Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1964/16.8T8MMN.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ESTABELECIMENTO DE LAR DE IDOSOS
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. No domínio do incumprimento, por força do disposto no nº 1 do artigo 799º do Código Civil, a culpa do devedor presume-se e este torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, face ao comando normativo inscrito no artigo 798º do mesmo diploma.
2. No entanto, em momento lógico-jurídico prévio, para concluir pela existência de um quadro subsumível ao cumprimento defeituoso cabe ao credor fazer a prova do defeito, do dano e do nexo de causalidade, pois a responsabilidade do devedor pelo não cumprimento depende da existência destes pressupostos e também da verificação da culpa concreta ou presumida.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1964/16.8T8MMN.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Novo – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção de condenação proposta por (…), (…) e (…) contra “(…) e (…), Lda.”, os Autores vieram interpor recurso da sentença final.
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Os Autores pediram que a Ré fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 3.230,00 a título de danos patrimoniais e, bem assim, a quantia de € 5.000,00 à Autora (…) a título de danos não patrimoniais, bem como pagar a esse título € 2.500,00 a cada um dos restantes Autores.
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Para tanto e em síntese, invocaram que a Autora (…) celebrou um contrato de prestações de serviços com a Ré, obrigando-se esta a providenciar a (…), marido daquela, cuidados de alojamento, alimentação, higiene e cuidados preventivos de saúde, bem como serviço médico de rotina e de emergência, serviço de enfermagem e serviço de fisioterapia. E, na óptica dos Autores, esses cuidados não foram prestados, sendo que a morte do (…) lhes causou sofrimento.
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Regularmente citada, a Ré concluiu pela absolvição dos pedidos.
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Em benefício da sua posição, a Ré disse o (…) deu entrada no seu lar em estado de saúde debilitado e, nesse contexto, beneficiou de cuidados de saúde e assim não lhe podem ser imputados os danos invocados pela contraparte.
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Realizado o julgamento, o Tribunal «a quo» decidiu absolver «(…) e (…), Lda.» do peticionado por (…), (…) e (…).
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Os recorrentes não se conformaram com a referida decisão e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«1) Os Recorrentes não se podem conformar com a douta sentença que entendeu, mal, que não teria sido feita prova suficiente da culpa ou negligência da Recorrida, no que diz respeito ao cuidado, tratamento e vigilância do utente (…), que veio a falecer.
2) Os Recorrentes requerem a alteração do conteúdo da resposta ao ponto E dos factos dados como provados.
3) Não podem aceitar que o Tribunal a quo trace na resposta desse ponto um quadro que manifestamente, quer pelos depoimentos, quer pela documentação nos autos (inclusive registos do Lar Quinta da …), se revela não conforme a verdade factual.
4) Aliás esse ponto mais não é do que o reflexo do artigo 11º da douta Contestação, mas que não tem qualquer ancoragem nos depoimentos e documentos, como demonstrado nas presentes Alegações, e cujos depoimentos a esse propósito se têm por reproduzidos.
5) O dito ponto E dos factos dados como provados, deverá ser alterado, no mínimo, nos precisos termos indicados nestas Alegações, identificando afinal a verdade factual que se extrai, de que o falecido (…) encontrava-se debilitado pelo AVC, movimentava-se com uma canadiana, estando bem, nutrido e cuidado.
6) Pois esta era a situação quando da sua entrada no Lar Quinta da (…), propriedade da Recorrida.
7) Os Recorrentes entendem que não se pode manter o conteúdo do ponto K, pela prova apresentada nestas Alegações, e tendo em conta que contrário ao ali afirmado, a Recorrente (…) confirmou que, no dia 30 de Agosto de 2015, ficou estupefacta com o estado do pai, e de que não lhe deram muitas evidências do que se passava.
8) Ora ao ler-se o conteúdo do ponto K, parece que a Recorrente filha de (…) ouviu, tudo bem e saiu satisfeita com o que havia ouvido, quando a prova produzida revela exactamente o contrário.
9) A demonstração factual é outra, e por isso o referido ponto requer-se que seja alterado em conformidade com o alegado.
10) O mesmo requerem os Recorrentes que seja alterada a resposta dada ao ponto O dos factos dados como provados, pois não é verdade que os Recorrentes tenham sido devidamente avisados, pois os depoimentos transcritos demonstram outra coisa.
11) A este propósito só a filha (…) teria uma informação directa, e apenas de que o pai teria tido um episódio de urgência e posterior alta médica, e não a conclusão que o Tribunal a quo expressa no referido ponto O dos factos dados como provados.
12) Tampouco se pode aceitar o ponto S dos factos dados como provados, tento mais que o Tribunal a quo não toma em conta documentos oficiais do Hospital do Espírito Santo de Évora, nunca impugnados docs. 3 e 4 com a PI, e de fls. no processo Segurança Social.
13) Torna-se claro, então, e no Relatório do segundo episódio de urgência, de que existia o tratamento com oxigénio para execução na Instituição com o regresso do utente ao Lar.
14) Aliás, o ponto AA dos factos dados como provados respalda o conteúdo do relatório hospitalar a este propósito.
15) Pelo que se requer que seja dado como não provado o ponto S dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo por falta de prova produzida ou prova documental.
16) Aliás tal seria contraditório com o ponto 3 dos factos dados como não provados, não podendo manterem-se os dois nos precisos termos em que se encontram, por contradição insanável.
17) Tampouco se entende a resposta dada ao ponto 11 dos factos dados como não provados, bastando para tal olhar os depoimentos transcritos a este propósito, bem como os registos do Lar juntos aos autos, pelo que só podem os Recorrentes requerer a alteração do ponto 11 do facto não provado para facto provado.
18) Os Recorrentes mais apresentam prova pelos depoimentos e documentação, a saber os mencionados relatórios do Hospital de Évora, que se têm por reproduzidos nas presentes alegações, no que diz respeito aos pontos 6, 9 e 10, que não se podem aceitar como não provados, e assim só se podem alterar para provados, sendo que a contrário, e pelas razões também demonstradas nas presentes Alegações deverá ser alterada a resposta do ponto X, tendo-se como não provado.
19) Não podem os Recorrentes aceitar o afastamento que o Tribunal a quo faz da culpa ou negligência da parte da Recorrida, no que diz respeito aos cuidados, tratamento e vigilância do falecido (…).
20) A Recorrida celebrou um contrato de prestação de serviços em que os Recorrentes e o falecido tinham as expectativas de que a vigilância, cuidados e tratamentos fossem efectuados de forma zelosa, e ainda menos que existisse culpa ou no mínimo negligência quanto ao tratamento recomendado pelo Hospital de Évora, nunca aplicado, pois outra prova não foi demonstrada por parte da Recorrida.
21) Mais contrataram serviços médicos e de enfermagem de rotina e de urgência, sendo que ali cabe tudo e nada, pelo que depois, no caso concreto, se verificou o não acompanhamento devido e obrigatório do falecido (…), como não o contradiz os diferentes registos do Lar ou a sua omissão.
22) O falecido (…) não foi acompanhado no seu período de crise entre 28 e 31 de Agosto, sendo que nos registos do Lar, quer de enfermagem, quer de funcionários nada se regista após dia 28, aparecendo apenas depois registo no dia 31 desse mês, o que é inexplicável, e demonstra o não acompanhamento e tratamento, e mais comprova a culpa da Recorrida quanto ao resultado.
23) Os registos e os depoimentos a este respeito, e aqui transcritos, colocam em crise a fundamentação em que o Tribunal a quo ancorou a sua douta decisão.
24) A Recorrida nada fez quanto ao tratamento prescrito pelo Hospital do Espírito Santo de Évora, não tendo quaisquer registos referentes ao dados do utente após 28 e até 31 de Agosto de 2015, mesmo que a Segurança Social venha dizer que estão bem elaborados e conforme os originais, esquecendo de verificar o saldo nas datas no caso concreto.
25) Aliás o utente (…) foi encontrado pelo filho (…) inconsciente, sem aporte de oxigénio ou outro auxiliar, e ainda por cima sem vigilância, por se encontrar sozinho com um lençol por cima.
26) É manifesta a falta de cuidado da Recorrida face aos factos, e ainda mais quando o utente havia tido um episódio hospitalar, e que devia existir, face ao contrato existente, e às normas que regulam a sua actividade, a obrigação de ser observado, acompanhado, vigiado e com aporte O2.
27) O depoimento da médica do bloco de urgências do Hospital de Évora é claro e evidencia a culpa da Recorrida da razão de ser porque o falecido (…) surge nas urgências no mau estado geral em que foi, e claramente descrito pela referida médica que afirmou peremptoriamente de que se (…) tivesse sido cuidado devidamente, e tratado com o antibiótico e o oxigénio, não chegaria aquele ponto, nem se apresentaria com a infecção que afinal o veio a vitimar.
28) É evidente a existência de nexo da causalidade entre o agravamento do estado de saúde do então utente (…), e a falta de cumprimento do procedimento de cuidado e tratamento a que o Lar Quinta da (…) estava obrigado contratualmente.
29) Assim a situação criada por culpa única do Lar foi também a causa para o efeito nefasto com que tudo terminou, no que diz respeito ao falecimento de (…).
30) Quanto à aplicação do direito é demonstrado claramente o erro, salvo o devido respeito, do Tribunal a quo, ao construir uma tese que não se fundamenta, e nada manifesta ter com a realidade, face à prova produzida. E à prova documental disponível nos autos.
31) Assim sendo, é o Tribunal a quo, no entendimento dos Recorrentes, e face à prova produzida, que aplicou mal o direito no que diz respeito à responsabilidade contratual, e bem assim também na douta conclusão que afasta o pedido a título de danos não patrimoniais, e que as presentes alegações demonstram ter errado ao decidir como o fez, salvo o devido respeito, que é muito.
32) Pelo que o pedido apresentado pelos Recorrentes nos presentes autos, é a expressão da sua lesão a título de responsabilidade contratual, o prejuízo calculável, e os danos não patrimoniais revelam-se demonstráveis, até que mais não fosse pelo resultado inesperado com o sofrimento e falecimento do marido e pai dos Recorrentes, e os efeitos que tal teve e tem sobre eles, tendo em conta a evidente e demonstrada culpa da Recorrida no procedimento descrito nos presentes autos.
33) Pelo que deverá ser corrigida a douta decisão que absolve Recorrida do pedido, e assim decidindo-se como tal em conformidade com esse pedido da parte dos Recorrentes em sede de PI.
34) Sendo que só pode proceder o presente recurso, nas diferentes vertentes invocadas, com todos os seus efeitos legais.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá proceder o presente Recurso de Apelação, mandando-se corrigir as respostas dados aos factos, nas respostas dadas pelo Tribunal a quo, alterações requeridas e aqui alegados, e corrigindo-se também a absolvição da Ré e Recorrida, quanto ao pedido, tudo com as inerentes consequências legais».
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Houve lugar a resposta que sustenta que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Observados os vistos legais, foi admitido o recurso. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Analisadas as alegações de recurso, a questão que se suscita neste recurso é apurar se ocorreu:
i) erro de facto.
ii) erro de direito na interpretação e aplicação das normas relativas ao regime de responsabilidade civil contratual.
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III – Factos com interesse para a decisão da causa:
3.1 – Matéria de facto provada[1]:
A – Os Autores sobreviveram ao falecido (…), sendo reconhecidos como seus herdeiros, sendo a Autora (…) cabeça-de-casal.
B – A fls. 20-22 dos autos resulta junto um documento epigrafado “contrato de prestação de serviços”, datado de 10/07/2015, o qual resulta assinado pela Autora (…) enquanto “O/A Responsável” e pela Ré enquanto “Gerência”, o qual se dá por integralmente reproduzido e donde nomeadamente consta:
«(…) Primeira Outorgante – (…) e (…), Lda., sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, dona do Estabelecimento Lar Quinta da (…), titular do Alvará n.º (…)/98, de 3.07.98, com o NIPC (…), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Montemor-o-Novo, (antes n.º …), com sede na Quinta da (…), freguesia de Nossa Senhora da Vila, em Montemor-o-Novo, neste acto representada pelo seu sócio gerente (…), casado, com o NIF (…) e domicílio profissional na morada supra, adiante designada por Lar Quinta da (…);
Segundo(a) Outorgante: (…), residente na Rua da (…), n.º 28 – Bairro da (…) – (…) Grândola, BI nº (…), de 30/09/2004, Setúbal, nif (…), que outorga na qualidade utente e adiante designado(a)s por Segundo(a) Outorgante e;
Terceiro(a) Outorgante: (...), que outorga na qualidade de Fiador(a) e de responsável pelo(a) Segundo(a) outorgante, adiante designado(a) por Terceiro(a) Outorgante.
É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de prestação de serviços de Gerontologia que se regerá pelas seguintes cláusulas:

1. Alojamento – o(a)s utentes ficam alojado(s) em quarto Duplo pelo valor mensal de € 890,00 (…)
4. Cuidados de Saúde:
4.1. Serviço Médico – Serviço Rotina e Emergência Incluídos; ficam excluídos todos os restantes serviços, os quais podem ser facultados, desde que necessário e mediante facturação extra.
4.2. Serviço de Enfermagem – Serviço Rotina e Emergência Incluídos; ficam excluídos todos os restantes serviços, os quais podem ser facultados, desde que necessário e mediante facturação extra.
4.3. Serviço de Fisioterapia – Incluído – Serviço duas vezes por semana, bem como aulas de mobilidade.
4.4. Acompanhamento até Hospital em situação de emergência clínica – é garantido apenas o acompanhamento; não está garantido o tempo de espera, o qual é da responsabilidade familiar ou mediante facturação extra (…)».
C – O acordo referido em B foi subscrito pela Autora (…) com a autorização de (…) e com a anuência dos Autores (…) e (…).
D – (…) sofreu um AVC na data de 10 de Julho de 2015, tendo por essa causa estado sujeito a internamento hospitalar no Hospital do Litoral Alentejano, de onde teve alta no dia 23 de Julho de 2015.
E – Tinha na data 76 anos de idade, estava debilitado, magro, parcialmente dependente, deambulando com apoio e apresentava patologia osteoarticular.
F – Deu entrada no Lar de Terceira Idade da Ré em 24 de Julho de 2015, acompanhado pela Autora (…), tendo sido transportado em ambulância.
G – (…) sofria de perturbações depressivas, dor por lombociatalgias incapacitantes, perda de massa óssea e estreita em L4-L5-Si por discopatias e stress pós-traumático.
H – No Lar da Ré, (…) fez análises clínicas em 19/08/2015.
I – No dia 28 de Agosto de 2015 (…) apareceu com febre.
J – Foi visto pelo médico e medicado com antipiréticos e também estava a fazer antibiótico para uma infecção urinária que lhe foi detectada.
K – No dia 30 de Agosto de 2015 recebeu a visita da Autora (…), a qual se inteirou do respectivo estado de saúde.
L – Em 31 de Agosto de 2015, como o seu estado febril não se alterara, foi visto pelo médico, Dr. (…), que o encaminhou para o Serviço de Urgência do Hospital do Espírito Santo de Évora.
M – O médico referido em L enviou ao médico de serviço de urgência do Hospital do Espírito Santo de Évora um relatório sobre o estado de saúde de (…).
N – O relatório do episódio de urgência referido em L menciona que (…) se encontrava com febre há três dias, tendo entrado nos serviços com prioridade “amarelo-urgente”.
O – A família de (…) foi avisada do referido em L.
P – Porquanto (…) era para ficar internado, segundo o que foi transmitido à funcionária da Ré que o acompanhou ao Hospital, (…), a Autora (…) foi avisada dessa circunstância telefonicamente.
Q – (…) foi atendido no serviço de urgência do Hospital do Espírito Santo de Évora pelas 17 horas de 31 de Agosto de 2015, aí tendo permanecido até às 2 horas de 1 de Setembro de 2015, sendo transportado de volta ao Lar pelos Bombeiros.
R – No hospital fez exames e análises para determinar o diagnóstico e prognóstico.
S – Voltou ao Lar sem informação clínica e com uma prescrição médica de paracetamol 1g e de cefixina 400mg.
T – Em 1 de Setembro de 2015, o Autor (…) visitou (…).
U – No momento referido em T (…) encontrava-se acamado, magro e em mau estado geral, manifestando dificuldade em respirar.
V – Não respondia a estímulos visuais e auditivos.
W – Na ocasião referida em T foi referido ao Autor (…) que (…) se encontrava prostrado.
X – Na sequência do referido em U, uma enfermeira colocou (…) a oxigénio e a soro durante trinta a quarenta minutos.
Y – Após o que a referida enfermeira chamou uma ambulância para transportar (…) ao Hospital.
Z – Nessa sequência, (…) deu entrada no Hospital do Espírito Santo de Évora, tendo-lhe sido atribuída a prioridade “laranja – muito urgente”.
AA – No relatório de urgência atinente à segunda deslocação ao Hospital do Espírito Santo de Évora fez-se constar:
«Paciente que esteve cá ontem no BU já com queixas de infecção respiratória.
Com febre há três dias, respiração ruidosa, ainda que não “estava com secreções, como hoje tem” o que lhe dificulta a respiração.
Esteve aqui umas horas a fazer broncodilatadores e, foi para o Lar com antibiótico, e O2.
(…) No Lar não têm Aspirador, porque não têm enf. permanente, pelo que chegou agora nesta situação febril – 37,9
É dte acamado
Com pouca vida de relação
Olhos abertos, mas Afásico sem discurso verbal não fornece dados de anamnese
Emagrecimento – mau estado geral».
BB – (…) faleceu em 4 de Setembro de 2015.
CC – A família de (…) visitou-o todas as semanas.
DD – Por referência ao acordo referido em B foi paga a quantia de € 1.730,00 à Ré.
EE – Por referência ao funeral de (…) foi despendida a quantia de € 1.500,00.
FF – O referido em BB determinou aos Autores dor, angústia e afectação do sistema nervoso.
GG – A Caixa Geral de Aposentações procedeu ao pagamento a (…) da quantia de € 1.257,66 a título de subsídio de morte.
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3.2 – Matéria de facto não provada[2]:
Com relevância para a decisão da causa ficaram por demonstrar os seguintes factos:
1 – A alta referida em D ocorreu em 24 de Julho de 2015.
2 – A família de (…) não foi alertada do referido em L e M dos factos provados.
3 – Na ocasião referida em S (…) regressou ao lar com indicação para realizar aporte de oxigénio e aspiração.
4 – A visita referida em T foi inesperada.
5 – O Autor (…) somente tenha tido conhecimento do referido de J a P dos factos provados na ocasião identificada em T.
6 – O Autor (…) insistiu e fez pressão, na ocasião referida em T e U, para que (…) devia ser transportado ao Hospital. 7 – Na ocasião referida em T a responsável técnica do Lar da Ré informou o Autor (…) que o estado de (…) era normal e que o mesmo se encontrava apenas cansado.
8 – A enfermeira referida em X fosse a responsável técnica da Ré.
9 – A Ré não tinha serviço de enfermagem.
10 – A Ré não dispunha de aspirador.
11 – O referido em FF tenha decorrido da circunstância de a Ré não ter informado acerca do estado de saúde de (…).
12 – A quantia referida em EE tenha sido integralmente subsidiada.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Erro na apreciação dos factos:
4.1.1 – Considerações gerais:
Diz a exposição de motivos da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho [Novo Código de Processo Civil] que «se cuidou de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar que é insuficiente, obscura ou contraditória –, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material».
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados certos factos (e como não demonstrados outros) pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
O sistema judicial nacional combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, posto que, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão e as provas produzidas, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada[3].
Neste enquadramento jurídico-existencial, a credibilidade concreta de um meio individualizado de prova tem subjacente a aplicação de máximas de experiência comum que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade[4].
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4.1.2 – Da matéria controvertida e da motivação apresentada pelo Tribunal:
Os recorrentes discordam da fixação dos factos referidos nos pontos E[5], K[6], O[7], S[8], X[9] dos factos provados e dos números 3[10], 6[11], 9[12], 10[13] e 11[14] da matéria de facto não provada.
No que respeita ao facto E, o Tribunal «a quo» afirma que «é de ter em atenção que a mesma foi asseverada em juízo pelos Autores no âmbito dos depoimentos de parte que apresentaram, sendo certo que também resulta sedimentada atento o teor da sobredita nota de alta. Contudo, é de reter que somente (…) atestou que (…) se encontrava magro, daí, a esta parte, a convicção do Tribunal se ter fundado neste depoimento de parte».
Relativamente à questão inscrita em K, o julgador de 1ª Instância firmou a sua convicção na circunstância do falecido (…) ter recebido a visita da Autora (…) que, no contexto do depoimento de parte, reconheceu que, na ocasião, se inteirou do estado de saúde do seu pai.
A propósito da prescrição médica referida em S, a motivação da matéria de facto esclarece que «o Tribunal teve em consideração o inscrito no relatório de enfermagem atinente a esta pessoa, mormente o referido a fls. 94 a esta parte, sendo que esse relatório foi asseverado em juízo pela testemunha (…)». Esta posição teve como efeito reflexo a não prova do número 3 dos factos não demonstrados.
Relativamente ao consignado em X, a construção do juízo fundamentador reside nas declarações tomadas a (…), nos testemunhos de (…) e (…) e no relatório de fls. 114-115.
As questões relacionadas com a visita dos familiares e da percepção que estes tinham da evolução do estado de saúde do (…) a partir das informações que lhes foram prestadas pelo Lar e do próprio contacto presencial [a que correspondem os pontos O dos factos provados e 6 e 11 dos factos não provados] é igualmente debatida na motivação da matéria de facto.
A negação da matéria relativa à ausência de um serviço de enfermagem encontra-se na explicação global sobre a natureza e os cuidados prestados por parte da Ré ao (…).
Quanto ao ponto 10 dos factos não provados o Tribunal funda-se nos contributos probatórios de (…), (…) e (…).
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4.1.3 – Decisão de facto[15]:
Relativamente aos factos que se mostram directamente impugnados pelos Autores, cumpre fazer a análise crítica das declarações de parte, dos testemunhos prestados em audiência e do suporte documental com interesse para a justa solução do litígio em ordem a aferir se existiu erro de julgamento relativamente à matéria de facto.
Foi ouvida toda a prova com pertinência para o efeito e analisada a documentação presente nos autos.
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O Tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (artigo 466º, nº 3, do Código de Processo Civil). As declarações de parte dos Autores (…), (…) e (…) foram avaliadas pelo Tribunal, tomando em atenção a natureza supletiva[16] e as cautelas que doutrinal[17] [18] [19] [20] e jurisprudencialmente[21] são enumeradas a este propósito, face à existência de um interesse próprio, directo e imediato na resolução da causa. Neste enquadramento, somos adeptos da tese que admite a validade da prova por declarações de parte quando a mesma se reporta essencialmente a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes»[22] [23].
Ao reconhecer os problemas associados à fiabilidade deste meio de prova, a nível doutrinal e jurisprudencial foi construída uma linha de actuação que se baseia na ideia que inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, a mesma não deve ser valorada, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório, evitando que as acções se decidam apenas com base nas declarações das próprias partes[24] [25] [26]. E, se assim fosse, em determinada parcela, como na hipótese sub judice as declarações de parte não são confirmadas por qualquer outro meio de prova, à luz desta tese, o julgador «ad quem» estava autorizado a afastar a pertinência e a capacidade das declarações em causa para promover a modificação da decisão de facto.
No entanto, pese embora as especificidades das declarações de parte e as cautelas anteriormente anunciadas, entendemos que as declarações de parte podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente[27], embora no contexto atrás referenciado de apuramento de acontecimentos do foro privado, como sucede neste caso.
No caso concreto, a fim de iniciar a discussão sobre os pontos controvertidos, no contraste entre as declarações de parte e os restantes meios de prova convocados na motivação sobre a decisão de facto não existe motivo para alterar o ponto E dos factos provados.
Na verdade, de todo o conspecto resulta que, à data do seu ingresso na instituição, o estado de saúde do (…) se encontrava debilitado, era parcialmente dependente, estava magro e que apresentava patologia osteoarticular, sendo que os aludidos depoimentos de parte confirmam esse cenário como se retira das próprias assentadas de fls. 146 verso, 147 e 147 verso. Embora os filhos não admitam totalmente essa realidade quanto ao peso, o depoimento da Autora (…) é absolutamente decisivo para a fixação desse facto (“era fraco dos ossos”, “nunca foi gordo”, mas interpelado se o mesmo estava magro respondeu afirmativamente, pois «há 13 anos que andava em cirurgias mas cada uma não ficava melhor do que a outra»). Aliás, nem seria expectável outra realidade no caso do internamento de um idoso durante 15 dias numa unidade hospitalar na sequência de AVC.
A Autora (…) também confirmou que o (…) foi beneficiário de cuidados médicos e que todos os dias ligava para o lar e era informada sobre o estado de saúde do mesmo, apesar de só ter sabido através dos filhos que o marido tinha sido transportado para o Hospital de Évora. Quanto ao internamento de 31 de Agosto, tanto … (que «admite que possa ter sido informado, mas pela irmã foi de certeza»), como (…) tiveram conhecimento desse episódio clínico, pois esta recebeu esta informação por parte do Lar (que o pai tinha sido socorrido numa urgência médica no Hospital de Évora e teve alta de madrugada, «o que achou deveras estranho») e comunicou esse facto ao irmão. E isto é suficiente para não descredibilizar o juízo decisório do Tribunal «a quo».
O depoimento de parte de (…), legal representante da sociedade Ré, mostrou fidedignidade quando asseverou as visitas dos familiares eram regulares e que de acordo com os procedimentos internos as alterações do estado de saúde eram comunicadas aos familiares, realidade que avaliou a partir da análise do processo clínico e dos registos diários averbados nos competentes suportes. Também mereceu credibilidade a sua prestação quando transmitiu que o lar dispunha de serviço de rotina normal de enfermaria (de segunda a sexta, na parte da manhã) e, em caso de emergência, seria chamada ou uma enfermeira ou o médico contratado, consoante o caso.
(…) é esposa do Autor (…) e esteve presente na visita do dia 1 de Setembro de 2015. Naquela ocasião o (…) recebeu oxigénio e soro e foi transportado para o Hospital de Évora após a sua situação ter sido estabilizada. Para a testemunha «foi totalmente inesperado» o estado em que encontrou o sogro (estava prostrado e não reagiu a estímulos) mas, no entanto, apesar do seu relato impressivo, não foi possível concluir que ocorreu uma prestação deficiente na vigilância e no tratamento do (…). E, mais do que isso, o contributo não viabiliza a conclusão que existiu um nexo de causalidade entre a qualidade do serviço contratado e a evolução do estado clínico do internado e o seu posterior decesso. Por conseguinte, o conteúdo deste meio de prova não favorece a alteração de qualquer dos pontos da matéria de facto impugnada. E aliás alguns dos aspectos que mais marcaram o seu depoimento – como sucedeu com a circunstância do seu sogro se encontrar despido – foram cabalmente explicados numa dimensão clínica por parte de outros intervenientes com formação superior na área da saúde.
No caso de (…), médica, a intervenção desta esteve circunscrita ao episódio clínico no serviço de urgência do Hospital de Évora de que foi beneficiário o senhor (…), no dia 01/09/2015. De relevante emergiu a sua explicação sobre a necessidade de tratamento através de oxigénio fora do contexto hospitalar mas, ao mesmo passo, afirmou se o mesmo fosse vital o doente não teria tido alta. Na prática, a utilidade do seu testemunho incidiu sobre a explicação técnica do teor dos relatórios de urgência do utente mas as suas palavras não foram hábeis a introduzir qualquer modificação na decisão de facto.
(…) presta serviços de enfermagem à Ré e foi confrontada com teor do documento intitulado Enfermagem Avaliação a propósito dos cuidados prestados no 01/09/2015 (fls. 57-58). Estava ciente dos procedimentos funcionais dos serviços de enfermagem prestados no Lar Quinta da (…) e relatou o tipo de comportamento adoptado na avaliação clínica dos pacientes internados.
(…) também prestou serviços de enfermagem à Ré durante o período em que o utente (…) ali esteve internado, explicou o conteúdo dos averbamentos incorporados no documento acima referido – designadamente a razão do arrefecimento natural – e descreveu os cuidados registados na sequência do estado febril ocorrido em 28/08/2015. Relativamente à questão da ausência de registos de enfermagem no período de 28 a 31 de Agosto de 2015, a testemunha afiançou que existe um registo médico e outro da responsabilidade das auxiliares e que as mesmas «avaliam a temperatura e se houver alguma alteração informam o enfermeiro».
(…) é enfermeira e também prestou serviços de enfermagem por conta da Ré, no decurso do ano de 2015. O seu contributo incidiu basicamente sobre a avaliação efectuada no 01/09/2015 e assumiu que encaminhou o doente para o Hospital após observação. O doente apresentava um estado febril, tinha uma frequência alta e encontrava-se a receber oxigénio através de compressor e, fundada no receio de perda de funções vitais, decidiu enviá-lo para o Hospital de Évora. De forma desinteressada e convicta esta testemunha desmentiu a tese que o filho do utente tivesse fez pressão para que o internado fosse enviado para o hospital e que foi essa a razão prioritária ou exclusiva que a determinou a tomar a decisão de encaminhamento para meio hospitalar. Também foi categórica quando adiantou que o Lar dispunha de aspirador, à data em que ali prestou serviços.
(…) é médico e prestava serviços de medicina aos utentes do Lar Quinta da (…) por conta da Ré. Realizou a avaliação clínica inicial do utente (…), sendo que, de acordo com os dados clínicos disponibilizados pelo Hospital de Santiago do Cacém, este tinha tido um AVC e apresentava hipertensão arterial e sinais de demência, o que contraria com solidez o quadro optimista traçado pelo filho do utente quanto ao bom estado de saúde físico e mental do pai. Quanto aos problemas surgidos no dia 31/08/2015, a testemunha reconheceu que elaborou o documento de fls. 54 verso e esclareceu os motivos que o levaram a enviar o doente ao Hospital para observação do problema de insuficiência respiratória. Sabia que o doente regressou de madrugada ao Lar e que vinha medicado com um antibiótico por se ter agravado a situação clínica. A testemunha tinha ainda conhecimento que, nesse dia 01/09/2015, o senhor (…) foi reenviado para a mesma unidade hospitalar, por se ter agravado a situação clínica. Foi peremptório e igualmente convincente quando referiu que, à data, o Lar tinha aspirador e dispunha de equipamentos que eram até superiores àqueles que são facultados no seu habitual ambiente de trabalho. Quanto à questão do doente se encontrar despido, a testemunha afiançou que este é o procedimento adequado e que, no Verão, face às elevadas temperaturas registadas naquela zona, é natural ser adoptado esse método do arrefecimento natural.
(…) é ajudante de lar e é responsável de turno. Elucidou que as ajudantes de lar fazem o registo de todas as ocorrências e, a esse propósito, foi confrontada com o documento nº 4 (fls. 55-56). A partir destas declarações foi possível reconstituir o acompanhamento que foi prestado ao utente (…) no período em que este esteve alojado no Lar Quinta da (…). As suas palavras foram ilustrativas do tipo e da periodicidade dos cuidados de enfermagem que são facultados aos utentes. Este testemunho foi corroborado pela prestação probatória de (…), ajudante de lar e igualmente responsável de turno.
De inovatório, esta última testemunha referiu que telefonou à filha do utente (…), informando-a que o senhor (…) ficaria internado. No mais, naquilo interessa, houve uma concordância global com o meio de prova anterior, nomeadamente quando foram enunciados os procedimentos habitualmente prosseguidos em caso de urgência e na descrição do modo como se concretizam as operações de averbamento dos registos da actividade médica, de enfermagem e do pessoal assistente.
(…) é funcionária da Ré, trabalha na instituição como auxiliar de serviços gerais e assumiu que, por vezes, sempre que isso se revelava necessário, acompanhava os doentes ao hospital. As suas declarações não tiveram qualquer préstimo para o apuramento dos factos.
A conjugação dos testemunhos colhidos a (…), a (…), (…) e a (…) e a respectiva intersecção com a prova documental presente nos autos credibilizou a avaliação efectuada pela Primeira Instância relativamente aos pontos S e X dos factos provados e aos números 3, 9 e 10 dos factos não provados. Numa segunda linha os testemunhos do legal representante do lar e das auxiliares ouvidas dão solidez a este conjunto de factos.
Neste capítulo, o apontamento fixado a respeito da medicação inserta em S é fruto também da análise interpretativa dos relatórios de urgência produzidos pelo Hospital do Espírito Santo de Évora. É certo que no segundo relatório é referido de modo que suscita a dúvida quanto à prescrição de oxigénio em regime ambulatório[28]. Porém, o primeiro relatório hospitalar é omisso a esse propósito e, além do mais, não existe qualquer evidência que a necessidade desse procedimento tenha sido comunicado à Ré. Com efeito, neste particular, não é despicienda a circunstância do (…) ter ficado internado, a funcionária do lar ter regressado mais cedo à instituição e, posteriormente, de forma algo surpreendente, ter sido dada alta hospitalar ao paciente, o qual foi transportado pelos bombeiros para o Lar da Quinta da (…). E esta aparente contradição entre os dois relatórios do serviço de urgências, a ausência de qualquer documento avulso que fizesse alusão à necessidade de receber oxigénio e a dinâmica relacionada com o transporte do doente viabilizam a hipótese da verdade processual adquirida corresponder àquela que está reproduzida no ponto S dos factos provados.
Aliás, na vertente dos cuidados médicos prestados ao utente, as conclusões tiradas pelo decisor «a quo» estão em absoluta consonância com o teor do relatório da acção inspectiva ao Lar Quinta da (…). Ou seja, «não há evidência de procedimento negligente da parte dos técnicos de saúde nos cuidados prestados ao Sr. (…)» (cfr. fls. 101 dos autos).
Assim, da análise global de toda a prova seria errado concluir que, entre 28 e 31 de Agosto de 2015, o falecido (…) não beneficiou de acompanhamento específico por parte do Lar Quinta da (…).
As declarações conflituantes emitidas por (…) e (…), por um lado, e (…), por outro, autorizavam o Tribunal «a quo» a optar por uma das hipóteses em discussão, seja no sentido da confirmação da matéria incluída no número 6 dos factos não provados ou da aceitação da preponderância da iniciativa do filho do falecido no sentido do (…) ser reencaminhado para o hospital. Todavia, a prestação convincente da enfermeira (…) aparentou ser mais fidedigna e tecnicamente diferenciada e com uma argumentação mais isenta e essa consistência probatória superiorizou-se ao carácter mais intenso e proteccionista dos testemunhos colhidos aos familiares directos. Na avaliação do Tribunal Superior a segunda deslocação aos serviços de urgência ancora-se na avaliação efectuada pela profissional de saúde, tal como a mesma atestou e não na vontade do filho e da nora do referido (…).
Inexiste qualquer sinal de causalidade entre o apurado em FF e o comportamento prosseguido pela Ré no acompanhamento e na prestação de cuidados ao (…), donde não foi viabilizada uma resposta alternativa àquilo que consta do ponto 11 dos factos não provados.
Relativamente ao ponto K aquilo que, face à arquitectura do pedido e da causa de pedir, interessava era apurar se existiu uma violação do dever de informação e a resposta do decisor «a quo» é lapidar e incontestável a propósito da comunicação feita à Autora (…) do estado de saúde do pai. O Tribunal não se pronunciou – nem teria de emitir qualquer posição por não se estar perante qualquer facto instrumental que coubesse nos poderes cognitivos oficiosos do julgador – sobre a reacção desta familiar, pois não era isso que estava em jogo ao nível da definição do objecto do processo. Neste domínio, era processualmente indiferente o estado de espírito como a testemunha encarou a situação clínica do pai, sendo que, obviamente, como é regra neste tipo de situações, estavam presentes a preocupação e o desânimo que habitualmente são experimentados pelos filhos (e doutros familiares) num contexto de doença grave dos seus progenitores.
Para além de extensa, a decisão sobre a factualidade é completa e optimiza o critério da análise crítica das provas produzidas em audiência, fazendo pertinentes associações entre a prova documental, a testemunhal e as declarações de parte. E, da audição da prova pelo Tribunal Superior, resulta que não existe motivo válido para modificar a decisão de facto ao abrigo do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, confirmando-se assim a opção firmada pela Primeira Instância.
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Complementarmente, os recorrentes defendem que poderia existir contradição entre o facto não provado contido no número 3 dos factos não provados com o vertido no ponto S da matéria assente, caso se optasse pela versão proposta pelo recorrente.
Porém, na actualidade, não tendo sido provida a impugnação sobre a matéria de facto, da simples leitura dos factos acima referenciados não existe contradição entre a matéria assente. Em adição, à luz dos critérios hermenêuticos mais autorizados, a simples não demonstração de uma determinada realidade não comporta o significado processual que ficou provado o facto naturalístico com conteúdo valorativo contrário.
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4.2 – Erro de direito:
As pretensões relacionadas com a devolução do montante pago por conta das mensalidades referentes ao acordo de prestação de serviço e do pagamento das despesas de funeral situam-se claramente no domínio da responsabilidade contratual e o pedido de ressarcimento dos danos não patrimoniais poderia encontrar agasalho quer nesse regime quer em sede de responsabilidade aquiliana[29].
Ao nível do moderno direito das obrigações, o ordenamento jurídico nacional mantém um sistema original de estrutura dualista, em que existe a consagração de regimes distintos para a responsabilidade contratual e para a responsabilidade civil extra-obrigacional.
No entanto, a noção e os pressupostos da obrigação de indemnizar são comuns as ambas as modalidades (casos de ilícito contratual ou à responsabilidade civil extra-obrigacional), pois «houve o propósito de reunir num único instituto os princípios relativos aos efeitos da responsabilidade civil»[30]. Porém, o anacronismo não cessa aqui porque tanto a responsabilidade civil contratual como a extra-contratual partilham dos mesmos pressupostos (facto ilícito – um de natureza contratual, outro de matriz delitual –, imputabilidade, dano e nexo de causalidade entre o comportamento delituoso e os danos).
Menezes Cordeiro[31] ensina que «por força do contrato estabelece-se, entre as partes, uma relação de confiança. Essa relação de confiança, derivada da boa-fé, constituiria as partes em deveres mútuos, nomeadamente tendentes a não permitir defraudar a crença pacífica do parceiro contratual num decurso, sem incidentes, da relação negocial».
Isto radica naquilo que Canaris[32] denomina por dever de protecção unitário e passa por uma consagração de deveres específicos de protecção alheios no âmbito do dever de prestar, de forma a proteger as pessoas afectadas por qualquer atentado doloso ou negligente que coloque em crise direitos e interesses relevantes legalmente protegidos.
O cumprimento da obrigação consiste na realização da prestação devida (artigo 762º, nº 1, do Código Civil). Assim, conforme salienta Calvão da Silva[33], «no cumprimento das obrigações – realização das prestações pelo próprio devedor […] –, assim como no exercício dos deveres correspondentes, devem as partes proceder de boa-fé […], com a correcção, a lealdade, a lisura e a honestidade própria de pessoas de bem, inerentes à cooperação e solidariedade contratual a que reciprocamente se vincularam e estão adstritas para dar satisfação ao interesse do credor com o menor sacrifício possível e exigível» da parte contrária.
É entendimento unânime que o cumprimento defeituoso se integra no instituto do não cumprimento e corresponde a uma forma de violação dos deveres contratuais, sejam os mesmos principais, secundários ou meramente acessórios. No domínio do incumprimento, por força do disposto no nº 1 do artigo 799º[34] do Código Civil, a culpa do devedor presume-se e este torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, face ao comando normativo inscrito no artigo 798º[35] do mesmo diploma.
No entanto, em momento lógico-jurídico prévio, para concluir pela existência de um quadro subsumível ao cumprimento defeituoso cabe ao credor fazer a prova do defeito, do dano e do nexo causalidade, pois a responsabilidade do devedor pelo não cumprimento depende da existência destes pressupostos e também da verificação da culpa concreta ou presumida [36] [37] [38].
Na lição de Vaz Serra a culpa pode ser definida como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. Quer dizer, não se atende apenas ao comportamento externo do devedor, mas também à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou as medidas que devia tomar[39].
Condensados os factos não se apurou qualquer nexo de causalidade ou culpa do Lar pela evolução do estado de saúde do falecido (…) que estivesse sustentada na preterição das regras contratuais de vigilância, tratamento e adopção de cuidados no cumprimento prestacional e tampouco a esta instituição pode ser assacada a responsabilidade pela alta clínica na sequência do recebimento dos primeiros cuidados médicos administrados pelo Hospital de Évora e pela subsequente evolução desfavorável do estado de saúde do familiar dos Autores. E pericialmente (ou por qualquer outro meio) não existe fundamento para considerar que não houve a prestação de cuidados no período situado entre 28 e 31 de Agosto, tudo apontando para que a degradação da qualidade de vida esteja associada a mecanismos de interacção entre a idade e o histórico clínico.
Na realidade, num cenário como aquele que foi apurado não se pode ignorar o historial clínico do referido … (AVC, hipertensão arterial, sinais de demência e problemas ósseos graves), donde é perfeitamente legítimo concluir, como o fez o Tribunal «a quo» que «os Autores não demonstraram que a Ré tenha incumprido a relação contratual, mormente não demonstrando que esta parte processual não tenha proporcionado o devido acompanhamento médico e de enfermagem a (…).
Não evidenciando os autos qualquer desvio ao iter contratual por banda da Ré, importa então concluir pela inexistência da obrigação de indemnizar. Na verdade, não se afere da existência de inexecução do contrato e, por tanto, não resulta sedimentado qualquer facto voluntário ilícito por parte da Ré que fundamente a existência de responsabilidade».
Também relativamente à eventual violação do dever acessório de informação não se detecta qualquer cumprimento defeituoso da obrigação que sobre si impendia, pois, para além daquilo que era transmitido nas visitas, o acompanhamento telefónico do estado de saúde do falecido (…) era diário e a deslocação ao hospital foi comunicada a, pelo menos, um dos familiares directos.
A terminar, face aos termos contratuais ajustados, perscrutada a matéria de facto, ao ser feita a correlação entre os serviços médicos, de enfermagem, de hospedagem e afins prestados não se pode asseverar que existiu um desvio ao cumprimento zeloso e pontual do acordo de prestação de serviços firmado com a Ré.
Deste modo, independentemente de qualquer consideração sobre a identificação dos sujeitos contratuais – o Tribunal «a quo» considera que os herdeiros não eram partes do contrato mas isso não releva de todo para a solução final –, não existe respaldo factual para promover qualquer alteração ao sentido decisório do acto postulativo recorrido, confirmando-se assim a sentença recorrida.
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V – Sumário:
1. No domínio do incumprimento, por força do disposto no nº 1 do artigo 799º do Código Civil, a culpa do devedor presume-se e este torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, face ao comando normativo inscrito no artigo 798º do mesmo diploma.
2. No entanto, em momento lógico-jurídico prévio, para concluir pela existência de um quadro subsumível ao cumprimento defeituoso cabe ao credor fazer a prova do defeito, do dano e do nexo causalidade, pois a responsabilidade do devedor pelo não cumprimento depende da existência destes pressupostos e também da verificação da culpa concreta ou presumida.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos apelantes nos termos do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 21/12/2017
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário

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[1] Ficou escrito na decisão recorrida que «consigna-se, ademais, que de entre os factos provados consta factualidade alegada na contestação, pois que não é de ignorar que a impugnação aí inscrita é motivada».
[2] Ficou consignado na sentença recorrida que «a restante matéria alegada pelas partes processuais atém-se à formulação de juízo de natureza conclusiva, hipóteses ou considerações de teor jurídico».
[3] Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 435-436.
[4] Sobre esta matéria ver, em sentido próximo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 19/05/2016, in www.dgsi.pt, que realça que «a prova dos factos assenta na certeza subjectiva da sua realidade, ou seja, no elevado grau de probabilidade de verificação daquele, suficiente para as necessidades práticas da vida, distinguindo-se da verosimilhança que assenta na simples probabilidade da sua verificação».
[5] (E) Tinha na data 76 anos de idade, estava debilitado, magro, parcialmente dependente, deambulando com apoio e apresentava patologia osteoarticular.
[6] (K) No dia 30 de Agosto de 2015 recebeu a visita da Autora (…), a qual se inteirou do respectivo estado de saúde.
[7] (O) A família de (…) foi avisada do referido em L.
[8] (S) Voltou ao Lar sem informação clínica e com uma prescrição médica de paracetamol 1g e de cefixina 400mg.
[9] (X) Na sequência do referido em U, uma enfermeira colocou (…) a oxigénio e a soro durante trinta a quarenta minutos.
[10] (3) Na ocasião referida em S. (…) regressou ao lar com indicação para realizar aporte de oxigénio e aspiração.
[11] (6) O Autor (…) insistiu e fez pressão, na ocasião referida em T e U, para que (…) devia ser transportado ao Hospital.
[12] (9) A Ré não tinha serviço de enfermagem.
[13] (10) A Ré não dispunha de aspirador.
[14] (11) O referido em FF tenha decorrido da circunstância de a Ré não ter informado acerca do estado de saúde de (…).
[15] Cumpre salientar que, em sede de conclusões de recurso, os recorrentes não cumprem integralmente o ónus de impugnação da matéria de facto imposto pelo artigo 640º do Código de Processo Civil, o que, numa visão mais formalista, implicaria de imediato a rejeição do recurso nesta parte. Todavia, da análise global dessa impugnação entende-se que os autos facultam os elementos em que se estriba o recurso incidente sobre a matéria de facto e assim o Tribunal «ad quem» fará a apreciação em causa.
[16] Paulo Pimenta, Processo Civil, Declarativo, Almedina, 2014, pág. 357.
[17] Para José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278, «a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime as partes tiverem sido efectivamente ouvidas».
[18] Elisabeth Fernandez, «Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)coerência do Sistema Processual a este propósito», Julgar Especial, Prova difícil, 2014, pág. 27, pugna que, até à entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela lei nº 41/2013, de 26/06, as razões determinantes da rejeição deste meio de prova assentavam no «receio de perjúrio; as partes têm um interesse no resultado da acção e podem ser tentadas a dar um testemunho desonesto e finalmente mesmo que as mesmas não sejam desonestas, estudos psicológicos demonstram que as pessoas têm uma maior tendência a recordar factos favoráveis do que factos desfavoráveis pelo que o depoimento delas como testemunhas nos processos em que são partes não é, por essa razão de índole psicológica, fidedigno».
[19] As Malquistas declarações de parte – “Não acredito na parte porque é parte”, em Colóquio organizado no Supremo Tribunal de Justiça, estudo disponível na página web do STJ e ainda em www.trp.pt/.../as%20malquistas%20declaraes%20de%20parte_juizdireito%20luis%20f... A sobredita visão pessimista sobre a fiabilidade do meio de prova é rebatida por Luís Filipe Sousa que defende que «(ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas de hierarquizá-los diversamente».
[20] Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, página 56, estudo editado na internet em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28630/.../Declaracoes%20de%20parte.pdf, nesta discórdia valorativa sobre a fiabilidade do meio de prova, diz que aquilo que é relevante é que o juiz análise «o discurso da mesma tendo sempre presente a máxima da experiência que dita a escassa fiabilidade do mesmo quanto às afirmações que a esta são favoráveis».
[21] De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014, in www.dgsi.pt. este inovador meio de prova, dirige-se primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorridas na presença das partes.
[22] Remédio Marques, «A aquisição e a Valoração Probatória dos Factos (Des)Favoráveis ao Depoente ou à Parte», Julgar, Jan-Abril, 2012, nº 16, pág. 168.
[23] Ou, seguindo a formulação de Elisabeth Fernandez, Obra citada, pág. 37, o recurso a meio de prova é admissível quando se destina a apurar «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percepcionados por terceiros de forma directa».
[24] Remédio Marques, A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou a parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos, Caderno II – O novo Processo Civil – Contributos da Doutrina no decurso do processo legislativo designadamente á luz do Anteprojecto e da Proposta de Lei nº 133/XII, Centro de Estudos Judiciários, pág. 92.
[25] Idêntico posicionamento prático é defendido pelos juízes de Direito Paula Faria e Ana Luísa Loureiro, em Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2ª edição, pág. 395.
[26] Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15/09/2014 e 20/11/2014, in www.dgsi.pt.
[27] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/04/2017, in www.dgsi.pt, que sublinha que:
«I- No que tange à função e valoração das declarações de parte existem três teses essenciais: (i) tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; (ii) tese do princípio de prova e (iii) tese da auto-suficiência das declarações de parte.
II – Para a primeira tese, as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária dos demais meios de prova, tendo particular relevo em situações em que apenas as partes protagonizaram e tiveram conhecimento dos factos em discussão.
III – A tese do princípio de prova defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova.
IV – Para a terceira tese, pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente.
V – É infundada e incorrecta a postura que degrada – prematuramente – o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório.
VI – É expectável que as declarações de parte primem pela coerência e pela presença de detalhes oportunistas a seu favor (autojustificação) pelo que tais características devem ser secundarizadas.
VII – Na valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interacções; reprodução de conversações; existência de correcções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reacção da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade.
[28] Está escrito a fls. 28 dos autos que o doente «esteve aqui umas horas a fazer broncodilatadores e, foi para o lar com antibiótico e, O2». Esta redacção permite a interpretação de que o doente fez broncodilatadores e O2 no Hospital e seguiu para o Lar onde deveria tomar antibiótico mas também é admissível conceber que no Lar deveria receber oxigénio. É o problema académico da colocação da vírgula.
[29] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. II, 4ª edição revista e actualizada (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra 2011, pág. 53, defendem que «a responsabilidade contratual não abrange os danos não patrimoniais, como resulta desde logo da inserção do artigo 496º, na área exclusiva da responsabilidade civil (delitual)».
[30] Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 626.
[31] Da pós-eficácia das obrigações, vol. I, pág. 168-169, in Estudos de Direito Civil, Almedina, 1987.
[32] Claus-Wilhelm Canaris, Ansprüche wegen «positiver Vertragsverletzungen» und «Schutzwirkung für Dritte» bei nichtigen Versträgen, JZ 1965, pág. 475-482.
[33] Não cumprimento das obrigações, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. III, Direito das Obrigações, pág. 484.
[34] Artigo 799º (Presunção de culpa e apreciação desta):
1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil.
[35] Artigo 798º (Responsabilidade do devedor):
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
[36] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição revista e actualizada, (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra 2011, pág. 52.
[37] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 2ª edição, Almedina, Coimbra 1973, págs. 87-106.
[38] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 4ª edição, Almedina, Coimbra 2006, págs. 251-259.
[39] Vaz Serra, Culpa do devedor ou do agente, nº 2, Boletim do Ministério da Justiça nº 68.