Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3433/19.5T8FAR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CÔNJUGE
AUXÍLIO MATERIAL
Data do Acordão: 06/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- É auxiliar, para os efeitos do artigo 490.º do Código Civil, a mulher que nada faz para impedir o seu marido de agredir um terceiro; antes, é complacente com tal comportamento.
II- No caso de danos morais, fruto de uma agressão de que o lesado foi vítima, deve-se ter também em conta a função punitiva da responsabilidade civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3433/19.5T8FAR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) interpôs a presente Acção Declarativa de Condenação sob a forma de Processo Comum, contra (…) e (…), todos melhor identificados nos autos, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de € 69.630,00 (sessenta e nove mil, seiscentos e trinta euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de que foi vítima, acrescido dos juros de mora e do montante que se vier a apurar em liquidação de sentença.
Alegou que foi agredido pelos RR..
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Os RR. contestaram defendendo a improcedência da acção.
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O processo seguiu os seus termos e, depois de realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:
A) Absolver a ré (…) do pedido que contra si foi deduzido;
B) Condenar o réu (…) no pagamento ao autor da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros legais, a contar da presente decisão.
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Desta sentença recorre o A. concluindo a sua alegação nestes termos:
O Autor não se conforma com a sentença recorrida em primeiro lugar porquanto os factos dados como não provados a) a aa) encontra-se incorretamente apreciados e mal julgados.
O tribunal a quo motiva a decisão da factualidade dada como provada por ausência de prova, porém somos do entendimento que estamos perante um erro na valoração do depoimento prestado pela testemunha (…), isto é o tribunal a quo não pode considerar que sobre as circunstâncias que antecederam a agressão e sobre a descrição da própria agressão a testemunha prestou um depoimento isento, credível e que se revelou consentâneo com a demais prova produzida.
E no que respeita às expressões injuriosas utilizadas pela Ré (…), o tribunal a quo considerou que atento o laço de proximidade com o autor e o facto de ter tido intervenção directa nos factos, o depoimento não é suficiente para a prova dos demais factos.
Andou mal o tribunal a quo ao não valorizar o depoimento prestado pela testemunha (…) quanto às expressões injuriosas.
Andou mal o tribunal a quo ao não valorizar a prova documental junta aos autos sob os documentos 9, 10 e 11.
16. Por outro lado, o ora Recorrente não se conforma com a absolvição da Ré, pois dos factos dados como provados n.º 4, 7, 8 e 9 resulta que foi a Ré quem começou a protestar com o Autor, ora Recorrente, e que a Ré gritava e chamava o Réu, gritando que o Autor e a companheira não podiam estar ali.
Resultando provado que foi a Ré (…) quem chamou o Réu e que o instigou à prática da conduta ilícita violadora da integridade física.
O que faz com que a Ré (…) tenha que ser responsabilizada solidariamente com o Réu atento a que a Ré (…) actuou dolosamente em conjunto com o Réu.
Ao fixar a indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) viola os critérios de equidade e a finalidade da própria indemnização.
A gravidade dos factos dados provados e das decisões em casos análogos impunham fixação de uma indemnização nos termos peticionados.
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O tribunal deu por não provado o seguinte:
a) Que a ré (…), dirigindo-se ao autor e a sua companheira, gritou: “Porcos de merda!”.
b) Que, no Hospital de Faro, foi diagnosticada ao autor contusão na anca esquerda e contusão na mão esquerda.
c) Que, do exame realizado pelo Dr. (…), resultou que a lesão sofrida na cabeça era de elevado risco de mortalidade.
d) Que, em virtude das lesões sofridas, o autor padeceu de confusão mental.
e) Ainda hoje sente picadas na zona onde se encontra a ferida.
f) Pânico pelo risco de mortalidade.
g) Sensação de instabilidade, depressão e insegurança.
h) Estado de nervosismo que se mantém até aos dias de hoje.
i) Sentindo-se impaciente e intolerante;
j) Ainda hoje, há certos dias, em que acorda e sente que não é a mesma pessoa.
k) A lembrança dos factos descritos está sempre presente.
l) Sente um frequente medo generalizado que faz com que associe qualquer acontecimento aos factos, criando na sua mente novos perigos.
m) Numa ocasião telefonou à companheira alarmado e perguntando onde está e se aconteceu algo com ela mesmo sem qualquer indício de ocorrência anormal.
n) Sente vergonha e dificuldade em sentir-se em ambientes sociais que se tornou obsessão, devido à cicatriz no seu crânio.
o) O autor isolou-se e deixou de ter vontade de sair com amigos como antes sucedia com frequência.
p) Deixou de conseguir estar ao mesmo tempo com muita gente. q) Passou a ter um comportamento ausente, pensativo e irritável. r) Passou a descurar os cuidados com ele próprio.
s) Reduziu substancialmente as atividades desportivas, como o ciclismo.
t) Sente-se com menos reflexos.
u) Recentemente surgiram umas manchas na cabeça que aumentaram a ansiedade do autor.
v) Que têm como causa o stress em que vive.
w) Antes, o autor fazia muitos passeios, com a sua companheira, por zonas naturais.
x) O cão de nome “(…)” pertence ao autor.
y) O autor sentiu choque e preocupação pelas lesões verificadas no cão de nome “(...)”.
z) As lesões provocadas no seu cão alteraram a rotina do casal.
aa) Que o autor gastou os seguintes valores:
i. em exames médicos, em 9 de janeiro de 2019, na Clínica (…), em Huelva, € 145,00 (cento e quarenta e cinco euros) – fls. 16.
ii. em exames médicos, em 9 de janeiro de 2019, na Clínica (…), em Huelva, € 135,00 (cento e trinta e cinco euros) – fls. 16 v.º.
iii. no diagnóstico e exame médico pelo Gabinete de Medicina Legal, em Huelva, no dia 28 de janeiro de 2019, € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).
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O recorrente baseia a sua impugnação da matéria de facto de existir erro na valoração do depoimento prestado pela testemunha (…): o tribunal a quo não pode considerar que sobre as circunstâncias que antecederam a agressão e sobre a descrição da própria agressão a testemunha prestou um depoimento isento, credível e que se revelou consentâneo com a demais prova produzida e, já no que respeita às expressões injuriosas utilizadas pela Ré (…), o tribunal a quo já não o considerou da mesma forma; antes o desvalorizou considerando o laço de proximidade com o autor e o facto de ter tido intervenção directa nos factos.
Importa reproduzir o que na sentença se escreveu a respeito dos factos não provados:
«Apenas a testemunha (…) se referiu às expressões injuriosas utilizadas pela ré (…). Sucede que, atento o laço de proximidade com o autor e o facto de, também ela ter tido intervenção direta nos factos, na ausência de qualquer outro meio de prova que o sedimentasse, o tribunal considera que o seu depoimento, por ser o único, não se revelou suficiente para a prova dos demais factos por si relatados e que, desta forma, se consideraram como não provados (alínea a) dos factos não provados).
«Os factos vertidos nas alíneas b) a z), dos factos não provados foram considerados como não provados, em virtude dos mesmos não encontrarem qualquer sustentação nos documentos clínicos juntos pelo autor, relativos a observação clínica, por médicos espanhóis, do seu estado físico, após o acidente.
«Na verdade, o relatório elaborado pelo Dr. (…) não refere que o autor tenha incorrido em qualquer risco de vida ou que perdurassem no tempo, até aos dias de hoje, quaisquer sequelas do acidente em causa. Pelo contrário, o relatório elaborado por aquele clínico, datado de 24 de janeiro de 2019, refere-se a um período de doença que estimou em 14 (catorze) dias, sem qualquer quadro de dor, confusão mental, picadas, manchas na pele ou afetação do seu estado psíquico atual. Aliás, a defesa apresentada pelos réus ancorou-se nos documentos clínicos juntos aos autos (ou seja, não os impugnou) para, com razão, pugnar pela não verificação, na pessoa do autor, das sequelas alegadas na petição inicial.
«Salienta-se ainda o facto da testemunha (…) ter negado que o autor se tivesse sujeitado a qualquer consultas médicas, para tratamento do alegado estado depressivo e ansiedade relatados, facto que, constitui um indício da falta de gravidade de tais sequelas. Por outro lado, tendo em consideração os documentos clínicos juntos aos autos, o depoimento prestado pela referida testemunha revela-se insuficiente para a prova da simples existência de tais sequelas.
«Cumpre referir que, atenta a localização e características da lesão em causa (parte detrás do crânio) – cujo estado atual de cicatrização foi observado por todos, em audiência – não se afigura plausível, de acordo com as regras da normalidade e lógica do homem médio, que o autor tenha ficado a padecer de qualquer sentimento de diminuição física ou vergonha perante os outros que o rodeiam, em termos tais que o impeçam de conviver socialmente, isolando-se. A reforçar esta convicção temos que, ao classificar o dano em causa, o médico espanhol Dr. (…) atribuiu-lhe o grau “leve”, como fez constar no seu relatório.
«A testemunha (…) disse também nada saber sobre os gastos do autor com despesas e exames médicos pelo que, tendo sido impugnada a correspondente matéria, considerou-se a mesma como não provada (alínea aa) dos factos não provados).
«No que concerne à factualidade vertida na al. bb) a kk) dos factos não provados e secundando a argumentação doutrinal já exposta, salienta-se o facto de não ter sido produzida qualquer prova nesse sentido, não se afigurando ser suficiente para a sua prova, as meras declarações prestadas pelos réus, sem sustentação em qualquer outro meio de prova».
A isto acrescentamos que, em relação à agressão, e ao contrário do que o recorrente quer fazer crer, não foi a sua companheira a única a presenciá-la. A testemunha (…) também assistiu a ela, ou seja, foram dois depoimentos concordantes.
O que o Tribunal afirma, em relação às injúrias, é que, neste caso, não houve outra prova o que, aliado ao facto de a testemunha (…) ser companheira do A., torna difícil, se não impossível, que se dê os demais factos por provados.
O que queremos dizer é que o depoimento desta testemunha não foi desconsiderado por ela ser a companheira do A.; foi desconsiderado por isso coligado com circunstância de não existir outra prova.
E contra isto não vemos argumentos.
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Concordamos com o recorrente, no entanto, quanto ao que se refere às despesas médicas. O Tribunal deu por não provadas tais despesas por esta razão: «A testemunha (…) disse também nada saber sobre os gastos do autor com despesas e exames médicos pelo que, tendo sido impugnada a correspondente matéria, considerou-se a mesma como não provada». Os documentos referem-se a pagamentos feitos pelo recorrente ao Gabinete de Medicina Legal de Huelva (€ 350,00) e à Clínica (…), também de Huelva (€ 135,00 e € 145,00).
A impugnação de documentos particulares, quando a sua autoria não é imputada à parte contra quem são apresentados, apenas tem por consequência que os respectivos factos devem ser provados pelo apresentante uma vez que os documentos não têm força probatória plena. Mas não deixam de ser um meio de prova, livremente apreciado pelo tribunal (cfr. ac. da Relação de Lisboa, de 11 de Julho de 2019), nos termos do artigo 366.º do Código Civil. Isto é, do facto de os documentos não possuírem a referida força probatória não se segue que, ainda assim, eles não sejam um meio de prova. Pode ser necessária, admitimos facilmente, a corroboração por um outro meio mas tal não significa que os documentos sejam ocos, vazio de sentido probatório.
No contexto do que está provado, é verosímil que o A. tenha tido as despesas que alega; os documentos inculcam mesmo esta ideia e não viola os limites da «livre apreciação» (que não é apreciação arbitrária) dar os respectivos factos como provados com base apenas neles.
Por este motivo entendemos que o conteúdo da alínea aa) deve ser aditado ao conjunto dos factos provados, sob o n.º 47.
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Assim, julga-se parcialmente procedente a impugnação.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. Em 17 de setembro de 2018, pelas 15h 45m, o autor e a companheira (…) encontravam-se no parque de estacionamento da Praia (…) e (…), no concelho de (…).
2. Estavam ambos acompanhados pelo seu cão de nome (…), de raça cão de água, de cor branca e castanha.
3. O autor verificou que o seu canídeo fez as suas necessidades no chão.
4. A ré encontrava-se junto aos contentores, depositando lixo e começou a protestar por o cão se encontrar ali e por ter feito as necessidades.
5. Naquele momento, o autor não dispunha de saco apropriado para recolher dejetos caninos.
6. O autor deslocou-se até junto do contentor e recolheu um copo de plástico com o qual retirou os dejetos do chão e colocou-o novamente no lixo.
7. Nesse momento, a ré, o autor e a sua companheira iniciaram uma discussão.
8. A companheira do autor disse para a ré: “Pára!”
9. A ré gritava e chamava o réu para que fosse para junto dela.
10. A ré começou a bater com as mãos no sinal que proíbe a permanência de canídeos no local e gritou que os cães não podiam estar ali.
11. O autor estava a andar na passadeira quando chegou o réu.
12. O réu advertiu-o de que os cães não podem estar na praia.
13. O autor respondeu que o cão não estava na praia, mas sim na passadeira.
14. De imediato, o réu abriu um recinto fechado que estava junto do bar e soltou um cão de porte médio, do tipo pastor alemão, cor castanha e atiçou o animal para que atacasse o autor e a sua companheira.
15. O cão do réu lançou-se sobre o cão do autor e atacou-o.
16. O autor correu para os cães e retirou o cão do réu de cima do seu.
17. O (…) tinha o seu corpo enrolado e não conseguia resistir ao agressor.
18. Enquanto o autor tentava salvar o seu cão, o réu muniu-se com uma barra de ferro, cujo tubo de canalização media entre 1,5 m e 2 metros.
19. O réu desferiu um golpe com a barra de ferro na anca esquerda do autor.
20. Em simultâneo, o autor colocou a mão esquerda à frente da anca sofreu também uma pancada na mão.
21. O autor agarrou o ferro para tentar para a agressão.
22. Nesse momento, o réu começou a dar cabeçadas ao autor.
23. A companheira do autor aproximou-se de ambos para tentar acalmar os ânimos.
24. O cão virou-se para trás para proteger a companheira.
25. O réu deu-lhe uma pancada com o ferro na cabeça.
26. O autor começou a afastar-se atordoado e sentindo dor.
27. Nesse momento não sabia se ia cair.
28. Teve o instinto de ir procurar socorro.
29. A ré gritava atrás da companheira do autor.
30. A companheira da autora dirigiu-se à ré e disse: “Tu és doente! Foste tu que provocaste isto!”
31. O autor continuou a afastar-se do local e encontrou a polícia a quem participou a ocorrência
32. Como resultado da conduta do réu, o autor sofreu dores na cabeça e por todo o corpo.
33. O autor sangrava abundantemente do crânio devido à lesão causada pelo golpe perpetrado pelo réu, com a barra de ferro.
34. O autor foi conduzido ao serviço de urgências em Vila Real de Santo António, onde deu entrada pelas 16h32m do mesmo dia.
35. Do relatório/resumo do episódio de urgência resulta que: “apresenta ferida região occipital e dor no membro inferior esquerdo
DA Doente refere ter sido agredido com barra de ferro na cabeça e anca esq. Sem perda sentidos, sem vómitos na altura, refere tonturas e alteração inespecífica da visão.
EF Consciente, orientado, colaborante
Apresenta ferida região parietal direita suturada sede 3/0 4 pontos
Exame neurológico sem deficits
Hematoma anca esquerda
RX anca sem alterações de relevo”.
36. Em 3 de outubro de 2018, o autor foi observado no serviço andaluz de saúde.
37. Do relatório clínico resulta que o autor apresentava cefaleias pós-traumáticas, sendo recomendado repouso funcional e toma de analgésicos (paracetamol).
38. Nesse relatório também é feita menção a situação de meniscopatia do joelho esquerdo.
39. Em 24 de janeiro de 2019, o autor foi observado pelo Dr. (…), no Gabinete Médico-legal.
40. Do relatório elaborado por aquele médico resulta que:
a) Lesões sofridas
- ferida inciso-contusa no couro cabeludo, na região parietal direita;
- contusão na perna esquerda;
- contusão na mão esquerda.
b) Mecanismo que as produziu
- agressão com barra de ferro, de acordo com o que o paciente refere e recolha de documentação clínica fornecida;
c) Situação atual do paciente
- exploração neurológica e funções sem alterações;
- estudos complementares efetuados (ressonância magnética de crânio, ecografia da anca, radiografia da mão) sem alterações
d) Tempo estimado de cura
- tempo total de evolução: 14 dias
- com impedimento para as suas ocupações habituais: 1 dia
- Sem impedimento para as suas ocupações habituais: 13 dias
e) Sequelas existentes
- leve dano estético derivado da cicatriz de 6 x 0,5 cm na região parietal direita e aumento de volume na 5.ª articulação metacarpo falângica esquerda secundária causada por artrite traumática.
41. O canídeo (…) foi transportado pelo autor para a Clínica de (…).
42. Aí foi diagnosticado com várias contusões na zona cervical e torácica e rasgos na zona dorsal e na pálpebra.
43. Como consequência direta e necessária da conduta do réu, o autor sofreu lesões que provocaram dor na cabeça e por todo o corpo, no momento da agressão e nos instantes que se seguiram.
44. Sentiu-se atordoado por vários dias.
45. O autor é pensionista, por invalidez.
46. O autor usa o couro cabeludo descoberto.
47. O autor gastou os seguintes valores:
i. em exames médicos, em 9 de janeiro de 2019, na Clínica (…), em Huelva, € 145,00 (cento e quarenta e cinco euros) – fls. 16.
ii. em exames médicos, em 9 de janeiro de 2019, na Clínica (…), em Huelva, € 135,00 (cento e trinta e cinco euros) – fls. 16 v.º.
iii. no diagnóstico e exame médico pelo Gabinete de Medicina Legal, em Huelva, no dia 28 de janeiro de 2019, € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).
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Em relação ao direito, o recorrente alega nestes termos:
Dos factos dados como provados n.º 4, 7, 8 e 9 resulta que foi a Ré quem começou a protestar com o Autor, ora Recorrente, e que a Ré gritava e chamava o Réu, gritando que o Autor e a companheira não podiam estar ali; foi a Ré (…) quem chamou o Réu e que o instigou à prática da conduta ilícita violadora da integridade física. O que faz com que a Ré (…) tenha que ser responsabilizada solidariamente com o Réu atento a que a Ré (…) actuou dolosamente em conjunto com o Réu.
Por último, ao fixar a indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) viola os critérios de equidade e a finalidade da própria indemnização.
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O artigo 490.º do Código Civil responsabiliza, pelo mesmo facto ilícito, os seus autores, instigadores ou auxiliares. Esta norma é ampla e não tem (nem pode ter, dada a diferença de interesses em presença) o mesmo âmbito estrito dos artigos 26.º e 27.º do Código Penal. Queremos com isto dizer que, independentemente da concreta forma de participação no facto ilícito, todos os intervenientes são, perante o lesado, igualmente responsabilizados. Por outro lado, e em consequência, não temos de distinguir rigorosamente, e com recurso à doutrina do Direito Penal, o recorte jurídico de todos os eles. A simples participação, seja agindo seja omitindo, é suficiente para fundamentar a sua responsabilidade civil.
No caso dos autos, temos que a R. foi, pelo menos, complacente com o comportamento do R., nada fazendo para o impedir de agredir o recorrente. Foram a R., o A. e a sua companheira que iniciaram a discussão (n.º 7); ré gritava e chamava o réu para que fosse para junto dela (n.º 9) e, depois da agressão, continuou a gritar atrás da companheira do A. (n.º 29). Nada indica que tenha sequer tentado evitar a agressão quando o podia fazer dado o seu natural ascendente sobre o agressor, em termos concretos, e quando o devia fazer de forma a impedir que uma pessoa se magoasse, em termos gerais. A agressão consumou-se com a concordância passiva da R.. Como escreve Henrique Sousa Antunes, o preceito em questão «deve ser interpretado como uma expressão da transferência do dano para a esfera dos agentes que expuseram o lesado ao perigo de um facto ilícito e culposo» (in Comentário ao Cód. Civil, Direito das Obrigações Das Obrigações Geral, UCP, Lisboa, 2018, p. 310). Foi isto o que a R. fez.
Entendemos, pois, que a R. é uma das pessoas a que se refere o artigo 490.º e, nesta medida, é tão responsável como o R..
Isto significa que também a R. responde com o R. («todos eles respondem pelos danos que hajam causado») e responde solidariamente, nos termos do artigo 497.º, n.º 1.
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Tudo visto, e quase como se fosse uma conclusão que deriva da exposição antecedente, não podemos deixar de entender que a indemnização por danos peca por defeito.
O A. tinha pedido as seguintes quantias:
- € 20.000,00 pelas ofensas à integridade física;
- € 9.000,00 pelo dano psíquico;
- € 40.000,00 pelos danos decorrentes do perigo de vida que lhe foi diagnosticado.
Estes valores são objectivamente exagerados, sendo de notar que a última parcela não tem factos que a suportem uma vez que foi dado por não provado que do exame realizado pelo Dr. (…), tenha resultado que a lesão sofrida na cabeça era de elevado risco de mortalidade.
Independentemente disto, o valor é excessivo.
Mas tão excessivo como, em sentido negativo, o que foi fixado na sentença recorrida.
Estamos no campo dos danos morais cuja indemnização não é tabelada ou sequer susceptível ser fixada a forfait (note-se que a Portaria n.º 279/2009, que estabeleceu uma tabela relativa a indemnizações a arbitrar em caso de morte e por danos corporais, não impede a fixação de valores superiores). Daí, sempre, a dificuldade em definir um montante. Mas esta dificuldade não pode ser impeditiva de uma indemnização que preencha, o mais possível, as funções da responsabilidade civil, seja na sua vertente reparadora, seja na sua vertente punitiva. Quando o comportamento danoso é de tal ordem anti-social, tão violador de regras de sã convivência entre as pessoas, como no caso dos autos, a indemnização não pode ser parcimoniosa; não pode ser, para se usar uma expressão crítica da jurisprudência nacional nesta matéria, «miserabilista» (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, vol. II, t, III, Almedina, Coimbra, 2010, cuja epígrafe de um parágrafo é precisamente, A série negra; n.º 270).
No cômputo geral, temos como justa a indemnização que se fixará em € 27.500,00.
Note-se que não há qualquer circunstância que favoreça os recorridos. A culpa não é leve, pelo contrário, houve dolo directo por parte de ambos. Por outro lado, a agressão, que começou por um assunto fútil, foi bárbara, selvática, no sentido de que foi absolutamente desproporcionada à discussão que teve lugar. Por último, emboras as lesões físicas não tenham sido muito elevadas, temos que o modo como a agressão aconteceu e a arma que foi utilizada, é um dano moral que não é pequeno. O sentir-se vítima de uma agressão deste jaez é já em si mesmo um dano grave que deve ser indemnizado.
E, em suma, não devemos perder de vista que a «indemnização tem, ainda, o escopo de uma pena» (Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 419). Ou seja, a sua função não é só meramente reparadora do dano, é também uma pressão para o bom comportamento como cidadão.
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Por isso, optamos pela indemnização indicada.
A este valor acresce o dos danos patrimoniais descritos no n.º 47 e a que, a propósito da impugnação da matéria de facto, fizemos já referência. tal dano ascende a € 630,00.
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A sentença recorrida fixou o termo inicial de contagem de juros na sua própria data (02 de Fevereiro de 2021). Esta parte da decisão não está impugnada pelo que se mantém.
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente em função do que:
1.º- revoga-se a sentença recorrida:
2.º- condenam-se os RR., solidariamente, a pagar ao A. a indemnização de € 28.130,00 (vinte e oito mil e cento e trinta euros), acrescida de juros legais, a contar de 02 de Fevereiro de 2021.
Custas na proporção do vencido (tendo em conta o valor do pedido do A.).
Évora, 30 de Junho de 2021
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos

Sumário: (…)