Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2046/16.8T8STR.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Um dos cruciais deveres que a lei impõe às instituições financeiras é o de prestar informação, a qual deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, abrangendo os valores mobiliários, as ofertas públicas, os mercados de valores mobiliários, as actividades de intermediação e os emitentes.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2046/16.8T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 5

I – Relatório
(…), viúva, residente na Rua (…), n.º …, em Fátima, Ourém, instaurou contra Banco BIC Português, S.A., com agência na Rua (…), n.º (…), (…), Santa Catarina da Serra, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de € 275.000,00 a título de capital e juros vencidos, bem como nos vincendos; subsidiariamente, e para o caso de assim não ser entendido, pediu fosse declarado nulo e ineficaz em relação à demandante eventual contrato de adesão que a R. invoque para ter aplicado em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 os € 250.000,00 que lhe entregou, condenando-se a mesma a restituir o montante de € 275.000,00 correspondente à quantia entregue e juros vencidos, e ainda nos vincendos, mais pedindo a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de reparação pelos danos de natureza não patrimonial sofridos.
Para tanto alegou, em síntese, ser cliente do Banco R., antigo BPN, na agência de Santa Catarina da Serra, sendo titular da conta DO que identificou. Em Outubro de 2004 o gerente da agência disse-lhe que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada, vindo a aplicar o montante de € 250.000,00 que a demandante mantinha em depósito na instituição na aquisição de obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
A demandante, como era do conhecimento daquele funcionário, não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitissem à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, o que não foi feito, sendo certo que só prestou a sua autorização por lhe ter sido dito que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando para tanto avisar a agência com a antecedência de três dias. Ficou assim a demandante convencida que aplicava o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, ou seja, num produto com risco exclusivamente Banco, sendo certo que, caso tivesse compreendido que estava a comprar obrigações de uma outra entidade, nunca autorizaria tal operação.
Sucede que em Novembro de 2015 o Banco R. deixou de pagar os juros, atribuindo a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade cuja existência era até então desconhecida da demandante, que nunca foi informada da compra das obrigações subordinadas emitidas por tal sociedade, tendo recebido informação distorcida quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição e prazos de reembolso, que nunca teria aceitado caso lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e sem que o capital fosse garantido pelo próprio Banco.
O Réu é o depositário da quantia de € 250.000,00, que deveria ter aplicado em DP com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses, vendo-se agora a demandante confrontada com a subscrição de produtos de risco, sem que o montante de capital investido se encontre garantido no prazo de maturidade, que in casu já ocorreu, não lhe tendo sido restituído, estando o demandado igualmente em incumprimento quanto ao pagamento dos juros acordados, uma vez que contratou uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2009 e até Novembro de 2015.
O Banco R. foi apresentado pelo gerente como garante da aplicação financeira em causa, do que deriva igualmente a sua responsabilidade pela restituição do capital e juros vencidos.
Tendo finalmente alegado que a descrita situação lhe vem causando preocupação e ansiedade constantes, dado o receio de não reaver as economias de uma vida, reclamou indemnização para ressarcimento dos danos de natureza patrimonial sofrido em montante não inferior a € 5.000,00.
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Citado, o R. apresentou contestação, peça na qual se defendeu por excepção, invocando a nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial com fundamento na ininteligibilidade da causa de pedir, incompetência em razão do território e prescrição.
Em sede de impugnação alegou que a autora mostrou desde sempre apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, sabendo o que estava a subscrever, sendo verdadeira toda a informação que então lhe foi prestada, já que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro com a subscrição daquelas obrigações”, “acabando o seu incumprimento por ser determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas”.
Reiterou que a autora estava habituada a subscrever produtos diferentes dos DP, conforme era o caso, “tendo este a única diferença de não ter sido efectivamente reembolsado o investimento – apesar de ser, à data da subscrição, um produto seguro”.
Impugnando o mais alegado, concluiu pela improcedência da acção.
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Respondeu a autora, pugnando pela improcedência das excepções, tendo alegado ex novo a nulidade do contrato celebrado por ausência da sua redução a escrito[1], com a consequência de dever ser restituída a quantia entregue.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, que declarou improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de incompetência territorial, relegando a apreciação da prescrição para momento ulterior.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, em cujo termo foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou a ré a pagar à A. a quantia de € 250.000,00, acrescida de juros à taxa legal, contados desde 05.09.2016 até integral pagamento.

Inconformada, apelou a ré e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final, com frontal desrespeito pelo comando do n.º 1 do art.º 639.º do CPC, as seguintes (83) conclusões:
I. O Banco Recorrente não pode assim concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 2, 5, 6 e 7.
II. Considerando a prova testemunhal produzida e o depoimento de parte prestado (cujas passagens essenciais que aqui se dão por integralmente reproduzidos), bem como os documentos 1 e 2 juntos com a contestação deverá ser alterada a matéria de facto retirando a referência à garantia pelo BPN, ou risco exclusivamente banco constante dos factos provados nºs 2, 6 e 7 dos factos provados.
III. Deveria assim ter sido dado como não provado o facto constante do ponto 5.
IV. Tendo ainda em conta o depoimento da Autora nas passagens acima assinaladas deveria ainda ter sido dado como provado o seguinte facto: “A Autora tomou conhecimento da subscrição das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 em Outubro de 2009”.
V. O Tribunal a quo condenou o Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter dito à Autora que a aplicação financeira tinha “garantia de capital e juros” no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa.
VI. O uso dessa expressão apenas pode ser visto como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
VII. É utópico pretender ver nessa singela referência qualquer espécie de garantia absoluta do investimento, até porque essa garantia não existe.
VIII. Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo – essa garantia não existe, sobretudo até considerando que uma hipótese de insolvência da instituição bancária sempre redundaria na cobertura pelo Fundo de Garantia de Depósitos que, à data do investimento se cifrava em apenas 25.000,00 euros, o que seria fraco consolo para ressarcir uma perda de investimento de 50.000,00 euros.
IX. O Tribunal a quo parece considerar que a aplicação financeira era afinal um “produto de risco”, pelo facto do Autor não ter recebido o capital investido no final do prazo.
X. Porém esse raciocínio é uma falácia, pois confunde a causa com a consequência. Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco.
XI. Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.
XII. As obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu, detendo-o até a 100%.
XIII. O investimento efectuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
XIV. Pelo que o investimento efectuado era então adequado a alguém como o Recorrente.
XV. A sentença recorrida merece censura por tratar indistintamente os deveres que incidem sobre o intermediário financeiro, sem cuidar de perceber o momento ou o negócio a que dizem respeito e em função do qual devem ser cumpridos.
XVI. Os deveres de informação podem ser categorizados segundo o momento em que devem ser cumpridos (informação pré-contratual ou informação contratual) ou também segundo a estrutura própria dos negócios de intermediação financeira.
XVII. Trata-se, em suma, de sistematizar os deveres de informação, consoante se referem: i) ao negócio de cobertura – a saber, o contrato de intermediação propriamente dito celebrado entre o intermediário financeiro e o cliente –; ii) ao negócio de execução – a saber, os contratos que o intermediário celebra com terceiros com base nos poderes que lhe foram conferidos pelo negócio de cobertura, ou até mesmo os contratos celebrados entre o cliente e o terceiro, com intermediação do intermediário –; iii) ao instrumento financeiro propriamente dito.
XVIII. Esta segmentação do dever de informação pode ser claramente vista no corpo do n.º 1 do art.º 312.º do CdVM, donde resulta que os deveres de informação aí previstos dizem respeito ao negócio de cobertura, com excepção da alínea d) do referido nº 1 que se refere aos instrumentos financeiros propriamente ditos.
XIX. Os arts. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução.
XX. O art.º 312º do CdVM serve como verdadeiro índice programático dos deveres de informação que são aí genericamente afirmados, para depois serem densificados nos preceitos seguintes. Por isso, não tem qualquer cabimento a alegação do Recorrente de que o Recorrido violou as disposições vertidas no art. 312º, nº 1, alíneas d) e e). A afirmação desses deveres não assume qualquer autonomia, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
XXI. A menção do artº 312º, nº 1, alínea e), quanto aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura, e não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si. Por isso o art.º 312.º, nº 1, alínea e), em nada se relaciona com a situação aqui em crise, de nada servindo a sua invocação para aí estribar um ilícito do Banco Réu.
XXII. O dever de informação previsto no art. 312.º, n.º 1, alínea d), do CdVM respeitante aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas é depois densificado no art.º 312º-E nºs 1 e 2.
XXIII. A referência do nº 1 deste artigo à natureza do instrumento financeiro refere-se às características e funcionamento do instrumento financeiro.
XXIV. O que, no caso presente, foi suficientemente cumprido pelo Banco Recorrido, conforme resulta da boa análise da factualidade provada.
XXV. A menção do art. 312º-E nº 1 do CdVM quanto aos riscos do tipo do instrumento financeiro remete para o nº 2 do mesmo preceito, onde o legislador esclareceu a que riscos se refere e sobre os quais está o intermediário financeiro obrigado a informar o investidor, desde que tais riscos sejam aplicáveis, claro está, ao tipo de instrumento financeiro escolhido para o investimento.
XXVI. Nos termos da lei, são estes e apenas estes os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem que prestar informação.
XXVII. Os riscos a que se refere o art. 312º-E nº2 são riscos endógenos e próprios do tipo de instrumento financeiro, e não motivados por quaisquer factores extrínsecos aos mesmos.
XXVIII. Ora, o investimento sobre que versa o presente processo foi feito em Obrigações e é, portanto, um investimento de baixo risco por se tratar de investimento não sujeito a qualquer volatilidade.
XXIX. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco da perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, porque não é inerente ao produto!
XXX. E não se confunda o cumprimento do dever de informação quanto ao risco da perda da totalidade do investimento com a necessidade de advertência do investidor sobre os riscos de incumprimento pelo obrigado da obrigação de compra decorrente do cumprimento da opção de venda, ou sequer com qualquer advertência sobre uma hipotética insolvência desse mesmo obrigado.
XXXI. É que essa característica excludente do risco de perda da totalidade do investimento em nada se confunde ou exclui o risco geral de incumprimento de toda e qualquer obrigação.
XXXII. De facto, esse é um RISCO GERAL e latente de toda e qualquer obrigação e não qualquer risco específico do tipo de instrumento financeiro escolhido e, portanto, não se insere naquela previsão do art. 312º-E nº 2 alínea a).
XXXIII. Sucede e acresce ainda que as disposições supra referidas resultam todas da redacção que o D.L. 357-A/2007 de 31/10 deu ao CdVM (diploma este que procedeu à transposição da D.M.I.F.).
XXXIV. Conforme se prescreve no art.º 21º, tal diploma entrou em vigor no dia 01/11/2007 e, logo, não estava ainda em vigor aquando da subscrição das Obrigações aqui em crise, não sendo por isso aquelas disposições supra citadas aplicáveis a este caso em concreto.
XXXV. A redacção do CdVM anterior à DMIF era muito mais ligeira na obrigação de informação do intermediário financeiro.
XXXVI. E, então, não estava sequer tão densificado o dever de informação, conforme hoje resulta das disposições dos arts. 312º-A a 312º-G, que apenas foram aditadas com o já referido D.L. 357-A/2007 de 31/10.
XXXVII. À data da subscrição das Obrigações, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)!
XXXVIII. Para além disto, a anterior redacção do CdVM apenas afirmava no art. 323º uma regra geral quanto ao dever de informação nos negócios de execução, donde resultava a obrigação do intermediário informar o cliente sobre a execução e resultados da operação, da ocorrência de dificuldades especiais na execução ou a inviabilidade da operação, ou de qualquer circunstância que pudesse justificar a modificação ou revogação da ordem.
XXXIX. Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redacção do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
XL. A falta de entrega da nota informativa das Obrigações não constitui qualquer ilícito do Banco Réu enquanto intermediário financeiro, uma vez que em lado algum do CdVM resulta qualquer obrigação de entregar esse documento. O CdVM apenas obriga a prestar informação, não obriga a qualquer entrega de notas informativas das Obrigações subscritas.
XLI. O incumprimento do dever de informação implica uma presunção de culpa do intermediário financeiro, nos termos do art. 304º-A nº 2 do CdVM, porém não existe qualquer presunção de ilicitude a este respeito, cabendo portanto ao lesado e aqui Autor alegar e provar o que concretas informações é que o Réu deveria ter dado que não deu.
XLII. O que, como não foi feito, condena a presente acção ao fracasso.
XLIII. A ideia que fica de toda a prova produzida é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à garantia de capital e juros tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros.
XLIV. A expressão garantia tem que ver por isso com um retorno certo do capital e não com qualquer caução que o Banco prestasse.
XLV. E aliás diga-se que o próprio funcionário do Banco associou essa garantia de capital e juros com o reembolso dos títulos ser efectuado ao valor nominal acrescido dos respectivos juros na data de vencimento de cada emissão, conforme consta da nota informativa!
XLVI. Fica assim suficientemente esclarecido o que o funcionário pretendia dizer!
XLVII. Ora, esta expressão do funcionário do Banco Réu tem também que ser vista no contexto em que foi proferida. De facto, no início do 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeiro de Setembro de 2008 (com a falência do Lehman Brother’s). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos ou a insolvência dos emitentes.
XLVIII. Por isso, esse risco não era algo que o público em geral tivesse consciência e que se buscasse certificar ou fosse necessário elucidar.
XLIX. E tal terá sucedido também com o Autor, que se importou mais com a melhor rentabilidade oferecida do que propriamente com a identidade de quem ficaria perante si obrigado.
L. Mais, um declaratário normal colocado no lugar do Autor, não teria depreendido daquela singela expressão de “garantia de capital e juros” que era afinal o Banco quem caucionava as obrigações da SLN!
LI. E a informação a prestar pelo intermediário financeiro tem que ser prestada segundo o critério objectivo previsto no art. 312º-Anº 1 alínea c) CdVM, ou seja, de forma a ser perceptível pelo destinatário médio.
LII. Nada obrigando a que o intermediário financeiro tenha, para além do dever de informar, o dever também de se assegurar que o investidor compreendeu a informação!
LIII. Por tudo isto é necessário concluir que o Banco Réu agiu sem culpa.
LIV. Não está provado que se tenha tornado total ou parcialmente impossível receber o montante investido pelo Autor nas Obrigações SLN.
LV. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério da teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber da SLN e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
LVI. O Autor não alegou qualquer facto (e por inerência não está provado!) qualquer matéria que pudesse ser reconduzida ao nexo de causalidade entre o dano produzido e a falta de realização do teste de adequação.
LVII. Na verdade, não está alegado nem provado que se o Banco Réu tivesse feito o teste de adequação teria concluído que a aplicação financeira não se adequava ao perfil de risco do investidor Autor.
LVIII. Faltando essa matéria, é inócua e irrelevante a falta de realização de um teste de adequação, pois esta matéria não poderá produzir a responsabilização do Banco Réu. O que se afirma aqui, sem prejuízo de se sublinhar também que, no entender do Banco Réu, o investimento efectuado era adequado ao perfil de investidor do Autor.
LIX. O Autor não alegou nem provou também que se não fosse aquela putativa garantia de capital e juros, não teria subscrito a aplicação financeira em Obrigações SLN!
LX. Logo claudica também o nexo de causalidade entre o facto e o dano!
LXI. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave.
LXII. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do Autor.
LXIII. Terá havido portanto (e quando muito) uma indução do Autor em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se portanto de uma indução negligente em erro.
LXIV. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente –, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.
LXV. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM permite o advento mais precoce da prescrição nos casos em que, como o presente, não há dolo ou culpa grave.
LXVI. E considerando a matéria de facto provada, constatamos que já estavam volvidos mais de dois anos entre a data em que o Autor tomou conhecimento da concreta aplicação efectuada e a data em que propôs a acção.
LXVII. E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
LXVIII. Uma qualquer discrepância entre a vontade negocial e a conjectural só pode ter eficácia destrutiva.
LXIX. Ou seja, a vontade conjectural pode invalidar a negocial, mas não pode ser, ela própria, elemento do negócio jurídico, sobrepondo-se à vontade negocial, sendo ela própria base dos efeitos jurídicos pretendidos pelo declarante!
LXX. A declaração do funcionário do intermediário não pode valer com o sentido que o investidor — declaratário normal — lhe atribuiu, nos termos do art.º 236º CC, porque na realidade não houve da parte do Banco recorrido qualquer intenção de prestar uma garantia (nem tal resulta da matéria de facto provada) e, assim sendo, não se verifica o acordo de vontades que o art. 232º CC exige para ser concluído um negócio.
LXXI. Assim, o negócio jurídico celebrado em qualquer putativo erro não pode surtir os efeitos pretendidos pelo declarante, como se a sua vontade não tivesse sido viciada e, logo, não se pode agora obrigar o Recorrente a cumprir uma garantia, apenas porque o Recorrido ficou erradamente convencido que a mesma foi prestada!
LXXII. À expressão “capital garantido e juros garantidos”, proferida aquando da subscrição de Obrigações SLN, falta a solenidade e ritualismo próprios da emissão de uma declaração negocial capaz de obrigar o Banco Réu.
LXXIII. Tal expressão também não pode ser reconduzível a uma assunção de dívida.
LXXIV. Tal expressão, quando muito, constitui uma fiança e não uma assunção de dívida, como consta da sentença recorrida.
LXXV. É indício disso mesmo a circunstância de, ao ser afirmada a garantia de capital juros, não estar certamente na mente do Banco Recorrente (ou do seu funcionário) prescindir do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente do papel comercial. É que essa assunção de dívida alheia como se fosse própria, não era inócua nas contas do Banco Réu já que a SLN (apesar de pertencer ao mesmo Grupo) não era uma sociedade sua filha, sendo antes sua mãe!
LXXVI. Pela mesma ordem de razões, não se vislumbra que o Recorrente pudesse ter qualquer interesse real, directo e objectivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à SLN em nada beneficiava o Réu Banco, sendo apenas e antes útil à cadeia hierárquica societária que detinha a SLN e à qual o Banco Réu era alheio, porque era então detido a 100% e não detentor...
LXXVII. Acresce também que, à data da subscrição, todos criam que a emitente SLN estaria em condições de pagar o papel comercial emitido, verificando-se assim a característica essencial da fiança, traduzida na esperança de que o devedor principal pagará ao credor, sendo desnecessária a intervenção do fiador.
LXXVIII. Todos estes indícios apontam, pois, no sentido de que a expressão foi, quando muito, uma fiança e não a solução acolhida pela sentença recorrida da assunção cumulativa da dívida.
LXXIX. Tratando-se, como se trata, de uma fiança estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C.
LXXX. No caso, vale o disposto no art. 327º do Código dos Valores Mobiliários que prescreve que as ordens de subscrição podem ser dadas oralmente ou por escrito, sendo certo que as dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito e se forem presenciais, devem ser subscritas pelo ordenador.
LXXXI. Não constando a garantia do documento de fls. 53, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220º do C.C.
LXXXII. Uma tal garantia ou assunção de dívida viola igualmente o princípio pari passu de igualdade de tratamento dos detentores de valores mobiliários e, portanto, não pode ser admitida.
LXXXIII. De toda a forma, a condenação do Banco Réu com base na assunção de dívida extravasa em muito a causa de pedir e o pedido da presente acção e, logo, uma tal condenação sempre seria nula por violação do disposto no art. 615º, nº 1, alínea e), do CPC.
Com tais fundamentos pretende a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto e consequente revogação da sentença proferida, devendo ser proferida decisão que decrete a absolvição da apelante do pedido.
Contra-alegou longamente a autora, suscitando a título de questão prévia o incumprimento pelo Banco apelante dos ónus prescritos nos art.ºs 639.º e 640.º do CPC. Deste modo, não tendo indicado nas conclusões os meios de prova que determinariam a pretendida modificação da decisão, não poderia beneficiar do utilizado prazo suplementar de 10 dias, o que conduziria à rejeição do recurso por intempestividade. Em todo o caso, e quando assim se não entenda, pugnou naturalmente pela manutenção do julgado.
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Foram juntos aos autos pela apelante dois doutíssimos pareceres jurídicos subscritos pelos Ex.mºs Srs. Profs. Drs. António Pinto Monteiro e António Menezes Cordeiro.
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Questão prévia:
A autora apelada defende, como vimos, a rejeição do recurso por intempestivo, uma vez que, não tendo a apelante dado cumprimento ao ónus de formular conclusões prescrito no art.º 639.º e, bem assim, aos ónus de especificação consagrados no art.º 640.º do CPC impostos ao recorrente que pretenda impugnar a prova gravada, foi indevidamente utilizado o prazo de 10 dias concedido pelo n.º 7 do art.º 638.º do CPC.
Não tem, porém, razão.
Sendo certo que a lei impõe ao recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto a especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que impõem a sua modificação no sentido pretendido (cf. art.º 640.º, n.º 1, al. c) do CPC), e, no caso dos meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova terem sido gravados, a indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda (al. b) do n.º 2 do preceito), tais ónus têm-se por cumprido quando as especificações tenham sido feitas no corpo das alegações. Dispensa-se assim a sua (inútil) repetição em sede de conclusões, uma vez que a indicação nestas dos concretos pontos da matéria de facto impugnados e sentido da decisão que, no entender do recorrente, devia ter sido proferida, serve os desideratos de delimitação do objecto do recurso e exercício esclarecido do contraditório por banda da parte contrária[2], cumprindo satisfatoriamente o ónus de formular conclusões consagrado no art.º 639.º.
Por outro lado, e conforme vem sendo igualmente entendido de forma que cremos largamente maioritária, “A extensão do prazo de 10 dias previsto no art.º 638º, nº 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.
Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC” (do acórdão do STJ de 28/4/2016, no processo 1006/12.2 TBPRD.P1.S1, também disponível em www.dgsi.pt).
Resulta do que vem de se expor que o recurso interposto pela ré é tempestivo, acrescentando-se desde já que se mostram cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640.º, inexistindo por isso motivo para a sua rejeição na parte em que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto.
*
Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
a) Da nulidade da sentença por violação do disposto na al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC;
b) Do erro de julgamento no que respeita aos pontos 2., 5, 6 e 7 dos factos provados;
c) Da violação por banda da recorrente dos deveres de informação no âmbito do contrato de intermediação financeira e do ónus da prova quanto à ilicitude da actuação da ré; da prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano;
d) Da prescrição;
e) Da natureza da garantia assumida e da nulidade por inobservância da forma legal.
*
a) da nulidade da sentença
A recorrente afirma ser a sentença nula por violação do disposto na al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, por alegadamente ter condenado o Banco réu com base na assunção de dívida, “o que em muito extravasa a causa de pedir e o pedido da presente acção”.
O vício previsto na referida alínea sanciona a violação do disposto no n.º 1 do art.º 609.º, que impede o juiz de condenar “em quantidade superior ou objecto diverso do que se pedir”, assim definindo os limites da condenação a proferir, que há-de harmonizar-se com o pedido, corolário do princípio do dispositivo.
Tendo a autora pedido a condenação da ré no pagamento de determinada quantia e tendo esta sido condenada a pagar à autora montante inferior, logo se vê que não ocorreu violação do princípio do pedido, contendo-se a condenação, quer em quantidade, quer em substância, no pedido formulado. E tal nulidade não se verifica ainda quando o tribunal alicerça a condenação em fundamentos jurídicos diversos dos invocados pelo autor[3], expressão do princípio da liberdade do juiz no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito consagrado no n.º 3 do art.º 5.º do CPC. Podendo estar em causa, neste caso, e quando o Tribunal se desvie de forma relevante do quadro jurídico em que o autor inscreveu a sua pretensão, do qual o réu se defendeu, eventual violação do disposto no n.º 3 do art.º 3.º do mesmo diploma, a verdade é que tal nulidade (secundária) não foi arguida, e bem, uma vez que logo na petição inicial a autora alegou que o Banco R., tendo-se assumido como garante, estava, também por esta via, obrigado a restituir o capital e os juros peticionados.
Improcede, pelo exposto, a arguida nulidade.
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b) da impugnação da matéria de facto
A recorrente imputa também à sentença recorrida erro de julgamento no que respeita aos factos dados como assentes sob os pontos 2., 5., 6. e 7., pretendendo a eliminação da referência à “garantia BPN” e “risco exclusivamente Banco” que constam dos pontos 2., 6., e 7, devendo ainda ser eliminado do elenco dos provados, considerando-se antes não provado o facto vertido no ponto 5. porquanto, nem resultou do depoimento/declarações de parte prestados pela autora, que pouco esclareceu, nem do testemunho de (...), única testemunha que assistiu à contratação, como se vê dos excertos que localizou e transcreveu.
Pretende finalmente o aditamento de um facto que reflicta ter a autora tido conhecimento pelo menos em 2009 que havia subscrito obrigações, por tal resultar das suas próprias declarações.
Está em causa a seguinte factualidade:
2. Em Outubro de 2004 o representante do Banco BPN, agência de Santa Catarina da Serra, disse à A. que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada (art.ºs 2.º, 10.º e 32.º da petição inicial)
5. O seu dinheiro, 250.000,00€, viria a ser colocado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 sem que a A. soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa (artºs 5.º e 18.º da petição inicial).
6. O que motivou a autorização, por parte da A., foi o facto de lhe ter sido dito pelo funcionário que o capital era garantido pelo Banco BPN, com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias (art.ºs 6.º e 8.º da petição inicial).
7. A A. actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso num produto com risco exclusivamente do Banco (art.º 7.º da petição inicial).
Como se vê da motivação – algo lacunar, impõe-se reconhecê-lo –, a convicção do Tribunal, no que respeita à matéria impugnada, assentou essencialmente nas declarações da referida testemunha Borges, tendo sido ainda considerado o conteúdo do mail junto aos autos, da autoria da testemunha Beja. Vejamos se a impugnação da recorrente merece ser atendida.
Conforme usamos advertir a este respeito, a faculdade de proceder à modificação da matéria de facto deverá ser usada pelo Tribunal de recurso com prudência, uma vez que, há que reconhecê-lo, a oralidade e a mediação propiciam a apreensão pelo julgador da 1.ª instância de toda uma gama de elementos subtis, subtraídos ao tribunal de recurso, que tantas vezes, mais do que aquilo que a testemunha diz, acaba por ser determinante para validar ou antes desconsiderar as declarações que presta. Tal não significa, impõe-se ressalvar, que a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto se destine apenas à correcção de pontuais, concretos e eventualmente excepcionais erros de julgamento; ao invés, o Tribunal da Relação, quando reaprecia as provas – e pode/deve, para este efeito, atender a todos os meios de prova produzidos no processo – procede a um novo julgamento da matéria de facto e procura a sua própria convicção, embora tendo sempre presente que a oralidade e mediação não estão ao seu alcance.
No caso vertente, ouvidos na íntegra o depoimento/declarações de parte prestados pela apelada e testemunho – cauteloso mas, ainda assim revelador – da testemunha (…), tendo ainda em atenção o conteúdo dos documentos igualmente considerados pela Mm.ª juíza “a quo”, impõe-se, desde já se adianta, a manutenção da decisão.
Antes de mais, parece oportuno referir que, pese embora o cuidado que naturalmente se impõe ao julgador na apreciação que faça das declarações prestadas pela parte e valor probatório que lhe atribua, ainda assim nada permite enjeitar as mesmas como meio de prova válido, sujeito como outros ao princípio da livre apreciação, nada obstando a que nele alicerce a sua convicção quando corroborado por outros elementos.
Ouvida a autora em declarações de parte, e sem esquecer o seu interesse na causa, afigurou-se todavia muito consistente, revelando uma mulher que em 2004 contava 64 anos de idade, encontrando-se viúva há 2 anos, sendo que até ao seu falecimento era o marido “quem tratava dos assuntos do Banco”, só começou a tratar disso após a morte deste, mas “sem perceber nada de nada”, tinham uma loja de produtos religiosos em Fátima, toda a vida trabalhou e tinha as suas economias de uma vida no Banco, “dinheiro que lá estava e, na sua ideia, lá continuou”. Resultou ainda claro que não fazia ideia de que era uma cliente da responsabilidade do Centro de Empresas – atribuição que naturalmente terá partido da iniciativa do próprio Banco – nem tão pouco que alguma vez tivesse subscrito unidades de participação de fundos de investimento imobiliário (se é que foi a própria a subscrever desconhecendo-se, na afirmativa, em que condições e com que informações), antes sempre tendo aplicado o dinheiro em DP, o que a testemunha (…) confirmou, desconhecendo, nem tal lhe foi explicado, o que era uma obrigação subordinada.
A declarante relatou que a dada altura foi procurada pela testemunha (…) – o senhor do banco – que se deslocou a sua casa, como por vezes acontecia, procedimento que já vinha do tempo do marido, o qual lhe explicou que o dinheiro, que se encontrava então depositado a prazo – facto que o extracto junto pela ré com a contestação corrobora-, estaria sempre garantido, poderia levantá-lo passado um ano, mas se quisesse deixá-lo durante cinco anos estava assegurada a mesma taxa de juro. Face a tal explicação, e dada a inteira confiança que depositava nos “Srs. do banco”, a declarante terá concordado com o que lhe estava a ser proposto, ficando a certeza que estava convencida que o dinheiro continuava no BPN. E tanto assim é que, decorridos os tais 5 anos – a declarante confirmou que deixou decorrer o referido prazo porque o banco foi sempre pagando os juros e, embora tenha declarado desconhecer se eram mais elevados do que os juros dos DP, reconheceu que “eram bons” – se dirigiu ao banco para levantar o dinheiro, tendo ficado surpresa e preocupada quando lhe disseram que o não podia fazer e teria que esperar 10 anos, tendo-lhes então dito “entreguei o meu dinheiro aqui no BPN, é aqui que ele está e é aqui que quero levantá-lo”, tendo-lhe sido mais uma vez garantido que lho davam “na totalidade”.
A instâncias, declarou ainda que da explicação que lhe foi dada pelo Sr. (…) ficou convencida que podia movimentar o dinheiro quando dele precisasse – “era só chegar lá e podia levantar o dinheiro, foi assim que me disseram” – e passados os 5 anos ia buscar esse dinheiro “e pô-lo onde eu necessitasse”, acrescentando que se tivesse sabido que se tratava de aquisição de obrigações de uma outra entidade não o teria “posto lá”, ficando assim o convencimento que, tal como ficou a constar do ponto 5., não sabia o que eram obrigações SLN Rendimento Mais 2004, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa (artºs 5.º e 18.º da petição inicial).
Por seu turno, a dita testemunha (…), em depoimento um tanto constrangido, a que não será alheia a circunstância de ser ainda hoje o coordenador do gabinete de empresas do Banco réu, tendo desempenhado no BPN, instituição para qual trabalhou desde Setembro de 1998, funções como responsável do gabinete de empresas de Leiria, declarou conhecer a autora como cliente, caracterizando-a como pessoa cautelosa e conservadora, tendo aplicado sempre o dinheiro em depósitos a prazo. Relevantemente, esclareceu que “essa aplicação” – referia-se a testemunha às obrigações subordinadas aqui em causa- era vendida como “um produto do banco”, tinha capital garantido e uma taxa atractiva porque tinha um prazo de maturidade mais longo. A propósito da expressão “produto do banco” explicou que era aquela “que nos era dada como argumentário comercial”, com a possibilidade de “colateralizar essa aplicação com um empréstimo”. Transmitia aos clientes que era como um DP e não explicava o que era uma obrigação, dizendo antes que “era um título de crédito que no final dava origem ao reembolso de capital e juros”, reconhecendo que na altura existia “falta de informação/falta de formação”, admitindo que hoje não colocaria o produto da mesma maneira, sem deixar de referir que então não se colocava a questão do incumprimento.
Tendo-lhe sido perguntado, esclareceu que os DP a qualquer momento podem ser desmobilizados e que as obrigações podiam ser resgatadas de 6 em 6 meses com perda de juros, o que justificou com o facto de haver procura e se algum cliente resgatava punham “no sistema” e aparecia rapidamente quem o substituísse. Esta explicação da testemunha lança luz sobre a convicção da declarante quanto ao facto de poder dispor do dinheiro quando quisesse – “era só chegar lá chegar lá e podia levantar o dinheiro”, conforme afirmou – ficando este colectivo convencido que, contando com a procura, a testemunha terá garantido à autora/apelada que o dinheiro estava à sua disposição como ocorreria se continuasse depositado a prazo o que, todavia, não é uma característica das obrigações. Ficou igualmente a convicção de que à mesma autora não foi em momento algum referida a SLN ou explicado o que era uma obrigação subordinada.
Por último, e pese embora se trate de documento elaborado em data posterior, não deixa de ser esclarecedor o teor do mail da autoria da testemunha (…) a respeito da emissão de papel comercial da SLN Valor no ano de 2008, no qual, a despeito de a mesma surgir, conforme o próprio refere no seu depoimento escrito, “num momento extremamente difícil do Grupo SLN em geral e do BPN em particular, porquanto tinha acabado de chegar ao Grupo a equipa liderada pelo Dr. (…) com a missão de o recuperar (o Grupo e o BPN atravessavam graves problemas de liquidez) (…)” se refere enfaticamente “na prática estamos a “vender” o equivalente a um DP com uma excelente taxa”, concluindo que “quando o cliente efectua um DP no BPN está a comprar “risco” BPN. Não vejo diferença”. Tal exemplo de “argumentário comercial”, para utilizar as palavras da testemunha Saul – note-se que o mail, segundo o seu autor, a testemunha (…), foi remetido aos 11 gestores de empresas da região Centro, compreendendo Coimbra, Aveiro, Viseu, Castelo Branco e Leiria – não será diferente, dado tratar-se do mesmo produto, do divulgado em ordem a promover a venda da emissão de 2004, conforme de resto resulta das declarações de parte da autora e testemunho do referido (…).
No que respeita ao pretendido aditamento, sendo certo que a autora relatou ter-lhe sido dito em 2009, quando pretendeu levantar o dinheiro, que este havia sido aplicado em obrigações, a verdade é que, a fazer fé no seu depoimento – sendo certo que nada o contrariou- não lhe foi explicado, pelo menos em termos competentes, por forma a que pudesse tê-lo apreendido, o que eram obrigações subordinadas, antes lhe tendo sido garantido uma vez mais que findos os 10 anos sobre a subscrição, por cujo termo teria que esperar, lhe entregariam o dinheiro e os juros. Ficou assim a convicção que só quando lhe foi recusada a restituição do dinheiro em 2014, sem que a partir de então tenha recebido quaisquer juros, se deu conta de que o Banco R. não respondia pelo dinheiro.
Deste modo, e porque do declarado pela autora não se extrai que tenha tomado efectivo conhecimento da natureza e características da aplicação onde o dinheiro fora investido, nada há que acrescentar à matéria de facto termos em que, conforme se antecipara, improcede “in totum” a impugnação dirigida à matéria de facto.
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II. Fundamentação
Factos Provados
1. A A. era cliente do R. (BPN), na sua agência de Santa Catarina da Serra, com a conta à ordem n.º (…), onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças (art.º 1.º da petição inicial)
2. Em Outubro de 2004 o representante do Banco BPN, agência de Santa Catarina da Serra, disse à A. que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada (art.ºs 2.º, 10.º e 32.º da petição inicial)
3. O dito funcionário do Banco Réu sabia que a A. não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitissem à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente (art.º 3.º da petição inicial)
4. E que por isso tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data sempre o aplicou em depósitos a prazo (art.º 4.º da petição inicial).
5. O seu dinheiro, 250.000,00 €, viria a ser colocado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 sem que a A. soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa (artºs 5.º e 18.º da petição inicial).
6. O que motivou a autorização, por parte da A., foi o facto de lhe ter sido dito pelo funcionário que o capital era garantido pelo Banco BPN, com juros semestrais, e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias (art.ºs 6.º e 8.º da petição inicial).
7. A A. actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso num produto com risco exclusivamente do Banco (art.º 7.º da petição inicial).
8. Nunca foi intenção da A. investir em produtos de risco, como era do conhecimento do funcionário do Réu, e a A. sempre esteve convencida que o Réu lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse (art.º 9.º da petição inicial).
9. Daí a convicção plena com que a A. ficou da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança à A. e nunca a alertou para qualquer irregularidade, e que manteve até Novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos (artºs 11º e 12º da petição inicial).
10. O R. não lhe restituiu o montante que a A. lhe confiou, ficando impedida de usar o seu dinheiro como bem entendesse (artºs 30º e 39º da petição inicial).

B - Factos não provados
Art.º 14.º da pi. A A. ficou alarmada e recorreu ao signatário para intentar a presente acção.
15.º da pi. A A. não sabia o que era a SLN. Pensava que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco Réu utilizava.
19.º da pi. E nunca o gerente ou funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou à A. o que eram obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
23º da pi. Nunca qualquer contrato lhe foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pela A.; e nem nunca conheceu a A. qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente.
31º da pi. Também não tem cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contratou uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2009 e até Novembro de 2015.
40º da pi. Além disso, com a sua actuação, o Réu colocou a A. num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro.
41º da pi. E tem provocado na A. ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.
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O Direito
c) Da violação por banda da recorrente dos deveres de informação no âmbito do contrato de intermediação financeira e do ónus da prova quanto à ilicitude da actuação da ré e da prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Na sentença apelada considerou-se, face ao acervo factual apurado, que o Banco R. actuou como intermediário financeiro no processo de subscrição pela autora/apelada, sua cliente, das obrigações subordinadas emitidas pela SLN, o que não vem posto em causa, tendo-se constituído na obrigação de a indemnizar pelos danos sofridos por ter violado de forma grave o dever de informação e esclarecimento que sobre si recai, o que a apelante questiona.
Tendo em consideração a data da subscrição das obrigações e o disposto no art.º 12.º, n.º 1 CC, será aplicável ao caso o CVM aprovado pelo DL 486/99, de 13 de Novembro, na versão anterior ao DL 357-A/2007, de 31 de Outubro[4], sem embargo de poderem ser consideradas as novas disposições, “dado o entendimento (que parece vingar) de que a densificação dos deveres de informação que ela [nova lei] levou a cabo teria servido “apenas para tornar mais claros e completos [esses deveres], que já podiam ser derivados da redacção [anterior] do art.º 312 do CVM”[5].
Não está em causa que a Ré, ao proceder, autorizada pela autora, à subscrição em nome desta de obrigações subordinadas emitidas pela SLN, actuou como intermediária financeira, ao abrigo portanto de um contrato de intermediação ou relação de cobertura que esteve na base da subscrição daqueles valores mobiliários. E nesta qualidade, um dos cruciais deveres que a lei lhe impõe é o de prestar informação, a qual “deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, abrangendo “os valores mobiliários, as ofertas públicas, os mercados de valores mobiliários, as actividades de intermediação e os emitentes” (cf. art.º 7.º).
Conforme assinalámos em momento anterior[6], um objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a prevenir a lesão dos interesses dos clientes (cf. n.º 1 do art.º 304.º). Daí que a lei estabeleça que “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (cf. n.º 2 do art.º 312.º). Pressupondo o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, o cumprimento deste dever assenta, pois, num princípio de proporcionalidade: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento, maior será a sua necessidade de protecção[7].
A este respeito, se é verdade que a lei em vigor ao tempo não impunha a prévia categorização dos clientes nos termos e segundo os critérios hoje claramente definidos[8], não deixava de distinguir entre clientes qualificados e não qualificados, categoria delimitada por exclusão (cf. o art.º 30.º), impondo o n.º 3 do art.º 304.º que, “na medida do necessário ao cumprimento dos seus deveres”, o intermediário financeiro colhesse informação “sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar”[9]. Tal imposição visava claramente permitir que o intermediário adequasse o serviço a prestar às necessidades, nomeadamente informativas, de cada cliente, assegurando-se, em cada caso, que a operação visada era a mais adequada e que na tomada de decisão este se encontrava ciente dos riscos envolvidos. Este dever geral de adequação compreende (e compreendia já ao tempo) i. o dever de recolha de informação sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento e no que respeita ao produto ou serviço pretendido ou oferecido; ii. o dever de avaliação da adequação do investimento proposto ou solicitado, o que pressupõe necessariamente que o intermediário financeiro deva recolher sobre ele toda a informação e, finalmente, iii. o dever de informar o cliente sobre a inadequação ou a falta de informação suficiente[10] (cf. citados art.º 304.º e 312.º)[11].
A responsabilidade do intermediário financeiro pressupõe a verificação dos tradicionais pressupostos da responsabilidade civil previstos no artigo 483º do C. Civil: o facto ilícito; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A propósito, dispunha o artigo 314.º:
“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (é nosso o destaque).
Sendo indiscutido que a A. era uma investidora não qualificada e de perfil conservador, conforme resulta expressamente do facto assente em 4. e a apelante não questiona, cabe indagar se ocorreu por banda do apelante, conforme foi entendido pela 1.ª instância, violação dos assinalados deveres de informação e, demonstrada tal conduta ilícita, se a mesma foi causal dos prejuízos.
O n.º 2 do transcrito art.º 314.º consagra uma presunção de culpa do intermediário financeiro, no contexto da violação de deveres respeitantes ao exercício das actividades de intermediação financeira, quer elas tenham decorrido no âmbito contratual, quer pré-contratual, quer em qualquer outro caso, no atinente aos deveres de informação. E conforme dá conta a apelante nas alegações de recurso, é controvertida a amplitude desta presunção, vindo contudo os nossos Tribunais a decidir, ao que cremos maioritariamente, no sentido de que a prova do ilícito incumbirá ao lesado, funcionando a presunção estabelecida prevista no n.º 2 do artigo 314.º no que respeita à culpa[12]. Assim, “para que a R. pudesse ser responsabilizada, necessário era que, atento o disposto no art.º 314º do anterior CVM, estivesse provada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, impostos pela lei ou por regulamento. Ainda que nos termos do n.º 2 se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que em concreto se poderia ter traduzido na violação daqueles deveres, com função causal relativamente aos prejuízos”[13].
Revertendo ao caso vertente, parece evidente, face ao acervo factual apurado, que a apelante incumpriu em toda a linha o dever de informação que sobre si recaía, omitindo informação relevante e prestando informação incorrecta, determinando a autora à subscrição de um produto que não conhecia, não tendo sido esclarecida quanto às suas características, antes lhe tendo sido descrito enganadoramente como sendo “em tudo igual a um DP” (cf. o ponto 2). E esta referenciação ao DP não é, evidentemente, inocente, uma vez que se trata de um produto muito divulgado, de todos conhecido e, sobretudo, reconhecido pela sua segurança, sobre ele recaindo invariavelmente, conforme o réu sabia e resultou provado, a preferência da autora.
Pergunta a apelante nas suas alegações: “afinal, que informação não foi dada, devendo tê-lo sido?”. À questão, assim pertinentemente colocada, acrescentamos nós uma outra “que informação foi dada, não devendo tê-lo sido?” E a resposta a ambas encontramo-la de forma clara no acervo factual apurado.
Antes de mais, não foi dito à autora que se tratava de obrigações e obrigações subordinadas.
A este respeito, não podemos subscrever a afirmação constante do douto parecer junto aos autos, da responsabilidade do Sr. Prof. Pinto Monteiro, no sentido do conceito de obrigação ser “conhecido da generalidade do público” “ou, pelo menos, facilmente apreensível”. Tal asserção assenta, cremos, o que com o maior respeito se afirma, num equívoco quanto à natureza e extensão dos conhecimentos de grande parte da população portuguesa, sobretudo quando estão em causa pessoas de determinada idade e formação. Não temos dúvidas em afirmar – e basta para tanto ouvir o seu depoimento – que requeria alguma paciência e capacidade de simplificação esclarecer cabalmente a autora da natureza e características de uma obrigação subordinada (trata-se de pessoa que em vida do marido nunca tratou de nada, os papéis eram todos tratados por ele, conforme declarou), sendo certo que a ré estava obrigada a fazê-lo[14]. E tal esclarecimento não foi prestado, conforme a testemunha (…) expressamente reconheceu.
A obrigação, tal como se refere na sentença apelada, é um valor mobiliário cuja relação jurídica de base corresponde fundamentalmente a um contrato de mútuo, apresentando-se o seu titular enquanto credor perante a entidade emitente. As obrigações representativas de dívida subordinada caracterizam-se ainda pelo facto de o titular da obrigação, em caso de insolvência da emitente, apenas se poder pagar depois de satisfeitos todos os credores comuns (cf. art.º 48.º CIRE). Face a tais características, que não foram explicadas à autora, é rigoroso afirmar que se trata de um produto “como se fosse” ou “em tudo idêntico” a um DP? Evidentemente que não.
A informação prestada à autora/apelada propiciou ainda um outro equívoco, porquanto, omitida qualquer referência à entidade emitente, e tratada como se fosse uma aplicação “com risco banco”, ficou naturalmente convencida, conforme ficou apurado, que o dinheiro “estava no banco”, tanto mais que não lhe foi dito que era uma outra entidade quem pagava os juros, estando pelo Banco R. garantida a sua entrega quando fosse solicitada (garantida a entrega porque, na perspectiva da autora, era o Banco R. quem detinha o dinheiro, não estando em causa uma qualquer assunção de dívida ou fiança). E de nada valem a este respeito os denodados esforços da apelante quando pretende que a informação prestada no sentido do capital estar garantido se reportava ao produto em si, nada tendo a ver com a instituição bancária, pois o sentido apreendido pela autora é, não só aquele que um declaratário com as suas características, colocado na sua situação, apreenderia, como, ficámos convencidos, era também aquele que o declarante queria que fosse apreendido, não sendo inocente, repete-se, a equiparação feita aos DP, a que não faltou a informação, pouco rigorosa, de que podia dispor do dinheiro em qualquer altura, omitindo que tal dependeria do surgimento de terceiro interessado a quem os títulos fossem endossados. Estamos em presença de informação relevante, que a ré estava naturalmente obrigada a prestar de modo a que a autora a compreendesse, sem esperar que fossem feitas perguntas, uma vez que até para perguntar é necessário saber o suficiente. Daí que se afirme que ao intermediário financeiro cabe tomar a iniciativa de prestar a informação.
Em suma, emerge claramente da prova produzida que a ré não informou a autora, como devia, de elementos essenciais atinentes à operação de investimento que para esta executou, antes tendo prestado informação enganadora, levando-a a investir num produto que, ao contrário do que afirmava, não era “em tudo idêntico a um DP”, assim tendo violado o seu dever de prestar “informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”.
Argumenta a apelante que não há produtos 100% seguros e que mesmo os DP não satisfazem tal requisito, ao que acresce a circunstância de na altura o Fundo de Garantia de Depósitos assegurar apenas € 20.000,00. É um facto que assim é. Todavia, não há dúvida que existem profundíssimas diferenças entre ser titular de um DP numa instituição bancária ou antes de obrigações subordinadas emitidas por uma sociedade, o que resultou evidente no caso BPN. Com efeito, dada a relevância para a economia do país da solidez das suas instituições bancárias e da confiança dos clientes no sistema bancário, o Estado português assegurou-se de que nenhum depósito seria perdido, sendo óbvio que nenhuma intervenção semelhante teria lugar numa sociedade como era o caso da SLN.
Por outro lado, a ter sido decretada a insolvência da instituição bancária[15], com perda dos depósitos -o que, repete-se, não ocorreu- já não se poderia a autora queixar, uma vez que se tratava do produto que escolhera.
Quanto à existência do prejuízo, resulta do facto de a apelada estar privada da referida quantia de € 250.000,00, conforme se dá conta em 10. Aliás, quanto a este aspecto não podemos deixar de fazer notar que a própria apelante reconheceu, no articulado de contestação, que por incumprimento da emitente, o investimento não foi reembolsado (cf. o teor dos art.ºs 47.º e 66.º). E tal não teria ocorrido caso a autora não tivesse subscrito as aludidas obrigações, aplicações que em nada correspondiam ao anunciado pela apelante e por aquela pretendido para o efeito de aplicar as suas poupanças, extraindo-se de forma inequívoca dos factos vertidos em 6. e 7. que o não teria feito caso tivesse conhecimento das suas características, assim ficando igualmente demonstrado o nexo causal entre a conduta ilícita e o dano verificado.
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d) da prescrição
Insiste ainda a apelante (conclusões LXI a LXVII) que tendo o Banco Réu actuado, em todo o caso, com culpa leve ou levíssima – se culpa houve – sempre a sua responsabilidade estaria prescrita, por aplicação do disposto no art.º 324.º[16].
Pata tal defende que o funcionário do banco réu estava convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil da cliente, não tendo sequer concebido a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento num produto que a autora não quereria se estivesse devidamente informada, não havendo qualquer intenção ou consciência de a induzir em erro.
A propósito, vários reparos se impõem.
Antes de mais, cabendo à apelante fazer prova da data em que a autora tomou conhecimento da conclusão do negócio – e tomar conhecimento implica, naturalmente, uma cabal apreensão dos seus termos – não o fez, tendo sido julgada improcedente a sua pretensão modificativa da matéria de facto quanto a este aspecto. Depois, não subscrevemos em absoluto quanto descreve a apelante – sem suporte na factualidade apurada – a propósito da conduta do banco réu. Com efeito, aceitando que o seu colaborador acreditava que a SLN iria restituir o capital investido (afirmação que não ousaríamos fazer no caso da emissão de 2008, quando a emitente se encontrava já em dificuldades, conhecidas dos colaboradores do Banco), a convicção que se retira dos factos assentes vai antes no sentido de considerar que, conhecendo bem a autora e o seu perfil conservador, “vendeu” a aplicação como se fosse um depósito a prazo – “em tudo idêntico a um DP” –, o que fez deliberadamente, sabendo que assim obteria a sua anuência, o que seguramente não ocorreria caso explicasse, “preto no branco”, que se tratava de um empréstimo a uma sociedade de participações, sendo possível dispor do dinheiro antes do referido prazo de 10 anos apenas e só se surgisse um terceiro interessado, e que o responsável pela restituição do capital no termo do prazo era a mesma sociedade, sem qualquer intervenção ou garantia prestada pelo Banco. Trata-se de uma conduta deliberada, com um propósito determinado, estando em causa a relevante quantia de € 250.000,00.
Tendo presentes tais aspectos, “atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave.
Sendo a sua culpa grave, não se aplica o prazo bianual do art. 342º, nº 2, do CVM, mas o prazo geral do art.º 309º Código Civil (…)”[17].
Improcede assim a excepção de prescrição, tal como se considerou na sentença apelada que, dada a improcedência dos restantes fundamentos do recurso, merece ser confirmada.
Sendo a responsabilidade contratual por violação do dever de informação a fonte do dever de indemnizar a cargo da apelante, prejudicado fica o conhecimento da derradeira questão colocada pela apelante no que respeita a eventual garantia e sua validade.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
As custas ficam a cargo do Banco recorrente.
Évora, 12 de Julho de 2018
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho
Conceição Ferreira

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[1] A questão não foi abordada na sentença nem faz parte do objecto do recurso, estando subtraída ao conhecimento oficioso, dado que, ainda a verificar-se, estamos em presença de uma nulidade atípica quanto ao seu regime de arguição, conferindo legitimidade apenas ao investidor não qualificado para a sua arguição (cf. art.º 321.º, n.º 1, do CdVM, na sua primitiva e também na actual redacção).
[2] Tal entendimento vem sendo consistentemente defendido pelo STJ, de que é exemplo o aresto proferido em 1/10/2015, no processo 824/11.3 TTLRS.L1.S1, no qual se sintetiza:
“I. No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação”.
[3] Assim decidiu o STJ em acórdão de 27/4/2017, no processo 685/03.6 TBPRG.G1.S1, acessível no mesmo sítio.
[4] A este diploma e versão se deverão considerar pertencerem as disposições legais que doravante vierem a ser citadas sem especificação da sua origem.
[5] Ac. do STJ de 10/4/2018, proferido no processo 753/16.4 TBLSB.L1.S1, versando sobre caso com semelhanças óbvias com aquele que nos ocupa e que confirmou o acórdão do TRL que revogou a sentença da 1.ª secção cível da Instância Central da Comarca de Lisboa de 10 de Dezembro de 2016 várias vezes citada pelo Prof. Pinto Monteiro no seu parecer, sempre com menção de concordância.
[6] Acórdão do TRC de 15/12/2016, processo 377/12.5 TVPRT.C2 relatado pela ora relatora.
[7] Paulo Câmara, “Os deveres de categorização de clientes e de adequação dos intermediários financeiros”, acessível em http://www.servulo.com/xms/files/OLD/publicacoes/Direito_Sancionatorio_das_Autoridades_Reguladoras_PC2009.PDF.
[8] Cf. art.ºs 317.º a 317.º-D.
[9] A Directiva Comunitária relativa aos Serviços Financeiros (Directiva n.º 93/22/CEE), já previa, no seu artigo 11.º, §4.º, 4.ª alínea, o dever dos intermediários financeiros tomarem conhecimento da situação financeira, da experiência e dos objectivos de investimento do cliente.
[10] Paulo Câmara, cit.
[11] O dever de informação veio a ser amplificado e densificado com as alterações introduzidas pelo DL n.º357-A/2007, que veio dar nova redacção ao art.º 312.º e aditar os artigos 312º-A a 312º-G.
[12] Assim foi decidido nos arestos do STJ de 06/06/2013 e da R.L. de 04/12/2012, ambos proferidos no processo nº. 364/11.0TVLSB, Ac. da R.P. de 21/03/2013, proferido no processo 2050/11.2TVVFR.P1, e ainda do mesmo TRP de 28/1/2013, no processo n.º 1943/09.1TJPRT.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Na doutrina, Gonçalo Castilho dos Santos entende que a presunção estabelecida no preceito abrange também, ainda que a título excepcional para a imputação mobiliária, o nexo de causalidade, excluindo apenas a ilicitude do âmbito presuntivo do preceito (cf. ob. cit., págs. 189 e seguintes, maxime, pág. 215).
[13] Citado acórdão do STJ de 06/06/2013, proferido no processo 364/11.0TVLSB.L1.S1
[14] O Prof. Pinto Monteiro, no douto parecer junto aos autos, afirmando embora não relevar se os clientes, beneficiários dos deveres de informação, compreenderam a informação, não deixa de reconhecer que a lei obriga o intermediário a transmiti-la em termos que permitam a sua assimilação por parte daqueles destinatários e em relação àquele instrumento em concreto (cfr. página 17 verso do parecer).
[15] Como ocorreu com os bancos islandeses, que colapsaram sem que o Estado islandês interviesse.
[16] Artigo 324.º Responsabilidade contratual
1 - São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar.
2 - Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
[17] Citado acórdão proferido no processo 753/16.4T8LSB-L1.S1.