Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
384/19.7T8PTM.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: CASSAÇÃO DA CARTA DE CONDUÇÃO
FREQUÊNCIA DE AÇÕES DE FORMAÇÃO DE SEGURANÇA RODOVIÁRIA
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A subtracção de pontos ao condutor ocorrerá na data do carácter definitivo da decisão administrativa condenatória ou do trânsito em julgado da sentença judicial.

Quando o condutor ficar, por força daquela subtracção, com apenas 5 pontos, ou com menos, terá que frequentar acção de formação de segurança rodoviária, a expensas suas, de acordo com as regras fixadas em regulamento.

Já quando o condutor ficar com 3 pontos, ou com menos, terá que realizar a prova teórica do exame de condução, suportando os respectivos encargos, também em conformidade com as regras fixadas em regulamento.

Porém, se forem subtraídos todos os pontos ao condutor, haverá lugar à cassação do título de condução, que será ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.

A decisão sobre a cassação da carta, no âmbito das competências do Exmo. Presidente da ANSR, não constitui uma pena acessória.

Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório

No Processo de Contra-Ordenação nº 269/2018 da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) foi proferida decisão que ordenou a cassação do do título de condução nº L-1053429, pertencente a PAJG.

O arguido impugnou judicialmente, nos termos do art. 59º do Regime Geral das Contra-ordenações (doravante RGCO), aprovado pelo DL nº 433/82 de 27/10 e sucessivamente alterado, a decisão administrativa que o condenou.

Na fase de impugnação judicial, os autos foram distribuídos ao Juízo Local Criminal de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro e, em 23/5/2019, foi proferida sentença pela Exª Juiz desse Tribunal, que decidiu:

Não conceder provimento ao recurso apresentado, e em consequência, mantendo a decisão administrativa proferida pelo Exmo. Presidente da ANSR:

- Julgou verificada a perda total de pontos atribuídos ao arguido e, em consequência, ordenou a cassação da carta de condução do arguido PAJG.

Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:

1. O arguido é titular da carta de condução n.º L-….., obtida em …1984.

2. Por sentença proferida em 14.03.2017 e transitada em julgado em 24.04.2017, nos autos de processo sumário n.º …PAPTM, que correu termos pelo Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 1, foi o arguido PAJG condenado, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 100 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 meses e 20 dias, por factos praticados em 28.02.2017.

3. Por sentença proferida em 21.12.2017 e transitada em julgado em 02.02.2018, nos autos de processo abreviado n.º …PAPTM, que correu termos pelo Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 1, foi o arguido PAJG condenado, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez e pela prática de um crime de violação de proibições, na pena principal única de 175 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 5 meses, por factos praticados em 25.06.2017.

4. Por decisão proferida pela ANSR em 20.07.2018, que se tornou definitiva em 03.12.2018, nos autos de contra-ordenação n.º …., que ali correram termos, foi o arguido PAJG condenado, pela prática de uma contra-ordenação classificada como grave (não cumprimento da indicação dada pelo sinal de proibição C1, sentido proibido), na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 45 dias, por factos praticados em 03.10.2016.

5. O arguido praticou os crimes pelos quais foi condenado numa fase de desorganização pessoal, em que, receando ficar desempregado, por ser iminente a insolvência da empresa onde trabalhava, e tendo ainda dois filhos estudantes universitários que deixaria de poder manter a estudar, passou a sofrer de estado depressivo, agravado pelo fim da relação afectiva com a sua companheira, o que, tudo junto, o levou a entregar-se ao consumo de bebidas.

6. O arguido está, actualmente, restabelecido, tendo cessado os consumos abusivos de álcool, está a trabalhar, para o que carece de ter carta de condução; tem dois filhos maiores, estudantes universitários, a seu cargo.

Da sentença proferida interpôs recurso o arguido PAJG, formulando as seguintes conclusões:

1º - A pena acessória não é consequência necessária da condenação na pena principal, nem de aplicação automática.

2º - Praticada que se mostre a infracção, e aplicada a respectiva condenação, deverá o condenado ser notificado da possibilidade de frequência de acção de formação, com vista à obtenção de novos pontos, o que se não verificou.

3º - O tempo decorrido entre cada condenação, permitia que o ora Recorrente fosse notificado para a frequência de acção de formação, que lhe permitiria obter novos pontos.

4º - Tivesse, o ora Recorrente, aquando da primeira condenação, sido notificado de tal possibilidade, e tendo frequentado a acção de formação, teria obtido pontos suficientes, para que, lhe não fosse cassada a carta de condenação, aquando da segunda condenação.

5º - Devia, pois, o douto Tribunal “a quo” ter concedido provimento ao Recurso de Contra-Ordenação, e, consequentemente, revogado a Decisão da ANSR, notificando-se o ora Recorrente para a possibilidade de frequência das acções de formação que lhe permitiria obter pontos, e manter a sua carta de condução.

Nestes termos, e nos demais de direito que Vªs Exªs, doutamente suprirão, deverá a douta Sentença ora recorrida ser revogada e substituida por outra que, revogue a Decisão Administrativa, notificando-se o Recorrente para a possibilidade de frequência de acção de formação.

Porém, V.ªs Ex.ªs decidirão como fôr de JUSTIÇA

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

O MP respondeu à motivação da recorrente, formulando, por sua vez, as seguintes conclusões:

1- Discorda o recorrente da sentença proferida, considerando que a mesma deveria ser revogada e substituída por outra , que concedesse provimento ao recurso de contra-ordenação e consequentemente fosse revogada a decisão da ANSR, notificando-se o arguido da possibilidade de frequência de acção de formação que lhe permitiria obter pontos e manter a sua carta de condução;

2- Discordando do recorrente, entendemos que bem andou a Mmª Juiz a manter a decisão da autoridade administrativa proferida pelo Exmo. Presidente da ANSR e a julgar verificada a perda de pontos do arguido e ordenar a cassação da carta.

3- A prática de crimes punidos com pena acessória de proibição de conduzir ou de contraordenações graves ou muito graves determina a perda de pontos para efeitos de uma possível cassação do título de condução, nos termos do disposto no nº 4, al. c), daquele artigo.

4- A condenação em pena acessória de proibição de conduzir determina a subtração de seis pontos ao condutor.

5-E no que interessa para os presentes autos, o arguido sofreu condenação em dois processos crime em duas penas acessórias de proibição de conduzir, o que teve como consequência automática a perda de 12 pontos.

6-Tal perda ocorreu com o trânsito em julgado das duas sentenças, precisamente por ser aquele o momento em que se tornou estável a autoria dos crimes que justificaram aquela perda de pontos.

7- O sistema de pontos traduz apenas uma técnica utilizada pelo legislador para sinalizar, em termos de perigosidade, os efeitos que determinadas condutas ilícitas penais ou contraordenacionais podem vir ou não a ter no futuro, no que toca a uma eventual reavaliação da autorização administrativa habilitante ou licença de condução de veículos automóveis, atribuída a um determinado particular, reavaliação essa que poderá culminar com a aplicação de uma medida de segurança, mais precisamente com a decisão de cassação da respetiva carta de condução, como aconteceu no presente caso.

8- A prática daqueles crimes e condenações nas penas acessórias de proibição de conduzir, teve como consequência a perda automática de 12 pontos, inviabilizando assim qualquer possibilidade de frequentar acção de formação ou realizar prova teórica de exame de condução;

8- Como refere a Mmª Juiz, a decisão de cassação decretada pelo Presidente da ANSR, tem natureza administrativa e funda-se na perda de pontos, por sua vez resultantes da prática das referidas infracções. Não se trata, como refere o recorrente de uma pena acessória.

9- Alegou que, na altura em que cometeu aqueles crimes, atravessou uma grave depressão, o que lhe provocou um período de total inimputabilidade, não se encontrando nas suas faculdades plenas.

10- Discordamos do alegado pelo recorrente, uma vez que a depressão invocada pelo recorrente, que desconhecemos se de facto ocorreu, não constitiu causa adequada a afectar a capacidade de avaliação da ilicitude do seu comportamente ou a capacidade de se determinar de acordo com essa avaliação.

Deverá ser mantida a douta sentença nos seus exactos termos;

Porém, Vªs. Exªs. melhor decidirão, fazendo JUSTIÇA

Os autos foram continuados com vista, nos termos do art. 416º do CPP, ao Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação, que emitiu parecer contrário ao provimento do recurso.

O parecer emitido foi notificado ao recorrente, a fim de se pronunciar, não tendo exercido o seu direito de resposta

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação

Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

Tal princípio é extensivo aos recursos interpostos de sentenças proferidas sobre impugnações judiciais de decisões administrativas condenatórias, em processos de contra-ordenação, por força do disposto no nº 1 do art. 41º do RGCO, que manda aplicar a esses procedimentos, subsidiariamente, as regras do processo criminal.

A sindicância da sentença recorrida, que emerge das conclusões da recorrente, centra-se, de forma a bem dizer exclusiva, na alegação de não ter sido notificado para frequentar acções de formação, cuja frequência lhe teria permitido acumular pontos na sua carta de condução e evitar, dessa forma, a respectiva cassação.

Embora tal aspecto não apareça reflectido nas conclusões, o recorrente defende que praticou nos factos, que estiveram na origem da perda que pontos, que motivou a cassação da sua carta de condução, quando se encontrava em estado de inimputabilidade, causado pela depressão que o atingiu, acompanhada pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

O sistema de pontos associado à carta de condução e a cassação desse título forma introduzidos no articulado do Código da Estrada (CE) pela Lei nº 116/2015 de 28/8, sendo tal matéria regulada pelo art. 148º do CE, cujo teor, para melhor compreensão, transcrevemos:

1 - A prática de contraordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtração de pontos ao condutor na data do caráter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos:

a) A prática de contraordenação grave implica a subtração de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efetuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contraordenações graves;

b) A prática de contraordenação muito grave implica a subtração de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contraordenações muito graves.

2 - A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.

3 - Quando tiver lugar a condenação a que se refere o n.º 1, em cúmulo, por contraordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia, a subtração a efetuar não pode ultrapassar os seis pontos, exceto quando esteja em causa condenação por contraordenações relativas a condução sob influência do álcool ou sob influência de substâncias psicotrópicas, cuja subtração de pontos se verifica em qualquer circunstância.

4 - A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:

a) Obrigação de o infrator frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;

b) Obrigação de o infrator realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos;

c) A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.

5 - No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º-A.

6 - Para efeitos do número anterior, o período temporal de referência sem registo de contraordenações graves ou muito graves no registo de infrações é de dois anos para as contraordenações cometidas por condutores de veículos de socorro ou de serviço urgente, de transportes coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxis, de automóveis pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas, no exercício das suas funções profissionais.

7 - A cada período correspondente à revalidação da carta de condução, sem que exista registo de crimes de natureza rodoviária, é atribuído um ponto ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma voluntária proceda à frequência de ação de formação, de acordo com as regras fixadas em regulamento.

8 - A falta não justificada à ação de formação de segurança rodoviária ou à prova teórica do exame de condução, bem como a sua reprovação, de acordo com as regras fixadas em regulamento, tem como efeito necessário a cassação do título de condução do condutor.

9 - Os encargos decorrentes da frequência de ações de formação e da submissão às provas teóricas do exame de condução são suportados pelo infrator.

10 - A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do n.º 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.

11 - A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação.

12 - A efetivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação.

13 - A decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contraordenações.

Por seu turno, a figura da inimputabilidade por anomalia psíquica, é tratada pelo art. 20º do CP:

1 - É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.

2 - Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída.

3 - A comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas pode constituir índice da situação prevista no número anterior.

4 - A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo próprio agente com intenção de cometer o facto.

De seguida, reproduzimos a fundamentação jurídica da sentença recorrida (transcrição com diferente tipo de letra):

III – ENQUADRAMENTO JURÍDICO:

Ao arguido foi determinada a cassação da sua carta de condução porquanto, tendo sido condenado, pela prática de dois crimes rodoviários, em penas acessórias de proibição de conduzir, e numa contra-ordenação grave, teria perdido 12 pontos, o que, nos termos legais, constitui fundamento para a cassação do referido título.

O sistema de pontos foi introduzido no nosso Ordenamento pelo DL n.º 116/2015, de 28-08, que procedeu à alteração ao Código da Estrada, aditando, nomeadamente, o art.º 121.º- A, e alterando a redacção do art.º 148.º., tendo entrado em vigor em 01.06.2016, data a partir da qual se iniciaria a contagem dos pontos, não sendo, para este efeito, atendíveis as contra-ordenações graves ou muito graves ou os crimes rodoviários cometidos antes daquela data (cfr art.ºs 5.º e 6.º do referido DL n.º 116/2015, de 28-08).

Assim, definiu-se no citado art.º 121.º A, n.º 1 do C.Estrada que a cada condutor são atribuídos 12 pontos, podendo a estes acrescer mais 3 pontos, até ao limite de 15 pontos, nos casos previstos no art.º 148.º, n.º 5 do C.Estrada, e ainda mais 1 ponto, até ao limite máximo de 16 pontos, nos casos previstos no art.º 148.º, n.º 7 do C.Estrada.

Ora, o art.º 148.º do C.Estrada regula, justamente, o sistema de pontos e a cassação do título de condução.

Ali se prevê, no seu n.º 1, que a prática de contra-ordenação grave ou muito grave, prevista e punida pelo C.Estrada e sua legislação complementar, determina a subtracção de pontos, nos seguintes termos:

- no caso de contra-ordenação grave, se respeitante à condução sob influência de álcool, ao excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou à ultrapassagem efectuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, haverá lugar à subtracção de 3 pontos;

- nas restantes contra-ordenações graves, subtraem-se 2 pontos;

- no caso de contra-ordenação muito grave, desde que referente à condução sob influência do álcool, à condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou ao excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, serão subtraídos 5 pontos;

- nas restantes contra-ordenações muito graves, subtraem-se 4 pontos.

A referida subtracção de pontos ao condutor ocorrerá na data do carácter definitivo da decisão administrativa condenatória ou do trânsito em julgado da sentença judicial.

Porém, existem outros casos que também dão lugar à perda de pontos.

Como se consagra no n.º 2 do art.º 148.º do mesmo diploma, quer a condenação em pena acessória de proibição de conduzir, quer o cumprimento de injunção de idêntica natureza em sede de suspensão provisória do processo, dão lugar à subtracção de 6 pontos.

E que efeitos tem, então, a subtracção de pontos?

Quando o condutor ficar, por força daquela subtracção, com apenas 5 pontos, ou com menos, terá que frequentar acção de formação de segurança rodoviária, a expensas suas, de acordo com as regras fixadas em regulamento.

Já quando o condutor ficar com 3 pontos, ou com menos, terá que realizar a prova teórica do exame de condução, suportando os respectivos encargos, também em conformidade com as regras fixadas em regulamento.

Porém, se forem subtraídos todos os pontos ao condutor, haverá lugar à cassação do título de condução, que será ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.

E a quem tiver sido cassado o título de condução não será concedido novo título, para qualquer categoria, antes de decorridos 2 anos, sobre a efectivação da cassação.

É o que dispõe o art.º 148.º, n.ºs 4, 9, 10 e 11 do C.Estrada.

No caso dos presentes autos, apurou-se que o arguido é titular de carta de condução, desde 1984. Com a entrada em vigor do DL n.º 116/205 de 28-08, ou seja, em 01.06.2016, passou a beneficiar de 12 pontos, como previsto no art.º 121.º A do C.Estrada.

Sucede que, em 28.02.2017, o arguido incorreu na prática de um crime de condução em estado de embriaguez, ou seja conduziu um veículo em via pública, sob o efeito do álcool previamente ingerido, acusando uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 gr/l. Aquele crime é punível com uma pena principal (prisão ou multa), como decorre do art.º 292.º, n.º 1 do CPenal, mas também com uma pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, a fixar entre os 3 meses e os 3 anos, cfr art.º 69.º, n.º1, al. a) do CPenal.

Ora, tendo sido o arguido julgado em processo sob a forma sumária, por aqueles factos, veio o mesmo a ser condenado, pela prática daquele crime, numa pena principal (fixada em 100 dias de multa) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor de 3 meses e 20 dias.

A referida sentença transitou em julgado (tornando-se definitiva) em 24.04.2017.

Ora, a condenação em pena acessória de proibição de conduzir constitui, como acima se referiu, fundamento para a subtracção de pontos, a operar na data do trânsito em julgado da sentença condenatória. E como se prevê no art.º 148.º, n.º 2 do C.Estrada, são 6 os pontos a subtrair ao arguido.

Como assim, aos 12 pontos iniciais, importa subtrair 6 pontos, ficando o arguido com apenas 6 pontos atribuídos.

Volvidos poucos meses da prática daquele crime, porém, em 25.06.2017, voltou o arguido a incorrer em novo crime de condução em estado de embriaguez (conduziu um veículo em via pública, sob o efeito do álcool previamente ingerido, acusando uma TAS de 1,71 gr/l) e ainda num crime de violação de proibições (por ter conduzido em plena vigência da pena acessória em que havia sido condenado).

Vindo a ser julgado em processo sob a forma abreviada, por tais factos, foi o mesmo condenado, pela prática daqueles crimes, numa pena principal única, fixada, em cúmulo jurídico, em 175 dias de multa, e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, fundada na condenação pelo crime de condução em estado de embriaguez, a qual foi fixada em 5 meses, tendo a referida sentença transitado em julgado em 02.02.2018.

Sendo, como acima se evidenciou, a condenação em pena acessória de proibição de conduzir fundamento para a subtracção de 6 pontos, subtraindo-se os 6 pontos aos 6 pontos que o mesmo tinha, ficou o mesmo, desde logo, sem quaisquer pontos atribuídos.

O arguido, todavia, em 03.10.2016, já havia incorrido na prática de uma contra-ordenação, pois que conduziu desobedecendo ao sinal de sentido proibido, sendo tal contra-ordenação classificada como grave. Veio o mesmo a ser condenado, pela autoridade administrativa, pela referida contra-ordenação, porém, somente após a condenação pelos anteditos crimes, tendo-se tal decisão tornado definitiva apenas em 03.12.2018.

A prática daquela contra-ordenação grave determinaria a subtracção de 2 pontos. O arguido, porém, já não tinha pontos a subtrair.

Aqui chegados importa concluir, portanto, pela verificação da perda total de pontos, fundada na sucessiva subtracção dos mesmos aos 12 pontos que inicialmente lhe foram atribuídos, decorrente das duas penas acessórias de proibição de conduzir em que foi condenado.

Insurge-se o arguido por não lhe ter sido dada a oportunidade de frequentar qualquer acção de formação ou de realizar a prova teórica do exame de condução.

Todavia, a sua situação não o habilitava a tanto. É que, de cada vez que lhe foram retirados, foram logo subtraídos 6 pontos. Donde, à primeira subtracção, ficando o arguido com 6 pontos, não estava ainda em condições de beneficiar da frequência de acções de formação (que está reservada aos infractores com 5 ou menos pontos), nem da realização daquela prova teórica (destinada apenas aos infractores com 3 pontos ou menos).

E após a segunda subtracção, ficando o arguido logo sem pontos, deixou de poder integrar-se em qualquer daqueles casos.

Ter-se-ia, é certo, podido reabilitar e “ganhar” pontos, se o arguido, após a primeira subtracção de pontos (quando, portanto, ainda lhe restavam 6 pontos) tivesse permanecido durante um período de 3 anos sem qualquer registo de contra-ordenações graves ou muito graves ou de crimes de natureza rodoviária praticados nesse período, caso em que lhe seriam atribuídos 3 pontos, os quais, a juntar aos 6 que tinha, passariam a somar 9 pontos (como decorre do art.º 148.º, n.º 5 do C.Estrada).

Porém, como se apurou, escassos meses após ter sido condenado numa pena acessória, por ter conduzido em estado de embriaguez, voltou a incorrer na prática de novo crime punível com pena acessória, assim inviabilizando a acumulação de 3 pontos que resultariam da sua boa conduta rodoviária.

Aduz ainda o arguido factos que, a seu ver, obstariam à cassação da sua carta, porquanto teria praticado os crimes em causa num período de grande desorganização pessoal, período, esse, que, entretanto, ultrapassou.

Refere, a propósito do seu passado rodoviário, que não regista quaisquer averbamentos de contra-ordenações anteriores. Porém, se tal afirmação se mostra desde logo contrariada pelo registo individual de condutor (RIC) junto aos autos, importa esclarecer que as condenações anteriores à entrada em vigor do DL n.º 116/2015, de 28-12 não podem ser valoradas (e não foram) para efeitos de subtracção de pontos. Ou seja, é indiferente, para este efeito, se o arguido registava ou não averbamentos no seu RIC anteriores a 01.06.2016.

Como indiferente será a prática posterior de outras contra-ordenações, na medida em que o arguido não tem já pontos a descontar e não se encontra em condições sequer de poder adquirir pontos.

Acrescenta o arguido que o ano de 2017 foi particularmente difícil para si, por não ter conseguido lidar com a pressão de um despedimento iminente, o que o deixaria, além de tudo o mais, sem condições de continuar a custear os estudos universitários dos seus filhos (com graves consequências no futuro destes), o que o “afundou” numa depressão grave, tendo-se o mesmo entregado ao consumo de bebidas alcoólicas, como forma de “aliviar” os problemas, que ainda se agravaram mais após a primeira condenação, com o corte de relações dos seus filhos e com a separação da sua companheira. E como tomava medicação para a depressão, juntamente com o álcool consumido, teria passado por um período de total inimputabilidade, não se encontrando nas suas faculdades plenas, não se revendo agora nos comportamentos que, então, adoptou.

Importa esclarecer o arguido que a inimputabilidade, que o mesmo alega não ter conseguido provar nos processos em que foi condenado, mas da qual sofreria, corresponde a um conceito jurídico, previsto no art.º 20.º do CPenal, aqui se prevendo que é inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, foi incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação. Também pode ser declarado inimputável, quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental, e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação, sensivelmente diminuída. Porém, a imputabilidade não será excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada pelo agente com a intenção de praticar o facto.

Ora, a depressão de que porventura o arguido padeceria à data dos factos, só por si, não constitui causa adequada a turvar a capacidade de avaliação da ilicitude do seu comportamento ou a capacidade de se determinar de acordo com essa avaliação. A eventual medicação para a depressão tão pouco. Porém, se o arguido decidiu ingerir bebidas alcoólicas, e se o efeito conjugado do álcool com a medicação porventura alterou tais capacidades, sempre se imporá concluir ter sido o arguido que se teria colocado nessa condição e, nesse estado, conduzido em estado de embriaguez. Ademais, o arguido confessou, integralmente e sem reservas, os factos que lhe foram imputados em ambos os processos criminais (admitindo, ali, portanto, a sua imputabilidade).

Não tem, pois, fundamento, a pretensão do arguido.

Acresce a quanto exposto que, ao contrário do invocado pelo arguido, a decisão sobre a cassação da carta, no âmbito das competências do Exmo. Presidente da ANSR, não constitui uma pena acessória.

Não se trata, sequer, da mesma cassação a que alude o art.º 101.º do CPenal, cuja aplicação, cabendo ao Tribunal, antes constitui uma medida de segurança, essa, sim, a convocar a necessidade de ponderação das circunstâncias concretas do caso e o dever de fundamentação. Porém, nenhuma cassação foi decretada no âmbito dos processos criminais em causa.

A cassação decretada nos presentes autos tem uma natureza administrativa e funda-se, nos termos legais acima consignados, na perda de pontos, por sua vez resultantes da prática das infracções que a fundamentam.

No caso, o Exmo. Senhor Presidente da ANSR fundamentou devidamente a decisão de cassação, pois que atentou nas infracções elencadas no art.º 148.º do CEstrada, que se mostram comprovadas, as quais constituem a razão de ser da subtracção de pontos ao condutor. Ou seja, aquela cassação é uma consequência necessária da perda dos 12 pontos, pelo que, desde que se demonstrem os pressupostos da referida perda (como sucedeu no caso), terá que ser a mesma decretada, porque assim resulta da lei.

Neste sentido veja-se o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.05.2018 (acessível in www.dgsi.pt), que reconhece que a subtracção de pontos ao condutor se trata de um efeito automático da infracção cometida, não assumindo a mesma qualquer natureza sancionatória (pelo que será alheia ao circunstancialismo que rodeou a prática da referida infracção). Por maioria de razão, fundando-se a cassação na perda de pontos, resulta a mesma também num efeito obrigatório e automático decorrente da verificação dos seus pressupostos.

Ora, no caso, como se provou, o arguido incorreu em, pelo menos, duas infracções criminais, punidas com pena acessória de proibição de conduzir, as quais têm por consequência a perda de 6 pontos, cada uma.

E porque entre uma e outra não decorreu o período de 3 anos, que permitiria ao arguido adquirir pontos, caso mantivesse boa conduta rodoviária, verifica-se que perdeu os 12 pontos que lhe haviam sido atribuídos, o que determina que a sua carta seja cassada e que, nos 2 anos subsequentes à efectivação da cassação, que ocorre com a notificação dessa cassação, não lhe possa ser concedido novo título.

Não merece, pois, qualquer censura a decisão administrativa impugnada, pelo que se decide manter a mesma nos seus precisos termos.

Em face do exposto, não podemos deixar de concordar com o Tribunal «a quo» quanto à verificação dos pressupostos da cassação da carta de condução do arguido, nos termos da al. c) do nº 4 do art. 148º do CE.

Na verdade, conforme o Tribunal acertadamente demonstrou, o arguido nunca chegou a encontrar-se em qualquer das situações previstas nas als. a) e b) do referido normativo legal, porquanto, por força da primeira condenação sofrida e descrita no ponto 2 da matéria de facto provada, o arguido perdeu 6 dos 12 pontos, de era inicialmente titular, restando-lhe 6, os quais foram perdidos, por efeito da segunda condenação, descrita no ponto 3 da mesma enumeração.

Além disso, afigura-se-nos que uma correcta interpretação do normativo do nº 4 do art. 148º do CE tem como corolário que o efeito jurídico previsto na al. c) (cassação da carta de condução) se verifique logo que estejam reunidos os respectivos pressupostos, concretamente, a perda total de pontos, independentemente de ter sido conferida ao seu titular a oportunidade de frequentar a acção de formação, a que se refere a al. a), ou ter realizado o exame preconizado pela al. b).

Tal interpretação impõe-se, nomeadamente, em razão da inclusão, na redacção da al. a), da expressão «sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes».

A questão da eventual inimputabilidade do arguido foi tratada na fundamentação da sentença recorrida, em termos que também merecem a nossa concordância.

Resultou provado que o arguido praticou os crimes por que foi condenado, nos processos identificados nos pontos 2 e 3 da matéria provada, nas circunstâncias pessoais descritas no ponto 5 da mesma sucessão factual.

O circunstancialismo descrito no ponto 5 da matéria assente poderá reflectir-se na diminuição do grau de culpa do arguido, que é aspecto que pode relevar noutras sedes, que não aquela que nos ocupa.

De resto, as referidas circunstâncias seriam susceptíveis de obstar a que:

- O arguido fosse capaz de avaliar a ilicitude da sua actuação;

- O arguido fosse capaz de se determinar de acordo com essa avaliação.

Como tal, está excluído que o arguido tenha actuado em estado inimputabilidade, improcedendo o recurso totalmente.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.

Notifique.

Évora 10/11/20 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Póvoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)