Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
607/13.6TBVNO-A.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
INDEFERIMENTO LIMINAR
CONTAGEM DO PRAZO
NOTIFICAÇÃO À PARTE
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - Em regra, a ilisão da presunção de que a notificação expedida não foi efectuada até ao 3.º dia posterior ao do registo efectuado, incumbe ao Executado e, tal qual ocorre com a alegação de justo impedimento, tem que ser efectuada no momento em que o notificado se apresenta a praticar o acto, não competindo ao tribunal comprovar oficiosamente através do registo aposto na notificação quando foi efectivamente entregue a carta expedida para o efeito.
II - No caso vertente, não estamos perante uma situação comum porque é a própria presunção de que a notificação foi efectuada que não pode operar.
III - De facto, existe o código de barras do registo criado com a indicada data em que o expediente da notificação electrónica foi elaborado pela Senhora Agente de Execução, mas a base da presunção, ou seja a efectiva expedição da carta contendo a notificação, sob o identificado registo, não ocorreu na data que o acto praticado no SISAAE e reflectido no CITIUS atesta - e nem sequer em data próxima -, mas apenas quando em face da notificação presumida - mas como verificamos agora, afinal inexistente à data -, se encontrava praticamente a terminar o prazo para o executado deduzir oposição à penhora.
IV - Pese embora se encontrasse ciente de que os Agentes de Execução estão obrigados a pugnar pela boa aplicação do direito e pela rápida administração da justiça (artigo 124.º, n.º 1, do EOSAE), e do dever de praticar diligentemente os actos processuais cuja competência lhes está cometida por lei no âmbito do processo executivo (artigo 168.º, n.º 1, alínea a) EOSAE), de entre os quais avultam precisamente as notificações da sua competência (artigo 720.º, n.º 7, do CPC), e igualmente ciente das consequências processuais dessa desconformidade entre o que o processo espelhava e a realidade física, a Senhora Agente de Execução, nem sequer teve o cuidado de informar os autos que a notificação não tinha seguido na data em que o acto por si eleborado atesta que ocorreu, dando assim azo a toda a actividade subsequente, mormente ao despacho recorrido e ao presente recurso.
V - A regra estabelecida no artigo 157.º, n.º 6, do CPC, de que os erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, constitui uma regra geral que, de igual modo, se deve aplicar aos erros e omissões de agente de execução.
VI - Encontrando-se a coberto de despacho judicial a arguida irregularidade da notificação pode ser conhecida em sede de recurso porque, até àquele momento, não existia qualquer vício processual do conhecimento da parte e contra o qual pudesse reagir.
VII - A não ser assim entendido ficaria intoleravelmente inviabilizado o direito constitucional de aceso ao direito e de intervenção processual que o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa garante ao Recorrente, bem como a confiança legítima do cidadão no Estado.
VII - Considerando que a prolação do despacho de indeferimento liminar, no errado pressuposto de que o decurso do prazo para a dedução de oposição terminara, apenas se deve à conduta duplamente omissiva da Senhora Agente de Execução, ao abrigo do disposto no artigo 534.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade da parte vencida a final pelas custas não abrange o presente recurso.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 607/13.6TBVNO-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I - Relatório
1. AA, Embargante/executado nos acima identificados autos de execução, tendo sido notificado do despacho que indeferiu liminarmente a oposição à penhora, por intempestividade, interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
«1. Em 13-07-2017 o ora recorrente foi notificado por via postal, para no prazo de 10 dias deduzir oposição à penhora;
2. De 16.07.2017 a 31.08.2017 foram as férias judiciais;
3. Em 11.09.2017, o ora Recorrente/executado, deduziu oposição à penhora, tendo a mesma sido apensada ao processo principal.
4. A notificação enviada pela senhora solicitadora por carta registada simples, embora apresente a data de 29-06-2017, só foi remetida via CTT ao cuidado do executado, ora recorrente no dia 12-07-2017,
5. Tal facto é comprovado através do registo aposto na notificação com a referência RA326537378Pt, que após consulta através do registo dos CTT, verificamos que o objecto cuja referencia se indicou só foi entregue em 13-07-2017,
6. Portanto, em data a que o Tribunal a quo considera há muito considera o executado/recorrente notificado,
7. Ou seja, o tribunal a quo considera o ora recorrente notificado no dia 03-07-2017, quando a notificação só foi remetida em 12-07-2017,
8. Com o devido respeito pelo tribunal a quo, não pode aplicar-se o artigo 249.º, porquanto, a notificação só foi enviada no dia 12.07.2017,
9. Assim sendo, não se apraz qual a necessidade das notificações embora registadas por correio simples, possuírem um código possível de consultar.
10. Assim, não pode o ora recorrente concordar com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, na medida que o considera notificado em data em que a referida notificação se encontrava em poder da Senhora Solicitadora de execução.
11. Não pode o recorrente ser penalizado por um erro crasso da senhora solicitadora que não cumpriu os prazos de envio da notificação de início de contagem de prazo para dedução de oposição à penhora.
12. Em 11-09-2017, quando foi apresentada a oposição à penhora, a mesma foi apresentada tempestivamente, uma vez que o prazo terminava em 09-09-2017, a um sábado, e como tal transferia-se para o 1.º dia útil, segunda-feira.
13. Portanto no dia 11.09.2017, data em que a oposição deu entrada no tribunal.».

2. O despacho recorrido foi proferido em 29.11.2017 e tem o seguinte teor:
«O executado deduziu oposição à penhora.
Dispõe o artigo 785.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil que a oposição é apresentada no prazo de 10 dias a contar da notificação do ato da penhora.
O executado foi notificado no dia 29.06.2017 (cfr. ref. nº4068664 dos autos principais).
O prazo para o executado deduzir oposição à penhora terminava no dia 13.07.2017.
A oposição deu entrada em juízo em 11.09.2017, ou seja, depois de decorrido o mencionado prazo de 10 dias para a dedução de oposição (e após os três dias úteis em que o ato ainda podia ser praticado, com multa – artigo 139.º, n.º 5, do Novo Código de Processo Civil).
Daí que se imponha concluir que a presente oposição é extemporânea e, como tal, deve ser liminarmente indeferida.
Pelo exposto, indefiro liminarmente a oposição à penhora, porque intempestiva, nos termos do disposto nos artigos 732.º, n.º 1, alínea a), e 785.º, n.º 2, do Novo Código de Processo Civil».

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. Para uma melhor compreensão da tramitação processual relevante para a decisão do presente recurso, a ora Relatora determinou fosse solicitado o seguimento electrónico do processo principal.

5. Observados os vistos, cumpre decidir.
*****
II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, salvo as que fiquem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, a única questão a apreciar respeita à (in)tempestividade da oposição à penhora.
*****
III – Fundamentos
III.1. – De facto:
A tramitação processual relevante é a que decorre do relatório supra, mormente a já considerada na decisão recorrida, cuja correcção confirmámos por via electrónica no processo principal, do qual consta, com a data de 29.06.2017, a referência Citius 4068668[4], correspondente a notificação elaborada pela Agente de Execução com as seguintes menções, no que ora importa: Data: 29-06-2017 Documento: 30bXWd4fy4r Referência interna do processo: PE/75/2013, exibindo o código de barras de registo CTT com a referência RA326537378PT.
A carta com a indicada referência foi entregue na estação dos CTT de Campo de Ourique, em Lisboa, no dia 12.07.2017, pelas 18.27h, tendo a notificação ao executado sido efectuada no dia 13.07.2017, pelas 15.30horas[5].
*****
III.2. - O mérito do recurso
Insurge-se o Recorrente contra o facto de o Senhor Juiz ter considerado que a oposição à penhora foi deduzida extemporaneamente, aduzindo que o tribunal a quo considera o ora recorrente notificado no dia 03-07-2017, quando a notificação só foi remetida em 12-07-2017.
Apreciemos.
Dispõe o artigo 785.º, n.º 1, do CPC que a oposição é apresentada no prazo de 10 dias a contar da notificação do acto da penhora.
Como expressamente decorre da lei, a apresentação dos actos das partes está sujeita a prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC), salva a possibilidade de o mesmo ser ainda praticado nos três dias úteis subsequentes ao seu termo, mediante o pagamento de multa (artigo 139.º, n.º 5, do CPC), a situação de justo impedimento (artigos 139.º, n.º 4 e 140.º do CPC), a existência de norma a prever a prorrogabilidade do prazo (artigo 141.º, n.º 1, do CPC), ou de acordo das partes nesse sentido, caso em que o prazo marcado por lei é prorrogável por uma vez e por igual período (artigo 141.º, n.º 2, do CPC).
Conforme decorre da tramitação processual acima descrita, da acção executiva consta que o executado foi notificado no dia 29.06.2017 (cfr. ref. nº 4068668 dos autos principais), presumindo-se consequentemente notificado no dia 03.07.2017, de harmonia com o preceituado no artigo 249.º, n.º 1, do CPC, de acordo com cujo segmento final a notificação à parte que não tenha constituído mandatário se presume feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Portanto, quando o executado se apresentou a deduzir oposição à diligência de penhora, por requerimento inicial apresentado em 11.09.2017, a evidência nos autos era a de que há muito se esgotara o prazo para o fazer, atento o funcionamento da indicada presunção e a constatação de a notificação ao executado ter sido realizada em 29.06.2017, que os autos principais espelham na referida referência n.º 4068668.
Certo que a presunção de que a notificação não foi efectuada no tempo que a lei presume, pode ser ilidida por prova em contrário.
Porém, extrai-se ainda do requerimento inicial que aquando da apresentação da oposição à penhora o Recorrente não invocou a factualidade que agora fez constar do corpo e das conclusões 1. a 5 quanto à efectivação daquela notificação em data posterior à que ali consta.
Ora, é pacífico o entendimento de que a ilisão da presunção de que a notificação não foi efectuada no prazo em que a mesma se presume feita após a sua expedição, incumbe ao notificado.
De facto, conforme se aduziu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2012[6], «como resulta da Lei – n.º 6 do art. 254.º do C.P.C. – o mecanismo adequado para evitar que se tenha/considere feita a notificação no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, é a ilisão da presunção aí estabelecida: para lograr esse objectivo, o notificado provará …que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis».
Igualmente para ilustrar como funciona o regime da presunção em apreço, podemos atentar na síntese efectuada no aresto da Relação de Coimbra de 09.04.2008[7]:
«I. – A lei processual civil estabeleceu um regime presumido de recepção das notificações por via postal registada e do modo como a presunção pode ser afastada;
«II. – O regime referido no item antecedente estrutura-se e desenvolve-se nos momentos seguintes: a) Estabelecimento de uma dilação de três dias sobre a data do registo da carta, tempo que se considerou conferir uma margem de segurança suficiente para um eventual atraso nos serviços do correio; b) Constatado o facto-base – a expedição da carta sob registo dirigida ao notificando –, fica assente, por presunção juris tantum, o facto desconhecido de a carta ter sido entregue ao notificando no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte; c) A presunção só pode ser ilidida pelo notificado pela prova de que a carta de notificação não lhe foi entregue ou o foi em dia posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis».
Ainda neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão da Relação de Coimbra de 12.07.2017[8], espelhando entendimento jurisprudencial que cremos ser pacífico, assim sumariado[9]:
«1. Nos termos dos art.ºs 248º e 249º do CPC, presume-se, até prova em contrário, que a notificação se efectua no terceiro dia posterior ao do registo no correio (ou da elaboração da notificação), ou seja, provado o facto base da presunção - a expedição da carta sob registo no correio dirigida a determinada pessoa ou a data da elaboração da notificação -, fica assente o facto desconhecido de a carta lhe ter sido entregue (ou da realização da notificação) no terceiro dia posterior ao do registo (ou da elaboração) ou no primeiro dia útil seguinte (art.ºs 349º e 350º do CC).
2. Em relação ao momento em que deve ser feita a prova em contrário, tem-se entendido, pacificamente, que o onerado com essa presunção para que possa tentar ilidi-la, necessita de fazê-lo no momento em que pratica o acto, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida, sendo que, se assim não fosse, ficava o tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata das alegações, ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia».
De facto, precisamente porque funciona a indicada presunção, não compete oficiosamente ao tribunal ir comprovar em todos os processos através do registo aposto na notificação quando foi efectivamente entregue a carta expedida para notificação, isto porque a regra é a de que a presunção legal «só pode ser ilidida a pedido e no interesse do notificado e não por iniciativa do Tribunal»[10].
Ao invés, incumbe ao notificado que se apresenta a praticar o acto depois do prazo para a respectiva prática contado desde a notificação presumida, invocar nesse momento e comprovar que a notificação apenas lhe foi efectuada em momento posterior, ou seja, alegar e demonstrar que o acto ainda é tempestivo[11].
Esta é a regra.
Ora, revertendo este entendimento ao caso em apreço, não tendo o Recorrente alegado oportunamente em primeira instância os factos que ora invocou para ilidir a presunção, em circunstâncias comuns não poderia este Tribunal conhecer da bondade de questão que não foi suscitada em primeira instância, ficando assim precludido o seu correspondente (eventual) direito[12], isto porque é igualmente pacífico que os recursos não visam criar novas decisões mas reapreciar as proferidas[13].
Acontece que, todos os citados arestos se debruçaram sobre as situações que são as mais comuns: a notificação foi expedida quando os autos o documentam, e, portanto, a parte quando se apresenta a praticar o acto, tem perfeito conhecimento de que o tribunal presume, por via do indicado artigo 249.º, n.º 1, do CPC, que se encontra notificado. Daí impender sobre si o ónus de alegar e demonstrar quando se apresenta a praticar o acto que a notificação só foi recebida posteriormente à data presumida e por razão que não lhe é imputável.
Porém, as presunções judiciais são «(ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art. 349.º/1 do Cód. Civil), e não propriamente um genuíno meio de prova, na dimensão constante do art. 341.º da mesma Codificação, mas antes, como é sabido, meios lógicos ou indutivos através dos quais se alcança a inferência, o facto desconhecido, importa atentar no facto conhecido – a base da presunção – que, no caso, se consubstancia na remessa, sob o identificado registo, do expediente»[14].
Sublinhamos o que antecede porque na situação em apreço não estamos perante uma situação comum (ou, pelo menos, que deva sê-lo), isto porque é a própria presunção de que a notificação foi efectuada que não pode operar.
Na verdade, temos efectivamente o código de barras do registo criado com a indicada data em que o expediente da notificação electrónica foi elaborado pela Senhora Agente de Execução, mas a base da presunção, ou seja a efectiva expedição da carta contendo a notificação, sob o identificado registo, não ocorreu na data que o acto praticado no SISAAE e reflectido no CITIUS atesta - e nem sequer em data próxima -, mas apenas quando em face da notificação presumida - mas como verificamos agora, afinal inexistente à data -, se encontrava praticamente a terminar o prazo para o executado deduzir oposição à penhora.
Ora, conforme decorre do artigo 162.º da Lei n.º Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro[15]:
1 - O agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios.
2 - As competências específicas de agente de execução e as demais funções que lhe forem atribuídas são exercidas nos termos do presente Estatuto e da lei.
Porém, pese embora se encontrasse ciente de que os Agentes de Execução estão obrigados a pugnar pela boa aplicação do direito e pela rápida administração da justiça (artigo 124.º, n.º 1, do EOSAE), e do dever de praticar diligentemente os actos processuais cuja competência lhes está cometida por lei no âmbito do processo executivo (artigo 168.º, n.º 1, alínea a) EOSAE), de entre os quais avultam precisamente as notificações da sua competência (artigo 720.º, n.º 7, do CPC), e igualmente ciente das consequências processuais dessa desconformidade entre o que o processo espelhava e a realidade física, a Senhora Agente de Execução, nem sequer teve o cuidado de informar os autos que a notificação não tinha seguido na data em que o acto por si eleborado atesta que ocorreu, dando assim azo a toda a actividade subsequente, mormente ao despacho recorrido e ao presente recurso.
Ora, o artigo 157.º, n.º 6, do CPC, estabelece a regra de que os erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes[16].
Conforme o Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de afirmar no aresto proferido em 05.04.2016[17], «o erro ou omissão referentes a notificações da secretaria judicial são de equiparar actos equívocos, ou de dúbia interpretação, e que possam afectar negativamente direitos dos seus destinatários, desde que a interpretação lesiva que deles possa ser feita, aferida pelo standard interpretativo do destinatário normal – art. 236º, nº1, do Código Civil – possa ser acolhida».
Trata-se, pois, de uma regra geral que, de igual modo, se deve aplicar aos erros e omissões de agente de execução, tanto mais quando estes praticam actos que são desempenhados pelos oficiais de justiça no processo comum, podendo igualmente sê-lo por estes no processo executivo, nas situações referidas no artigo 722.º do CPC.
Pensamos, aliás, que outra interpretação não pode decorrer das razões que levaram o legislador a introduzi-la no n.º 6, do artigo 161.º do CPC, pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, «visando generalizar princípio que já era lícito inferir pontualmente de certos regimes processuais». Efectivamente, parafraseando LOPES DO REGO[18] «tendo a parte confiado em indicação dada de modo processualmente relevante e documentada nos autos por algum funcionário da secretaria», no caso presente, pelo agente de execução, a quem a lei atribuiu tal competência, «não poderá resultar prejudicada pelo facto de vir ulteriormente a julgar que tal informação consubstanciava alguma ilegalidade». De facto, «as partes têm que contar com a diligência e eficácia dos serviços judiciais, confiando neles e não desvirtuando o papel que cada agente judiciário tem no processo, idóneo para produzir o resultado que a todos interessa – cooperar com boa fé numa sã administração da justiça».
Na situação vertente, não restam dúvidas de que a omissão da Senhora Agente de Execução, prejudicou o Recorrente porquanto foi por via do seu comportamento omissivo, que o Senhor Juiz, à data em que proferiu o despacho recorrido de indeferimento liminar dos embargos, por extemporaneidade, ignorava a circunstância de que a notificação apenas tinha sido efectivamente expedida em 12.07.2017 e realizada em 13.07.2017, e não, como ali presumiu, em 03.07.2017; e que o Recorrente, não podia saber que, recebendo uma notificação com a data de expedição de 12.07.2017, a mesma constava nos autos como tendo sido remetida em 29.06.2017, razão pela qual nem sequer podia arguir aquela desconformidade aquando da apresentação da oposição, por forma a obstar à prolação do despacho recorrido.
É, pois, manifesto que a descrita situação não pode postergar os direitos do Recorrente.
De facto, pese embora a sobredita irregularidade configure uma nulidade secundária, a mesma não podia ter sido arguida pelo Recorrente em primeira instância, precisamente porque só com a notificação do despacho recorrido aquele teve conhecimento da oportuna falta de expedição da notificação do auto de penhora pela Senhora Agente de Execução.
Assim, encontrando-se a coberto de despacho judicial a arguida irregularidade da notificação pode ser conhecida em sede de recurso porque, até àquele momento, não existia qualquer vício processual do conhecimento da parte e contra o qual pudesse reagir[19].
A não ser assim entendido ficaria intoleravelmente inviabilizado o direito constitucional de aceso ao direito e de intervenção processual que o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa garante ao Recorrente, bem como a confiança legítima do cidadão no Estado.
Pelo exposto, decorrendo do documento cuja junção aos autos determinámos, que o Recorrente foi efetivamente notificado em 13.07.2017, e não como presumidamente se considerou em 03.07.2017, o prazo normal de 10 dias para deduzir oposição à penhora terminava posteriormente ao dia 11 de Setembro de 2017, data em que foi apresentada a oposição. Em consequência, é manifesta a tempestividade do requerimento de oposição à penhora que foi apresentado pelo executado.
Procede, pois, a apelação, devendo ser revogado o despacho recorrido[20].
Como visto, a prolação do despacho de indeferimento liminar, no errado pressuposto de que o decurso do prazo para a dedução de oposição terminara, apenas se deve à conduta duplamente omissiva da Senhora Agente de Execução: em primeiro lugar, porque fez constar nos autos uma data de notificação e um registo, mas não fez seguir o respectivo expediente; e, em segundo lugar, tendo entregue a carta expedida para notificação nos CTT em 12.07.2013, quando o prazo presumido a partir da notificação que fez constar nos autos para a dedução da oposição se encontrava prestes a terminar, omitiu essa informação no processo, assim dando azo à prolação daquele despacho e à subsequente actividade processual decorrente da necessidade de interposição deste recurso.
Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 534.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade da parte vencida a final pelas custas não abrange o presente recurso, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do mesmo preceito, e, se o Senhor Juiz o considerar pertinente, da comunicação à Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, para os fins convenientes.
*****
III.3. Síntese conclusiva:
I - Em regra, a ilisão da presunção de que a notificação expedida não foi efectuada até ao 3.º dia posterior ao do registo efectuado, incumbe ao Executado e, tal qual ocorre com a alegação de justo impedimento, tem que ser efectuada no momento em que o notificado se apresenta a praticar o acto, não competindo ao tribunal comprovar oficiosamente através do registo aposto na notificação quando foi efectivamente entregue a carta expedida para o efeito.
II - No caso vertente, não estamos perante uma situação comum porque é a própria presunção de que a notificação foi efectuada que não pode operar.
III - De facto, existe o código de barras do registo criado com a indicada data em que o expediente da notificação electrónica foi elaborado pela Senhora Agente de Execução, mas a base da presunção, ou seja a efectiva expedição da carta contendo a notificação, sob o identificado registo, não ocorreu na data que o acto praticado no SISAAE e reflectido no CITIUS atesta - e nem sequer em data próxima -, mas apenas quando em face da notificação presumida - mas como verificamos agora, afinal inexistente à data -, se encontrava praticamente a terminar o prazo para o executado deduzir oposição à penhora.
IV - Pese embora se encontrasse ciente de que os Agentes de Execução estão obrigados a pugnar pela boa aplicação do direito e pela rápida administração da justiça (artigo 124.º, n.º 1, do EOSAE), e do dever de praticar diligentemente os actos processuais cuja competência lhes está cometida por lei no âmbito do processo executivo (artigo 168.º, n.º 1, alínea a) EOSAE), de entre os quais avultam precisamente as notificações da sua competência (artigo 720.º, n.º 7, do CPC), e igualmente ciente das consequências processuais dessa desconformidade entre o que o processo espelhava e a realidade física, a Senhora Agente de Execução, nem sequer teve o cuidado de informar os autos que a notificação não tinha seguido na data em que o acto por si eleborado atesta que ocorreu, dando assim azo a toda a actividade subsequente, mormente ao despacho recorrido e ao presente recurso.
V - A regra estabelecida no artigo 157.º, n.º 6, do CPC, de que os erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, constitui uma regra geral que, de igual modo, se deve aplicar aos erros e omissões de agente de execução.
VI - Encontrando-se a coberto de despacho judicial a arguida irregularidade da notificação pode ser conhecida em sede de recurso porque, até àquele momento, não existia qualquer vício processual do conhecimento da parte e contra o qual pudesse reagir.
VII - A não ser assim entendido ficaria intoleravelmente inviabilizado o direito constitucional de aceso ao direito e de intervenção processual que o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa garante ao Recorrente, bem como a confiança legítima do cidadão no Estado.
VII - Considerando que a prolação do despacho de indeferimento liminar, no errado pressuposto de que o decurso do prazo para a dedução de oposição terminara, apenas se deve à conduta duplamente omissiva da Senhora Agente de Execução, ao abrigo do disposto no artigo 534.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade da parte vencida a final pelas custas não abrange o presente recurso.
*****
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, e julgando tempestiva a deduzida oposição à penhora.
Sem custas.
*****
Évora, 12 de Abril de 2018
Albertina Pedroso [21]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
_________________________________________________
[1] Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] A referência indicada pelo julgador é a correspondente à notificação ao exequente, daí que se corrija o lapso.
[5] Conforme informação disponível no sítio dos CTT, da qual se extraiu cópia para juntar fisicamente aos autos: https://www.cttexpresso.pt/feapl_2/app/open/cttexpresso/objectSearch/objectSearch.jspx?objects=RA326537378PT
[6] Proferido no processo n.º 1432/05.3TTPRT.S2, disponível em texto integral em www.dgsi.pt, como os demais arestos que se indicam seguidamente.
[7] Proferido no processo n.º 206/06.9TACDN-A.C1.
[8] Proferido no processo n.º 32/17.0T8SEI-C.C1, citando no sentido da decisão proferida, de entre vários, os acórdãos do STJ de 21.02.2006-processo 05B4290, da RL de 09.6.2014-processo 2085/13.3TBBRR-A.L1-6 e da RE de 22.9.2016-processo 571/11.6TBSSB-C.E1.
[9] Cfr. no mesmo sentido, para além dos indicados no citado aresto, o Ac. TRC de 13.11.2013, processo n.º 113/11.3TACSD.C1; Ac. TRP de 13.07.2016, processo n.º 1369/13.2TTVNG.P1;
[10] Cfr. Ac. TRC de 12.07.2006, processo n.º 496/01.3TACBR-A.C1.
[11] Para além do citado aresto do TRC de 12.07.2017, a respeito do momento para ilidir a presunção de que a notificação postal se efetuou no terceiro dia posterior ao do registo, veja-se o Ac. TRL de 09.06.2014, processo n.º 2085/13.3 TBBRR-A.L1-6.
[12] Cfr. neste sentido citado Acórdão do TRC de 12.07.2017, citando ainda o acórdão da RC de 24.01.2013-processo 26/12.1TTGRD-A.C1.
[13] Ou seja, por regra, a invocação da tempestividade da prática do acto, apenas pode introduzida pela primeira vez em alegações de recurso quando se destina a ilidir a presunção da data da notificação da sentença, com vista à alegação e prova da tempestividade do recurso interposto.
[14] Cfr. citado Acórdão do STJ.
[15] Que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE).
[16] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º - Artigos 1.º a 361.º, pág. 316.
[17] Processo n.º 12/14.7TBMGD-B.G1.S1.
[18] In Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, Almedina 2004, págs. 172 e 173, e ac. STJ citado.
[19] Cfr. a respeito da situação processualmente semelhante decorrente da prolação de decisão surpresa - que a decisão recorrida acaba igualmente por constituir -, a posição expressa por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, no Blog do IPPC, mormente em Paper datado de 23.03.2015.
[20] Cfr. neste mesmo sentido a decisão sumária proferida pelo ora 1.º Adjunto em 16.11.2017, no processo n.º 118/12.7T2GDL-B.E1.
[21] Texto elaborado e revisto pela Relatora.