na sequência da publicação da notícia sobre a tentativa de homicídio do empresário BB, ao advogado AA dos dois arguidos no processo enviou-nos o seguinte texto”.
22) Foi publicado no Jornal, na edição de 22 de Novembro de 2007, uma notícia na qual se descreve o modus operandi dos agentes executores, se refere que à data se encontravam em prisão preventiva.
23) Na mesma notícia, o assistente refere as causas do crime de homicídio na forma tentada como tendo origem nas denúncias efectuadas junto das Câmaras Municipais e junto do IMOPPI e Inspecção do Trabalho por concorrência desleal dos seus ex-sócios.
24) Refere-se ainda que a partir de 1999, começaram a ser constantes as divergências entre os sócios da sociedade de Construções EE e que o assistente, tendo vendido a quota que detinha na sociedade por procuração outorgada a advogado, tendo o mesmo substabelecido nos restantes sócios com o fim de procurarem interessado na quota, tendo a mesma sido adquirida por FF, um dos arguidos do crime de homicídio na forma tentada.
25) Mais afirma que não recebeu a totalidade do valor acordado.
26) Diz-se ainda que “os desentendimentos entre os sócios iniciais e o novo mantém-se com denúncias e acusações mútuas resultando em acções judiciais de ambas as partes…”; “Dois dias depois de ter ido à Câmara Municipal pedir e levantar certidões que alegadamente revelam situações de concorrência desleal, BB é alvo de tentativa de homicídio”, “estes factos e as anteriores ameaças de morte fazem com que a vítima relacione as situações”.
27) À data dos factos, o arguido colaborava esporadicamente com o Jornal.
28) O arguido era à data dos factos mandatário de DD e EE.
29) O jornal tinha uma tiragem variável não superior a 5000 exemplares e é distribuído, sobretudo, na área geográfica.
30) O arguido não tem antecedentes criminais.
31) O arguido exerce advocacia e tem escritório em Lisboa.
32) Frequentou o VI curso normal do CEJ.
33) É pessoa conhecida por ter intervenção social.”
5. No âmbito daquele processo não se provaram os seguintes factos.
Assim fez-se constar naquela sentença, que “não resultaram provados quaisquer outros factos do despacho de pronúncia, da contestação ou da produção de prova produzida em audiência que importem para a apreciação da responsabilidade do arguido ou para escolha e determinação da medida da pena, concretamente:
- O arguido apenas seguiu as instruções transmitidas pelos seus clientes no âmbito dos processos-crime e cível, para os quais foi mandatado com poderes especiais (artigo 28.º da contestação);
- Os factos foram-lhe relatados pelos clientes, e o arguido confiou e confiava nas versões dos clientes (artigo 50.º da contestação);
- O arguido actuou na convicção de que os seus clientes tinham razão (artigo 52.º da contestação).
O demais descrito/alegado em cada uma das peças processuais tomadas em consideração – acusação particular e contestação – está em contradição com os factos dados como provados, reveste carácter conclusivo e/ou jurídico ou resume-se a considerações diversas tecidas em jeito de apreciação ou interpretação dos textos em causa.”
6. Depois de ter sido publicada a carta referida, pelo qual o R. foi condenado no âmbito do processo crime referido em 3. e 4., o A. foi questionado por várias pessoas que se mostraram surpreendidas;
7. A publicação da referida carta causou ao A. angústia, vergonha e revolta;
8. O A. receava que as pessoas da zona ao lerem a carta publicada duvidassem da veracidade e gravidade da tentativa de homicídio;
9. O A. é pessoa conhecida e considerada na zona, onde tem casa e terrenos e desenvolve actividade cívica na defesa dos caminhos públicos para a albufeira da barragem;
10. O A. é pai de um filho e de uma filha.

No despacho saneador de fls. 2057 a 2074
11 – O R celebrou um contrato de seguro de responsabilidade profissional tendo transferido para a Seguradora HH a responsabilidade perante terceiros emergente do exercício da sua atividade – doc. de fls. 2014 e ss.

12 – O seguro em causa prevê uma franquia de 10% do valor dos danos, sendo de €25.000 o capital seguro – doc. de fls. 2014 e ss.

13 – O contrato em causa apenas cobre os prejuízos que resultem para terceiros de condutas negligentes do R – art.º 2.º das condições gerais, doc. de fls. 2014 e 2015.

Os autos patenteiam os seguintes trâmites processuais:
14 – A audiência final teve início a 13/05/2015, designando-se para a continuação da mesma o dia 22/05/2015 – doc. fls. 2487 a 2499.

15 – A 14/05/2015, o ora Recorrente comunicou aos autos a interpelação endereçada ao Supremo Tribunal de Justiça, dela constando tratar-se de “novo recurso de revisão” no proc. n.º 390/08.7TATMR.S1, apontando a prática do crime de denegação de justiça, afirmando que “o Juiz ameaçava, condenava o advogado, tendo este sentido profundo receio de prisão dentro da sala de audiências, pelo que se retirou e já não compareceu no período depois de almoço” – doc. fls. 2500 e ss.

16 – Nessa data, mais comunicou aos autos ter oposto suspeição ao juiz deste processo junto do Tribunal da Relação – doc. de fls. 2505 e ss.

17 – Perante o que foi dada sem efeito a diligência agendada – doc. de fls. 2521.

18 – Com data de 29/07/2015, o Tribunal da Relação de Évora comunicou ao presente processo a improcedência da suspeição deduzida – doc. de fls. 2551 a 2554.

19 – Notificado de tal decisão, o Juiz designou o dia 21 de outubro de 2015 para continuação da audiência final – doc. de fls. 2558 e 2559.

20 – Teve lugar a continuação da audiência final no dia 15 de outubro de 2015.

B – O Direito

Da ilegalidade decorrente da realização integral da audiência final

Nos termos do disposto no art.º 120.º n.º 1 do CPC, as partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente nos casos elencados nas várias alíneas do referido preceito.

Certo é que, embora a causa principal deva seguir os seus termos, cabe intervir no processo o juiz substituto do juiz averbado de suspeito, mas nem o despacho saneador nem a decisão final são proferidos enquanto não estiver julgada a suspeição – art.º 125.º n.º 1 do CPC.

Sendo a suspeição desatendida, intervém na decisão da causa o juiz que foi averbado de suspeito – art.º 126.º n.º 2 do CPC.

No caso em apreço, tendo havido notícia nos autos de ter sido deduzida suspeição ao juiz do processo, foi dada sem efeito a continuação da audiência final. A qual apenas foi retomada decidido que foi, no sentido da improcedência, o incidente de suspeição. Por conseguinte, verificou-se a estrita observância das regras legais aplicáveis, pelo que inexiste vício atinente à realização e conclusão da audiência final.

No que respeita ao requerimento endereçado pelo R ao STJ, o “novo recurso de revisão”, não se tendo conhecido a pendência de recurso que tivesse efeito suspensivo do presente processo ou ainda a decisão de recebimento de recurso que colocasse em causa o trânsito em julgado da decisão proferida na jurisdição criminal, inexistia, como inexiste, fundamento para que os autos não fossem tramitados nos moldes legais.

Improcedem, pois, neste âmbito, as conclusões da alegação do recurso.

Da ilegitimidade do R na ação

Sendo a legitimidade o poder de gestão, relativamente ao concreto processo, sobre determinada pretensão material, nos termos do disposto no art.º 30.º do CPC vai aferir-se a legitimidade pela titularidade do interesse direto em demandar (legitimidade ativa) e pelo interesse direto em contradizer (legitimidade passiva). Este interesse tem por base a posição subjetiva da pessoa perante a relação controvertida ou seja, a relação do sujeito com o concreto objeto da causa, pelo que se distingue do mero interesse (objetivo) em agir “traduzido na necessidade objetivamente justificada de recorrer à ação judicial”[2].

Assim, de modo a determinar se o R é parte legítima, cabe indagar se tem interesse direto em contradizer, atendendo ao prejuízo que da procedência da ação para ele resulte - art.º 30.º n.ºs 1 e 2 do CPC. “A legitimidade processual é (...) uma qualidade da parte determinada pela titularidade de um conteúdo referido a um certo pedido.”[3]

Para identificar os titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade, a lei fixou, supletivamente, o princípio da coincidência da titularidade da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor, com a legitimidade - art.º 30.º n.º 3 do CPC. Visto que a lei não atribui legitimidade para esta concreta ação a quem não seja titular ou só em parte seja titular da relação material em litígio, funciona aqui o critério supletivo legal. Há que considerar a relação material controvertida tal como vem configurada pelo autor, sendo certo que é nesta perspetiva que se vai determinar quem são os seus sujeitos e, consequentemente, as partes legítimas na ação.

Ora, o presente litígio decorre da pretensão formulada pelo A com vista a obter a condenação do R a pagar-lhe a quantia de €35.000 a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, danos esses decorrentes da conduta ilícita e culposa do R, conforme atos concretos cuja autoria imputa ao R. Uma vez que, na ótica do A e na senda da decisão judicial transitada em julgado proferida na jurisdição criminal, o R é o sujeito que levou a cabo os comportamentos considerados ilícitos e dolosos, causadores dos danos invocados, o R, por si só (desacompanhado de companhia de seguros) apresenta-se na lide como parte legítima, com interesse direto em contradizer os factos alegados, em ordem a obviar a condenação propugnada pelo A no sentido de ser condenado a pagar-lhe a indicada quantia monetária.

Termos em que se conclui ser o R parte legítima na ação.

Improcedem, neste segmento, as conclusões da alegação do recurso.

Da falta de citação da seguradora a coberto do seguro de responsabilidade civil profissional

Nos termos do disposto no art.º 316.º n.º 1 do CPC, ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. O n.º 2 de tal preceito estabelece que nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir pedido nos termos do art.º 39.º. O n.º 3, por fim, estabelece que o chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.

Ora, este regime legal limita a intervenção principal provocada aos casos de litisconsórcio. Caso se trate de litisconsórcio necessário, ambas as partes poderão despoletar a intervenção de terceiro interessado com legitimidade para intervir na causa. Em caso de litisconsórcio voluntário, a iniciativa de provocar a intervenção de terceiro pelo réu há de conter-se nas situações especificadas nas als. a) e b) do n.º 3 do art.º 316.º do CPC. “A intervenção na lide de alguma pessoa como associada do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do acionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio[4].

Nos termos do disposto no art.º 33.º do CPC, que regula o litisconsórcio necessário, se a lei ou negócio exigir a intervenção de vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade (n.º 1); é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (n.º 2); a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (n.º 3).

Como ensina Lebre de Freitas[5], não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais. A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar.

O litisconsórcio voluntário encontra-se plasmado no art.º 32.º do CPC, estatuindo que se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade (n.º 1); se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade (n.º 2).

No caso que temos em mãos, a A traz a juízo uma relação material conformada pelo direito que, na sua perspetiva, lhe assiste de obter a quantia peticionada do R a título de indemnização pelos danos causados com a conduta ilícita e culposa desenvolvida por este, conduta essa considerada dolosa, por decisão judicial transitada em julgado, consubstanciando a prática de crime de difamação.

Uma vez que os factos imputados ao R se revestem de dolo, inexiste fundamento legal para acionamento da apólice de seguro de responsabilidade civil, que apenas cobre condutas negligentes cometidas no âmbito da sua atividade profissional de advogado.

Não se verifica, pois, qualquer relação de litisconsórcio, necessário ou voluntário, entre o R e a seguradora Axa, pelo que inexiste o direito do R de despoletar a intervenção daquela sociedade nesta ação.

Improcedem, neste âmbito, as conclusões da alegação do recurso.

Da caducidade da ação

O R sustenta que existe caducidade da ação porquanto passaram vários anos depois da ocorrência dos factos, sendo que não é a sentença criminal que constitui causa de pedir, nem foi formulado pedido cível na instância criminal.

A caducidade consiste numa forma de extinção que o decurso do tempo provoca sobre direitos subjetivos. O seu regime encontra-se previsto nos art.ºs 328.º a 333.º do CC. Ora, a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes – art.º 333.º n.º 1 do CC. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no art.º 303.º do CC, ou seja, precisa de ser invocada pela parte que dela pretende valer-se – art.º 333.º n.º 2 do CC.

No caso em apreço, porém, está em causa o prazo decorrido desde a ocorrência dos factos ilícitos e culposos, integradores do direito à indemnização do A, e a propositura da ação.

Então, não se trata de caducidade, mas de prescrição do direito de propor a ação. Dado que está aqui em causa a ação para exercitar o direito de indemnização, o regime da prescrição encontra-se estabelecido no art.º 498.º do CC.

Nos termos do disposto no art.º 303.º do CC, “O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.”

Ora, por via do Princípio da Concentração da Defesa consagrado no art.º 573.º do CPC, “Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado” – n.º 1. “Depois da contestação, só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.”

Uma vez que o R, em sede de contestação, não invocou que o A não podia já exercer o direito de indemnização em causa, o que veio a fazer mediante sucessivos requerimentos endereçados ao processo após a prolação do despacho saneador, cabe concluir que se encontra precludido o direito do R invocar tal matéria, que não cabe ao Tribunal conhecer de ofício.

Uma vez que R alude ainda ao facto de o pedido de indemnização não ter sido deduzido na instância criminal, cabe confirmar a decisão proferida na 1.ª instância.[6] Atento o regime inserto nos art.ºs 71.º e 72.º n.º 1 do CPP, tratando-se de um crime de difamação em que o procedimento criminal depende de queixa ou de acusação particular, comportando julgamento em tribunal singular, dado o valor do pedido formulado, a propositura da ação em separado não violou o princípio da adesão obrigatória que vigora no processo penal, caindo antes no âmbito das exceções que afastam essa regra.[7]

Improcedem, pois, neste âmbito as conclusões da alegação de recurso.

Da sustação do presente processo até decisão final pelo STJ sobre os crimes denunciados no proc. n.º 407/13.3TSLSB

Nos termos do disposto no art.º 272.º n.º 1 do CPC, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. O n.º 2 de tal preceito, por sua vez, estabelece que não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

Vem sendo entendido que, com este regime pretende obviar-se a que determinada questão seja objeto de decisões desencontradas ou incoerentes. Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda; sempre que numa ação se ataca um ato ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra ação, aquela é prejudicial em relação a esta[8].

Compulsado o rol dos factos assentes, inexiste fundamento para declarar suspensa a presente instância, não se alcançando a pendência de ação que tenha a natureza de ação prejudicial perante o presente litígio.

Termos em que é manifesto que improcedem, na totalidade, as conclusões da alegação do presente recurso.


Concluindo:
I- findo que esteja o incidente de suspeição deduzido contra o juiz da causa, se a suspeição for desatendida, o mesmo juiz continua a intervir no processo, realizando a audiência final a que haja lugar e prolatando a sentença que ao caso couber;
II- tendo a ação por objeto o direito de indemnização alicerçado na conduta ilícita e dolosa do R, este tem legitimidade para ser demandado sem que haja lugar à intervenção na lide da sociedade seguradora, com quem o R firmou contrato de seguro de responsabilidade civil decorrente da sua atividade profissional de advogado com vista a assegurar o pagamento de prejuízos que resultem para terceiros de condutas negligentes do R;
III- a prescrição, constituindo uma exceção que não é de conhecimento oficioso, carece de ser invocada pela parte que dela aproveita;
IV- por via do princípio da concentração da defesa, a arguição da exceção da prescrição há de fazer-se no âmbito da contestação apresentada no processo.



IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

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Évora, 15 de dezembro de 2016



Isabel de Matos Peixoto Imaginário


Maria da Conceição Ferreira


Rui Machado e Moura