Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2193/13.8TBABF.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
APROVAÇÃO
CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURANÇA SOCIAL
INEFICÁCIA
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A homologação de um plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto no citado DL nº 411/91 e na LGT, relativamente aos créditos tributários, é ineficaz em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P., não produzindo quaisquer efeitos relativamente a tais credores.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º N.º 2193/13.8TBABF.E1
Apelação – 2ª Secção

Recorrente:
Instituto da Segurança Social IP – Centro Distrital de (…)

Recorridos:
(…) – Móveis e Equipamentos de Cozinha, Lda., Banco (…), S.A, Banco (…), SA, (…) – Banco (…), SA e outros.
Relatório

Inconformado com o despacho que homologou o plano de revitalização apresentado pela requerente (…) – Móveis e Equipamentos de Cozinha, Lda., veio o Instituto de Segurança Social IP, interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

«A) A proposta de plano ora homologado, prevê o pagamento da dívida ao Estado em cento e cinquenta prestações mensais iguais e sucessivas, com redução de 50% dos juros vencidos.
B) O plano de revitalização ora em apreço, não se harmoniza com o grau de disponibilidade dos créditos públicos, violando por isso, as normas aplicáveis, em matéria de regularização de dívida ao Estado, bem como contraria o disposto no artigo 190.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (adiante designado por CRCSPSS).
C) Quer a doutrina, quer a jurisprudência têm vindo a entender que, as contribuições devidas à Segurança Social, devem considerar-se como verdadeiros impostos. Logo, as dívidas provenientes de contribuições para a segurança social assumem natureza tributária e, como tal, é-lhes também aplicável a LGT para todos os efeitos que não se encontrem regulados por lei especial, de acordo com o disposto no seu artigo 3.º, n.º 3.
D) Com efeito, o artigo 30.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária dispõe que: “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito ao princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
E) O artigo 125.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 que remete para o n.º 3 do artigo 30.º da LGT, veio por fim, estipular que o crédito tributário é também indisponível no âmbito dos processos de insolvência, o que será também aplicável aos processos de revitalização por força do preceituado no artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, no que respeita a regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX.
F) O n.º 3 do artigo 30.º da LGT na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, realça e reforça assim, a natureza indisponível dos créditos tributários ao referir que tal indisponibilidade prevalece sobre qualquer legislação especial.
G) No plano ora em apreço, prevê-se o pagamento integral da dívida em cento e cinquenta prestações e propõe-se o perdão de 50% dos juros vencidos, contudo, o devedor não regularizou as contribuições mensais após a data de nomeação do Administrador judicial provisório, pelo que ao plano ora homologado, não foi concedida autorização nos termos e para os efeitos do artigo 190.º do CRCSPSS.
H) Nos termos do artigo 36.º n.º da LGT, na redacção introduzida pelo diploma supra citado refere: “a administração não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previsto na lei”.
I) Verifica-se pois, em conjugação com o artigo 190.º do CRSPSS, que a possibilidade do pagamento da dívida em prestações não deixa de ter carácter de excepcionalidade, aplicável somente nos casos previstos na lei e requer sempre autorização, conforme plasmado no n.º 6 do mesmo artigo.
J) O plano ao prever o pagamento dos créditos da segurança social em cento e cinquenta prestações e o perdão de 50% de juros vencidos, sem o consentimento expresso do recorrente, é nulo em relação aos mesmos, sendo ilegal a decisão que o homologou, por violação de normas imperativas.
K) O ora recorrente, não consentiu expressamente quanto à modificação e redução dos seus créditos, nem emitiu qualquer autorização expressa para se iniciar o pagamento da dívida em prestações.
L) Pelo que, a homologação do plano sem o consentimento do recorrente, é ilegal por violação da norma que exige o consentimento do credor (cfr. segunda parte do n.º 2 do artigo 192.º do CIRE)
M) Por outro lado, se interpretarmos o artigo 192.º do CIRE por forma a permitir a disponibilidade de créditos fiscais, isto é, deixar-se ao livre arbítrio dos credores presentes numa assembleia a decisão sobre o modo de pagamento de créditos tributários, que nem sequer são partes na relação jurídico tributaria, tal enquadramento legal é organicamente inconstitucional por violação directa do princípio de reserva absoluta de lei formal, consagrado no artigo 165.º n.º 1 alínea i) da CRP.
N) Do mesmo modo, as normas constante do Título IX do CIRE, designadamente os artigo 194.º n.º 1, 195.º, n.º 1 e 2 106.º n.º 1 alínea a) e d) e 197.º se foram interpretadas no sentido de permitirem que os credores aprovem um plano de revitalização que defina os prazos de pagamento dos créditos fiscais e alterem as respectivas condições de cobrança, sem o consentimento do órgão competente para o efeito, são também organicamente inconstitucionais por violação do princípio da legalidade tributária e indisponibilidade dos créditos fiscais e de normas constitucionais.
O) Assim, a homologação do plano de revitalização é ilegal, porque para tal, foram aplicadas normas que conduzem a uma interpretação inconstitucional, pois que de acordo com a interpretação que serviu de base à homologação do plano tais normas violam directamente os princípio da legalidade tributária e da reserva absoluta de lei formal constante dos artigo 103.º n.º 2 e 3 e 165.º n.º 1 al. I) do CRP.
P) Mas ainda que se entenda que a homologação do Plano de revitalização é válida, o que não se concede, ainda assim, esta homologação não deveria produzir efeitos em relação ao Recorrente, que não aderiu às medidas constantes do mesmo, sob pena de violação da lei, devendo ser-lhe considerado ineficaz, no seguimento do que foi decidido no Acórdão da Relação de Coimbra de 20-11-2007 e na sentença proferida no Processo n.º 628/07.8TYLSB, publicada no DR, 2ª Série, nº 69, de 8-04-2008.

PELO EXPOSTO, DESDE JÁ SE REQUER A V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES,
Que seja o recurso julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão do Tribunal a quo, substituindo-a por outra que declares nulo o plano de revitalização homologado, na parte em que vincula os créditos da segurança social».
*
Contra-alegou a recorrida (…), pedindo a improcedência da apelação.
*
Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2, in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil).
Das conclusões acabadas de transcrever decorre que a questão objecto do recurso, consiste em saber se é legal a homologação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, que implique redução de créditos da segurança social, designadamente juros vencidos, sem o seu consentimento.
Vejamos
A redução dos créditos tributários do Estado e da Segurança Social em processo de insolvência ou de revitalização, sem a vontade expressa dessas entidades, já foi considerada legalmente admissível, por jurisprudência vária dos Tribunais Superiores[3]. Porém a situação alterou-se radicalmente com a aprovação da Lei do orçamento de 2011 - Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro. Este diploma legal, veio dispor no seu artº 125º, como disposição transitória da LGT ( Lei Geral Tributária) o seguinte:
«O disposto no nº 3 do artº 30º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontram pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstas no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos».
Note-se que este mesmo diploma legal veio acrescentar ao falado artº 30º da LGT, um número novo – nº 3 – do seguinte teor:
«O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial».
Perante esta alteração legislativa, não se podia continuar a sustentar-se o entendimento perfilhado nos arestos acima referidos e em particular no acórdão do STJ de 13-01-2009, proc. nº 08A3763, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj... onde se decidiu que «os arts. 30.º, n.º 2, e 36.º, n.º 3, da LGT, e art. 85.º do CPPT, têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como é o processo de insolvência, onde o Estado deve intervir também com o fito de contribuir para uma solução, diríamos, de olhos postos na insolvência, se essa for a vontade dos credores, numa perspectiva ampla de auto-regulação de que a desjudicialização do regime consagrado no CIRE é uma das essenciais características».
Na verdade, com esta alteração a vontade do legislador foi inequívoca no sentido de fazer valer, também para os processos de insolvência, o princípio geral consagrado no art. 30º, nº 2 da LGT de que o crédito tributário é indisponível, só podendo ser reduzido ou extinto com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, atento o disposto nos artigos 7º, nº 3 e 9º do Código Civil. Ficou assim afastada, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de que o regime especial do C.I.R.E. derroga o regime geral da LGT.
No caso dos autos, o Instituto de Segurança Social I.P. não votou o plano de revitalização proposto pelo devedor.
Conforme se refere no ac. do STJ de 10-05-2012, proferido no processo 368/10.0TBPVL-D.G1.S1 e relatado por Álvaro Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt , é hoje indiscutível que «os créditos da Segurança Social são créditos de natureza tributária…, como nos dão conta, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 3-12-97, publicado no BMJ, 472/283 e de 05-05-99 (recurso nº 22.811), tendo sido mesmo entendido, pelo primeiro dos arestos indicados, que «as contribuições para a Segurança Social têm desde a Constituição de 1976 a natureza de impostos especiais». Aliás, esta tese desenvolveu-se a partir do acórdão nº 363/92, de 12 de Novembro de 1996, do Tribunal Constitucional (D.R.II Série, de 8 de Abril de 1993). Não há dúvida de que entre as relevantes necessidades colectivas constitucionalmente tuteladas, figuram as cometidas à Segurança Social, cuja expressão constitucional consta do artº 63º da Lei Fundamental o que, suposta a observância de certo condicionalismo, pode até justificar um tratamento mais favorável, mediante a quebra do principio par conditio creditorum, atentas as necessidades de financiamento emergentes das finalidades e funções atribuídas a certos créditos dessa entidade pública. Dito isto, é tempo de dizer que, sendo certo que o nº 2 do artº 30º da Lei Geral Tributária, depois de estatuir a indisponibilidade do crédito tributário, permite a fixação da sua redução com respeito pelo princípio de igualdade, menos certo não é que exige também o respeito pela legalidade tributária. Esta norma indiscutivelmente imperativa prevalece sobre qualquer legislação especial, como comanda o nº 3 do mesmo preceito legal. Não tendo o Instituto de Segurança Social a votado o Plano de recuperação apresentado pelo Administrador e violando o mesmo normas imperativas da LGT e o DL nº 411/91, de 17/10, impunha-se que, nos termos daquele preceito legal que fosse recusada a homologação, mesmo oficiosamente, uma vez que se verifica, violação dos artºs 1º e 2º do Decreto-Lei 411/91 de 17 de Outubro que estabelecem o apertado condicionalismo em que o pagamento prestacional dos juros das contribuições em dívida à Segurança Social e a redução dos respectivos juros podem ser autorizados.
Note-se que tal autorização é da competência do membro do Governo que tiver a seu cargo a área da segurança social e reveste a forma de despacho (artº 2º, nº 2 do Decreto-Lei 411/91, de 17 de Outubro).

Assim e como se decidiu no Ac. do STJ de 10-05-2012, acima citado, a «homologação de um plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores, sem voto favorável do Estado por o mesmo não respeitar o regime previsto no citado DL nº 411/91 e na LGT relativamente aos créditos tributários, é ineficaz em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P., não produzindo quaisquer efeitos relativamente a tais credores». No caso sub judicio não houve autorização competente para tal redução e pagamento em prestações, e o Instituto de Segurança Social não votou favoravelmente a proposta do plano que veio a ser aprovado e homologado (cfr. fls. 193 dos autos).
A recusa oficiosa da homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores tem lugar em caso de violação não negligenciável das regras aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, como impõe o artº 215º/1 do CIRE. A este respeito, escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda: «dir-se-á, com efeito, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido» (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Reimpressão, 2009, pg 713, com bold e sublinhado nossos). Face às alterações da LGT, operadas pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e como já se deixou expresso, não pode deixar de se entender que a indisponibilidade do crédito tributário a que se refere o nº 2 do art.º 30º da LGT, prevalece sobre qualquer legislação especial, não sendo possível, sem o assentimento do Estado, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratórias. Acresce que a homologação de um plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto no citado DL nº 411/91 e na LGT relativamente aos créditos tributários, é ineficaz em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P., não produzindo quaisquer efeitos relativamente a tais credores[4]
Concluindo

Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, altera-se a mesma, decidindo-se que o plano homologado é ineficaz relativamente ao crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, I.P, não produzindo quaisquer efeitos quanto a tal crédito.
Em tudo o mais mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da massa insolvente.
Notifique.
Évora, em 12 de Março de 2015
Bernardo Domingos
Silva Rato
Assunção Raimundo


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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[3] Cfr. Entre outros os Acórdãos da Relação do Porto de 15.12.2005, 13.07.2006, 31.01.2008 e 1.07.2008 e Acórdão da Relação de Lisboa de 17.07.2008, respectivamente Procs. nº 0535648, nº 0631637, nº 0736250, nº 0822193 e nº 5511/2008-2, todos disponíveis in www.dgsi.pt..
[4] Cfr. Ac. do STJ de 10-05-2012, proferido no processo 368/10.0TBPVL-D.G1.S1 e Ac. da RG de 18/06/2013, proc. nº 4021/12.2TBGMR.G1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.