Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
60/14.7JAPTM.E1
Relator: JOSÉ MARTINS SIMÃO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MEDIDA DA PENA
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário:
I – Não obstante a gravidade das ofensas perpetradas pelo arguido na pessoa da assistente, com quem vivera maritalmente, e as prementes exigências de prevenção geral, sendo aquele delinquente primário, é adequada e proporcional a pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na respectiva e execução e subordinada a regime de prova e à obrigação de se afastar da assistente, nunca se aproximando dela.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1- Relatório
Nos presentes autos de processo comum singular, com o número acima mencionado da Instância Local de Lagos, Comarca de Faro, a acusação foi julgada procedente por provada e parcialmente procedentes por provados os pedidos cíveis e em consequência decidiu-se condenar o arguido A.

a) pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.°, n.° 1, alíneas b) e c) e 2 do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa, de harmonia com o mesmo Código, mas sujeita a regime de prova, nos termos do seu art. 53º, e com submissão do arguido, logo após o trânsito, à obrigação de se afastar da assistente, nunca se aproximando dela, nem a contactando, por qualquer meio ou motivo.

b) a pagar ao demandante Centro Hospitalar do Algarve, EPE, a quantia de duzentos e quarenta e dois euros e vinte cêntimos, com acréscimo dos juros civis legais contados desde 16 de Abril de 2014, a título de indemnização por danos patrimoniais.

c) a pagar à demandante RP a quantia de doze mil euros a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Inconformado o arguido recorreu, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

«1 – O Sr. Juiz ao ponderar e concluir, revelando tal na sentença, ter o arguido querido matar a mãe do seu filho, subverteu, de alguma forma, os princípios relativos à prossecução processual que é de estrutura basicamente acusatória.

2- Face aos factos constantes da acusação do Ministério Público e ao crime que o arguido vem acusado, contrariamente ao entendido pelo Sr. Juiz recorrido não se pode fazer perpassar pela sentença o juízo que, afinal, o arguido pretendeu tirar a vida à assistente e que ainda mantem tal intenção e aplicar a pena em função de tal juízo.

3- Face á conduta do arguido em que desde logo ressalta que causou à assistente lesões no seu corpo que lhe determinaram 20 dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e ou trabalho profissional, mas tendo também em conta que não há o menor indício que desde 16/04/2014 até ao presente tenha o arguido praticado qualquer gesto insidioso contra a assistente não obstante haver por meio a problemática inerente à execução da regularização das responsabilidades parentais relativas ao filho E., de 3 anos de idade, e não havendo o menor indício que o arguido não respeitou a vontade da assistente em acabar com a relação, não há objectivamente razão para entender que o arguido ainda quer fazer mal à mãe do filho de ambos.

4- Tendo a sentença deixado consignado que o arguido não se cansou de protestar o seu arrependimento e que revelou na audiência respeito e disciplina, mas logo tendo o Sr. Juiz concluído que o arguido pretendeu matar a assistente e disso ter feito alarde na sentença, é bom de ver que era impossível ao arguido satisfazer o julgador quanto ao seu genuíno arrependimento pela conduta que vinha acusado; pois alcança-se da sentença que para o julgador só a confissão da vontade de matar a assistente era compatível com o verdadeiro arrependimento.

5- Deve dar-se por provado que o arguido declarou-se arrependido e envergonhado pela agressão que perpetuou na pessoa da assistente.

6- Carece absolutamente de fundamentação a ponderação feita pelo Sr. Juiz que terá ficado com a convicção que o arguido quis e ainda quer matar a assistente, em circunstâncias que assegurem a sua impunidade, logo a pena aplicada baseada em tal infundada convicção não pode deixar de ser excessiva.

7- Assim, face aos factos provados, à atitude do arguido em julgamento e ao facto de se não revelarem quaisquer indícios de gestos insidiosos do arguido para com a assistente desde 16/04/2014, a pena de prisão de 2,5 anos com a sua execução suspensa é suficiente para almejar a prevenção geral e especial e obter também o desiderato da função retributiva.

8- A pena aplicada pelo máximo dela viola o princípio da proporcionalidade que emana, desde logo, do disposto no nº 2 do art. 18º da Constituição da república Portuguesa, ferindo o princípio da justa medida.

9- O dever imposto ao arguido, como condição da suspensão da execução da pena, de “ se afastar da assistente nunca se aproximando dela, nem a contactando, por qualquer meio ou motivo”, viola o disposto no art. 51º do CP.

10- A exigência do afastamento do arguido relativamente à assistente ainda é concebível, agora impor-se ao arguido que nunca se aproxime da assistente e que não a contacte por qualquer meio ou motivo, sendo ela a mãe do filho do arguido, de três anos, e manifestando a sentença que a suspensão da execução da pena visa dar ao menor Eduardo o normal acesso a seu pai, é algo impossível de cumprir.

11- A condição a impor ao arguido – se alguma deva ou possa ser imposta para além do regime de prova – não pode passar por ele nunca contactar com a assistente por qualquer meio ou motivo.

12- Aliás, a sentença, a nosso ver, viola o disposto no nº 2 do art. 50º do CP, pois esta disposição legal subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres específicos ou regras de conduta ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, ou seja, não permite que se imponha o cumprimento de deveres ou regras de conduta e o regime de prova, conjuntamente. A conjunção ou na referida disposição legal indica obrigatoriamente uma opção.

13- Não tendo a assistente sofrido quaisquer danos patrimoniais, a indemnização cível fixada para lenitivo dos danos morais da assistente/demandante é excessiva, até atendendo à condição económica do arguido/demandado, devendo esse Venerando tribunal fixar antes na quantia de € 7500,00 o montante a ser pago à assistente, satisfazendo melhor esta quantia o princípio da equidade previsto no art. 496º do CC.

Pelo exposto, requer-se que esse Venerando Tribunal altere apena de prisão aplicada ao arguido, reduzindo-se para 2,5 anos, revogue a medida/condição da suspensão da execução da pena no que tange à obrigação de se afastar da assistente, nunca se aproximando dela, nem a contactando, por qualquer meio ou motivo e, finalmente, reduza o montante a pagar à assistente a título de indemnização cível».

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:
“1- Ao crime pelo qual o arguido foi condenado corresponde, em abstracto, uma pena de dois a cinco anos de prisão.

2- In casu, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º, nº 1, als. b) e c) e nº 2 do C.Penal, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e com a submissão do arguido, logo após o trânsito, à obrigação de se afastar da assistente nunca se aproximando dela, nem a contactando por qualquer meio ou motivo.

3- Ao determinar o quantum da pena de prisão supra mencionada, o Mmo Juiz a quo valorou correctamente a ilicitude dos factos praticados, bem como a culpa do arguido, mostrando-se tal pena adequada às exigências da prevenção e proporcional à ilicitude da conduta e culpa do agente.

4- Deste modo, em face do exposto, a douta sentença recorrida não violou o disposto nos arts. 40º, 71º, nº 1 e 2, ambos do C. Penal.

Termos em que deverá ser negado o provimento ao recurso interposto e ser mantida a douta sentença recorrida”.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a pena fixada deve ser alterada e quanto ao mais deve manter-se a decisão recorrida.

Observado o disposto no artº 417º, nº 2 do CPPenal o arguido não respondeu.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1p. O arguido e a Assistente RP viveram um com o outro maritalmente desde 2010 até ao dia 10 de Abril de 2014, tendo resultado dessa união o nascimento do filho de ambos, E., no dia 10 de Julho de 2012.

2p. Nos últimos dois anos, o casal fixou residência no Edifício …, Odeceixe, Aljezur.

3p. Durante o tempo de convivência marital, o arguido, durante discussões, partiu objectos de mobiliário.

4p. Este tipo de comportamento não cessava, designadamente após o nascimento do menor E., pelo que a assistente decidiu pôr termo à relação no dia 10 de Abril de 2014, quando o arguido regressou a Lisboa, onde está colocado, como elemento do Esquadrão Presidencial da GNR.

5p. No dia 15 de Abril de 2014, o arguido efectuou diversos telefonemas para o telemóvel da assistente, dizendo-lhe que “era uma puta”, que “andava a montar um espanhol” e que “lhe iria arrancar a cabeça do corpo”, e ainda que pretendia visitar o filho no dia seguinte.

6p. A assistente perguntou ao arguido se era dessa forma que queria ver o filho no dia seguinte, e o arguido respondeu-lhe que ao filho nunca faria mal, e que apenas “tinha ódio à pessoa física” da assistente.

7p. No dia 16 de Abril de 2014, pelas 12.30 horas, a assistente recebeu uma mensagem escrita onde o arguido dizia que “já to a xegar a saboia não atendes vou ter com o Dudu à escola”.

8p. Em face desta mensagem, assistente preparou-se para sair à rua para ir buscar a criança ao infantário, e nisto apercebeu-se, através de uma janela, de que o arguido já se encontrava no exterior da habitação, em área comum do condomínio onde esta se localiza.

9p. Então, através da janela, a assistente chamou a atenção do arguido para que não estava a fazer o combinado, ao que o arguido respondeu que chegara mais cedo e que só queria ver o filho.

10p. Perante isto, a assistente saiu do interior da sua residência com o intuito de ir buscar o filho ao infantário, mas ao sair da habitação o arguido foi ao seu encalce, tentando a assistente fugir dele.

11p. O arguido, porém, passou o braço pelo pescoço da assistente e fê-la cair ao chão, após o que lhe agarrou nos cabelos e bateu violentamente com a sua cabeça contra o solo.

12p. De seguida, aproveitando o facto de estar a assistente prostrada no chão, o arguido aplicou-lhe vários socos e pontapés em várias zonas do corpo, e apertou-lhe o pescoço, tendo a assistente gritado, apavorada.

13p. Como resultado directo destas agressões, a assistente sofreu perda de controle dos esfíncteres, traumatismo crânio-encefálico, e ainda as seguintes lesões:

- Equimose periorbitária da face esquerda, com ferida incisa supraciliar e dor dorsal por traumatismo;

- Fractura da superfície orbitária da maxila esquerda (parede inferior da órbita e superior do seio maxilar).

- Finos traços de fractura nas paredes medial e lateral do auxiliar esquerdo.

- Finos traços de fractura na superfície orbitária do etmóide – laminapapirácea.

- Parede medial da órbita esquerda (moderada quantidade de conteúdo hemático na vertente posterior do seio maxilar direito, identificando-se igualmente preenchimento de algumas células etmoidais, sobretudo à esquerda, e pequena quantidade de conteúdo hemático no seio maxilar direito – importante espessamento e densificação das partes moles periorbitárias e da região malar esquerda).

- Equimoses do braço direito.
14p. Tais lesões foram determinantes de um período de doença de 20 dias, sem afectação da capacidade de trabalho.

15p. Na tarde do referido dia 16 de Abril de 2014, o arguido ingeriu alguns comprimidos e foi assistido no serviço de urgências do Hospital Distrital de Santarém, sendo certo que abandonou aquela unidade hospitalar “contra parecer médico”.

16p. O arguido é militar da GNR e esteve convalescente de afecção do foro psiquiátrico entre 17 de Abril e 16 de Julho de 2014.

17p. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, pelo menos, lesar a integridade física da assistente, indiferente ao facto de ser a mãe do seu filho, bem como à relação marital havida entre ambos, sempre na, ou a coberto da residência onde viviam.

18p. O arguido esteve sempre ciente de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

19p. O demandante Centro Hospitalar do Algarve, EPE, prestou assistência à assistente no dia 16 de Abril de 2014, designadamente num episódio de urgência, com TAC das órbitas e TAC do crânio, bem como três exames radiológicos, o que causou ao demandante uma despesa de 242,20 euros.

20p. A assistente sofreu muitas dores

21p. Sofreu também a assistente forte abalo psíquico.

22p. Os factos provados abalaram a tranquilidade da assistente e da sua família.

23p. Desde o dia 16 de Abril de 2014, a assistente vive aterrorizada, como medo de se deparar com o arguido, e os acontecimentos daquele dia alteraram a sua liberdade pessoal, refugiando-se no seu lar.

24p. A assistente é enfermeira.

25p. O arguido quer muito a seu filho e sempre lhe dedicou todo o tempo disponível brincando com ele.

26p. O arguido trabalhava três dias em Lisboa e ficava cinco dias em casa.

27p. Tem sido a irmã da assistente que leva o menor ao arguido, para que o pai e filho possam estar juntos.

28p. O arguido é isento de antecedentes criminais, tem sido estimado na GNR pelos seus camaradas e chefias.

Factos não provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos:

1NP. Que o arguido tenha descrito à assistente as várias formas como se iria suicidar, se ela insistisse na separação.

2NP. Que o arguido tenha regressado às suas funções, e que tenha acesso a arma de serviço, designadamente apenas dentro das instalações militares.

3NP. Que o arguido tivesse grande orgulho na sua mulher e gostasse muito dela.

4NP. Que o filho do casal estivesse muitas vezes doente.

5NP. Que a assistente estivesse menos presente que o arguido junto do filho do casal.

6NP Que a assistente acusasse o arguido de ter namoradas.

7NP Que as folgas da assistente não coincidissem com a presença do arguido em casa.

8NP Que a assistente tenha querido, ou queria, afastar o arguido de seu filho.
9NP. Que a assistente tenha passado a dizer ao arguido que este só via o filho se ela quisesse e como quisesse, e que tenha passado a sonegá-lo com estratagemas, e que as agressões tenham sido causadas por quer a assistente impedir o arguido de ver seu filho.

10NP. Que a assistente tenha torturado psicologicamente o arguido, que faça dele gato-sapato e que se compraza em humilhá-lo.

11NP. Que o arguido esteja emocionalmente equilibrado, ou reequilibrado, e que continue a exercer funções com normalidade na GNR.

12NP. Que a assistente impeça o arguido de estar com o seu filho.

Prova dos factos e sua análise

1 - O arguido admitiu socos, negou pontapés; mostrou contrariedade por não poder ver o seu filho com a liberdade com que o fazia durante a convivência marital com a assistente; mostrou reiterada preocupação em assegurar que a assistente não corre perigo, porque ele, não tem intenção de molestá-la, e além disso – afirmou repetidamente – está muito arrependido.

2 - A testemunha IF narrou uma história de terror: ouviu gritos apavorados, foi ver, e observou que o arguido pontapeava selvaticamente a assistente, “não lhe tocou com as mãos só com os pés”, afirmou; a testemunha rompeu a gritar também, implorando ao arguido que parasse, o que ele veio a fazer quando a testemunha chegou ao fim do corredor, que é “muito comprido”, indo-se então o arguido embora, a testemunha abeirou-se da assistente, que viu ensanguentada e urinada; a testemunha tem conhecimento de que, quando o arguido estava em casa, ficava com o filho enquanto a assistente ia trabalhar; acrescenta, aliás, que “não tinha nada que dizer” a respeito do casal, a quem nunca viu desavindo, nem ouviu qualquer palavra alterada; mas afirma a sua convicção de que o arguido estava a tentar matar a assistente, repetindo “aquilo não era para dar vida”; a testemunha mostrou-se muito revoltada com o que viu, quer no seu tom de voz, quer o modo como expressou os factos que teve diante dos olhos.

3 - A assistente revelou algum descontrole emocional, que corrigiu por fim, e narrou, também ela, uma história de terror; basicamente combinou com o arguido que iria colocar-lhe o filho à disposição em local situado frente ao Posto da GNR de Odeceixe; mas o arguido que ficara de ir lá ter, apareceu do lado de fora de casa, antes da hora a que dissera ir chegar; interpelado, trocou calmas a tranquilas palavras com a assistente, que sentiu assim suficientemente segura para sair; nesse momento quando a assistente saia para o exterior, o arguido correu para ela e agarrou-a pelo pescoço, fazendo-a cair, a assistente deixou que ver o que passava, sentindo apenas impactos violentos, que cessaram com o arguido a apertar-lhe o pescoço e a dizer-lhe “vais morrer hoje”; assim narrou, sendo certa que esta última frase não consta da acusação, narrou ainda as suas lesões, insistindo na fractura de uma costela, que todavia não consta dos relatórios médico-hospitalares; mas confirmou convenientemente a sua perda do controle dos esfíncteres, afirmado, aliás, anteriormente pela testemunha IF.

4 - A testemunha DB, colega do arguido da GNR, conhecia o casal, ouviu a assistente dizer que tinha medo do arguido tomou conhecimento dos factos e ouviu dizer que está muito arrependido e muito envergonhado.

5 - A testemunha PM, colega da assistente, apercebeu-se de algumas chamadas do arguido para a assistente, sendo o arguido sempre muito educado, mas viu também a assistente como medo, muito receosa na véspera dos factos ora provados.

6 - A irmã da assistente, RR quis prestar declarações e narrou uma relação muito negativa, salientando um episódio em que ouviu o arguido dizer à assistente as palavras “ essa merda que trazes aí”, referindo-se no entender da testemunha, ao filho que a assistente, ainda tinha no ventre; refere que a assistente, após o sucedido, passou a andar com muito medo, receando muito o arguido, a ponto de ser a testemunha, tia, a entregar o sobrinho ao pai, quando se trata de tê-lo o arguido consigo.

7. A mãe da assistente confirma basicamente o declarado pela sus filha Rute, mas houve que interromper as suas declarações devido ao deplorável estado de nervos que a testemunha revelou.

8 - O pai da assistente, AP confirma também o declarado pela sus filha R – “essa merda que trazes aí”- convicto igualmente de que o arguido se referia ao seu filho nascituro, acrescentando que a assistente está psicologicamente desfeita, com medo de tudo.

9 - A testemunha IC declarou que é amiga da assistente, conhece o arguido e viu este cuidar do filho de ambos.

10 - A testemunha CC colega do arguido, descreveu-o como militar exemplar, para quem o filho era a melhor coisa, e que deixou a testemunha surpreendida com a prática da agressão, tendo, ao que diz, ouvido o arguido dizer que “cometeu o maior erro da sua vida”.

11 - O dito pela testemunha anterior foi basicamente confirmado pela testemunha PA, também agente da GNR.

12. A testemunha L, colega do arguido na GNR, e ouvida a partir de Vale de Cambra, não o conhece todavia, e interveio na ocorrência de se dirigir ao local da agressão, tendo no exercício das suas funções, acompanhado a assistente ao CHA Portimão; refere que a assistente “tinha a cara desfigurada e ensanguentada” e que “estava em pânico”; referiu ainda que a assistente estava toda urinada, e que não foi fácil acalmá-la, para ser removida para o Hospital; acrescentou que o seu aspecto era o de quem tinha sido “espancada por alguém”.

12 - A irmã do arguido, PD, acentuou sobretudo o seu arrependimento e asseverou que, para seu irmão, o que se refere à assistente é um assunto encerrado.

13 - Há nos autos prova documental, desde logo o certificado de registo criminal de fls. 264, os documentos hospitalares de fls. 56, 59 e 128, os relatórios do INML de fls. 66 e 225, e as fotografias de fls 91/93 e 115/117.

III- Apreciação do recurso
O objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação, artºs 403º, nº 1 e 412ºnº 1 do CPP.

As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98).

Perante as conclusões do recurso as questões a decidir são as seguintes:

1ª- Da medida concreta da pena e da condição da suspensão da pena;
2º- Do pedido de indemnização civil.

III-1ª- Da medida concreta da pena e da condição da suspensão da pena.
O arguido alega que a pena é excessiva, uma vez que no não se pode fazer perpassar pela sentença o juízo que, afinal, o arguido quis matar a assistente e que mantém tal intenção e aplicar a pena em função de tal juízo; que o arguido se declarou arrependido e envergonhado e que a pena aplicada viola o princípio da proporcionalidade que emana do art. 18º nº 2 da Constituição.

Cumpre decidir.

O arguido incorreu no crime de violência doméstica previsto e punível no art. 152º, nº 1, al. b) e nº 2 do C.Penal a que corresponde pena de 2 a 5 anos.

A aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 40º nº 1 e 2 do C. Penal).

Por sua vez, o art. 71º do mesmo diploma estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal, na determinação daquela atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, designadamente as referidas nas várias alíneas do seu nº 2.

Destes preceitos infere-se que, a função primordial de uma pena, sem embargo de outros aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos que incidam sobre os bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo, que social e normativamente se imponham.

O limite mínimo da pena é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin, em Derecho Penal- Parte General, Tomo I, pág. 99/101 e 103, “ a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada. A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade... (....) a pena serve os fins de prevenção especial e geral: limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais”.

Mais acrescenta o mesmo autor a pág. 100: “certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva”.

Na concretização destes princípios, o tribunal após tecer considerações sobre o elevado grau de ilicitude, e as enormes exigências de prevenção geral e especial, o intuito com que foram praticados os factos, o de causar a morte; (…) mas, mais adiante refere que “nenhuma das lesões se revelou mortal; os pontapés não foram suficientes e apareceu I. a baralhar as contas….” aplicou a pena máxima ao arguido, que justificou, concluindo do seguinte modo: “A pena que cabe não pode, no entendimento deste Tribunal, ficar abaixo do máximo de cinco anos; o Tribunal não esquece a convicção que formou, nem até que ponto as coisas acabaram por não correr tão mal como seria de esperar; o Tribunal não esquece que o arguido, acusado de violência doméstica, fez tudo o que pôde para matar a assistente, o que não aconteceu porque apareceu alguém; continuam no mais alto grau as exigências de prevenção geral e especial; a pena a escolher só pode ser a de cinco anos de prisão”.

Perante esta justificação da aplicação da pena máxima analisemos a argumentação do recorrente.

Este alega que carece de absoluta fundamentação a ponderação feita pelo juiz que terá ficado com a convicção que o arguido quis matar e ainda quer matar a assistente em circunstâncias que assegurem a sua impunidade, logo a pena aplicada baseada em tal infundada convicção não pode deixar de ser excessiva.

No que respeita à intenção de matar, elemento subjectivo do crime de homicídio, este tem de resultar dos factos objectivos provados.

É que como é consabido os factos que integram o elemento subjectivo «acontecimentos do foro interno» não são provados, por via de regra por prova directa.

Na normalidade das situações, o tribunal adquire esta prova de factos materiais e objectivos por inferência, tendo em atenção as regras da experiência comum segundo um processo lógico e racional.

Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 23/02/83 (BMJ 324, 620) “dado que o dolo pertence à vida interior e é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência, através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode de facto comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade da vida ou da regra geral da experiência”.

No mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 23/02/83, de 4-05-94, disponível em http://www.dgsi.pt/trp onde se escreve: “O dolo não é susceptível de apreensão directa, por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir dos factos materiais comuns, entre os quais avulta a materialidade da infracção”.

Da análise dos factos objectivos constantes da matéria provada, nomeadamente das zonas do corpo da assistente atingidas, da documentação clínica relativa à assistência médica que lhe foi prestada, dos relatórios dos exames médico-legais e das lesões sofridas, que determinaram vinte dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional não se vislumbra que a assistente apresente lesões compatíveis com o estrangulamento nem que tenha existido perigo para a sua vida, pelo que a ilação retirar é a de que o arguido agiu com o propósito de lesar a integridade física da assistente.

Acresce que no despacho proferido pelo Ministério Público, aquando do encerramento do inquérito, esta questão de homicídio na forma tentada, já foi analisada e aí se refere “ (…) a única testemunha presencial dos factos, I., referiu nunca ter presenciado o arguido a estrangular a ofendida ou a bater com a cabeça desta no chão. Acresce ainda que, quer da documentação clínica relativa à assistência médica prestada à ofendida, quer dos relatórios dos exames médico-legais a que a mesma foi sujeita não se alcança que a ofendida apresentasse lesões compatíveis com uma tentativa de estrangulamento ou com o facto de a sua cabeça ter sido embatida diversas vezes no chão, nem tampouco que tivesse existido perigo para a vida da ofendida”.

E nesta sequência, o Ministério Público acusou o arguido pelo crime de violência doméstica e arquivou os autos em relação ao crime de homicídio tentado.

Perante os factos provados, o afirmar-se na fundamentação da medida da pena aplicada ao arguido pela prática do crime de violência doméstica que o “Tribunal não esquece a convicção que formou”, isto é, a intenção de matar, constitui uma afirmação gratuita, descontextualizada, inócua.

A exclusão de tal ilação não retira a gravidade dos factos cometidos pelo arguido, já que é elevado grau de ilicitude, uma vez que causou não só lesões de natureza física, mas também psíquicas à assistente, colocando em causa a integridade física e a dignidade daquela, de forma voluntária e consciente bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei, pelo que o dolo é intenso e são as enormes exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, na medida em que estamos perante crimes muito frequentes que continuam a ter uma expressão muito significativa na nossa sociedade, a que importa por cobro.

Quanto às circunstâncias do arguido se ter declarado arrependido e envergonhado dos factos que perpetuou na assistente, tais circunstâncias não constam da matéria provada, que o arguido não impugnou, e tais declarações são destituídas de valor se não forem acompanhadas de factos donde as mesmas se possam inferir, que não se vislumbram no caso em apreço.

Perante o quadro descrito e que o arguido é delinquente primário consideramos justa e adequada e proporcional à culpa do arguido uma pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita ao regime de prova.

Na decisão recorrida ficou ainda determinada «a submissão do arguido, logo após o trânsito, à obrigação de se afastar da assistente, nunca se aproximando dela, nem a contactando por qualquer meio»

Alega o arguido que a medida imposta de não contactar por qualquer meio ou motivo a assistente é absolutamente desadequada, uma vez que para estar com o filho, até agora, dirigia um e-mail à assistente com 48 horas de antecedência, conforme o acordado no processo de regulação das responsabilidades parentais, a dizer quando podia estar com o filho (ele é GNR e há que cumprir escalas) e que a assistente respondia por e-mail e no essencial as coisas funcionavam sem atritos.

O acordo de responsabilidades parentais relativo ao menor Eduardo, filho de ambos, que foi homologado por sentença do 1º Juízo Cível de Évora, de 6-06-2014, consta do doc. de fls. 388, e a clausula nº 2 é do seguinte teor: “O pai poderá estar com o filho uma vez por semana, no dia a combinar com a mãe, através de email, e com a antecedência mínima de 48 horas. Nesse dia o menor será entregue ao pai por pessoa a designar pela mãe, a quem o pai, por sua vez também o entregará no final da visita.

Perante este acordo, não se vislumbra qualquer obstáculo a que o arguido contacte via e-mail a assistente, para os fins a que se alude no parágrafo que antecede, pelo que impõe a revogação do segmento “da obrigação do arguido não contactar a assistente por qualquer meio ou motivo”.

Quanto à obrigação de se afastar da assistente, nunca se aproximando dela tal medida deve manter-se e não é incompatível com o contacto com aquela, via email, para os fins referidos, dado que o menor é entregue ao pai através de terceira pessoa, a pedido da mãe.

A obrigação de se afastar da assistente nunca se aproximando dela não é inconciliável com a suspensão com regime de prova, dado que resulta do arts. 53º e 54º nº 2 que “o tribunal pode impor os deveres e regras de conduta nos arts 51º e 52º e ainda outras que interessem ao plano de readaptação.

2º- Do pedido de indemnização civil.

A demandante formulou um pedido de indemnização civil por danos não patrimoniais no montante de 20.000,00.

O tribunal da primeira instância fixou a indemnização em € 12.000,00.

O demandado vem alegar que tal pedido é excessivo tendo em conta a sua situação socio-económica.

O montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente pelo tribunal, atendendo à sua gravidade, ao grau de culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias do caso, como resulta do nº 3 do art. 496º e do art. 494º do C. Civil.

Os danos não patrimoniais sofridos demandante são graves e merecem a tutela do direito, o que decorre da lei.

Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral” diz que a indemnização por danos não patrimoniais “reveste aqui uma natureza acentuadamente mista: Por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.

Como se entendeu no Ac. Rel. Porto de 9-7-1998, in C.J, Ano XXIII, Tomo IV, pág. 185, que “mais que uma verdadeira indemnização o montante em dinheiro a arbitrar por danos não patrimoniais representa antes a possibilidade de o lesado conseguir outros prazeres que, de alguma forma, lhe façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão”.

A forma de medir a gravidade do dano não patrimonial fica sempre, por conseguinte, dependente do arbítrio do julgador, a quem se pede que avalie o quantum necessário para proporcionar ao lesado meios económicos que, de algum modo, o compensem da lesão sofrida.

O montante da indemnização, como referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela “ deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda etc. E deve se proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”- Cfr. ibidem, pág. 474.

Como se refere no Ac. STJ, de 10/2/1998, in C.J., Ano VI, Tomo I, pág. 67 “ a equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente dos critérios normativos fixados na lei”, pelo que será norteados por estes princípios que haverá de ser arbitrada a indemnização a quem a ela se considerar com direito.

Posto isto, vejamos o caso concreto.

A demandante viveu, cerca de quatro anos, maritalmente com o demandado e este no dia 16 de Abril de 2014, apertou-lhe o pescoço, bateu com a cabeça dela contra o solo e agrediu-a com vários socos e pontapés em várias zonas do corpo, tendo-lhe causado as lesões constantes dos factos nºs 13 e 14 da matéria provada, que lhe determinaram 20 dias de doença sem incapacidade para o trabalho.

Por causa de tais factos, a demandante sofreu muitas dores, forte abalo psíquico e a sua tranquilidade foi abalada, vive aterrorizada, com medo de se deparar com o demandado.

A conduta do arguido é grave e é-lhe assacada a título de dolo, na forma mais grave a directa.

O demandado exerce a profissão de guarda da GNR e a demandante de enfermeira, pelo que é notório que a situação económica dos mesmos é modesta, face aos vencimentos que auferem e aos encargos normais que possuem, para fazer face às despesas do dia a dia.

Ponderando estes elementos relativos aos danos sofridos pela demandante e fazendo apelo à equidade julga-se correcto fixar a indemnização por danos não patrimoniais em nove mil euros.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido A., e, a alterando-se a decisão recorrida no seguintes termos:

a) Condenar o arguido/recorrente, pela prática, do crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152º, nº 1, als. b) e c) e nº 2 do C. Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução, por igual período, sujeita ao regime de prova, e à obrigação de se afastar da assistente, nunca se aproximando dela;

b) Revoga-se a obrigação de não contactar a assistente por qualquer meio ou motivo, nomeadamente por e-mail;

c) Reduz-se a quantia a pagar pelo demandado à demandante RP, a título de indemnização por danos não patrimoniais, para 9.000,00 € (nove mil euros).

Quanto ao mais mantem-se a decisão recorrida.

Sem tributação relativamente à parte crime.

Quanto ao pedido cível custas pela demandante e demandado na proporção do decaimento/vencimento.
Notifique.

Évora, 2 de Fevereiro de 2016

(texto elaborado e revisto pelo relator)

José Maria Martins Simão
Maria Onélia Vicente Neves Madaleno