Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7439/16.8T8STB.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
MEDIADOR
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I- Constitui pressuposto do direito à remuneração do mediador à luz do disposto no nº2 do art.º 19º do RJAMI (Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro) que tenha sido estabelecida de forma válida e eficaz uma cláusula de exclusividade;
II- A atribuição de tal remuneração pressupõe, outrossim, que o contrato visado esteja em vias de se concretizar, i.e. que a mediadora tenha cumprido a sua obrigação de encontrar um destinatário para o negócio i.e. uma pessoa que se disponha a satisfazer as condições que o seu cliente tenha estabelecido para a sua concretização (v.g. preço, (in) existência de contrato promessa, montante do sinal, momento da celebração do contrato visado).
III- Aliás, só se compreende a solução legislativa de fazer o cliente do mediador pagar uma comissão por um negócio que não se concretizou quando se possa concluir que o estádio/fase em que ocorreu a frustração do negócio visado o justifica.
IV- Além disso, esta previsão normativa – enquadrável num quadro de responsabilidade civil do cliente – tem como propósito ressarcir o mediador, colocando-o na situação em que estaria se não fosse a conduta culposa daquele ( art.º 562º do Cód. Civil).
V- Em contrapartida, não se pode reconhecer que o mediador tem direito à retribuição nesta situação quando tenha obtido apenas um potencial destinatário no negócio, i.e. alguém que se mostre interessado em celebrá-lo mas que não tenha anuído ainda a fazê-lo com a integralidade dos propósitos delineados pelo cliente do mediador.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I - RELATÓRIO
1.1. A Autora, AA – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA UNIPESSOAL, LDA., instaurou acção declarativa com processo comum contra a Ré BB – UNIPESSOAL, LDA., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de €60.057,25, acrescida de €13.813,16 correspondente ao IVA e ainda de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em resumo, que, no exercício da sua actividade comercial, celebrou com a Ré dois contractos de mediação imobiliária tendo por objecto a prestação de serviços de mediação imobiliária na compra e venda de três prédios rústicos.

Mais tarde, em 1/10/2015, fizeram um novo contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, que teve por objecto os serviços de mediação imobiliária na compra e venda, em conjunto, desses três prédios mediante o pagamento de determinada quantia monetária por parte da Ré.

Desenvolveu actividade de promoção para venda dos imóveis, publicitando-a, realizou visitas, aproximou os interessados do negócio para que pudessem apresentar propostas e discuti-las e depois de acertado o negócio com um interessado angariada pela Autora a sociedade Ré recusou-se a vender um dos prédios e acabou por inviabilizar o negócio perspectivado, o que não obsta a que, conforme ajustado, pague a remuneração acordada.

Na sua contestação, a Ré refere que não existia qualquer interesse sério por parte dos referenciados compradores e as negociações estavam longe de qualquer consenso, na reunião de 24/11/2015, aqueles pretendiam tão-só negociar os preços para valor manifestamente inferior, nessa sequência, desistiu da venda do prédio denominado Monte Meão devido ao comportamento daqueles e com receio que estes pudessem provocar má vizinhança para os proprietários do terreno contíguo, familiares do seu legal representante.

Mais referiu que se desvinculou da relação contratual em relação ao Monte Meão com o acordo da Autora e mediante a atribuição a esta de outros prédios para substituir a venda do Monte Meão, proposta aceite pela Autora que, em momento algum, transmitiu que lhe era devida remuneração por negócio não concretizado.

Findos os articulados foi realizada a audiência prévia, sendo proferido despacho saneador, seguido da identificação do objecto do litígio e dos temas de prova.

Realizou-se audiência final e subsequentemente foi proferida sentença que culminou com a procedência da acção e condenação da Ré no pedido.

1.2. Desta sentença recorreu a Ré, concluindo, como segue, as respectivas alegações:
I - O presente Recurso tem por objecto a douta Sentença proferida pela Mma. Juíza do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, que julgou procedente o pedido de condenação da Ré, ora Recorrente nos autos, dando origem a uma decisão injusta e desconforme com O Direito.
II - Tratam os presentes autos de apurar da existência do direito da remuneração da Autora, face à alegada responsabilidade da Ré na não celebração do negócio tutelado e previsto em contrato de mediação imobiliário celebrado em regime de exclusividade.
III- Os pedidos enunciados no autos traduzem-se ainda no pagamento de quantias pecuniárias à Autora, a título de retribuição pelos serviços prestados, no valor de Eur.:60.057,25, acrescidos de IV A no valor de Eur. 13.813,16, no total de Eur.: 73.870,41, reclamando-se ainda o pagamento de juros contados à taxa legai d 4% desde a data da citação da R. até integral e efectivo pagamento.
IV - O Mmo. Tribunal recorrido errou na apreciação da prova produzida mais concretamente: na apreciação da prova documental e na apreciação da prova testemunhal produzida na Audiência de Discussão e Julgamento, como também errou na aplicação do Direito
V- A Decisão recorrida não serve adequadamente a Justiça do caso concreto nem poderá manter-se, pelo que a presente Apelação tem por objecto a decisão de facto e de Direito, nos termos do disposto nos arts. 639º e 640º do Cód. Proc. Civil.
VI - Resulta inequivocamente da prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos que não tem a Autora direito à retribuição cujo pagamento reclama, muito simplesmente porque o negócio, nos termos em que o mesmo acabou por desenvolver-se entre a ora Ré e os compradores, com a mediação da Autora, e embora diferente do inicialmente tutelado pelo contrato de mediação imobiliária, concretizou-se e os serviços prestados foram pagos.
VI - Deveriam ter sido dados como provados os factos alegados nos arts. 21°, 24°, 28° 29° e 30° da Contestação, atenta a prova documental junta aos autos, mais concretamente aos Docs. n.º 4, 5, 6 7, 8 e 9 juntos com a Contestação conjugados com a prova testemunhal produzida nos presentes autos mais concretamente as declarações de parte do legal representante da Ré, do comprador Arménio …, do colaborador da Autora Luís … e do sobrinho do legal representante da Ré, cujo depoimento ao contrário do referido na douta Sentença foi espontâneo e inequívoco quanto aos factos relatados.
VIII - No que se refere ao facto n.º 28 dado como provado, resulta claramente das declarações de parte do legal representante da Ré que o mês de Janeiro de 2016 foi mencionado como o mês em que foi comunicada ao colaborador da Autora a proposta de aquisição do prédio denominado por Monte Meão pelos familiares do legal representante da Ré.
IX - Decidiu, portanto o Mmo. Tribunal a quo ignorar por completo a forma como a relação entre Autora e Ré se desenvolveu desde a reunião de 24.11.2015, bem como as escrituras outorgadas em 01/02/2016, consentindo na forma enviesada como a Autora conduziu as negociações e desvalorizando por completo o silêncio da Autora quanto à interpelação que lhe seria devida junto da Autora por retribuição que apenas reclamou por via dos presentes autos de condenação.
X - Da prova produzida resulta, com efeito, que a Autora agiu, face à Ré e face aos compradores que angariou, alimentando-lhes até ao dia das escrituras, a expectativa de concretização de negócio que mais conviesse aos seus interesses, porém sabendo que tal não era possível.
XI - Resulta da prova testemunhal produzida que a Autora violou os deveres de confiança e zelo a que estava adstrita, quer na relação contratual que estabeleceu com a Ré, quer em representação desta junto dos interessados compradores.
XII - A Ré denunciou oportunamente e legitimamente o contrato de mediação celebrado com a Autora, facto dado como provado, mas que não teve qualquer relevância e deveria ter tido na douta Decisão de facto.
XIII - Deveria o Mo. Tribunal a quo ter julgado improcedentes os pedido formulados pela A. contra a Ré com base na inexistência do direito de remuneração reclamado nos presentes autos pela Autora.
XIV - A douta Sentença ao condenar a Ré nos pedidos formulados pela Autora, não aplicou correctamente o Direito, violando os comandos contidos nos normativos acima enunciados - art. 406° do Código Civil e arts. 17° n.º1 alínea c) e art. 19° n.º 2, ambos da Lei 15/2013 de 08.02.
XV- Pelo que urge a substituição da douta Decisão por outra que melhor sirva a Justiça ao caso concreto.
Nestes Termos e nos demais de Direito do douto suprimento de V.Exas, no qual se louvam desde já, a Recorrente, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, substituindo-se a Sentença Recorrida por outra que melhor se adeque ao caso concreto, fazendo Vossas Excelências, deste modo, a habitual e tão necessária Justiça! “.

1.3 Contra-alegou a Autora referindo que a Ré não cumpriu os ónus de impugnação da matéria de facto, pugnando pela manutenção do decidido.

1.4. Foram cumpridos os vistos.

1.5. Objecto do recurso

Refere a recorrida que a recorrente não cumpriu os ónus de impugnação da matéria de facto, mais concretamente que nas suas alegações não dá satisfação à exigência contida na alínea a) do nº2 do artº 640º do CPC atinente às exactas passagens da gravação em que funda o seu recurso.

Vejamos se assim é.

Quando pretender impugnar a matéria de facto, o recorrente terá de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição, conforme preceituado no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a), do CPC.

De tal preceito decorre que a lei exige o cumprimento pelo Recorrente dos seguintes requisitos cumulativos:

i) A indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) A indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

iii) A indicação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto aos indicados pontos da matéria de facto;

iv) A indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, isto quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sem prejuízo da faculdade que a lei concede ao Recorrente de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Deste modo, considerando que a recorrente indica os pontos da matéria de facto que entende incorrectamente julgados e que a propósito de cada um deles indica a razão da sua discordância e ainda que quando a mesma assenta em prova testemunhal consta, relativamente ao depoimento, a sua localização no instrumento técnico que incorpora a gravação da audiência, haverá que entender que está suficientemente cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, isto apesar de as respectivas alegações não serem irrepreensíveis no tocante ao cumprimento do prescrito no preceito em questão.

Assim, tendo o Recorrente cumprido os ónus previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, e suficientemente o ónus imposto pela alínea b) cumpre conhecer do recurso quanto à impugnação da matéria de facto verificando se existem ou não razões para a modificar nos termos pretendidos.

Assim, o objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, todos do CPC) versará sobre:

i) A impugnação da seguinte matéria de facto:
-Se a matéria vertida nas alíneas D) e F) dos factos “ não provados “ deveria ter sido considerada “ provada;
- Se os factos vertidos nos artigos 24º, 27º,29º, 30º e 35º da contestação deveriam ter sido ponderados, por relevantes para a boa decisão da causa, e, caso afirmativo, face à prova produzida se deveriam ter sido dados como “ Provados”.

ii) Reapreciação jurídica da causa: dos pressupostos de atribuição à Autora – mediadora imobiliária – da comissão ajustada com a Ré à luz do disposto no nº2 do art.º 19º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro.


II - FUNDAMENTAÇÃO
i. Impugnação da matéria de facto

(…).

2. São os seguintes os “factos provados” que, contemplando a reapreciação efectuada, relevam para decisão da causa:

1 - A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto social a actividade de mediação imobiliária e administração de imóveis por conta de outrem.

2 - A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à consultoria para os negócios e à gestão, incluindo a contabilística e a fiscal, promoção, administração, arrendamento e compra e venda de empreendimentos turísticos e de imóveis, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, gestão da carteira própria de títulos, exploração silvícola agrícola e pecuária.

3 – A Autora e a Ré, no âmbito da sua actividade comercial, celebraram um acordo particular denominado “contrato de mediação imobiliária” com o nº 0609, datado de 1 de Outubro de 2015, junto a fls. 12v, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual tem por objecto o prédio sito em Vale Figueira, freguesia de Margem, concelho de Gavião, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gavião sob o n.º …3 e o prédio sito no mesmo local, descrito na mesma Conservatória do Registo Predial de Gavião sob o n.º …8.

4 - Na cláusula 2ª desse contrato consta que a mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de € 682.125,00, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis:

5 – A Autora e a Ré, no âmbito da sua actividade comercial, celebraram ainda um acordo particular denominado “contrato de mediação imobiliária”, datado de 1 de Outubro de 2015, junto a fls. 14v, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, que o contrato tem por objecto uma porção de terreno com a área de 1.872270m2 a destacar do prédio rústico sito em Monte Meão, freguesia de Margem, concelho de Gavião, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gavião sob o n.º …6.

6 - Na cláusula 2ª consta que a mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado pelo preço de € 702.266, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.

7 - Após a celebração dos contractos a que se alude em 3) e 5) dos factos assentes, o legal representante da Ré comunicou à Autora que só venderia os prédios de Vale Figueira e Monte Meão em conjunto.

8 - Em consequência desta decisão, em data não concretamente apurada do mês de Outubro, mas após o dia 22/10/2015, a Autora, na qualidade de primeira contratante, e a Ré, na qualidade de segunda contratante, subscreveram o acordo escrito denominado contrato de mediação imobiliária nº. 0609, junto a fls. 16 a 17 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:

“ (…) Cláusula 1ª

(identificação do imóvel)

A segunda contratante é proprietário e legítima possuidora dos prédios com a área total de 369,17 hectares que a seguir se descrevem:

- Prédio rústico com área total de 6,6 hectares, situado em Vale de Figueira, Freguesia de Margem, concelho de Gavião, distrito de Portalegre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gavião sob o n.º …8 da freguesia de Margem, e inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o art.º …8 da secção D;

- Prédio misto com área total de 175,3 hectares, situado em vale de Figueira, Freguesia de Margem, concelho de Gavião, distrito da Portalegre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gavião sob o n.º …3, a parte rústica inscrita na matriz predial rústica da freguesia de Margem sob o art.º …4 Secção D, e a parte urbana inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Margem sob o art.º …4 e

- Prédio rústico situado em Monte Meão, freguesia de Margem, concelho de Gavião, distrito da Portalegre, correspondente a 187,27 hectares a desanexar do prédio rústico com 267,525 hectares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gavião sob o n.º …6 da freguesia de Margem e inscrito na matriz predial rústica da referida Freguesia sob o art.º 1 da Secção J.

Cláusula 2ª

(identificação do negócio)

1 – A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de € 1.384.391 (um milhão, trezentos e oitenta e quatro mil, trezentos e noventa e um euros), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis. (…)

Cláusula 4ª

(regime da contratação)

1 - A segunda contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade.

2 – Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência, ficando a segunda contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole esta obrigação da exclusividade.

Cláusula 6ª

(remuneração)

1 - A remuneração será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, e também, uma vez que o contrato é celebrado em regime de exclusividade, caso o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.

2 - A segunda contratante obriga-se a pagar à mediadora a título de remuneração a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, sendo que o valor da comissão nunca poderá ser inferior a 5000,00€. Ao valor da comissão será acrescentado IVA à taxa legal em vigor.

3 - O pagamento da remuneração apenas será efectuado aquando da assinatura do contrato promessa de compra e venda.

4 - No caso de não haver contrato promessa de compra e venda, a remuneração será devida aquando da escritura.

5 – O direito à remuneração não é afastado pelo exercício legal ou contratual de preferência sobre o imóvel.

Cláusula 9ª

(prazo de duração do contrato)

O presente contrato tem uma validade de 6 meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes através de carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de 10 (dez) dias em relação ao termo do contrato (…)”.

9 – O Réu, na pessoa do seu legal representante CC, leu, aceitou, apôs a data e a assinatura no escrito particular a que se alude 8).

10 – O legal representante da Ré, nesse escrito particular a que se alude em 8), apôs a data de 1 de Setembro de 2015.

11 - No cumprimento dos acordos estabelecidos entre as partes, a Autora diligenciou pela publicitação dos prédios através da divulgação no site da Remax e no jornal Expresso.

12- Nessa sequência foi contactada por duas pessoas que manifestaram interesse em visitar os prédios, do que foi dado conhecimento ao legal representante da Ré.

13 - A fim de preparar as visitas, designadamente para ajudar na identificação dos seus limites e outras informações necessárias à venda, a autora solicitou a colaboração do encarregado dos prédios.

14 - No dia 23/10/2015, a ré efectuou duas visitas aos prédios, uma com José …, e a outra com Arménio …, em representação de Manuel ….

15 – Na sequência da decisão da Ré a que se alude em 7) a Autora comunicou aos “interessados” que aquela só venderia os três prédios em conjunto.

16 - Por mensagem de correio electrónico de 28/10/2015, a Autora enviou ao legal representante da ré as fichas de relatório das referidas visitas.

17 - A autora foi intermediando as negociações, tendo conseguido interessar Manuel … na compra dos três prédios e concretamente, em aceitar pagar o preço de €3.500/ há pelo “Monte Meão”.

18 - No dia 10/11/2015, a Autora informou a Ré do estado das negociações, remetendo-lhe uma mensagem de correio electrónico junto com a petição inicial como doc. nº. 17, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, que “ (…) após insistir com os dois potenciais interessados temos o seguinte ponto de situação: O cliente José …, não se sente motivado para avançar com a proposta, apontando aspectos que considera negativos e continua a procurar outros imóveis que melhor correspondam ao que procura. Por isso diz não ir avançar com a proposta, que antes tinha prometido efectuar, mas para o informar caso o negócio não se concretize com o outro Cliente.

Em relação ao Sr. Arménio … mantém o interesse nos três imóveis, propondo comprar o Monte Meão pelo valor que o Sr. Dr. já tinha concordado (3500€/ha), penso que poderíamos conseguir cerca 3000€/ha pelo imóvel sito em Vale da Vinha e mantém-se a proposta de 2000€/ha pelo Carrapatoso.

Claro que o meu objectivo é celebrar os negócios e por isso tenho insistido na melhoria dos valores, mas como o Sr. tão bem sabe, ou melhor que eu, os negócios têm o seu "timing" e normalmente o que hoje interessa, amanhã deixa de fazer sentido. Por isso apelo a que com a celeridade possível me transmita a sua decisão. Sinto ter esgotado o possível em termos de negociação com estes Clientes (…) ”

19 - Respondeu a Ré com a missiva de 18/11/2015, junta com a petição inicial como doc. nº. 18, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, que “ (…) enviava quadro anexo com os valores finais para fechar a negociação (…) ”

20 – Na sequência da missiva de 18/11/2015, a Autora comunicou ao Sr. Arménio …, representante do interessado Manuel …, a aceitação da Ré pelo preço de €3.500/ ha pelo Monte Meão e da existência de uma diferença de €100,00/ha relativamente ao preço por hectare prédio de Vale Figueira.

21 - O Sr. Arménio …, em representação do interessado Manuel …, manteve a proposta de €3000/ha pelo prédio de Vale Figueira.

22 - No dia 20/11/2015, a Autora informou a Ré do estado das negociações com o Sr. Arménio …, enviando-lhe uma mensagem de correio electrónico, junto com a petição inicial como doc. 19, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, que “ (…) Fui ontem a Abrantes e reuni com o Sr. Arménio …. Como antes disse a demora, normalmente não é boa nestas situações. Não houve desistência, mas senti menos motivação e neste contexto é mais difícil melhorar condições. Ficou a pensar e diz que transmite uma decisão em breve, mas mostrou-se completamente desinteressado das pequenas propriedades. Os 2500€/ha pelo Carrapatoso parece-me pacífico, mas 3100/ha pelo Vale Figueira não me parecem possíveis, uma vez que aponta várias desvantagens sobre o estado da mesma propriedade. Vamos ver o que diz de concreto e depois falamos. (…)”

23- Na sequência desta mensagem, o legal representante da ré aceitou o preço de €3.000/ha pelo prédio de Vale Figueira proposto pelo Sr. Arménio ….

24 – Foi agendada uma reunião para o dia 24/11/2015 com o Sr. Manuel …, com visita aos prédios, não tendo sido alcançado qualquer consenso entre este e o legal representante da Ré quer quanto ao preço de venda das propriedades, quer quanto a quaisquer aspectos relacionados com a sua formalização.

24ª)- Após a reunião de 24/11/2015, o legal representante da Ré comunicou ao colaborador da Autora que não pretendia concretizar a venda do prédio rústico Monte Meão aos potenciais interessados ali presentes.

25 – Na reunião do dia 24/11/2015, ficou agendada nova visita aos prédios.

26 - No dia 30/11/2015, a ré efectuou nova visita às herdades com o Sr. Arménio … e o Sr. Manuel ….

27- A ré começou a tratar dos documentos necessários para a outorga da escritura de compra e venda, tendo ficado a aguardar que a Ré concluísse o processo de destaque da parcela do prédio do “Monte Meão” a vender.

28 – Em data que não se logrou concretamente apurar, mas não antes do mês de Janeiro de 2016, a Ré comunicou à autora que tinha deixado de estar interessada na venda do Monte Meão.

29 - A decisão da Ré de não vender o Monte Meão inviabilizou a concretização do negócio perspectivado pelo Manuel ….

30 - O Monte Meão era o prédio no qual o Manuel … tinha maior interesse para o projecto de exploração que pretendia implementar.

31 - Por escritura pública de compra e venda celebrado em 15/03/2016, no Cartório Notarial de Sofia Henriques, sito em Lisboa, a Ré, na pessoa do seu legal representante, declarou vender o prédio denominado “Monte Meão” à sociedade comercial G…, SA., que declarou comprar, pelo preço de €630.752,50, setenta/cem avos do prédio rústico, sito em Monte Meão, freguesia da margem, concelho de Gavião.

32 – No dia 1/02/2016, a Autora enviou à Ré a missiva junta com a contestação como doc. nº 2 , que aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual consta, além do mais, que “(…) A sua comunicação de retirar o Monte Meão para que ficasse para o Sr. Eng. Pedro …, não foi bem aceite, porque desmonta o que antes tinham como objectivo mas mesmo assim e até sexta feira passada não tive indicações que não fosse possível prosseguir, tendo por indicação de ambas as partes, procedido à marcação das escrituras, para o dia de hoje. Mas no final do dia de sexta - feira o Sr. D… ligou-me e disse que não pretendia avançar com a compra das duas parcelas de Vale Figueira, sem que tivesse um novo destino para a área que não valoriza a sua actividade (…) Como alternativa apontam a possibilidade se se efectuarem hoje as restantes escrituras ou a totalidade, se incluído o Monte Meão (…).

33 – No dia 2/02/2016, a Ré enviou à Autora a missiva junta com a contestação como doc. nº6, que se dá por integralmente reproduzida, da qual consta, além do mais, que caso a escritura pública de compra do Vale Figueira não se realizasse iria vender o terreno a terceiros.

34 - No dia 10/02/2016, a Ré enviou à Autora a missiva junta como a contestação como doc. nº9, que se dá por integralmente reproduzida, da qual consta, além do mais, que “(…) relativamente ao contrato nº. 609 assinado em 1 de Setembro de 2015 (…) venho, desde já, denunciá-lo no seu termo (…)”.

35– A Autora jamais transmitiu à Ré que lhe era devida remuneração por negócio não concretizado.

ii) Reapreciação jurídica da causa: dos pressupostos de atribuição à Autora – mediadora imobiliária – da comissão ajustada com a Ré à luz do disposto no art.º 19º nº2 da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro.

1.1. Na sentença recorrida deu-se ganho de causa à Autora – mediadora imobiliária – condenando a Ré a pagar-lhe o valor de uma comissão de 5% que ficou ajustada no contrato (de mediação) que visava a venda de três prédios rústicos pelo preço global de €1.386.391,00 – cfr. ponto 8 – por se entender ser aplicável ao caso o disposto no nº2 do art.º 19º da Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, norma que o nº1 da cláusula 6ª daquele acordo praticamente replica.

Convém recordar o que dispõe o dito art.º 19º que rege sobre a “remuneração da empresa” imobiliária:
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
3 - Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respetivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize.
4 - O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel.
5 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa. “.

1.2. Antes de entrarmos na apreciação da questão que deixámos enunciada, justifica-se que teçamos umas breves considerações sobre o contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade.
O contrato de mediação imobiliária deixou de ser, a partir de 1992[1]um contrato atípico ou inominado para passar a ser um contrato legalmente regulamentado, sendo que à data da celebração do sub judice o era, como vimos,pela Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro.
Como esclarece Higina Castelo,[2] tal diploma, “à semelhança dos seus antecessores, não fornece uma definição concentrada da realidade que regula e nomeia como contrato de mediação imobiliária. No entanto, com base nas normas que definem a actividade e que regulam aspectos atinentes às partes e à remuneração,o contrato de mediação imobiliária pode ser definido como aquele pelo qual uma empresa de mediação imobiliária assume a incumbência (ou nalguns casos a obrigação) de procurar, para os seus clientes, destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta ou o arrendamento dos mesmos, ou o trespasse ou a cessão de posição em contratos que tenham por objecto bens imóveis, mediante remuneração, devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”.
É precisamente nos casos em que o contrato de mediação contempla uma cláusula de exclusividade, cuja amplitude adiante dissecaremos, que, conforme observa a mesma autora, a configuração do contrato sofre uma alteração em três aspectos essenciais:
“a) o mediador fica necessariamente vinculado à prestação;
b) o cliente, quando seja o proprietário do imóvel ou o arrendatário trespassante, fica obrigado a remunerar a mediadora pela obtenção de um destinatário interessado e pronto a celebrar o contrato visado, independentemente da celebração deste, excepto quando este contrato não se celebre por causa que não lhe seja imputável;
c)havendo incumprimento da cláusula pelo cliente, a mediadora tem direito à remuneração com acelebração do contrato visado, mesmo que não haja nexo causal entre a sua atividade e aquelacelebração.”.

1.3. A exclusividade no contrato de mediação vem contemplada na alínea g) do nº2 do art.º 16º, no qual se determinam os elementos que dele devem obrigatoriamente constar.
Exige-se rigorosamente que caso seja acordado o “ regime de exclusividade” que seja feita tal referência e que se especifiquem os efeitos que dele decorrem quer para a empresa, quer para o cliente.
Por conseguinte, o legislador não define os efeitos de uma cláusula desse jaez, depreendendo-se do texto legal que a mesma pode ter uma díspar abrangência.
E compreende-se a razão: É na concretização do conceito “ exclusividade “ que se densifica a sua relevância contratual.
No regime anterior à Lei nº 15/2013, era a própria lei que explicitava o conteúdo da exclusividade, estabelecendo que, com a sua consagração, só a mediadora tinha o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência ( cfr. art.º 19º nº4 do D.L.nº 211/2004, de 20 de Agosto).
“ O RJAMI absteve-se de estabelecer os efeitos da cláusula de exclusividade e proibiu o julgador de integrar a falta absoluta de estipulação das partes, fazendo recair sobre estas o ónus de explicitarem os efeitos que pretendem para a cláusula, sob pena de nulidade do contrato. De lembrar que tal nulidade, de resto não invocável pela empresa de mediação, não impede a conversão do contrato num contrato de mediação simples , ao abrigo do disposto no art.º 293º do CC.
Todavia, apesar de as partes terem de estipular os concretos efeitos da cláusula de exclusividade , sempre o seu texto terá de se interpretado e , caso seja de teor semelhante ao da revogada norma, manterá actualidade a discussão sobre a sua abrangência – afastar apenas a concorrência ou a actividade do próprio cliente ?” [3]
Sufragamos o entendimento expresso pela mesma Autora[4]e por Maria de Fátima Ribeiro[5] no sentido de que a melhor interpretação de uma cláusula de teor idêntico ao do art.º 19º, nº4 do revogado D.L. 211/2004 (só a empresa de mediação tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação) restringe a operacionalidade da cláusula ao afastamento da concorrência não estando abrangida na sua previsão a situação em que o negócio é obtido pelo próprio cliente.
É, também, este o entendimento expresso no Acórdão desta Relação de 5.11.2015.[6]

1.4. Ora, no contrato em apreço ficou estipulado na Cláusula 4ª sob a epígrafe “regime da contratação” o seguinte:

“1 - A segunda contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade.
2 – Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência, ficando a segunda contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole esta obrigação da exclusividade”.

Estamos assim perante um caso em que o contrato de mediação, apesar de celebrado à luz do RJAMI, faz alusão à legislação revogada, adoptando um texto idêntico ao teor do nº4 do art.º 19º do D.L. nº 211/2004, de 20 de Agosto.
Sendo de admitir a validade de uma cláusula desse jaez à luz do RJAMI, o certo é que o seu teor inculca, à míngua doutros elementos interpretativos, só estar vedado ao cliente contratar outras mediadoras para promover o negócio mas não celebrá-lo ele próprio com interessado obtido pelos seus meios.
Como salienta Maria de Fátima Ribeiro[7] : “ Quando do teor do próprio contrato de mediação não resulte expressamente qual o alcance da exclusividade estabelecida em benefício do mediador, saber se se está perante uma cláusula de exclusividade simples ou uma cláusula de exclusividade reforçada vai depender da interpretação do mesmo, considerando-se toda as circunstâncias conhecidas por ambas as partes embora seja de considerar que, na dúvida, a exclusividade é simples– pois deve resultar claramente do contrato que o comitente se abstém de procurar ele próprio o melhor negócio, dispondo-se a remunerar o mediador no caso em que o consiga directamente (e não em resultado da actividade de mediação).
Na verdade, não seria razoável partir do princípio de que o comitente não pode actuar na pendência de um contrato de mediação. Várias razões militam a favor desta tese: desde logo, sea solução fosse a oposta, o comitente ficaria impedido de conseguir o negócio pretendido, ainda quando vislumbrasse a oportunidade de o celebrar; ou, conseguindo-o e concluindo-o em violação da cláusula de exclusividade, seria devedor do pagamento da comissão ao mediador, mesmo não tendo este cumprido a obrigação de resultado a que se vinculou e sendo certo que o comitente dificilmente pode controlar a actividade do mediador e o grau de diligência empregado por este – pelo que se chegaria a um resultado que seria economicamente injusto; finalmente, o comitente corre sempre o risco de que o mediador, a qualquer momento e sem que aquele o possa evitar, ponha fim ao contrato de mediação, sem que tenha, entretanto, conseguido um terceiro interessado no negócio, pelo que a sua passividade não exigível.”
E acrescenta : “Como já se depreende do que fica exposto, a exigibilidade da remuneração e a eventual existência de uma cláusula de exclusividade estão intimamente ligadas: pela cláusula de exclusividade, as partes determinam que o mediador terá direito à remuneração se o contrato pretendido for celebrado durante o período de exclusividade acordado. No caso da exclusividade simples, tal acontecerá sempre que esse contrato tenha sido celebrado em consequência da actividade de outro mediador, mas já não quando resulte da actuação do próprio comitente. Na vigência de uma cláusula de exclusividade reforçada, o direito do mediador existe, qualquer que tenha sido a origem da actividade que levou à conclusão do negócio.
A função da cláusula de exclusividade é, em qualquer caso, tão só a de afastar a necessidade de demonstração do nexo de causalidade entre a actividade do mediador e a conclusão desse negócio. Por outras palavras, também na presença de uma cláusula de exclusividade, o mediador só adquire o direito à comissão quando estejam presentes todos os requisitos necessários para a sua constituição. Nomeadamente, o mediador deve ter desenvolvido a actividade a que se obrigou; simplesmente, a existência desta cláusula “autoriza a presunção(de facto) de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e terceiros, facilitando o negócio”
Em conclusão, deve entender-se que a cláusula de exclusividade afasta apenas a necessidade de demonstração do nexo de causalidade entre a actividade do mediador e o contrato celebrado entre o comitente e um terceiro – o mesmo é dizer que o mediador apenas terá direito à remuneração se provar que desenvolveu a sua actividade. Uma solução diferente levaria a que o mediador pudesse vir a ser injustificadamente (e injustamente)remunerado.”


1.4. Pressupostos do direito à remuneração do mediador em regime de exclusividade à luz do disposto no nº2 do art.º 19º do RJAMI.
Sendo válida e eficaz a cláusula de exclusividade, estabelece-se no nº2 do art.º 19º o direito à remuneração do mediador se o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente da empresa.
Por conseguinte, pressuposto da aplicabilidade da norma é que o contrato visado esteja em vias de se concretizar, i.e. que a mediadora tenha cumprido a sua obrigação de encontrar um destinatário para o negócio i.e. uma pessoa que se disponha a satisfazer as condições que o seu cliente tenha estabelecido para a sua concretização (v.g. preço, (in) existência de contrato promessa, montante do sinal, momento da celebração do contrato visado).
Aliás, o RJAMI abandonou o termo “interessado” na norma dedicada às “ Definições “ fazendo-o substituir pela expressão “ destinatário do serviço “ que esclareceu ser “ a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária qualquer negócio por esta mediado” – cfr. art.º 2º nº5.
Tal opção reforça a ideia de que a actividade do mediador não se basta em encontrar um “ interessado” – adjectivo passível de ser identificado com um “ curioso” – mas que vai além disso.
Aliás, só se compreende a solução legislativa de fazer o cliente do mediador pagar uma comissão por um negócio que não se concretizou quando se possa concluir que o estádio/fase em que ocorreu a frustração do negócio visado o justifica.
Além disso, esta previsão normativa – enquadrável num quadro de responsabilidade civil do cliente – tem como propósito ressarcir o mediador, colocando-o na situação em que estaria se não fosse a conduta culposa daquele ( art.º 562º do Cód. Civil).
Mas para tanto seria necessário concluir que o mediador estaria no momento da ocorrência do facto em condições de auferir a comissão ajustada.
Em contrapartida, não se pode reconhecer que o mediador tem direito à retribuição nesta situação quando tenha obtido apenas um potencial destinatário no negócio, i.e. alguém que se mostre interessado em celebrá-lo mas que não tenha anuído ainda a fazê-lo com a integralidade dos propósitos delineados pelo cliente do mediador.
No dizer conseguido do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3.7.2014 [8]: “Para que exista direito a remuneração, é exigível que o negócio esteja não somente perspectivado, mas acertado, isto é, que haja um interessado efectivo para o mesmo, que aceite as condições do vendedor, mas que se venha a frustrar por recusa do cliente”.

2. O caso concreto
Aplicando as considerações expostas ao contrato de mediação em apreço, celebrado em Outubro de 2015, o que revela afinal a factualidade enunciada ?
Vejamos o que se provou com interesse para a questão do apuramento da existência de um verdadeiro “ interessado”:
· Provou-se que a Autora conseguiu “interessar” Manuel … na compra dos três prédios e concretamente, em aceitar pagar o preço de €3.500/ há pelo “Monte Meão”;

· Provou-se que que Arménio …, em “representação” do “interessado” Manuel …, manteve a proposta de €3000/há pelo prédio de Vale Figueira, valor que foi aceite pelo legal representante da ré;

· Provou-se que foi agendada uma reunião para o dia 24/11/2015 com o Sr. Manuel …, com visita aos prédios, não tendo sido alcançado qualquer consenso entre este e o legal representante da Ré quer quanto ao preço de venda das propriedades, quer quanto a quaisquer aspectos relacionados com a sua formalização;

· Provou-se que após a reunião de 24/11/2015, o legal representante da Ré comunicou ao colaborador da Autora que não pretendia concretizar a venda do prédio rústico Monte Meão aos potenciais interessados ali presentes;

· Provou-se que em data que não se logrou concretamente apurar, mas não antes do mês de Janeiro de 2016, a Ré comunicou à autora que tinha deixado de estar interessada na venda do Monte Meão.

· Provou-se que a decisão da Ré de não vender o Monte Meão inviabilizou a concretização do negócio perspectivado pelo Manuel …, sendo que o Monte Meão era o prédio no qual o Manuel … tinha maior interesse para o projecto de exploração que pretendia implementar.

Para além do evidenciado empenho da Autora em visitas aos prédios e na troca de emails, o que a factualidade não revela é que a Autora tenha conseguido, como se obrigou, de conseguir “interessado” na compra, pelo preço de € 1.384.391 (um milhão, trezentos e oitenta e quatro mil, trezentos e noventa e um euros) dos três imóveis descritos no contrato de mediação (mas sim apenas um consenso acerca do valor/hectare relativamente a dois prédios, que por se desconhecer as respectivas áreas não permitem alcançar se perfaziam o valor global referido).
Não revela, em contrapartida, é que tenha ocorrido uma frustração de um negócio já delineado entre a Ré e um efectivo destinatário angariado pela Autora.
Nesse contexto, nem a comunicação do legal representante da Ré ao colaborador da Autora no sentido de que não pretendia concretizar a venda do prédio rústico Monte Meão aos potenciais interessados ali presentes é passível de o constituir na obrigação de pagar a comissão ajustada.

É, por isso, que o decidido na sentença não se pode manter.

III- DECISÃO

Face ao exposto, na procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida e, em consequência, absolve-se a Ré do pedido de condenação que havia sido formulado pela Autora [a pagar-lhe a quantia de €60.057,25, acrescida de €13.813,16 correspondente ao IVA e ainda de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento].

Custas pela apelante.

Évora, 22 de Março de 2018
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente


__________________________________________________
[1] Com o D.L. 285/92, de 19.12.
[2] In “O Regime Jurídico da Actividade Mediação Imobiliária”, Almedina, 2015, pag. 8 .
[3] Autora e obra citadas, pag. 97.
[4] Pag.99.
[5] In “ O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração” , Revista de Direito Comercial , pag.215 e seguintes , consultável em https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/596cd1a6cd0f68fd3589dd22/1500303787254/2017-08.pdf
[6] Relatado pela Desembargadora Assunção Raimundo e consultável na Base de Dados do IGFEJ.
[7] Estudo citado, pag.249
[8] Relatado pelo Desembargador Teles de Menezes e consultável na Base de Dados do IGFEJ.