Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
238/17.1T8ETZ-I.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
REMIÇÃO
DEPÓSITO DO PREÇO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. O direito de remição regulado nos artigos 842º a 845º do Código de Processo Civil é aplicável à venda realizada no âmbito do processo de insolvência.
II. Os titulares do direito de remição não têm de ser notificados de que vai ser realizado o acto jurídico no qual têm o direito de remir ou para, querendo, exercerem o direito de remição.
III. O direito de remição, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 842º do Código de Processo Civil, pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que documenta a venda, e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.
Decisão Texto Integral:

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. BB e CC, pais da Insolvente DD, requereram em 19/03/2019, ao abrigo do disposto nos artigos 819°, 842° e 843°, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 164° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a suspensão da venda marcada para o dia 20/03/2019, para exercerem o direito de remição, nos termos e com os fundamentos seguintes:
«1. Os aqui requerentes são pais da insolvente DD (…).
2. Os requerentes não foram notificados pelo douto Tribunal ou pela Sra. Administradora de Insolvência nomeada que o imóvel ia ser objecto de venda.
3. Imóvel esse que constitui a casa de morada de família onde os mesmos, por motivos de saúde, do foro oncológico, residem com os Insolventes neste momento, tratando-se de pessoas com alguma idade e graves problemas de saúde, sendo os Insolventes cuidadores, no imóvel habitam também duas crianças menores.
4. Também não foram os aqui requerentes notificados para, querendo, exercer o direito de remissão.
5. Estabelece o artigo 843°, n.º 1, alínea a) e b) do CPC, que o direito de remissão pode ser exercido “até ao momento de entrega dos bens, ou da assinatura do título que a documenta”, em conjugação com o artigo 844° e 845° do CPC não há dúvidas de que os ora requerentes têm o direito de exercerem, até à data da escritura, o direito de remissão, direito esse que lhes foi sonegado.
6. Requer-se assim, que a escritura marcada para amanhã seja dada sem efeito, por os requerentes estarem em tempo de exercerem o direito de remissão.
7. Requerendo-se assim, que para efectivação desse direito, que V. Exa. anule a venda agendada para amanhã dia 20/03/2019, pelas 14h00, a realizar no Cartório Notarial da Dra. Gabriela Pimentel em Évora.»

2. A pretensão dos requerentes foi indeferida, por despacho de 19/03/2019, do seguinte teor:
«O processo de insolvência visa a execução universal do património dos devedores.
No âmbito dos presentes autos foi já há muito tempo determinado o prosseguimento dos autos para liquidação do activo, seguindo a referida liquidação regras próprias previstas no Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas.
Em sede de incidente de diferimento da desocupação do locado, foi conferido prazo adicional para a entrega do locado, tendo sido tal prazo prorrogado até ao dia 18 de Março de 2019, depois de ouvida a Senhora Administradora de Insolvência.
Ora, o requerimento que antecede, entrado na véspera da data aprazada para celebração de escritura de compra e venda do imóvel apreendido nos autos, configura uma clara tentativa de entorpecimento do andamento dos presentes autos e visa, acima de tudo, evitar o desfecho da liquidação.
Configura uma actuação, claramente, de má-fé, sendo evidente que os progenitores da insolvente têm há muito conhecimento da existência da presente insolvência e nada vieram requerer a este propósito.
Ademais, no requerimento de fls. 111, resulta evidente que o imóvel objecto de liquidação corresponde à habitação dos insolventes, sendo certo que os progenitores caso assim pretendessem poderiam ter, em tempo, apresentado proposta para compra do imóvel, o que não fizeram.
De resto, do requerimento mencionado resulta expresso que os progenitores da insolvente sabiam que o imóvel ia ser vendido e tentaram obter fundos para apresentação de proposta, não tendo logrado alcançar o seu desiderato.
A sua actuação configura uma conduta processual abusiva e completamente destituída de fundamento legal, sendo certo que o disposto no art. 842.º e ss. não tem aplicação no âmbito da insolvência por inexistência de lacuna neste particular.
Nestes termos, indefiro o requerido por manifesta inadmissibilidade legal.
Custas do incidente pelos requerentes, que fixo em 3 UC.»

3. É, pois, deste despacho que vem interposto pelos requerentes o presente recurso, que se fundamenta nas seguintes conclusões:
1.ª O despacho proferido, em 19/03/2019, pelo Tribunal “a quo” que indeferiu o requerimento apresentado pelos recorrentes, em que os mesmos manifestavam o seu propósito de exercer o direito de remissão que lhes assistia, é claramente ilegal.
2.ª Refere o despacho recorrido que o disposto no art. 842.º e ss. não tem aplicação no âmbito da insolvência por inexistência de lacuna neste particular, indeferindo assim o requerido por inadmissibilidade legal.
3.ª Quando nos termos da lei, nomeadamente do disposto no artigo 17º do CIRE e o artigo 165º do CIRE, se diz, claramente, que em tudo o que não contrarie o disposto no CIRE se aplicará o disposto no Código de Processo Civil.
4.ª Assim sendo, não há dúvidas de que o disposto no artigo 842º e ss. do CPC, se aplica também ao processo de insolvência, entendimento que é inclusive defendido por ampla jurisprudência.
5.ª Tendo este entendimento fundamento na própria finalidade do direito de remição, que é o da protecção da família, através da preservação do património familiar.
6.ª In casu, não podemos também esquecer que estamos a falar da casa de morada de família, onde os recorrentes, por motivos de saúde também vivem, sendo os insolventes os cuidadores dos mesmos.
7.ª Pelo que, o que se pretendia era apenas evitar a saída dos bens do âmbito da família.
8.ª Considerando que o exercício do direito de remição não causa prejuízo aos credores, nem aos proponentes que a terem prejuízo terão direito a indemnização.
9.ª O direito de remissão deve ser admitido sempre que a venda dos bens tenha um carácter coactivo, seja em processo executivo, seja em processo de insolvência.
10.ª E, nos termos do disposto nos artigos 843º, nº 1, alínea b) do CPC, o direito de remissão pode ser exercido “até ao momento de entrega dos bens, ou da assinatura do título que a documenta”.
11.ª Os recorrentes tinham legitimidade e estavam em tempo de exercer o direito de remissão, nos termos do disposto nos artigos 842º, 844º e 845º do CPC.
12.ª Direito este que lhes foi ilegalmente coarctado pelo Tribunal “a quo”.
13.ª Padecendo o despacho ora recorrido de ilegalidade por violação do disposto nos artigos 842º, 843º, nº 1, alínea b), 844º e 845º do CPC e 17º e 165º do CIRE.
14.ª Ao não admitir o exercício do direito de remissão pelos aqui recorrentes, o Tribunal “a quo” provocou graves prejuízos tanto aos aqui recorrentes, bem como aos restantes intervenientes que, por força deste despacho, celebraram a escritura pública de compra e venda, que, deverá ser anulada.
15.ª Termos em que, deverá o despacho recorrido, por padecer de ilegalidade, ser revogado e substituído por outro que admita que os recorrentes exerçam o seu direito de remissão, anulando a venda do imóvel, entretanto, efectuada no dia 20 de Março de 2019.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, admitindo-se os recorrentes a exercer o direito de remissão que lhes assiste e, em consequência, deverá ser anulada a venda entretanto titulada por escritura pública.

4. Contra-alegaram os credores EE e marido, FF, sustentando, em síntese que, ainda que se entenda que o direito de remição possa ser admitido no processo de insolvência, deveriam os requerentes, para exercerem validamente o direito de remição, ter depositado o preço no momento em que se apresentaram para exercer o direito ou até à realização da escritura de compra e venda, nos termos da alínea b) do n.º 1, do artigo 843º do Código de Processo Civil, o que não fizeram.
Deste modo, concluem pela improcedência do recurso, com a consequente confirmação do despacho recorrido.

5. O recurso foi admitido como de apelação, com subida em separado e com efeito meramente devolutivo, como consta do despacho de fls. 33, que se manteve.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apurar se os requerentes têm o direito de remição que invocam; se o direito de remição é aplicável à venda realizada no âmbito do processo de insolvência; em caso afirmativo, se tinham que ser notificados para o exercerem; e se invocando os requerentes que pretendiam exercer o direito de remição tinha a diligência marcada que ser suspensa para esse efeito.
III – Fundamentação fáctico-Jurídica
A) - Os Factos
Com interesse para a decisão releva a factualidade que resulta do relato dos autos.
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B) – O Direito
1. Como flui dos autos, os requerentes, ora recorrentes, pediram a desmarcação da escritura de compra e venda agendada para o dia seguinte, invocando assistir-lhes o direito de remição na compra do imóvel objecto da venda, que constitui casa de morada de família, sua e dos insolventes.
O direito de remição, que se encontra previsto nos artigos 842º a 845º do Código de Processo Civil, consiste num direito de preferência legal, de formação processual, na medida em que visa tutelar a manutenção e a intangibilidade do património familiar, evitando, por essa via, e quando é exercido, a saída dos bens do campo do património da família do executado, muitas vezes, por razões sentimentais e memórias familiares que lhes estão associadas (cf. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 621).
E, só é deferido ao cônjuge e aos familiares referidos no artigo 842º do Código de Processo Civil, pela hierarquia estabelecida no artigo 845º do mesmo código.
Como decorre do disposto no artigo 842º do Código de Processo Civil, “[a]o cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”
Em face deste regime, não se suscitam dúvidas que os ascendentes do executado têm direito de remição na compra e venda do imóvel.

2. E, também se entende que o direito de remição é aplicável à venda realizada no âmbito do processo de insolvência, pelas razões elencadas no acórdão da Relação de Coimbra, de 14/07/2014 (proc. n.º 2741/11.8TBPBL-I.C1), disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt [cf. ainda neste sentido, na doutrina, Salvador da Costa, A Venda Executiva, Os Direitos Reais De Aquisição E Os Direitos de Remição, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, Coimbra Editora, 2013, pág. 1238, dando ainda conta de ser esse também o entendimento de Alberto dos Reis, cf. nota (29); na jurisprudência, entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra, de 22/05/07 (proc. n.º 212-E/1997.C1), e da Relação de Guimarães, de 03/11/2016 (proc. n.º 141/14.7TBGMR-E.G1)].
De facto, como se diz naquele aresto, são múltiplas as razões que contribuem para esta conclusão:
«O direito de remição pressupõe, sempre, uma venda coactiva ou forçada de bens do devedor, com a finalidade de com o produto da sua venda se dar satisfação aos credores. Mas a estes é de todo indiferente a origem do dinheiro com que vão ser pagos os seus créditos: quer o dinheiro provenha dos compradores ou antes do cônjuges, descendentes ou ascendentes do devedor, para os credores é a mesma coisa.
Com a actuação do direito de remição, os credores não sofrem qualquer prejuízo, pois que pouco lhes importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor ou uma pessoa estranha: a única coisa que verdadeiramente lhes interessa é o preço por que os vens são vendidos e é esse preço que os remidores hão-de pagar.
Neste contexto, dada a razão que anima o direito de remição, este deve ser admitido quando a venda de bens tenha o carácter coactivo de que se reveste no processo de execução – e outra não é, decerto, a feição da venda em processo de falência ou de insolvência: é uma venda executiva, forçada, consequente à apreensão dos bens do devedor para a massa.
O processo de insolvência mais não é que uma execução colectiva ou universal (artº 1 nº 1 do CIRE).
Na acção executiva promove-se, em geral, a realização coactiva de uma única prestação contra um único devedor e, em observância de um princípio de proporcionalidade, apenas são penhorados e excutidos os bens do devedor que sejam suficientes para liquidar a dívida exequenda (artºs 735 nº 3 e 813 nº 1 do nCPC). Esta execução distingue-se do processo de insolvência que é uma execução universal, tanto porque nela intervêm todos os credores do insolvente, como porque nele é atingido, em princípio, todo o património deste devedor (artºs 1 nº 1, 47 nºs 1 a 3, 128 nºs 1 e 3 e 149 nºs 1 e 2 do CIRE).
Como o devedor se encontra em situação de insolvência, quer dizer, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, todos os credores, podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas (artº 3 nº 1 do CIRE).
Na execução singular, um credor pretende ver satisfeito o seu direito a uma prestação; esse credor necessita de uma legitimação formal, que é um título executivo e se o devedor for solvente obtém na acção executiva a satisfação do seu crédito (artº 10 nºs 4 e 4 do nCPC).
No processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente.
O processo de insolvência baseia-se na impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas e, portanto, orienta-se por um princípio de distribuição de perdas entre os credores. Mas para que possa iniciar-se a liquidação total do património do devedor é absolutamente indispensável que o tribunal emita uma sentença que o declare em estado de insolvência. Quer dizer: a sentença é o único título executivo susceptível de servir de base á execução universal e colectiva em que a insolvência se resolve. Todavia, proferida essa sentença, o sacrifício de todos os bens do insolvente que se segue, mais não é que a sua execução.
Ora, não seria lógico que podendo os familiares apontados do devedor exercer o direito de remição na execução singular não possam exercer o mesmo direito na execução universal, que é a falência ou a insolvência.
De resto, sendo os bens vendidos, na insolvência, por uma das modalidades de venda executiva admitidas na execução singular, não há razão séria, para nesse caso, não se admitir o exercício, no contexto do processo de insolvência, do direito de remição, dado que tudo se passa como se venda fosse feita em processo de execução, venda que é a condição e o requisito essencial de que depende o direito de remição (artº 164 nº 1 do CIRE).»

3. Assente que os recorrentes tinham o direito de remição na venda do imóvel e que esse direito é exercitável na venda em processo de insolvência, vejamos se a manifestação da vontade de exercer o direito implica que se dê sem efeito a marcação da escritura, como haviam solicitado, e se deve agora ser anulada a venda do imóvel para que aqueles exerçam o direito de remição.
Dizem os recorrentes, no requerimento em que pedem a desmarcação do acto agendado – a escritura de compra e venda – para exercerem o direito de remição, que não foram notificados de que o imóvel ia ser vendido nem para exercerem o direito, e que face ao disposto nos artigos 843º, n.º 1, alíneas a) e b), 844º e 845º, do Código de Processo Civil, podiam exercer o direito de remição até à data da escritura”, direito este que lhes foi sonegado.

4. Porém, sendo certo que os ascendentes da insolvente tinham efectivamente o direito de remição na compra e venda do imóvel em questão, não se encontra prevista na lei a necessidade de notificação dos familiares a que possa assistir o direito de remição, ao contrário do que sucede em relação ao direito de preferência, que se prevê a notificação nos artigos 800.º, n.º 2, e 819.º do Código de Processo Civil.
Assim se decidiu, entre outros, no acórdão da Relação do Porto, de 23/06/2015 (proc. n.º 4666/11.8TBMAI-AA.P1), onde se conclui que: «Os titulares do direito de remição não têm de ser notificados de que vai ser realizado o acto jurídico no qual têm o direito de remir ou para exercerem, querendo, este direito».
De facto, como se escreveu neste aresto, com abundantes e pertinentes citações da doutrina e jurisprudência, «[n]ão se trata de uma solução legal recente. Já Alberto dos Reis in Processo de execução, vol. 2.º, reimpressão, pág. 483 afirmava que “ao contrário do que sucede com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer; têm, por isso, de estar alerta, a fim de se apresentarem no momento próprio ou dentro do prazo legal”. Também Anselmo de Castro in A acção executiva singular, comum e especial, 3.ª ed., 1977, pág. 226, assinalava que “o remidor não é notificado para o exercício do seu direito”. Segundo esclarecia Eurico Lopes-Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3.ª ed., págs. 613 e 614, (referência histórica que igualmente se encontra em Alberto dos Reis, loc. cit.) só no tempo das Ordenações, quando o direito de remição era atribuído ao próprio executado e à mulher, estes eram citados para exercer esse direito, tendo essa citação sido eliminada com o Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832, não voltando a constar dos textos legais.»
Acresce que os recorrentes limitaram-se a invocar a falta de notificação, mas não dizem que desconheciam que o acto se ia realizar, sendo certo que, vivendo no imóvel com os insolventes, que suscitaram o incidente no apenso “F” relativo à entrega do imóvel, que foi protelada até 18/03/2019, não era sequer plausível esse desconhecimento, e, no caso até indicam no requerimento o dia e a hora previstas para outorga da escritura.

5. No que se reporta ao exercício do direito de remição, prescreve-se no n.º 1 do artigo 843º do Código de Processo Civil que o direito de remição pode ser exercido:
“a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.”
E, acrescenta-se no n.º2:
“Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.”
Por conseguinte, nas alíneas do n.º1 fixa a lei os momentos até aos quais pode ser exercido o direito de remição. Assim, na venda por propostas em carta fechada, o direito pode ser exercido até à emissão do título de transmissão de bens para o proponente ou no prazo previsto no n.º 3 do artigo 825º do Código de Processo Civil.
“No que tange às outras modalidades da venda, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta. Ou seja, tratando-se de bens móveis, até ao momento material de entrega, pelo agente de execução ao adquirente; tratando-se de imóveis até ao momento da assinatura do título formal (o título de transmissão – vide n.º 1 do artigo827º) que documenta essa venda – escritura pública por força da regra prevista no artigo 875º do CC.” (cf. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina 2017, 2ª edição pág. 529).

6. No caso dos autos, resulta dos documentos certificados de fls. 38 a 42 que o imóvel em causa, que constituía a verba n.º 2/Lote 1, foi vendido em leilão electrónico, tendo sido adjudicado, pelo valor base de € 168.422,00, à licitante EE.
Assim, em face da modalidade da venda escolhida, os titulares do direito de remição podiam exercer o seu direito, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 843º do Código de Processo Civil, depositando integralmente o preço no momento da remição, sendo o depósito condição de validade do exercício do direito [cf., neste sentido, com referência á venda por negociação particular, o acórdão da Relação de Évora, de 26/01/2017 (proc. n.º 671/07.7TBSTC-C.E1)].
Deste modo, e estando em causa bem imóvel o direito de remição tinha que ser exercido até ao momento da realização da escritura pública de compra e venda marcada para o dia 19/03/2019, procedendo ao depósito integral do preço no momento da remição.
Ora, não tendo os recorrentes aquando da apresentação do requerimento a pedir a desmarcação da escritura procedido ao depósito do preço, mas apenas afirmado a intenção de exercer o direito, é manifesto que não exerceram validamente o direito de remição, pelo que não ocorria fundamento para que fosse desmarcada a escritura de compra e venda agendada para o dia seguinte, como pretendiam.
É certo que ainda podiam exercer o direito de remição até ao momento da realização da escritura, mas não resulta dos autos que tenham efectuado o depósito do preço, nem os recorrentes invocam sequer que o tenham feito, sendo certo que a escritura se realizou na data aprazada, como refere a Mma. Juíza, no despacho de fixação do efeito ao recurso.

7. Deste modo, improcede a apelação, confirmando, ainda que com diferente fundamentação, o despacho recorrido, que não desmarcou a escritura agendada nos autos.
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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. O direito de remição regulado nos artigos 842º a 845º do Código de Processo Civil é aplicável à venda realizada no âmbito do processo de insolvência.
II. Os titulares do direito de remição não têm de ser notificados de que vai ser realizado o acto jurídico no qual têm o direito de remir ou para, querendo, exercerem o direito de remição.
III. O direito de remição, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 842º do Código de Processo Civil, pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que documenta a venda, e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas a cargo dos apelantes.
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Évora, 11 de Julho de 2019

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(Francisco Xavier)

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(Maria João Sousa e Faro)

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(Florbela Moreira Lança)