Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
260/11.1JASTB.E-E1
Relator: ISABEL DUARTE
Descritores: TRÂNSITO EM JULGADO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A noção de trânsito em julgado mostra-se contida no artigo 628° do Código de Processo Civil (art.º 677.º CPC 1961) aplicável ex vi do artigo 4° do Código de Processo Penal, segundo o qual "a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 668° e 669°".
Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso para o Tribunal Constitucional ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, no caso contrário.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - Relatório

1 - A arguida, EJS, id. nos autos - Processo n.º 260/11.1JASTB, Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo -, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Juízo Central Criminal de Setúbal - Juiz 1, não se conformando com o despacho que indeferiu a entrega do CD com a gravação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e que indeferiu, por extemporaneidade, a suscitada questão de prescrição do procedimento criminal, dele interpôs recurso.

1.1 - A arguida, na sua motivação, apresentou as seguintes conclusões:

“1. Por despacho datado de 02-11-2020 o tribunal “a quo” indeferiu a requerida entrega do CD com a gravação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e indeferiu por extemporaneidade a suscitada questão de prescrição do procedimento criminal.

2. A arguida, ora Recorrente não se conforma com o despacho recorrido em primeiro lugar porquanto o CD com a gravação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento é sempre entregue às partes.

3. Dispõe o artigo 101.º, n.º 4 do Código de Processo Penal que sempre que for utilizado registo áudio ou audiovisual não há lugar a transcrição e o funcionário, entrega, no prazo máximo de 48 horas uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira.

4. O que não sucedeu nos presentes autos, pese embora a ora Recorrente o tenha requerido por diversas vezes.

5. Andou mal o tribunal “a quo” ao indeferir a entrega do CD com a gravação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo sido violado o disposto no n.º 4 do artigo 101.º do Código de Processo Penal.

6. Termos em que e atento o supra exposto deverá o despacho ora recorrido ser revogado e em consequência deverá ser proferido outro que ordene a entrega imediata do CD com a gravação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento à arguida, ora Recorrente.

7. Sem prescindir, andou mal o tribunal “a quo” ao indeferir por extemporaneidade o requerimento que suscita a questão da prescrição do procedimento criminal.

8. Dado que ao arrepio do decidido no despacho recorrido os presentes autos não transitaram em julgado em 14-10-2019, tendo a prescrição do procedimento criminal sido suscitada de forma tempestiva.

9. A ora Recorrente não se conforma com a data indicada como trânsito em julgado dos presentes autos (14-10-2019) até porque é pacificamente aceite pela nossa doutrina e pela jurisprudência que a decisão só se considera transitada logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º do CPC).

10. Sendo certo que em 14-10-2019 o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça não poderia ter transitado em julgado, até porque deste cabia recurso para o Tribunal Constitucional, o qual foi apresentado, sendo certo que foi declarada a improcedência da questão da inconstitucionalidade suscitada, contudo nessa senda foi apresentada reclamação, motivo pelo qual o acórdão condenatório não transitou em 14-10-2019.

11. Tendo sido apresentado recurso da decisão condenatória para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 280.º da CRP e 70.º, n.º 1, al. b) da Lei 28/82 e mesmo tendo sido negada a subida, o trânsito em julgado de tal decisão só ocorreu com o trânsito da decisão sobre a reclamação que o Tribunal Constitucional proferiu.

12. E mesmo que assim não o fosse para a determinação da data do trânsito em julgado de uma sentença penal deve considerar-se o prazo de 30 dias referido no artigo 411º, n.º 4 do CPP, o qual não foi considerado in casu, tendo o requerimento apresentado em 08-11-2019 o sido de forma manifestamente tempestiva.

13. O despacho recorrido viola assim a noção de caso julgado, de trânsito em julgado e o artigo 628.º do Código de Processo Civil e bem assim o princípio da necessidade e da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2 da CRP), o princípio do acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e as garantias de defesa constitucionalmente consagradas no artigo 32.º da CRP.

14. Termos em que deverá o despacho ora recorrido ser revogado e consequentemente deverá o requerimento em que se suscita a questão da prescrição do procedimento criminal ser apreciado e julgado totalmente procedente.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá conceder-se integral provimento ao recurso ora apresentado em consequência deverá o despacho recorrido ser revogado, ordenando-se a entrega imediata do CD de gravação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e deverá ser apreciada a suscitada questão da prescrição do procedimento criminal, a qual deverá ser julgada totalmente procedente, assim se fazendo JUSTIÇA!”.

2 - Admitido o recurso, foi dado cumprimento ao preceituado no art. 411º n.º 6, do C.P.P., tendo sido apresentada resposta pelo M.º P.º, concluindo, nos termos seguintes:

“1ª- Como resulta de vários preceitos legais e concretamente do disposto no artigo 101.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, «sempre que for realizada gravação, o funcionário entrega no prazo de quarenta e oito horas uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico necessário».

2ª- Por conseguinte, nada no regime legal obriga os tribunais a fornecerem às partes os suportes físicos e informáticos necessários à aludida cópia da gravação a que se procedeu da Audiência de Discussão e Julgamento ou outras gravações, limitando-se aqueles preceitos, a disponibilizar às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato, o acesso a tal registo, o qual deve ser facultado dentro daquele prazo, mas não que tal deve ocorrer igualmente com o CD ou CD’s exigidos por essa operação.

3ª - Não tendo a arguida fornecido o CD e porque a cópia das gravações se destinava à apresentação de queixa-crime, o desfecho do despacho – o indeferimento - seria o esperado.

4ª - Todavia, porque a Exma. Juiz “a quo” reparou o mesmo, perde utilidade o recurso, nesta parte.

5ª - Quanto à prescrição do procedimento criminal, a data indicada nos autos, de 14/10/2019, como sendo a do trânsito do acórdão, mostra-se correcta.

6ª - O conceito de trânsito em julgado não resulta expressamente de qualquer disposição do Código de Processo Penal, mas conjugando o art.º 4º deste Código, com o art.º 628º do CPC, diz-se que uma sentença/acórdão transitou em julgado quando deixou de ser possível o recurso ou a reclamação a que alude.

7ª - Atento o disposto, especificamente para o processo penal, no n.º 2 do art.º 378.º do CPP e, em geral, para o processo civil no art.º 668.º, n.º 3, do CPC, as nulidades da sentença devem ser arguidas em recurso.

8ª - Mas, se arguidas perante o tribunal que proferiu a decisão, têm, como efeito seguro, integrar a figura da reclamação, que, por sua vez e atento o mencionado art.º 677.º, afasta o trânsito em julgado.

9ª - Daí que o trânsito, nos presentes autos, terá de contar-se desde a data da notificação do acórdão do STJ, que conheceu da nulidade invocada, após o acórdão daquele mesmo Tribunal (Acórdãos do STJ de 12/09/2019 e 10/10/2019, respectivamente).

10ª - E se assim é, a data indicada nos autos, de 14/10/2019, tal como se refere supra, mostra-se correcta.

Concomitantemente, existindo trânsito em julgado do acórdão, não faz sentido, por não ser legalmente possível, discutir a prescrição do procedimento criminal.

Consequentemente, parece-me ser de improceder o recurso ora apresentado.

Porém, como sempre, V.ªs Ex.ªs farão a habitual e costumada Justiça!”

3 - No que respeita ao segmento do recurso referente à decisão que indeferiu a entrega de CD, com a prova produzida em julgamento, o tribunal “a quo”, reparou aquela decisão, conforme preceitua o n.º 4, do art.º 414º, do CPP, nos termos seguintes:

“No que tange ao primeiro segmento (da não entrega do CD):

Sem embargo de na nossa decisão não se ter prejudicado qualquer direito da arguida (no sentido de que a finalidade apresentada para o acesso ao registo da prova, foi o da instrução de queixa-crime, e nessa exacta medida, logo ali se declarou que caso o MP, enquanto titular da acção penal, no-la solicitasse, tal elemento seria remetido), e de haver nos autos acórdão condenatório da arguida, já transitado em julgado (não obstante o recurso extraordinário de revisão deduzido pela mesma, cuja subida ao STJ já ocorreu), certo é que tal elemento pode assumir, ainda que num contexto que não seja perceptível para o tribunal, relevância para a requerente.

Assim, porque a nossa decisão recorrida não versa sobre o objecto do processo, sendo passível de reparação, nos termos previstos pelo artigo 414º/4 do Código de Processo Penal, e sendo, como é, passível de cisão, repara-se a mesma, no que tange ao segmento atinente à não entrega do CD, substituindo-se a mesma pela presente, que determina que haja lugar à entrega requerida a fls. 2207 dos autos.

Notifique.”

3.1 - O código do Processo Penal é omisso quanto aos trâmites que se devem seguir no caso de o juiz reparar a decisão. Entendemos, como a restante jurisprudência, que se devem seguir os procedimentos do processo civil, que se harmonizem com o processo penal, conforme estabelece o art.º 4º, do CPP.

Os intervenientes processuais foram notificados do despacho que reparou esse segmento da decisão recorrida. Quer a recorrente, quer o recorrido, após a notificação do despacho de reparação, nada requereram ou questionaram, sobre o mesmo.

Por essa razão, essa segunda decisão transitou em julgado e afectou o conhecimento do recurso da primeira, por ela substituída.

Concluindo, relativamente a esta questão, nada mais compete, a este Tribunal, decidir.

4 - Neste Tribunal, a Ex.ma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo:

“Ora, quanto ao mérito do recurso respondeu o Mº Público junto do tribunal da 1ª Instância, sintetizando as questões colocadas no recurso, e apresentando a pertinente resposta, com base nos elementos de facto constantes dos autos, sendo que, nelas nos louvamos, por serem completas e bem fundamentadas, e que aqui são dadas por inteiramente reproduzidas, nada mais se nos oferecendo aditar.

Nesta conformidade, e concordando-se com a nossa Ex.ma. colega, entende-se que, o recurso não pode proceder, já que não foi violada qualquer norma, antes, tendo sido bem fundamentada a decisão ora sob recurso, pelo que, deve o recurso ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.”.

5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º do C.P.P..

6 - Por carência de elementos juntos com a certidão que instruiu estes autos de recurso independente em separado, foi proferido o despacho de 21/09/2021, que remeteu os presentes autos, ao tribunal “a quo”, a título devolutivo, a fim de serem instruídos com as peças processuais que nele se indicam, destinadas a colmatar essa insuficiência e permitir a este Tribunal de recurso obter os elementos necessários à decisão do objecto do presente recurso.

Em 12/10/2021, foi recepcionada, neste Tribunal da Relação de Évora, a remessa electrónica dos presentes autos de recurso penal.

7- Foram colhidos os vistos.

Cumpre apreciar e decidir

II - Fundamentação

2.1 - O despacho recorrido, na parte que importa, é do seguinte teor:

“Requerimento da mesma arguida, endereçado ao STJ, em que suscita a questão da prescrição do procedimento criminal:

Uma vez que o acórdão proferido nos autos transitou em julgado no dia 14.10.2019, e sem embargo daquele requerimento ter sido apresentado numa ocasião em que havia sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o trânsito em julgado do Acórdão deste último Tribunal, que declarou a improcedência da questão da inconstitucionalidade suscitada, determinou o trânsito do Acórdão do STJ que foi recorrido, nos termos do artigo 80º/4 da Lei 28/82, de 15.11, porque esgotados os recursos ordinários, fazendo corresponder esse trânsito em julgado à data da notificação desse acórdão do STJ (a 14.10.2019).

Assim, e não obstante tal questão ter sido suscitada num momento em que havia sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, a realidade é que por via da decisão deste último Tribunal, que determinou a formação de caso julgado do Acórdão recorrido na mencionada data, tal requerimento, suscitado que foi no dia 8.11.2019, foi-o em momento subsequente ao trânsito em julgado do acórdão condenatório da arguida, ou seja, em momento em que legalmente, já não poderia ser suscitada a questão da prescrição do procedimento criminal.

Desse modo, indefere-se por extemporaneidade, o aludido requerimento. Notifique.

Sem embargo;

Passe e emita mandados de captura da arguida e de condução da mesma a estabelecimento prisional, para cumprimento da pena de 10 anos de prisão, em que foi condenada.”

2.2 - Com interesse para a decisão faz-se menção do seguinte:

Dos elementos e das peças processuais juntos aos autos, relevantes para o conhecimento do objecto do presente recurso, resultam apurados os factos seguintes:

1- A arguida EJS, por acórdão da Instância Central da Secção Criminal de Setúbal - Juiz l, da Comarca de Setúbal, de 14 de Abril de 2016, foi condenada em cúmulo jurídico, pela prática de oito crimes de burla qualificada (sendo 6 desses crimes p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, e 202º, al. b), do C.P. e 202º, al. b), e 2 deles p. e p. pelos artigos 217º, n. º 1 e 218. º n.º 1, e 202º, al. a), do CP), de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.203º, n.º 1, do C.P. e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, n.ºs l, alíneas c) e e) e 3, do CP., na pena conjunta de 12 anos e 4 meses de prisão;

2- Inconformada com o acórdão de 14 de Abril de 2016, dele interpôs recurso a arguida, ora requerente, para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, por acórdão proferido a 12 de Março de 2019, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida;

3- Novamente inconformada com o acórdão confirmatório, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que por acórdão de 12 de Setembro de 2019, julgou parcialmente procedente o recurso quanto à medida conjunta da pena, reduzindo-a para 10 anos de prisão;

4- A arguida EJS arguiu a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, mas a mesma veio a ser indeferida por acórdão, do mesmo Tribunal, de 10 de Outubro de 2019;

5- A arguida interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo proferido a 12 de Setembro de 2019, mas o mesmo não foi admitido por despacho de 5 de Novembro de 2019, do Juiz Conselheiro deste Tribunal Supremo, por extemporâneo;

6- O Tribunal Constitucional indeferiu a reclamação apresentada desta decisão, por acórdão transitado a 18 de Junho de 2020;

7- Por requerimento de 8 de Novembro de 2019, dirigido ao Juízo Central Criminal de Setúbal, Juiz l, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, veio a arguida EJS requerer a apreciação da questão da prescrição de procedimento criminal para o momento em que os autos principais eventualmente baixem do Supremo Tribunal de Justiça, em que correm termos, solicitando que que seja declarada a prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de burla qualificada praticado contra o ofendido RC, incluindo as questões de constitucionalidade, devendo ser proferida decisão que proceda a novo cúmulo jurídico das diversas penas parcelares remanescentes, requerendo-se, desde já, a elaboração e a junção aos autos de relatório social por se afigurar também este elemento como essencial e imprescindível à boa decisão da causa, designadamente para determinação da espécie e da medida da pena e para ponderar e decidir da eventual suspensão da pena;

8- Recebidos os autos no Tribunal Judicial de lª instância, o Ex.mo Juiz do processo por despacho proferido a 20 de Outubro de 2020, considera que o trânsito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça se fixou com o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional, que indeferiu a reclamação ali apresentada;

Em 20 de Outubro de 2020, o mesmo Ex.mo Juiz, proferiu novo despacho, em que, admitindo a reclamação apresentada pelo Ministério Público, dá sem efeito o anterior despacho na parte em que fixara o trânsito em julgado e fixa "o trânsito em julgado na data em que houve notificação do acórdão do STJ, que indeferiu a nulidade suscitada quanto ao acórdão proferido por este mesmo Tribunal", ordenando a rectificação em conformidade da nota de trânsito, para passar a certificar-se que o acórdão transitou em julgado em 14-10-2019;

9- O Ex.mo Juiz do tribunal “a quo”, em resposta ao mencionado requerimento apresentado, em 8 de Novembro de 2019, pela arguida EJS, sobre a questão da prescrição do procedimento criminal de um dos crimes de burla qualificada, proferiu o despacho recorrido de 2 de Novembro de 2020, nos termos expressos no n.º 2.1, do ponto “II - Fundamentação”, deste presente acórdão, aqui dado por integralmente reproduzido, não tendo apreciado concreta, técnica e especificadamente a questão da prescrição do procedimento criminal aludida, porquanto, considerou esse requerimento extemporâneo, pois que foi “suscitado no dia 8.11.2019, no momento subsequente ao trânsito em julgado do acórdão condenatório da arguida - 14/10/2019 -, ou seja, em momento em que legalmente, já não poderia ser suscitada a questão da prescrição do procedimento criminal….” ;

10- A arguida não se conformou com este despacho e dele interpôs recurso, em 9 de Dezembro de 2020, para o Tribunal da Relação de Évora, alegando, além do mais e em síntese que: o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo STJ não ocorreu no dia 14-10-2019, mas com o trânsito em julgado da decisão sobre a reclamação proferida pelo Tribunal Constitucional; a prescrição do procedimento criminal foi suscitada de forma tempestiva, quer face ao art.º 80º, n. º 4, da Lei n.º 28/82, quer considerando o prazo do art.º 411º, n.º 4 do C.P.P., pelo que deverá ser revogado o despacho recorrido e ser apreciada a questão da prescrição do procedimento criminal, julgando-se a mesma totalmente procedente. "Com efeito, consideramos que a consumação do crime se deu até 17 de Junho de 2003, o que, apenas por mera cautela de patrocínio se admite, é forçoso concluir que o prazo prescricional do procedimento criminal apenas esteve suspenso durante 240 dias, não tendo sido esgotado o limite máximo de suspensão de 3 anos, o que leva necessariamente a reiterar que o crime de burla qualificada agravada referente ao ofendido RC está prescrito desde o dia 12 de Fevereiro de 2019 (10 anos de prescrição mais 5 anos desde a primeira causa de interrupção mais 240 dias de suspensão), a qual deverá ser declarada pelo tribunal de 1º instância”;

11- O recurso foi admitido, nesta parte, por despacho de 14 de Dezembro de 2020, decidindo que o mesmo subia imediatamente, em separado, e com efeito meramente devolutivo, para o Tribunal da Relação de Évora. Em 13 de Janeiro de 2021 o Ministério Público respondeu ao recurso;

Apresentada reclamação do despacho que conferiu efeito devolutivo ao recurso foi a mesma decidida no apenso D, mantendo-se o efeito conferido pela 1ª instância;

12- Organizado o apenso para apreciação do recurso (apenso E), foi o mesmo apresentado neste Tribunal da Relação de Évora em 13 de Agosto de 2021;

O MºPº deu o seu parecer em 18 de Agosto de 2021;

Após cumprido o art.º 417º, n.º 2, do CPP, em 21/09/2021, foi proferido o despacho que consta do n.º 6, do ponto “I - Relatório”, deste acórdão, devido à carência de elementos e peças processuais necessários para o conhecimento do objecto do presente recurso;

Em 12/10/2021, foi recepcionada, neste Tribunal da Relação de Évora, a remessa electrónica dos presentes autos de recurso penal, provinda do Tribunal “a quo”;

13- Em 21/10/2021, o S.T.J. remeteu em formato digital o acórdão por ele proferido que indeferiu o pedido de habeas corpus peticionado pela arguida EJS.

2.3 - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respectiva motivação, nos termos preceituados nos arts. 403º, n.º 1 e 412º n.º 1, ambos do C.P.P., sem embargo do conhecimento doutras questões que deva ser conhecida oficiosamente. São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar das decisões recorridas.

Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.

Essa definição compete exclusivamente ao recorrente e tem a finalidade útil e garantística de permitir que não existam dúvidas de interpretação acerca dos motivos que levam o recorrente a impugnar as decisões, o que poderia acontecer perante a mera leitura das alegações, por natureza mais desenvolvidas, definindo-se claramente quais os fundamentos de facto e/ou de direito, já que é através das conclusões que se conhece o objecto do recurso.

Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.

As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

2.4 - Em face das conclusões da motivação do recurso interposto, verificamos que a questão basilar do seu objecto radica em saber se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça transitou em julgado em data anterior a 08.11.2019, concretamente em 14.10.2019, ou se o trânsito em julgado da mesma somente ocorreu na data em que o Tribunal Constitucional, por acórdão transitado a 18 de junho de 2020, indeferiu liminarmente a reclamação do despacho de não admissão de recurso de constitucionalidade para aquele Tribunal interposto do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

2.5 - Apreciação do objecto de recurso

O caso julgado é um instituto que visa a protecção das decisões jurisdicionais, sem o qual essas decisões não seriam vinculativas, já que poderiam ser repetidamente modificadas. Os princípios da confiança, da segurança jurídica enquanto garantia constitucional, a isso obrigam.

A prolação do despacho recorrido, decidiu não conhecer de tal requerimento, por extemporâneo, dada a formação de caso julgado do Acórdão recorrido na mencionada data (14/19/2019), e tendo tal requerimento, sido suscitado no dia 8.11.2019, foi-o em momento subsequente ao trânsito em julgado do acórdão condenatório da arguida, ou seja, em momento em que legalmente, já não poderia ser suscitada a questão da prescrição do procedimento criminal, pode gerar interpretações díspares.

Vejamos!

É determinante a análise dos arts. 80º n.º 4, da LTC - Lei 28/82, de 15 de Novembro -, 628º, do CPC, aplicável, este último, “ex vi”, do preceituado no art.º 4º, do C.P.P.

O citado artigo 80.º, sobre a epígrafe “Efeitos da decisão”, no seu n.º 4, preceitua: “Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, no caso contrário.”

A noção de trânsito em julgado mostra-se contida no artigo 628° do Código de Processo Civil (art.º 677.º CPC 1961) aplicável ex vi do artigo 4° do Código de Processo Penal, segundo o qual "a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 668° e 669°".

São recursos ordinários, para efeito de direito processual penal, o recurso interposto para o Tribunal da Relação e o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (artigos 399° a 436° do Código de Processo Penal.

O Ac. do STJ, de 21/10/2021, junto a fls. 207 a 244, dos presentes autos de recurso independente em separa refere, último § de fls. 238 e nos dois primeiros § de fls. 239, o seguinte: “A própria requerente ElJS reconhece, no acórdão que interpôs em 9 de Dezembros de 2019, para o Tribunal da Relação de Évora, já transitou em julgado, ao defender que o trânsito não ocorreu, como refere o Tribunal recorrido, em 14-10-2019, mas sim, com o trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional" - que indeferiu a reclamação do despacho do Juiz Conselheiro deste Supremo, que não admitira, por extemporâneo, o recurso daquele acórdão para o Tribunal Constitucional.

Considerando que o Tribunal Constitucional indeferiu a reclamação apresentada daquela decisão do Juiz Conselheiro deste Supremo, por acórdão transitado a 18 de Junho de 2020 (…) e, por outro lado, que a recorrente invoca para este efeito no recurso para o Tribunal da Relação de Évora, o art. 80º, n.º 4 da Lei 28/82, que estabelece que "transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida... ", parece implícito, para a requerente, que o acórdão do STJ de 12 de Setembro de 2019 transitou em 18 de Junho de 2020.”

A questão controversa tem a ver com a data do transido em julgado do acórdão do STJ de 12 de Setembro de 2019. O tribunal “a quo” entende que ocorreu em 14-10-2019. A recorrente tem o entendimento que o trânsito em julgado desse Acórdão do STJ, transitou em 18 de Junho de 2020.”, data do trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional que indeferiu a reclamação do despacho do Juiz Conselheiro deste Supremo, que não admitira, por extemporâneo, o recurso daquele acórdão para o Tribunal Constitucional.

Não olvidamos que o requerimento, solicitando a declaração da prescrição do procedimento criminal de um dos crimes pelos quais foi condenada, por acórdão do STJ de 12 de Setembro de 2019, deu entrada em juízo em 08/11/2019.

A jurisprudência, já se pronunciou sobre a questão em diversos acórdãos, ainda que em situações processuais distintas, nomeadamente, nos seguintes:

Ac. do STJ, de 11/03/2021, proferido no Proc. n.º 130/14.1PDPRT.P1.S1, referindo: “ (…) IX - Num plano mais lato, o que se sustenta é que no caso em que o recurso não é admissível para o STJ, a decisão transita a partir do momento em que já não é possível reagir processualmente à mesma, estabilizando-se o decidido, pelo que, no caso de decisões que não admitam recurso, o trânsito verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de correcção (arts. 379.º, 380.º e 425.º, n.º 4, do CPP), ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no n.º 1 do art. 105.º do CPP, em caso de não arguição ou de não apresentação de pedido de correcção” e, em caso de arguição, após o trânsito da decisão que conhece da arguição, data a partir do qual se inicia a contagem do prazo dos recursos extraordinários que pressupõe o trânsito em julgado. Deste modo, impede-se a abertura de uma nova via para prolongar, ou seja, alterar, os prazos legalmente estabelecidos. X - Interpretação cuja não inconstitucionalidade, por similitude de raciocínio, se pode extrair (pelo menos nas situações em que é evidente a impossibilidade de recurso para o STJ), por exemplo, do ac. TC n.º 75/2014, que considerou irrelevante, para efeito de contagem de prazo de recurso para o TC, o recurso interposto para o Pleno das Secções Criminais, assinalando que a estatuição do art. 75.º LTC “não abrange a utilização do meio impugnatório usado pelos reclamantes, já que é legalmente inexistente”. E, citando os acs. do TC 640/2011 e 95/2012, exarou que é entendimento reiterado deste Tribunal que a errónea e indesculpável dedução de um incidente legalmente inexistente não tem a virtualidade de interromper ou suspender o prazo de dez dias legalmente estabelecido para a interposição do recurso de constitucionalidade. XI - No entanto, tal entendimento do STJ, no sentido de que a dedução de um recurso ordinário inadmissível, não pode protelar a data do trânsito em julgado, não é transmutável para o caso dos autos, já que está em causa um recurso para o TC. Nos casos em que não é admissível recurso (ordinário) para o STJ, um dos meios de reacção ao acórdão confirmativo da condenação é a interposição de recurso para o TC no prazo de 10 dias (arts. 105.º, do CPP, e 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82). XII - Em relação à questão da tempestividade do recurso para o TC é necessário acatar, por força do caso julgado formal, quer o despacho do Senhor Desembargador [que, por despacho de 09-7-2019, decidiu em relação aos (três) recursos interpostos para o TC, que o foram “tempestivamente (art. 75º, 1, da L.T.C.), ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 70º da L.T.C., tendo por objecto uma decisão que não admite recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo, por isso, admissível para o Tribunal Constitucional.”], quer a própria posição assumida pelo TC, que, por decisão de 22-09-2020, decidiu não conhecer do objecto do processo por outras razões que não a intempestividade. Aliás, quanto a isto, o próprio art. 75.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82 (Lei do TC), preceitua que interposto recurso ordinário, mesmo que não admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o TC conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso. XIII - Assim, não sendo questionado o recurso tempestivo para o TC, é posição do ac. STJ, que não se pode considerar a existência de um trânsito em julgado. E isso, independentemente de, por Decisão Sumária, o TC não tomar conhecimento objecto do recurso já que, atenta a Lei n.º 28/82 (Lei do TC), tal não significa que se deva atender, para efeito de trânsito em julgado da decisão recorrida, à data em que o recurso foi rejeitado no Tribunal Superior (da Relação ou STJ). Pelo contrário, o trânsito em julgado de uma Decisão Sumária, que não conhece do objecto do processo, conforme resulta do artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82 (Lei do TC), é a data a partir do qual se reiniciam os prazos para interposição de outros recursos, “que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção”. O que, note-se, emerge igualmente do artigo 80.º, n.º 4, parte final, da Lei n.º 28/82 (Lei do TC), referindo que transitada em julgado decisão que não admita recurso ou lhe negue provimento, começam a correr os prazos para os recursos ordinários, se não estiverem esgotados. E essa mesma norma, refere expressamente que transitada em julgado “a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários”. O que é o caso dos autos. Ou seja, a data do trânsito em julgado da decisão recorrida coincide com o trânsito em julgado da Decisão Sumária que não conheceu do objecto do recurso. Assim, verifica-se o trânsito em julgado da decisão recorrida, estando, como se disse no ponto imediatamente anterior, esgotada a possibilidade de recurso ordinário. Assim, não sendo questionado o recurso tempestivo para o TC, é posição do ac. STJ, que não se pode considerar a existência de um trânsito em julgado. Como se exara no ac. STJ, Rel. Pires da Graça, 27.06.2007, Proc. n.º 1885/07 - 3ª Secção, havendo “recurso de uma decisão para o Tribunal Constitucional, inexiste trânsito em julgado dessa decisão”. isso, independentemente de, por Decisão Sumária, o TC não tomar conhecimento objecto do recurso já que, atenta a Lei n.º 28/82 (Lei do TC), tal não significa que se deva atender, para efeito de trânsito em julgado da decisão recorrida, à data em que o recurso foi rejeitado no Tribunal Superior (da Relação ou Supremo Tribunal de Justiça). Pelo contrário, o trânsito em julgado de uma Decisão Sumária, que não conhece do objecto do processo, conforme resulta do artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82 (Lei do TC), é a data a partir do qual se reiniciam os prazos para interposição de outros recursos, “que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção”. Como, recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, ressaltou em diversos arestos (ac. STJ, Rel. Helena Moniz, 12.11.2020, Proc. 1283/11.6TXPRT-O. S1 e 3150/10.1TCPRT-R.S1 - 5.ª Secção, ac. STJ, Rel. António Gama, 10.12.2020, Proc. n.º 586/12.7TXCBR-R.S1 - 5.ª Secção e o acórdão por nós proferido em 11.02.2021, no Proc. 64/11.1TXLSB-Y.S1-5.ª Secção), a propósito de contagem de prazo de recurso de decisão do TEP, interrompida por via de recurso para o TC. O que, note-se, emerge igualmente do artigo 80.º, n.º 4, parte final, da Lei n.º 28/82 (Lei do TC), referindo que transitada em julgado decisão que não admita recurso ou lhe negue provimento, começam a correr os prazos para os recursos ordinários, se não estiverem esgotados. E essa mesma norma, refere expressamente que transitada em julgado “a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários”. O que é o caso dos autos. Ou seja, a data do trânsito em julgado da decisão recorrida coincide com o trânsito em julgado da Decisão Sumária que não conheceu do objecto do recurso.”;

Ac. TRE, de 12/07/2007, proferido no Proc. n.º 1048/07-3, entendeu que: “Ora, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 80° da Lei 28/82 "Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, em caso contrário. De tal disposição resulta à evidência que, em caso de recurso para o Tribunal Constitucional, a decisão recorrida apenas transita em julgado depois do trânsito da decisão do Tribunal Constitucional que não admita (conforme aconteceu nos autos) ou negue provimento ao recurso. Aliás resulta ainda de tal disposição que, em caso de procedência do recurso (no sentido de se considerar inconstitucional a norma aplicada) nem sequer há trânsito em julgado, impondo-se, nos termos do disposto no nº 2 do mesmo artigo, que os autos voltem ao STJ, a fim de que a decisão tomada seja reformada em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade. Face ao exposto, haveremos de concluir no sentido de que, in casu a decisão (…) apenas transitou em julgado após a notificação do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional. (…)”.

Em sentido contrário, que entendemos, mas discordamos, atendendo às alterações legislativas das normas em análise, nomeadamente as do CPC e as da LTC, pronunciou-se o Ac. TRE, de 09/05/2006, proferido no Proc. n.º 2625/05-1, com o seguinte Sumário: I - A decisão transita ou passa em julgado, nos termos do artigo 677º, do C.P.C., logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação por nulidades ou obscuridades ou para reforma quanto a custas e multa. II - Os recursos interpostos das decisões judiciais para o Tribunal Constitucional restringem-se à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitada, não cabendo ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre o mérito da questão de fundo, não operando, deste modo, “como uma instância suprema de mérito”. III - Objecto de recurso de decisão negativa de inconstitucionalidade, ou seja, de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do art.º 70º da LTC, é a questão de inconstitucionalidade de norma de que a decisão recorrida faça efectiva aplicação. Mesmo que tal se tivesse verificado, não se extraindo qualquer efeito jurídico útil do julgamento da constitucionalidade da norma apontada (quer no sentido da sua confirmação, quer da sua alteração) na decisão do mérito da questão de fundo, forçoso é reconhecer que a decisão do Tribunal Constitucional nenhuma incidência poderia ter relativamente ao trânsito em julgado da decisão do Supremo Tribunal de Justiça. IV - No caso, atenta a sua especificidade, sendo irrelevante para a decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não a podendo afectar, o efeito jurídico decorrente da decisão de constitucionalidade, qualquer que ela fosse, evidente se torna que o trânsito em julgado do acórdão condenatório proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça ocorreu em 27 de Outubro de 2004 antes, portanto, de ser atingido o prazo máximo da prescrição do procedimento criminal, o que se verificaria em 01.01.2005, apesar de se encontrar pendente reclamação dirigida ao Tribunal Constitucional.”

Revertendo para o caso “sub judice”, atendendo a todos os circunstancialismo e trâmites processuais apontados, considerando que o Tribunal Constitucional indeferiu a reclamação apresentada da decisão do Juiz Conselheiro deste Supremo, por acórdão transitado a 18 de Junho de 2020 (…), conforme preceitua o art.º 80º, n.º 4 da Lei 28/82, que estabelece que "transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida... ", o acórdão do STJ, de 12 de Setembro de 2019, transitou em julgado em 18 de Junho de 2020, isto é, data posterior à da apresentação do mencionado requerimento de 8 de Novembro de 2019, a solicitar a apreciação da questão da prescrição de procedimento criminal.

Consequentemente, impunha-se assim, contrariamente ao que foi decidido, apreciar a alegada prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de burla qualificada praticado contra o ofendido RC.

Este tribunal de recurso não possuí elementos para a sua apreciação, nem o deveria fazer em respeito ao duplo grau de jurisdição.

Em face do exposto, deve ser revogado o douto despacho recorrido.

III - Decisão

Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto pela recorrente e, consequentemente, revogam o despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que, aprecie a alegada prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de burla qualificada praticado contra o ofendido RC.

Sem tributação.

(Processado e revisto pela relatora que assina e rubrica as restantes folhas, nos termos do art. 94 n.º 2 do CPP).

Lisboa, 2021/11/09

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(Maria Isabel Duarte de Melo Gomes)

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(José Maria Simão)