Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
237/10.4TTSTR-B.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: REMIÇÃO PARCIAL DE PENSÕES VITALÍCIAS
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: Tendo a seguradora responsável pela reparação do acidente de trabalho requerido a remição parcial da pensão anual de € 9.768,33, ao abrigo do artigo 33.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13-09, e artigo 56.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30-04, é de indeferir tal remição no circunstancialismo em que se verifica que o sinistrado à data daquele requerimento tinha 56 anos de idade, apresenta uma elevadíssima incapacidade (97,14% de IPP, com IPATH), o que impossibilita de obter rendimentos do trabalho, e se opôs a tal remição.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 237/10.4TTSTR-B.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
No âmbito do Proc. n.º 237/10.4TTSTR, em que é sinistrado BB e entidades responsáveis Companhia de Seguros CC, S.A., e DD, Lda., foi no despacho saneador – considerando, no que era releva, que aquele sofreu um acidente de trabalho em 02-05-2009 e que ficou afectado de uma incapacidade permanente parcial de (IPP) de 97,14%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) – a seguradora condenada a pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia, devida desde 7 de Abril de 2011, no montante inicial de € 9.045,07, mas que por virtude de actualizações, em 1 de Janeiro de 2014 se cifrava em € 9.681,00.

Em 17-10-2017 a seguradora requereu nos autos principais, ao abrigo do disposto no artigo 33.º da Lei n.º 100/97 (LAT), conjugado com o n.º 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (RLAT), que fosse autorizada a proceder à remição parcial da pensão fixada nos autos a BB, aqui recorrente, até ao valor máximo legalmente permitido de € 2.735,88 (considerando o salário anual de € 13.027,98, a pensão anual de € 9.768,33, a pensão anual sobrante de € 7.032,45 e o salário mínimo nacional de € 557,00).
Ouvido o sinistrado, o mesmo opôs-se a tal pretensão, alegando que tendo apenas 56 anos de idade “estaria a ser gravemente prejudicado a longo prazo, tendo em conta a esperança média de vida”.
Por sua vez, o Ministério Público declarou “nada ter a opor ao requerido pelo sinistrado”.

Em 27-11-2017, pelo exmo. julgador a quo foi proferido o seguinte despacho:
“De acordo com os critérios contidos no art.33.º n.º 1 da lei n.º 100/97 de 13 de Setembro assim com o n.º 2 do art. 56.º do DL n.º 143/99 de 30 de Abril, nada obsta ao solicitado pela Seguradora pelo que se defere o requerimento de fls. 2 nos termos nele constantes.
Notifique”.

Inconformado com o assim decidido, o sinistrado veio interpor recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
“1. O Apelante vem recorrer do douto despacho que decidiu do pedido de remição parcial apresentado pela entidade responsável - Companhia de Seguros – pelo pagamento da pensão, a qual suscitou os artigos 33º, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro e 56º, nº 2 do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, para fundamentar juridicamente a sua pretensão e inseriu uma tabela com valores finais, sem indicação de incapacidades, nem outros elementos essenciais para qualquer tomada de decisão, nem o fundamento de facto deste pedido.
2. Exercendo o direito ao contraditório, o sinistrado veio opor-se expressamente à Remissão Parcial solicitada, invocando ser-lhe muito prejudicial a longo prazo, por ter apenas 56 anos de idade, tendo em conta a esperança média de vida.
3. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo decidiu deferir o pedido da Remição Parcial da pensão do sinistrado, nos seguintes termos: “De acordo com os critérios contidos no art. 33.º n.º 1 da lei n.º 100/97 de 13 de Setembro assim como com o n.º 2 do art. 56.º do DL n.º 143/99 de 30 de Abril, nada obsta ao solicitado pela Seguradora pelo que se defere o requerimento de fls. 2 nos termos dele constante.”.
4. Salvo o devido respeito, o Recorrente não concorda com o douto despacho saneador proferido pelo Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal “a quo”, tendo julgado procedente a Remição Parcial.
5. Parece-nos que tal douto despacho está ferido de nulidade, nos termos dos artigos 615º, n.º 1, b) e 613º, n.º 3 ambos do Código de Processo Civil, porque inexiste qualquer fundamentação de facto da decisão tomada, remetendo no caso concreto apenas para artigos da legislação laboral, e referindo que os critérios estão lá contidos, sem sequer explicar em que termos os critérios se encontram realmente preenchidos e com base em que factos.
6. Essa falta total de fundamentação gera a nulidade da própria decisão, pois que esta não exibe os factos em se baseia a solução jurídica levada à decisão.
7. E, a decisão parece-nos basear-se em artigos contraditórios entre si, porque no artigo 33º, n.º 1 estamos perante a figura da remição obrigatória e no artigo 56º, n.º 2, já estamos perante a remição parcial, o que desde logo indicia que existe certamente lapso na aplicação do direito, muito embora parece que o Meritíssimo Juíz do Tribunal “a quo” não entendeu que a remição não pode ser obrigatória, nem que se trata de um sinistrado com incapacidade superior a 90%.
8. Acresce que o artigo 56º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 143/99 de 30 abril, faz depender a
remição parcial da autorização do tribunal competente, o que desde logo deixa antever e perceber que esta remição não pode nunca ser automática e tem de ser devidamente fundamentada, por forma a não prejudicar o sinistrado.
9. O sinistrado fez questão de se opor expressamente à Remição parcial, e igualmente quanto ao exercício do contraditório que foi legitimamente exercido pelo sinistrado, nem sequer o Meritíssimo Juiz do Tribunal “ a quo” se pronunciou, como se nunca tivesse existido, também quanto a esta parte o douto despacho é completamente omisso.
10. O douto despacho proferido padece de nulidade por falta total de fundamentação de facto e de pronúncia quanto à oposição do sinistrado.
11. Por outro lado, a douta decisão impõe - independentemente da vontade do trabalhador - a remição parcial da pensão, ao sinistrado que tenha incapacidade superior a 30%, resultante de acidente ocorrido anteriormente à data da entrada em vigor da Lei 98/2009, de 4 de setembro.
12. Ora, até na nova legislação que entrou em vigor meses após o acidente do sinistrado, já não é possível à Companhia de Seguros poder requerer a Remição Parcial, uma vez que se entendeu que a mesma pode ferir os interesses do sinistrado, quando na realidade quando foi criada tal norma, o que se pretendia era a defesa do sinistrado acima de tudo, tendo sido posteriormente corrigido.
13. Na senda do que vem sendo seguido nos Tribunais superiores, mormente o Tribunal Constitucional, sobretudo no seu Acórdão n.º 172/2014, não pode o sinistrado ser prejudicado por ter ocorrido o acidente antes da entrada em vigor da atual Lei e o mesmo parece-nos ser de aplicar no caso da incapacidade ser de 97%.
14. O próprio artigo 75º, n.º4 da Lei 98/2009, vem precisamente levantar esse paradigma, em que a ideia é sempre nunca prejudicar o sinistrado nas Remições, devendo aplicar-se inclusive o Princípio da Lei mais favorável ao sinistrado, para que não haja um sinistrado mais beneficiado em relação a outro, por uma questão de meses antes ou depois da entrada em vigor daquela Lei.
15. A ideia que está subjacente àquele Acórdão acabado de citar é precisamente a mesma que estes autos tratam, embora numa perspetiva de remição parcial, mas que para nós deverá ser sempre dependente da anuência do interessado, ou a seu requerimento.
16. Pelo atrás exposto, não se pode impor uma remissão parcial, não obrigatória, ao sinistrado contra a sua vontade, pois seria impor a vontade unilateral da Companhia de Seguros, o que a Lei nunca quis, mas antes quis proteger o sinistrado.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando improcedente a Remição parcial”.

Não tendo sido apresentadas contra-alegações, o exmo. julgador a quo, após afirmar não ser de conhecer da nulidade da sentença, por não ter sido arguida pela forma legal, admitiu o recurso, como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal, tendo sido presentes à exma. Procuradora-Geral Adjunta para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 87.º, n.º 3, do CPT, neles veio a emitir douto parecer, em que após suscitar a questão prévia dos autos não se mostrarem devidamente instruídos para permitir uma decisão – já que dos mesmos não consta, designadamente, a data do acidente de trabalho, a data da alta e a pensão fixada –, acrescentou que “pressupondo” que o acidente ocorreu na vigência da Lei n.º 100/97, de 13-09, e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, e que o requerimento (da seguradora) de remição parcial da pensão ocorreu em 17-10-2017, deve ser concedido provimento ao recurso.
Para tanto ponderou que estando em causa um pedido de remição facultativa parcial da pensão formulado na vigência da Lei n.º 98/2009, de 04-09, ao mesmo devem aplicar-se as condições de remição parcial aí previstas: e no caso essas condições não se mostram verificadas, pelo que o recurso deve proceder.
Todavia, ainda que ao pedido de remição sejam de aplicar as condições previstas na Lei n.º 100/97 e Decreto-Lei n.º 143/99, sempre o recurso será de proceder uma vez que a remição em causa é contra a vontade e contra os interesses do sinistrado.
Em resposta, o recorrente veio juntar documento referente à fixação da pensão.
Elaborado projecto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Questões a decidir e Factos
Como resulta das conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto deste (artigo 635.º, n.º 3 e artigo 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ex vi dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a) e 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), são duas as questões que se colocam à apreciação deste tribunal:
1. saber se a sentença é nula, por falta de fundamentação (artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil);
2. saber se existe fundamento para a remição parcial da pensão.

A matéria a atender é a que resulta do relato supra.
No essencial verifica-se que:
(i) o acidente de trabalho ocorreu em 2 de Maio de 2009;
(ii) o sinistrado nasceu em 22 de Novembro de 1961, teve alta clínica em 6 de Abril de 2011, encontrando-se afectado de uma IPP de 97,14%, com IPATH;
(iii) a seguradora requereu a remição parcial da pensão em 17 Outubro de 2017, data em que a pensão da sua responsabilidade era de € 9.768,33.

III. Fundamentação
1. Da arguida nulidade da sentença
Nas alegações, bem como nas respectivas conclusões, o recorrente veio arguir a nulidade da sentença, por falta de fundamentação [artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).
Todavia, lido e relido o requerimento de interposição de recurso, o mesmo não contem qualquer referência a arguição de nulidade da sentença.
Ora, estabelece o artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho que «[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso».
Por sua vez, decorre do n.º 3 do mesmo preceito, que o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso.
A exigência em causa justifica-se por razões de celeridade e economia processual, que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento.
Daí que não sendo cumprida tal exigência, não cumpra ao tribunal superior conhecer da nulidade [vide, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2009 (Recurso n.º 2469/08), de 25-03-2009 (Recurso n.º 2575/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3363/08) e de 09-12-2010 (Recurso n.º 4158/05.4TTLSB.L1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Por isso, no caso em apreço não constando do requerimento de interposição de recurso qualquer referência a arguição de nulidade da sentença da mesma não é de conhecer.

2. Da remição (parcial) ou não da pensão
Como resulta do relato supra, a seguradora requereu a remição da pensão ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 100/97, de 13-09, e n.º 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30-04.
O sinistrado opôs-se a tal remição parcial da pensão, mas o despacho recorrido deferiu essa remição por, segundo dele consta, «[d]e acordo com os critérios contidos no art.33.º n.º 1 da lei n.º 100/97 de 13 de Setembro assim com o n.º 2 do art. 56.º do DL n.º 143/99 de 30 de Abril, nada obsta ao solicitado pela Seguradora pelo que se defere o requerimento de fls. 2 nos termos nele constantes».
O sinistrado insurge-se contra tal decisão, argumentando, em síntese, que a remição parcial da pensão vai contra os seus interesses.
A exma. Procuradora-Geral Adjunta sustenta que tendo o pedido de remição parcial da pensão sido formulado na vigência da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, ao mesmo deve ser aplicado tal regime, mais concretamente o disposto no seu artigo 75.º: e face a tal regime a seguradora não tem legitimidade para requerer a remição parcial da pensão.
Porém, acrescenta-se no mesmo parecer, ainda que à situação seja aplicável o regime que decorre da Lei n.º 100/97, de 13-09 e Decreto-Lei n.º 143/99, de 30-04, é de rejeitar a referida remição, por a mesma ser contra os interesses do sinistrado.
Vejamos.

Tendo em conta que o acidente descrito ocorreu no dia 2 de Maio de 2009, ao mesmo é aplicável o regime jurídico que decorre da Lei n.º 100/97, de 13.09, e do respectivo Regulamento, publicado pelo Decreto-Lei n.º 143/1999, de 30-04, em vigor desde dia 1 de Janeiro de 2000.
Estipula o artigo 33.º da referida lei:
«1 - Sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º, são obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados.
2 - Podem ser parcialmente remidas as pensões vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30 %, nos termos a regulamentar, desde que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50 % do valor da remuneração mínima mensal garantida mais elevada.».
Por sua vez, sob a epígrafe «Condições de remição», estipula o artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30-04:
«1 - São obrigatoriamente remidas as pensões anuais:
a) Devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão;
b) Devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.
2 - Podem ser parcialmente remidas, a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis e com autorização do tribunal competente, as pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30% ou as pensões anuais vitalícias de beneficiários em caso de morte, desde que cumulativamente respeitem os seguintes limites:
a) A pensão sobrante não pode ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada;
b) O capital de remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.».
Ou seja, de acordo com este normativo legal, para que possa haver lugar a remição parcial da pensão, é necessário que:
- a mesma seja requerida pelo sinistrado ou entidade responsável e o tribunal a autorize;
- estejam em causa pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30%, ou pensões anuais vitalícias de beneficiários em caso de morte, desde que, cumulativamente, (i) a pensão sobrante não seja inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada e o capital de remição não seja superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.
A questão que desde logo se poderá colocar consiste em saber se a remuneração mínima mensal garantida mais elevada a atender, referida na citada alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º, é a vigente à data da fixação da pensão, ou à data do pedido de remição parcial da pensão.
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2017 (Proc. n.º 348/09.9TTSTS-4.P1, disponível em www.dgsi.pt), analisou esta problemática, concluindo que «(…) o momento a atender para o cálculo da rmmg deve ser o da data em que é requerida a remição parcial da pensão».
Para tanto aí se desenvolveu a seguinte fundamentação:
«Na verdade, tratando-se de uma remição facultativa, dependente de pedido expresso dos interessados, os requisitos da remição devem aferir-se ao momento em que o pedido é formulado, por respeito ao princípio actualista do pedido.
O recorrente entende que, face à redacção do n.º 1, alínea a), do artigo 56.º do DL n.º 143/99, o momento a considerar é o da data da fixação da pensão.
Se assim fosse, o legislador tê-lo-ia dito, expressamente, o que não aconteceu, limitando-se à expressão “a remuneração mínima mensal garantida mais elevada”. – cf. artigo 33.º, n.º 2, da LAT e artigo 56.º, n.º 2, alínea a), do DL n.º 143/99.
Para efeitos da verificação dos requisitos da remição da pensão, a LAT apenas fixa a data, da fixação da pensão, para as remições obrigatórias.
Para as remições facultativas, o legislador, ao não fixar o momento a atender para o cálculo da rmmg, está a indicar ao intérprete que esse momento deve respeitar o princípio actualista do pedido, por motivos lógicos e condizentes com as variantes da economia, que têm condicionado, como é sabido, o valor dos salários, incluindo o salário mínimo nacional.
Tanto mais que, tratando-se, como se trata, de direitos indisponíveis, não deve o intérprete deduzir, à contrário, aquilo que o legislador não expressou na lei.
Assim, perante a evolução histórica do regime jurídico sobre a remição da pensão anual e vitalícia e a diferente redacção das alíneas a), dos n.º 1 e n.º 2, do artigo 56.º, do Dl n.º 143/99, por referência ao artigo 33, n.º 2, da Lei n.º 100/97, facilmente se conclui, atentos o elemento histórico - evolução da regulamentação legal sobre a matéria -; o elemento sistemático – as leis interpretam-se umas às outras – e o elemento literal – sentido dos termos e sua correlação -, que o teor da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do DL n.º 143/99, de 30.04, não se aplica aos casos de remição facultativa da pensão, como pretende o recorrente.
Dito de outro modo: atentos os elementos de interpretação das normas, supra referidos, o momento a atender para o cálculo da rmmg é o da data do pedido de remição parcial da pensão».
Note-se que o referido acórdão apenas concluiu que a remuneração mínima mensal garantida (rmmg) a atender é a da data do pedido de remição parcial da pensão, mas já não – ao contrário do que parece perpassar do parecer da exma. Procuradora-Geral Ajunta – que em face disso, e tendo em conta que o requerimento de remição parcial da pensão foi formulado em 17-10-2017, se passariam a aplicar os requisitos da remição previstos na Lei n.º 98/2009, de 04-09, maxime no seu artigo 75.º.
Como já se deixou referido, tendo o acidente ocorrido na vigência da Lei n.º 100/97 e Decreto-Lei n.º 143/2009, os requisitos da remição parcial da pensão terão que ser os aí previstos; apenas quanto à remuneração mínima mensal garantida mais elevada, prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º, do Regulamento haverá que atender à vigente na data em que é requerida a remição.
Ora, nesta data (17-10-2017) o valor da remuneração mínima mensal garantida era de € 557,00 (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 86-B/2016, de 29-12), valor, de resto, a que a seguradora atendeu ao, em conformidade com o previsto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 56.º, efectuar o cálculo da remição parcial da pensão.
Mostra-se, por isso, verificado o requisito previsto nestas alíneas para a remição parcial da pensão.
Porém, como já se deixou referido, e decorre do corpo do n.º 2 do artigo 56.º, para que possa haver lugar à remição parcial é também necessário que tal seja requerido pelo sinistrado ou entidade responsável e que se verifique «autorização do tribunal competente».
Ora, sendo certo que a seguradora requereu essa remição parcial, deverá o tribunal autorizar a mesma?
Entendemos que não.
Aceita-se que a seguradora terá interesse económico no pagamento de uma só vez de parte da pensão.
Porém, tal interesse não pode sobrepor-se ao do sinistrado; note-se que estão em causa direitos indisponíveis, inerentes essencialmente à preocupação de protecção social de sinistrado ou familiares que o tribunal não poder descurar.
Tais interesses mais acentuados se apresentam quando – como é o caso – o sinistrado apresenta um elevado grau de incapacidade que o impede de obter rendimentos provenientes do trabalho: em tal situação deve prevalecer a vontade do sinistrado em continuar a receber a pensão vitalícia actualizável que lhe foi fixada em detrimento da remição parcial da mesma.
Atente-se que em situação com algum paralelismo com a presente – embora nela estivesse em causa uma remição obrigatória da pensão – se pronunciou o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/2008.
Aí se decidiu «[j]ulgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, o conjunto normativo constante dos artigos 56,º, n.º 1, alínea a) e 74.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória, independentemente da vontade do trabalhador sinistrado, de pensões atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resulte incapacidade parcial permanente igual (ou superior) a 30%».
Extrai-se do referido acórdão a seguinte fundamentação:
«O cerne do juízo de inconstitucionalidade radica na consideração de que, relativamente a pensões por incapacidades susceptíveis de afectar significativamente a capacidade de ganho do sinistrado – não interessa agora saber se e em que termos este entendimento é extensível a situações em que o titular da pensão seja um “beneficiário legal” (cfr., todavia, acórdãos n.ºs 529/2006 e 533/2006) –, pelo menos quando se trate de pensões vitalícias já atribuídas, a imposição da remição contra vontade do titular, atendendo à maior aleatoriedade dos proventos da aplicação do capital por comparação com o recebimento regular de uma pensão susceptível de actualização, não assegura a justa reparação constitucionalmente imposta pela alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. O sinistrado, afectado em grau significativo na sua capacidade de ganho, não deve ser privado da possibilidade de optar, consoante a avaliação que faça das vantagens e desvantagens, por continuar a receber uma pensão vitalícia actualizável que lhe foi inicialmente fixada, sendo obrigado a receber um capital, com o inerente risco de aplicação.
Obviamente, que esta ponderação não é afectada pela circunstância de a incapacidade ser igual (e não superior) a 30% porque, como se disse no acórdão que vimos seguindo, “não se poderá desconsiderar a circunstância de a lei ordinária, como deflui das disposições combinadas dos artigos 33.º da Lei nº 100/97 e 56.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 143/99, entender que as incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas são aquelas que se situam numa percentagem inferior a 30%”».
Ainda quanto à obrigatoriedade da remição da pensão, independentemente da vontade do sinistrado, escreveu-se no acórdão do mesmo tribunal n.º 58/2006:
«Na verdade, tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em vista a compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor, compreendese que, se uma tal perda não foi por demais acentuada e, assim, não afecta significativamente a continuação do desempenho da sua actividade laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se de­grada com o passar do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja; porém, quando em causa estiverem acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a capacidade laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à percepção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta riscos. Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondolhe a assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho».
Assim, a jurisprudência do Tribunal Constitucional aponta no sentido de ser inconstitucional, por violação do direito à justa reparação, a consagração legal da obrigatoriedade de remição de pensões de elevado valor ou em que a incapacidade permanente parcial do sinistrado seja acentuada.
No caso, é certo, está em causa uma remição parcial e facultativa de uma pensão: todavia, trata-se de um sinistrado com uma elevadíssima incapacidade (97,14% de IPP, com IPATH), o que o impossibilita de obter rendimentos do trabalho.
Assim, a sua subsistência (e do seu agregado familiar) provirá apenas da pensão fixada nos autos: permitir a remição parcial dessa pensão contra a sua vontade seria algo que comportaria elevados riscos para o mesmo, na medida em que passaria a dispor de capital em relação ao qual não tem projecto de aplicação e, por isso, poderia dissipar mais facilmente e sem rentabilidade, quando o próprio pretende continuar a receber a pensão vitalícia actualizável.
A tudo isto acresce que à data do requerimento o sinistrado tinha 56 anos de idade, o que significa que ainda tinha, e tem, uma significativa esperança média de vida.
Aliás, certamente para salvaguardar, sempre, a vontade do sinistrado, o artigo 75.º da nova lei dos acidentes de trabalho (Lei n.º 98/2009), permite a remição parcial da pensão apenas «a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal», afastando, pois, a possibilidade dessa remição a requerimento da entidade responsável.
Nesta sequência, tendo em conta, essencialmente, a elevada incapacidade do sinistrado e a oposição deste à remição parcial da pensão, entende-se ser de indeferir a requerida remição.
Procedem, por consequência, as conclusões das alegações de recurso, sendo de revogar a decisão recorrida, que se substitui pelo indeferimento da requerida remição parcial da pensão.

3. Vencida no recurso, a seguradora/recorrente deverá suportar as custas respectivas, em ambas as instâncias (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto por BB, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que autorizou a remição parcial da pensão, que se substitui pelo indeferimento de tal remição parcial da pensão.
Custas pela seguradora em ambas as instâncias.
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Évora, 14 de Junho de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva

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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.