Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1857/19.7T8STB-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA CARVALHO PINHEIRO LEITE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDA
INCUMPRIMENTO
COMUNICAÇÃO
DOMICÍLIO CONTRATUAL
EFICÁCIA
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Mostra-se validamente efetuada a comunicação à arrendatária do montante em dívida, para efeitos de integrar o título executivo a que alude o artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU, se foi remetida pelo senhorio por carta registada com aviso de receção, dirigida à arrendatária e remetida para o domicílio convencionado no contrato de arrendamento celebrado por escrito, apesar de ter o aviso de receção sido assinado por terceiro e de não ter sido remetida nova carta. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

A executada O… deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe move, bem como a I…, a exequente C…, na qual é apresentado, como título executivo, contrato de arrendamento outorgado pela executada, na qualidade de arrendatária, acompanhado por comprovativo da comunicação à arrendatária do montante em dívida.
A embargante fundamenta a oposição sustentando, em síntese, que não foi regularmente citada para a execução, não foi citada ou notificada do procedimento extrajudicial pré executivo invocado no requerimento executivo e não foi notificada da declaração de resolução do contrato de arrendamento nem lhe foi comunicado o montante das rendas consideradas em dívida, defendendo que o título executivo dado à execução não é válido nem eficaz; mais impugna a liquidação da quantia exequenda, pelos motivos que expõe.
Recebida a oposição à execução, a embargada contestou, invocando a extemporaneidade da dedução dos embargos e pugnando pela respetiva improcedência.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi comunicado às partes que o estado do processo permite conhecer do mérito da causa, tendo-lhes sido concedido prazo para se pronunciarem.
Foi proferida decisão, na qual se fixou o valor à causa, se proferiu despacho saneador, se discriminou os factos considerados provados e se conheceu do mérito da causa, tendo-se decidido o seguinte:
Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, declarar procedente a oposição à execução e, por consequência, determinar a extinção da execução.
Custas pelo exequente (cfr. art.º 527º nº 1 do CPC).
Notifique e registe
Inconformada, a embargada interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por decisão que determine o prosseguimento da execução, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Através do Despacho Saneador-Sentença proferido em 26.02.2020, o Tribunal a quo decidiu que “(...) não se pode considerar que exista nos autos o comprovativo da comunicação exigida pelo artº 14º-A.”.
2. E, por fim, proferiu decisão no sentido de “(...) declarar procedente a oposição à execução e, por consequência, determinar a extinção da execução”.
3. Contudo, não podemos concordar com a decisão, porque o Recorrente cumpriu todos os formalismos exigidos pelo artigo 14.º-A do NRAU, como também, os pressupostos de notificação aos Executados, à data Arrendatários, nos termos do disposto pelos artigos 9.º e 10.º do NRAU.
4. Além de que, analisado o requerimento de despejo intentado pelo Recorrente antes da venda do imóvel, ao qual foi atribuído o n.º 1333/18.5YLPRT, o Balcão Nacional do Arrendamento não entendeu que seria objeto de recusa, nos termos do artigo 15.º-C do NRAU, nem mesmo a Recorrida veio opor-se ao requerimento com esse fundamento após ter sido notificada pelo Balcão Nacional do Arrendamento.
5. Mesmo que assim não se entendesse, com o devido respeito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que declarou procedente a oposição à execução deduzida pela Recorrida e, em consequência, determinou a extinção da execução, por manifesta falta de título executivo, não fez a correta aplicação do Direito, desconsiderando a parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do NRAU.
6. O Recorrente enviou em 23.10.2017 carta regista com aviso de receção a resolver o contrato de arrendamento a ambos os Arrendatários, ao abrigo da Lei n. º 43/2017, de 14/06, nomeadamente no que ao artigo 9.º e 10.º do NRAU diz respeito.
7. Portanto e, na medida em que, no contrato de arrendamento foi acordado domicílio convencionado dos Arrendatários, as comunicações previstas no artigo 10. º n. º 1 alínea a) do NRAU produziram os seus efeitos, sem qualquer nulidade prevista na lei.
8. Uma vez que a exceção prevista no n. º 2 alínea b) do mesmo artigo 10. º apenas se aplica nos casos em que não existe domicílio convencionado no contrato de arrendamento, o que não é o caso.
9. Assim sendo, consideram-se as comunicações enviadas aos Arrendatários válidas e eficazes, produzindo todos os seus efeitos legais, considerando-se a resolução concretizada a 25.10.2017, mesmo que as cartas tenham sido recebidas por terceiro.
10. Assim, o Tribunal a quo não deveria ter declarado procedente a oposição à execução com fundameno na falta de título executivo, uma vez que a o Recorrente, àquela data Senhorio, cumpriu os requisitos constantes dos artigos 9.º e 10.º do NRAU, para efeitos de comunicação de resolução aos Arrendatários.
11. Estando ainda a decisão recorrida em clara violação com as normas dos artigos 9. º e 10. º do NRAU.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão da falta de título executivo.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentos de facto
Na 1.ª instância, foram considerados provados os factos seguintes:
1. O exequente foi, até 09.08.2018, dono e legítimo possuidor do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Largo Alberto Mendes Fialho, nº …, freguesia de Setúbal (S. Sebastião) e concelho de Setúbal descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …
2. Por contrato de arrendamento reduzido a escrito, celebrado em 18 de Setembro de 2015, o exequente, na qualidade de senhorio e possuidor, cedeu aos executados O… e J… o gozo do imóvel melhor descrito em 1. dos factos assentes.
3. O contrato de arrendamento habitacional foi celebrado pelo prazo de cinco anos (cl.ª 2.ª n.º 1), com início em 01 de Outubro de 2015.
4. A renda mensal foi estipulada em € 275,00 euros, a ser paga até ao primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito, actualizada a partir de 20 de Fevereiro de 2018 para € 278,08 euros (duzentos e setenta e oito euros e oito cêntimos).
5. Os executados não pagaram as rendas respeitantes a Agosto e Novembro de 2016, Fevereiro, Agosto, Outubro e Novembro de 2017, no valor total de € 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros).
6. Por carta registada com aviso de recepção datada de 23.10.2017 enviada para a morada do locado e recepcionada em 25.10.2017 por terceiro, o exequente comunicou a resolução do contrato de arrendamento e pediu o pagamento das rendas respeitantes aos meses de Agosto de 2016, Novembro de 2016, Fevereiro de 2017, Agosto de 2017, Outubro de 2017 e Novembro de 2017 no montante de € 1 650,00 euros, o pagamento da indemnização de 50% dos valores em dívida, a entrega do locado em trinta dias e o pagamento da indemnização prevista no artº 1045º CC.
7. Consta assinaladamente da clª 10ª do contrato de arrendamento referido em 2. dos factos assentes, o seguinte: ”As comunicações que haja lugar entre as partes ao abrigo do presente contrato, efectuadas por carta registada com aviso de recepção, por notificações judiciais avulsas, por citações judiciais ou por qualquer outro meio exigível por lei, deverão realizar-se para as seguintes moradas: Senhorio (…) – Arrendatário: a morada do locado.”.
8. A opoente/executada foi citada para a execução em 15.05.2019.
9. O requerimento de oposição deu entrada na secretaria em 14.06.2019.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
A 1.ª instância conheceu do mérito da causa no despacho saneador, após discriminar os factos que reputou provados, tendo considerado verificada a falta de título executivo invocada pela embargante e julgado procedente a oposição à execução, em consequência do que determinou a extinção da ação executiva e condenou a embargada em custas.
Considerou a 1.ª instância que a exequente não dispõe do título executivo complexo previsto no artigo 14.º-A, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (aditado pela Lei n.º 31/2012, de 14-08), que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), por se ter entendido que não foi apresentado comprovativo da comunicação à executada/arrendatária do montante em dívida nos termos exigidos pela mencionada disposição legal, pelos motivos expostos no excerto que se transcreve:
(…) considerando o contrato de arrendamento junto aos autos principais verifica-se que as partes convencionaram na cláusula 10.ª que, « As comunicações que haja lugar entre as partes ao abrigo do presente contrato, efectuadas por carta registada com aviso de recepção, por notificações judiciais avulsas, por citações judiciais ou por qualquer outro meio exigível por lei, deverão realizar-se para as seguintes moradas: Senhorio (…) – Arrendatário: a morada do locado.”.
Ora bem.
Nos termos do disposto no artº. 14º-A da Lei nº 6/2006, de 27/02 introduzido pela Lei nº 31/2012, de 14/08, o contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Trata-se, pois, de um título complexo, que se destina a servir de base à execução na qual se reclame o pagamento de rendas em dívida.
De acordo com o artº. 9º nºs. 1 e 2, da referida lei, essa comunicação deveria ser feita por carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, na falta de indicação em contrário.
E, nos termos do n.º 1 do artº. 10º, a comunicação considera-se realizada mesmo que a carta viesse devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado nos serviços postais, ou mesmo que o AR fosse assinado por terceiro.
(…)
Com a nova redacção dada ao artº. 10º pela Lei 31/2012, passou a exigir-se, quando a carta seja devolvida e esteja em causa título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou o aviso de recepção seja assinado por terceira pessoa, o envio de nova carta registada com AR, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre o envio da primeira carta.
Ou seja, nos termos do artº 10º, nº 2, al. b), nos casos em que a carta registada com aviso de recepção haja sido devolvida por ter sido recusada ou não ter sido levantada na estação de correios ou ainda o aviso de recepção ter sido assinado por terceira pessoa, a comunicação não se considera feita quando as cartas integrem título para pagamento de rendas, ao abrigo do disposto no artº 14º-A do NRAU.
Nessa situação, o nº 3 do artº 10º exige o envio de nova carta registada com aviso de recepção, decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, e o n.º 4 prescreve que se esta segunda carta for devolvida por ter sido recusada ou não ter sido levantada na estação de correios a comunicação se considera feita no 10.º dia posterior ao envio da segunda carta.
Assim sendo, a regra geral da forma de comunicação entre senhorios e arrendatários, que é o escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção, haverá de abranger as cartas que integrem título para pagamento de rendas, ao abrigo do disposto no artº 14º-A, que é precisamente a finalidade das cartas dos autos, o que é reforçado pela previsão normativa contida nos nºs 3 e 4 do artº 10º do NRAU, com vista a permitir que a comunicação se torne eficaz para a formação de título executivo, com artº 10º do NRAU.
O que se entende, face às exigências de segurança e certeza jurídicas de que tal comunicação chegou ao conhecimento do destinatário para efeitos de formação de título executivo com vista à instauração do respectivo processo executivo.
Ora, aplicando o regime legal previsto nos normativos citados ao caso dos autos e tendo presente os factos apurados impõe-se concluir que a comunicação aos arrendatários, designada à opoente/executada não se pode considerar efectuada regular e eficazmente, pois, as cartas registadas com A/R enviadas aos executados foram assinadas por pessoa diferente dos destinatários, não tendo, num segundo momento, sido enviada aos executados uma nova carta registada com aviso de recepção.
Logo, não se pode considerar que exista nos autos o comprovativo da comunicação exigida pelo artº. 14º-A.
O que é o mesmo que dizer que o exequente não dispõe do título executivo complexo previsto no referido normativo legal.
Discordando deste entendimento, sustenta a apelante que a decisão recorrida desconsiderou a parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, alegando que existe no caso presente domicílio convencionado, pelo que não é aplicável a exceção estatuída pela mencionada alínea b), devendo ser considerada válida e eficaz a comunicação dirigida à executada, remetida para o respetivo domicílio convencionado no contrato de arrendamento, ainda que a carta tenha sido recebida por terceiro, como tal podendo servir de base à execução nos termos do artigo 14.º-A do referido diploma.
Está em causa, na presente apelação, apreciar se os documentos apresentados pela exequente valem como título executivo.
O Código de Processo Civil enumera, taxativamente, nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 703.º, as espécies de títulos executivos que podem servir de base à execução, assumindo relevo no caso presente o estatuído na alínea d), nos termos da qual constituem título executivo: os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
O artigo 14.º-A da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (aditado pela Lei n.º 31/2012, de 14-08), que aprovou o NRAU, configura uma disposição que atribui força executiva a determinados documentos, nos termos previstos na citada alínea d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC. Dispõe o n.º 1 do aludido artigo 14.º-A o seguinte: O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
Na execução que constitui o processo principal a exequente apresentou, como título executivo, contrato de arrendamento outorgado, entre outros contraentes, pela executada na qualidade de arrendatária, o qual não vem posto em causa na apelação, acompanhado por documentação destinada a fazer prova da comunicação à arrendatária do montante em dívida, cuja validade cumpre apreciar, de forma a aferir se comprova a realização de comunicação que possa integrar o título executivo.
Foi apresentado pela exequente contrato de arrendamento celebrado a 18-09-2015, através do qual cedeu aos executados, e estes aceitaram, o gozo do prédio urbano nele identificado, para habitação, pelo prazo de cinco anos, com início a 01-10-2015, mediante uma renda mensal no montante de € 275, atualizada para € 278,08 a partir de 20-02-2018, a pagar até ao primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.
Tendo o contrato sido outorgado no dia 18-09-2015, data em que se encontrava em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, é este o regime aplicável, conforme decorre do artigo 59.º, n.º 1, da citada Lei.
No que respeita à comunicação a que alude o artigo 14.º-A, n.º 1, estando em causa comunicação que integre título executivo para pagamento de rendas, encargos ou despesas, há que averiguar se foi respeitado formalismo imposto pelos artigos 9.º e 10.º do NRAU.
Sob a epígrafe Forma da comunicação, dispõe o artigo 9.º, além do mais, o seguinte:
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
(…) 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) (…); b) (…); c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.
Com a epígrafe Vicissitudes, dispõe o artigo 10.º, além do mais, o seguinte:
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: (…) b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. (…)
3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. (…)
No caso presente, encontra-se assente que a cláusula 10.ª do contrato de arrendamento apresentado pela exequente tem a redação seguinte: ”As comunicações que haja lugar entre as partes ao abrigo do presente contrato, efectuadas por carta registada com aviso de recepção, por notificações judiciais avulsas, por citações judiciais ou por qualquer outro meio exigível por lei, deverão realizar-se para as seguintes moradas: Senhorio (…) – Arrendatário: a morada do locado”.
Acresce que consta do ponto 6 da factualidade provada o seguinte: Por carta registada com aviso de recepção datada de 23.10.2017 enviada para a morada do locado e recepcionada em 25.10.2017 por terceiro, o exequente comunicou a resolução do contrato de arrendamento e pediu o pagamento das rendas respeitantes aos meses de Agosto de 2016, Novembro de 2016, Fevereiro de 2017, Agosto de 2017, Outubro de 2017 e Novembro de 2017 no montante de € 1 650,00 euros, o pagamento da indemnização de 50% dos valores em dívida, a entrega do locado em trinta dias e o pagamento da indemnização prevista no artº 1045º CC.
Decorre da aludida cláusula 10.ª que as partes convencionaram, no contrato escrito que outorgaram, o local onde se têm por domiciliadas para efeitos da realização das comunicações a que haja lugar no âmbito do arrendamento, tendo acordado, além do mais, que as comunicações dirigidas ao arrendatário deverão realizar-se na morada do locado, não resultando da factualidade provada qualquer alteração deste local autorizada pelo senhorio.
Ora, extrai-se do ponto 6 que a exequente/senhoria comunicou à executada/arrendatária o montante em dívida, por carta registada com aviso de receção enviada para a morada do locado, assim respeitando o domicílio convencionado no contrato escrito celebrado e o estatuído nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º.
Tendo-se provado que o aviso de receção foi assinado por pessoa diferente da arrendatária destinatária, considerou a 1.ª instância que deveria a senhoria ter remetido nova carta registada com aviso de receção, nos termos previstos no n.º 3 do citado artigo 10.º, tendo concluído que a omissão de tal formalidade impede se considere validamente efetuada a comunicação em causa. Porém, estando em causa um contrato celebrado por escrito em que se convencionou o domicílio, a circunstância de ter a comunicação dirigida à arrendatária sido remetida para o domicílio convencionado impõe solução diversa, não obstante ter o aviso de receção sido assinado por terceiro.
Efetivamente, dispõe o artigo 10.º, n.º 1, al. b), que a comunicação se considera realizada ainda que o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. Estatui o n.º 2 do preceito que o disposto no número anterior não se aplica às situações previstas nas suas alíneas, designadamente às cartas que: (…) b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. Acrescenta o n.º 3 que, nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
Conforme decorre da ressalva constante da parte final da citada alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º – salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior –, a existência de domicílio convencionado, nos indicados termos, afasta a inaplicabilidade do disposto no n.º 1 às cartas que integrem, designadamente, título para pagamento de rendas, encargos ou despesas, nos termos dos artigos 14.º-A.
Em anotação ao n.º 2 do mencionado artigo 10.º, apreciando a questão da não aplicação das consequências previstas no n.º 1, designadamente para as situações de assinatura do aviso de receção por pessoa diversa, nos casos de comunicação que integre título para pagamento de rendas, assinalam Soares Machado/Regina Santos Pereira (Arrendamento Urbano (NRAU), 3.ª edição revista e aumentada, Petrony Editora, p. 265) o seguinte: “Atenção no entanto para o facto de, no caso dos títulos para pagamento de rendas, se poderem aplicar as consequências previstas no n.º 1 quando no contrato de arrendamento em questão as partes tenham convencionado domicílio”.
Existindo, no caso presente, domicílio convencionado em contrato celebrado por escrito e encontrando-se assente que a comunicação foi dirigida à arrendatária para o local convencionado, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. b), cumpre considerar realizada a comunicação, apesar de ter o aviso de receção sido assinado por terceiro.
Conclui-se, assim, que a comunicação do montante em dívida à executada/arrendatária se mostra validamente efetuada, para efeitos de integrar o título executivo a que alude o artigo 14.º-A, n.º 1, pelo que cumpre revogar a decisão recorrida, na parte em que considerou verificada a falta de título executivo por omissão da apresentação do comprovativo de tal notificação.
Verificando que a 1.ª instância, face à procedência da oposição deduzida com fundamento na falta de título executivo, considerou prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos embargos de executado, cumpre determinar o prosseguimento do incidente deduzido pela embargante.

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento do incidente de oposição à execução.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
Évora, 08-10-2020
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (relatora)
Cristina Dá Mesquita (1.ª Adjunta)
José António Moita (2.º Adjunto)