Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1485/16.9T8PTG.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: CINEMÓMETRO-RADAR
VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
VELOCIDADE EXCESSIVA
LEI APLICÁVEL
Data do Acordão: 06/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1 - O uso de cinemómetros-radar para detecção de velocidade pelas forças policiais na fiscalização rodoviária não corresponde ao uso de “câmaras de videovigilância” tout court. Aquilo que foi usado foi um cinemómetro, um instrumento de medição associado a uma determinada câmara de captação de imagens. Coisas diversas e com diverso enquadramento legal. Desde logo porquanto só a estes é aplicável o Regulamento de Controlo Metrológico dos Cinemómetros, aprovado pela Portaria nº 1542/2007, de 06-12.
2 - O regime geral da Lei nº 1/2005 não é aplicável ao uso de cinemómetros-radares pelas forças policiais.
3 - Apenas com a entrada em vigor do artigo 23º da Lei nº 39-A/2005, de 29-07 (primeira alteração à Lei nº 1/2005), vem a ser prevista como objecto da previsão legal numa nova alínea, a d), no nº 1 do seu artigo 2º, a “Prevenção e repressão de infracções estradais” e a ser fixado um regime especial na alteração ao artigo 13º da lei, transformando-se esse preceito de disposição transitória na previsão, antecipação e autorização de um regime especial para as infracções estradais.
4 - Esse regime especial veio a ser publicado a 29-11-2005 consistindo no Dec-Lei nº 207/2005 que prevalece sobre o “regime geral previsto na referida” Lei nº 1/2005.
5 - Assim a querela câmaras fixas/câmaras móveis e sinalética tal como prevista na Lei nº 1/2005, só faz sentido para os casos regulados pela Lei nº 1/2005, não para o regime especial do Dec-Lei nº 207/2005.
6 - E é para esse regime geral da Lei nº 1/2005 que existe a Portaria nº 373/2012.
7 - Os Despachos de aprovação das qualidades técnicas pelo IPQ (metrologia legal) e de autorização de uso para fiscalização (controlo legal estradal) fornecem a completa identificação do instrumento utilizado e suas características técnicas, partindo da sua identificação no auto de notícia, se esta for clara e completa. No caso o auto identifica o cinemómetro como de marca Multanova modelo 6F MUVR­6FD n.º 111.20.12.3.09.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:
Por decisão contra-ordenacional, constante de fls. 10 e vº, de 10/04/2015 e proveniente da Autoridade de Segurança Rodoviária, foi aplicada ao arguido BB, (…), residente em Faro, a sanção de inibição de conduzir por 60 dias pela prática de uma contra-ordenação, p.ª e p.ª pelas disposições conjugadas dos artigos 7º, n. 2, al. a), 28.º, n.º 1 e 5, 138 e 145, n.º 1, alínea b), do Código da Estrada, por em 2014-06-04, pelas 11:35 no IP2, …, Portalegre, fora de localidade, conduzindo o veículo Ligeiro de Passageiros, com matrícula … circular à velocidade de 109 km/h, correspondente à velocidade registada de 115 km/h, deduzida a margem de erro legalmente prevista, sendo o limite máximo de velocidade permitido no local de 60 km/h.
A velocidade foi verificada através do cinemómetro marca MULTANOVA, 6F-MUVR-6FD, nº 12-91-847, aprovado pelo IPQ através do despacho de aprovação de modelo nº 111.20.12.3.09 de 31-05-2012, e pela ANSR, através do despacho nº 1863/14 de 2 de Janeiro de 2014. Equipamento submetido a verificação pelo IPQ em 10/10/2013.
Considerou a decisão que o arguido tinha sido já condenado duas vezes, uma por contra-ordenação grave, outra muito grave.
Interposto recurso de impugnação judicial no âmbito do processo de Contra-ordenação n.º …, instaurado pela ANSR contra o arguido, em que o mesmo foi condenado pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos art.s 27º, n.ºs 1 e 2, al. a), 138º e 145º, al. b) todos do Código da Estrada, veio o mesmo alegar que o aparelho utilizado para medir a velocidade não foi aprovado pelo Presidente da ANSR; que a prova da velocidade é nula porque foi incumprido o dever de informação da existência de meio de vigilância electrónica; que não foi assegurado o direito de defesa; não é referida qualquer circunstância que acentue a gravidade da infracção e que não estão descritos na decisão factos que consubstanciem a negligência. Pede a revogação da decisão recorrida.
O tribunal recorrido, por decisão de 13 de Janeiro de 2017, manteve a decisão da entidade administrativa.
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Com ela inconformado o arguido interpôs o presente recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
i. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias.
ii. Nomeadamente o facto de ser considerado que: "a citada lei procede à terceira alteração Lei n. 1/2005, de 10 de Janeiro que regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum. Claramente não é o caso dos autos. O que disciplina a utilização de radares de contro de velocidade fixos é o Decreto-Lei n. 207/2005 de 29 de Novembro. O regime jurídico em causa aplica-se a meios de vigilância electrónica fixos. No caso em apreço o Radar Multanova MUVR-6F-MUVR-6FD é um radar móvel, ou seja, um meio de vigilância portátil. Daí que esteja fora do âmbito de aplicação da citada norma."
iii. O Recorrente discorda, como infra se irá demonstrar, que o radar que foi utilizado se trate de um radar móvel.
iv. Com efeito, de acordo com o art. 40 da lei 9/2012 de 23 de Fevereiro, e portaria 373/2012 de 16 de Novembro, e ainda o artigo 16.0 do Decreto-Lei n.o 207/2005 de 29 de Novembro, os locais de vigilância com recurso a câmaras fixas é obrigatória a afixação em local bem visível sobre a existência e localização das câmaras, a finalidade de captação de imagens, devendo os avisos ser acompanhados de simbologia adequada.
v. Os sinais devem ser colocados de forma ao seu melhor reconhecimento pelos utentes, conforme art. 3 da portaria referida.
vi. Acresce ainda que, de acordo com o próprio despacho da ANSR n. 15919/2011, existem dois equipamentos cinemómetro-radar marca Multanova distintos de controlo e fiscalização de trânsito, o modelo MUVR-6FD para utilização fixa, e o modelo MR-6FD para utilização móvel.
vii. No caso em apreço foi utilizado o cinemómetro-radar marca Multanova modelo MUVR­6FD, o equipamento utilizado no caso em apreço trata-se de um radar para utilização fixa, e não outro qualquer.
viii. Deste modo, nos termos do art. 40 da lei 9/2012 de 23 de Fevereiro, e portaria 373/2012 de 16 de Novembro, e ainda o artigo 16.0 do Decreto-Lei n. 207/2005 de 29 de Novembro, deveria ter sido colocada a respectiva informação sinalética, o que manifestamente não sucedeu.
ix. Pelo exposto, não poderia o Tribunal a quo, ter entendido, como entendeu, que o radar em causa não se tratava de radar fixo, mas sim de um radar móvel, até porque pela sua própria designação, atribuída pela ANSR, facilmente se comprova de um radar fixo.
x. Assim sendo, não tido sido respeitados os requisitos supra enunciados, a prova obtida é nula por ilegal uma vez que não foram cumpridos os requisitos para a sua obtenção, não podendo fazer fé em juízo.
xi. Pelo exposto, foram violados os artigos 4° da lei 9/2012 de 23 de Fevereiro, e portaria 373/2012 de 16 de Novembro, e ainda o artigo 16.° do Decreto-Lei n,o 207/2005 de 29 de Novembro.
Termos em que e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, revogando-se a decisão recorrida, e em consequência, a prova obtida deve ser julgada ilegal, porque obtida em violação dos requisitos legais exigíveis, e o Procedimento contra­ordenacional declarado nulo, com as legais consequências.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, concluindo:
1. Por as questões suscitadas terem sido exaustivamente tratadas na douta sentença recorrida, e concordando-se na íntegra com as mesmas, entende o Ministério Público que a douta sentença não padece de nenhum dos vícios apontados no recurso, pelo que deve ser mantida na íntegra.
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Neste Tribunal, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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B - Fundamentação
B.1 – Ganham relevo nos autos os factos referidos no relatório que precede e o teor da decisão recorrida, como segue:
«Entende o Recorrente que a medição efectuada pelo radar não faz prova em Juízo.
A Lei 18/2007 de 17 de Maio aprovou o REGULAMENTO DE FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL OU DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS, pelo que, evidentemente, não se aplica aos autos.
A título de questão prévia, alega ainda o recorrente a violação do art.º 4.º da Lei n.º 9/2010, de 23 de Fevereiro e Portaria 373/2010 de 16 de Novembro, o que conduziria à nulidade da prova obtida.
A citada lei procede à terceira alteração à Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, que regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum. Claramente não é o caso dos autos. O que disciplina a utilização de radares de controlo de velocidade fixos é o Decreto-Lei n.º 207/2005 de 29 de Novembro. O regime jurídico em causa aplica-se a meios de vigilância electrónica fixos. No caso em apreço, o Radar Multanova MUVR-6 F – MUVR-6FD é um radar móvel, ou seja, um meio de vigilância portátil. Daí que esteja fora do âmbito de aplicação da citada norma.
Do exposto conclui-se que inexiste vício que afecte a prova recolhida, improcedendo a arguição de nulidade.
De seguida, alega o recorrente que na decisão não é referida qualquer circunstância que acentue a gravidade da infracção e bem assim é omissa em factos consubstanciadores da negligência, pelo que foi violado o previsto no art.º 58.º do RGCO, sendo a decisão nula.
Cumpre apreciar.
Não se alcança o sentido da primeira alegação. Na verdade a decisão administrativa considerou, e bem, na sanção acessória a aplicar aquilo que é suporto, ou seja, os antecedentes contra-ordenacionais do recorrente. Não se vê que não tendo considerado o volume de trânsito pudesse por em causa as garantias de defesa do recorrente.
Quanto à falta de factos relativos à negligência, dispõe o art. 58º, n.º 1, al. b) do RGCO que “a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas”.
Ora, a referência efectuada no ponto 6 da decisão é mais do que suficiente para consubstanciar a negligência. As decisões administrativas não são sentenças penais e não estão sujeitas ao rigor destas. Veja-se a título de exemplo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 03-10-2012, disponível em www.dgsi.pt.
Por outro lado, o art.º 181.º, n.º 4 do Código da Estrada permite que, no caso de não ser apresentada defesa, na fase administrativa, a fundamentação da ser decisão, quanto aos factos seja efectuada por remissão para o auto de contra-ordenação, donde se conclui que as exigências formais são bastante menores.
O ora recorrente tomou conhecimento dos factos que preenchem o tipo contra-ordenacional.
Ora, atento o supra exposto há que concluir que a decisão recorrida não violou qualquer alínea do n.º 1 do art. 58º do RGCO, não padecendo de qualquer vício.
No articulado invoca o recorrente uma alegada inconstitucionalidade relativa ao pagamento da multa (que no caso em apreço não fez, efectuando apenas depósito). Contudo, uma vez que tal questão não vem elencada nas conclusões, o Tribunal não conhecerá da mesma, já que são estas que delimitam o objecto do recurso.
Uma vez que o recorrente nada suscita em relação à medida das sanções que lhe foram aplicadas, e tendo os vícios que invocou sido julgados improcedentes, deverá ser mantida a decisão administrativa nos seus precisos termos.
III - Decisão
Em face do exposto, julgo improcedente o presente recurso de contra-ordenação e, em consequência, mantenho, na íntegra, a decisão recorrida.»
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Cumpre apreciar e decidir.
É sabido que nos processos de contra-ordenação, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito. Por outro lado, o objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação.
Inexistindo face à leitura da decisão recorrida qualquer vício de conhecimento oficioso, é questão a abordar a validade/legalidade da prova da velocidade que o recorrente subdivide em dois temas sequentes, a utilização de “radar fixo” e a exigência, por isso, da presença de “informação sinalética” desse radar, nos termos que entende exigidos pela lei nº 1/2005.
Secamente argumentado, impõe-se recordar que se trata de invocação de facto não alegado pelo recorrente em sede de defesa – que não apresentou – na fase administrativa do processo contra-ordenacional pelo que não foi considerado pela entidade administrativa decisora, nem tinha que o ser (porquanto não alegado em impugnação). Nem após, já em sede de impugnação judicial, o recorrente invoca tal facto ou arrola prova da inexistência de sinaléctica.
Cingiu-se, no recurso de impugnação judicial, a pedir “informação à entidade autuante se foi colocada no local a informação a que se refere o art.º 4 da lei 9/2012 de 23/02 e 3 da portaria 373/2012 de 16/11”. Notificado para dizer se se opunha à decisão por despacho declarou não se opor. Não consideramos essa aparente renúncia.
Em alternativa duas hipóteses se colocariam: a legislação ali invocada pelo recorrente é aplicável e nesse caso houve omissão por parte do tribunal recorrido que nada ordenou, o que constitui nulidade; ou a legislação não é aplicável e o requerimento probatório era inútil.
Assim, a análise da legislação aplicável é essencial.
Acresce que se o facto não resulta alegado e provado a natural consequência seria a inutilidade do recurso por inutilidade da argumentação cuja base assenta na consideração de que tal facto resulta provado pela negativa – inexistência da sinaléctica – e a improcedência do recurso. Isto numa abordagem formal do recurso.
Isto não será assim, como as aparências indicariam, porque a alegação do recorrente – nos dois sub temas – dá como certa uma determinada interpretação legal que não temos por adquirida. Preferimos, por isso, uma abordagem substancial que nos permita enfrentar a tese como o ponto de chegada na argumentação que deve sustentar a decisão do recurso e não como ponto de partida. Dito de outra forma, a interpretação legal do recorrente não pode ser a premissa maior, tem que ser a conclusão.
Por isso que a decomposição da questão suscitada implique alguma análise pormenorizada da legislação aplicável na medida em que se impõe afastar ou esclarecer alguns mal entendidos, desde logo os provenientes de uma menos acertada sistematização legal.
Também de terminologia legal pois que parte do dissídio neste processo assenta numa clara indefinição terminológica (radar fixo/móvel, câmaras de video/radar). Não que ela seja imputável ao recorrente mas sim a uma legislação dispersa e com “origem” em diversas entidades e onde é patente a ausência de uniformização.
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B.2 – Da identificação do instrumento de medição e da integração na legislação metrológica.
A razão de inconformidade do recorrente exige que se defina com rigor o aparelho utilizado. Definição não quer significar apenas identificação, mas algo mais, a clarificar infra.
Afirma-se no artigo 2º, nº 2, al. f) do Decreto Regulamentar n.º 28/2012, de 12 de Março, que aprova a orgânica da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que cabe a esta entidade «Uniformizar e coordenar a ação fiscalizadora das demais entidades intervenientes em matéria rodoviária, através da emissão de instruções técnicas e da aprovação dos equipamentos de controlo e fiscalização do trânsito, e exercer as demais competências que a lei, designadamente o Código da Estrada e respetiva legislação complementar, lhe cometam expressamente».
Naturalmente, por exigência da respectiva legislação metrológica, esta entidade só pode aprovar para uso das forças policiais os equipamentos técnicamente aprovados pelo IPQ, Instituto Português da Qualidade, segundo dispõe o artigo 8.º, nº 1, al. b) do Decreto-Lei 291/90, de 20 de Setembro («Compete ao Instituto Português da Qualidade: proceder à aprovação de modelos de instrumentos de medição a que se refere o artigo 2.º e à aprovação e verificação dos meios de medição a que se referem os artigos 6.º e 7.º»)
Esta é matéria de “Controlo Metrológico Legal”, cujo regime não nos interessa analisar no seu todo mas que vem regulada em vários diplomas facilmente identificáveis. [1]
Para além do sabido enquadramento geral do Regime Geral do Controlo Metrológico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 291/90, de 20-09, e da Portaria n.º 962/90, de 9-10, que aprova Regulamento Geral do Controlo Metrológico, no que nos interessa assume bastante relevo o Regulamento de Controlo Metrológico dos Cinemómetros, aprovado pela Portaria nº 1542/2007, de 06-12.
E assume relevo porquanto – e esse é um dos primeiros mal entendidos nos presentes autos - não estamos perante o uso de câmaras de videovigilância tout court. Aquilo que foi usado foi um cinemómetro. Um instrumento de medição associado a uma determinada câmara de captação de imagens. Coisas diversas e com diverso enquadramento legal.
E segundo o artigo 2.º do supra referido Regulamento de Controlo Metrológico dos Cinemómetros, aprovado pela Portaria nº 1542/2007, de 06-12, existem os seguintes tipos de cinemómetros:
1) «Cinemómetros-radar» - cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, o efeito Doppler;
2) «Cinemómetros de sensores estáticos» - cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, a variação do sinal em sensores, instalados dentro ou sobre as bermas das faixas de rodagem;
3) «Cinemómetros-laser a tempo de voo designados por lidares» - cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, os tempos dos impulsos de um feixe laser na reflexão no veículo alvo;
4) «Cinemómetros de perseguição» - cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, a velocidade do veículo perseguidor;
5) «Cinemómetros instalados em aeronave» - cinemómetros que utilizam, como princípio de medição, a fixação e o seguimento do veículo alvo com câmaras de vídeo e receptores georreferenciais;
6) «Cinemómetros-vídeo fixos» - cinemómetros, instalados em posições conhecidas, que utilizam como princípio de medição, a fixação e o seguimento do veículo alvo com câmaras de vídeo.
Portanto – e esse é o segundo mal entendido – os vulgarmente designados “radares” não se definem apenas pela forma de uso (fixo/móvel), também pela forma de medição da velocidade. Aliás, não é também, é essencialmente, pois que o uso fixo ou móvel está dependente, principalmente, da forma de medição.
Os Cinemómetros de perseguição, que utilizam como princípio de medição a velocidade do veículo perseguidor e os Cinemómetros instalados em aeronave, que utilizam como princípio de medição a fixação e o seguimento do veículo alvo, não são - por natureza - radares fixos.
Outros - Cinemómetros de sensores estáticos – serão por natureza fixos.
Outros ainda poderão assumir ambas as características, o que nos parece ser o caso dos autos.
No caso em consideração os requisitos de aprovação das qualidades técnicas pelo IPQ (metrologia legal) e de autorização de uso para fiscalização (controlo legal estradal) acabam por fornecer a completa identificação do instrumento utilizado e suas características técnicas, partindo da sua identificação no auto de notícia, que é clara e completa. O auto identifica o cinemómetro como de marca Multanova modelo 6F MUVR­6FD n.º 111.20.12.3.09 (fls. 6). [2]
Tal modelo foi aprovado pelo Despacho n.º 8334/2012 (DR, 2ª série, nº 119, de 21-06-2012, pag. 21844) como modelo complementar n.º 111.20.12.3.09. As características deste cinemómetro-radar entendem-se como complementares do modelo – naturalmente da mesma marca - n.º 111.20.11.3.23, aprovado pelo Despacho nº 1515/2012 (no Diário da República 2.ª série n.º 23, de 1 de fevereiro de 2012, pag. 3939).
Os despachos identificam dois modelos básicos do instrumento complementar, um o MUVR-6FD, outro o MR-6FD, fixo o primeiro, móvel o segundo.
A descrição sumária do modelo MUVR-6FD consta do próprio despacho: “é um cinemómetro-radar fixo com funcionamento em: tripé, viatura estacionada, cabina no solo, cabina em pórtico ou pontes, cabinas laterais à estrada ou pórticos, segundo as especificações do fabricante”.
Este modelo de cinemómetro-radar fixo apresenta-se em duas versões: “a versão MUVR-6FD (SCI), encontra-se associada à unidade de câmara vídeo digital Smartcamera I e a versão MUVR-6FD (SCIII) está relacionada com a unidade de câmara vídeo digital Smartcamera III” – de ambos os despachos. A unidade dos autos é a primeira, a SCI associada à câmera vídeo digital Smartcamera (fls. 7 dos autos).
Assim, tem o arguido razão quanto à subsunção dos factos ao direito metrológico legal. Trata-se de cinemómetro radar “fixo”.
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B.3 – Da subsunção às normas pertinentes de fiscalização estradal.
A conclusão a que se chegou no primeiro ponto não é suficiente para determinar a sorte do recurso. Para esse desiderato é forçoso proceder a uma interpretação sistemática que determine, com rigor, as normas aplicáveis ao caso sub iudicio. Para o recorrente tais normas são as Leis 1/2005 e 9/2012, artigo 16º do Dec-Lei nº 207/2005 e Portaria nº 373/2012.
Não nos parece que esse seja o acervo de normas aplicáveis ao caso, tal como exposta a pretensão. Há cambiantes sistemáticas que são esquecidas nessa conclusão.
São variadíssimos os diplomas que regem a captação de imagens, seja por forças de segurança, por privados, incluindo empresas. Assim, a Lei nº 1/2005 (que regula a videovigilância pelas forças de segurança em locais públicos de utilização comum), a Lei nº 51/2006 (que regula a utilização de sistemas de vigilância rodoviária pela EP e pelas concessionárias rodoviárias), a Lei nº 33/2007 (que regula a instalação e utilização de sistemas de videovigilância em táxis), a Portaria nº 1164-A/2007 (que aprova o modelo de aviso de videovigilância em táxis), a Lei nº 34/2013 (que regula a utilização de sistemas de videovigilância pelos serviços de segurança privada e autoprotecção) e a Portaria nº 273/2013 que a regula. Entre outras.
De forma mais específica para o caso em análise, o Decreto-Lei 207/2005, de 10-01, regula os meios de vigilância eletrónica rodoviária utilizados pelas forças de segurança.
Temos assim – pela simples apreciação superficial do seu objecto - que dois destes diplomas devem ser analisados, a Lei nº 1/2005, alterada e republicada pela Lei nº 9/2012, de 23-02, e o Decreto-Lei 207/2005, de 10-01.
Quanto à primeira - Lei nº 1/2005 e suas alterações - claramente um regime geral, é necessário recorrer a alguns dos seus dispositivos para determinar com maior precisão o seu objecto.
Assim é importante constatar que o seu artigo 1.º (Objecto e âmbito de aplicação) determina que o diploma «regula a utilização de sistemas de vigilância por câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum, para captação e gravação de imagem e som e seu posterior tratamento».
A previsão do artigo 2.º é essencial para determinar os fins ligados à possibilidade de utilização de videovigilância, no âmbito dessa lei. Apenas para um dos seguintes fins, conforme determinado pelas alíneas do seu nº 1 na sua versão inicial:
a) Protecção de edifícios e instalações públicos e respectivos acessos;
b) Protecção de instalações com interesse para a defesa nacional;
c) Protecção da segurança das pessoas e bens, públicos ou privados, e prevenção da prática de crimes em locais em que exista razoável risco da sua ocorrência.
Estas normas são reveladoras, também, por aquilo que não prevêm, as infracções estradais. No que dizia respeito ao direito estradal este diploma – na sua versão original – apenas continha dois preceitos.
O nº 3 do artigo 2º que permitia, e apenas, às forças de segurança “para efeitos de fiscalização de infracções estradais … aceder a imagens captadas pelas entidades que controlam o tráfego rodoviário, devendo a respectiva captação, para esse efeito, ser objecto da autorização devida”.
Quanto aos seus próprios meios as forças de segurança unicamente viram prevista no artigo 13.º (uma disposição transitória) a consagração de um «prazo de seis meses para proceder à adaptação dos sistemas às disposições da presente lei, contado a partir da data da respectiva entrada em vigor, com submissão à CNPD de toda a informação necessária.»
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Será com a entrada em vigor do artigo 23º da Lei nº 39-A/2005, de 29-07 (Alterações ao Orçamento de Estado para 2005), naquilo que constituiu a primeira alteração à Lei nº 1/2005, que vem a ser prevista como objecto da previsão legal numa nova alínea, a d), no nº 1 do artigo 2º do diploma, como segue:
«Artigo 2.º
[...]
1 - ...
a) ...
b) ...
c) ...
d) Prevenção e repressão de infracções estradais.
2 - ...
3 - ...
E a ser fixado um regime especial na alteração ao artigo 13º da lei acabada de citar, transformando-se esse preceito de disposição transitória na previsão, antecipação e autorização de um regime especial para as infracções estradais, da seguinte forma:
Regime especial
Artigo 13.º
Utilização de sistemas de vigilância rodoviária
1 - Com vista à salvaguarda da segurança das pessoas e bens na circulação rodoviária e à melhoria das condições de prevenção e repressão das infracções estradais é autorizada a instalação e a utilização pelas forças de segurança de sistemas de vigilância electrónica, mediante câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas, para captação de dados em tempo real e respectiva gravação e tratamento, bem como sistemas de localização, instalados ou a instalar pela entidade competente para a gestão das estradas nacionais e pelas concessionárias rodoviárias, nas respectivas vias concessionadas.
2 - Os sistemas de registo, gravação e tratamento de dados referidos no número anterior são autorizados tendo em vista o reforço da eficácia da intervenção legal das forças de segurança e das autoridades judiciárias e a racionalização de meios, sendo apenas utilizáveis em conformidade com os princípios gerais de tratamento de dados pessoais previstos na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, em especial os princípios da adequação e da proporcionalidade e de acordo com as regras previstas no artigo 8.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 9.º e no artigo 11.º, por forma a assegurar:
a) A detecção, em tempo real ou através de registo, de infracções rodoviárias e a aplicação das correspondentes normas sancionatórias;
b) A realização de acções de controlo de tráfego e o accionamento de mecanismos de prevenção e de socorro em matéria de acidentes de trânsito;
c) A localização de viaturas para efeitos de cumprimento de normas legais, designadamente de carácter penal, tais como as referentes a veículos furtados ou à detecção de matrículas falsificadas em circulação;
d) A utilização dos registos vídeo para efeitos de prova em processo penal ou contra-ordenacional, respectivamente nas fases de levantamento de auto, inquérito, instrução e julgamento ou nas fases administrativa e de recurso judicial.»
2 - Fica o Governo autorizado a aprovar, no prazo de 60 dias, ouvida a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), nos termos e dentro dos limites decorrentes do número anterior, legislação que:
a) Regulamente os procedimentos a adoptar na instalação de sistemas de vigilância rodoviária;
b) Tipifique os procedimentos a adoptar para o tratamento da informação recolhida e o eficaz registo de acidentes, infracções ou quaisquer ilícitos;
c) Estabeleça o regime de transição para a utilização dos sistemas existentes e as formas de coordenação das forças de segurança.
Por isso que se possa e deva afirmar que nunca a Lei nº 1/2005 regulou o uso, pelas forças de segurança, de sistemas de vigilância electrónica, mediante câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas. Ao invés, anunciou e preparou um regime especial para tal fim.
Esse regime especial veio a ser publicado a 29-11-2005 consistindo no Dec-Lei nº 207/2005, escassos meses após a publicação da Lei nº 39-A/2005, de 29-07.
Em sede de alterações o artigo 142.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29-12 (Orçamento do Estado para 2007) apenas veio aditar à Lei n.º 1/2005, o artigo 14.º, com o acrescentar da possibilidade de as forças de segurança utilizarem os “sistemas de vigilância electrónica criados, nos termos legais, pelos municípios”.
Em que medida vem a Lei nº 9/2012, de 10-01, alterar este estado de coisas? Em nada pois que não alterou o artigo 13º daquela, mantendo-se o regime especial. Aliás até o reforçou na medida em que a alteração sistemática a que procedeu – o seu artigo 3ª – criou um capítulo - o V - dedicado a regimes especiais nos quais se inclui o artigo 13º (e o aditado 14º).
Desta forma o regime geral da Lei 1/2005 determina que as infracções estradais se regem pelos seus artigos 13º e 14º e exclui essa matéria, estradal, do resto dos seus normativos.
E como se relacionam esse regime geral (Lei nº 1/2005) e esse regime especial (Dec-Lei nº 207/2005)? Neste ponto estamos dispensados de complexas interpretações que confirmem o brocardo lex specialis derogat legi generali. A literalidade do corpo do artigo 1º e nº 3 do artigo 2º do Dec-Lei nº 207/2005 basta, como se evidencia:
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto-lei visa regular o regime especial autorizado pelo artigo 13.º da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, na redacção decorrente da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho,
Artigo 2.º
Utilização de meios
1 – (…)
3 - Nos termos do n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, na redacção dada pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho, o presente regime especial prevalece sobre o regime geral previsto na referida lei.
Assim a querela câmaras fixas/câmaras móveis, sinalética tal como prevista na Lei nº 1/2005, só faz sentido fora dos regimes especiais ali previstos. E é para esse regime geral que existe a Portaria nº 373/2012.
E, consequentemente, não é imputável ao tribunal recorrido a prática de nulidade por omissão na produção de prova tal como requerida pelo recorrente em sede de impugnação judicial.
Resta saber se faz sentido no Dec-Lei nº 207/2005.
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B.4 – Da subsunção dos factos ao regulamento dos meios de vigilância eletrónica rodoviária utilizados pelas forças de segurança.
O Dec-Lei nº 207/2005, o regulamento dos meios de vigilância eletrónica rodoviária utilizados pelas forças de segurança, surge pois como o diploma que complementa os artigos 13º e 14º da Lei nº 1/2005.
Quanto à questão radares fixos/móveis ela é facilmente resolvida pelo artigo 4º no qual os «equipamentos de vigilância electrónica», sem distinção de tipo, são tratados de forma meramente descritiva como usados “em veículos” e “em áreas onde decorram operações”.
Do nº 3 do citado preceito resulta, também sem distinções, que os “dados obtidos através dos equipamentos de vigilância, em tempo real ou em diferido, podem ser usados, a partir dos respectivos registos, para efeitos de prova em processo penal ou contra-ordenacional, respectivamente nas fases de levantamento de auto, inquérito, instrução e julgamento ou nas fases administrativa e de recurso judicial”.
A única consequência resultante da muito pouco clara terminologia legislativa nesta área da recolha de imagem reside na previsão do artigo 5º do diploma com o dever de comunicação à CNPD, as “fixas” previstas no nº 1, as “móveis” no nº 2.
Como em lado algum o diploma define o que sejam câmaras fixas e móveis, devemos supor que a referência só faz sentido por referência à previsão das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 4º: «a) Em veículos; b) Em áreas onde decorram as operações previstas no número seguinte».
Assim, sem relevantes distinções de regime, sem exigências acrescidas e remetendo-se a necessidade de comunicação à CNPD a um mero dever administrativo.
O mesmo se diga quanto à informação dos locais onde tais instrumentos fixos venham a ser colocados, limitando-se o nº 1 do artigo 16º do Dec-Lei nº 207/2005 a afirmar que a “transparência” se limita à «informação, apenas, da sua existência». Corresponde ao usual placard de informação de fundo branco “velocidade controlada”.
Mas tal “informação” ou sua ausência, sendo um dever de transparência que a norma faz recair sobre a administração pública com responsabilidade na sinalização estradal, que não sobre as forças de segurança, não tem uma específica sanção. A insatisfação do recorrente centra-se numa potencial mas não provada omissão das entidades administrativas com competência para a sinalização das estradas nacionais quanto ao seu dever de transparência, que não a uma omissão da força policial autuante.
Trata-se de norma com uma clara previsão informativa mas sem estatuição sancionadora. Seguramente que se não trata de consagração de um direito à impunidade por falta de pré-aviso.
O recorrente centra a sua argumentação na invocação de ilicitude na obtenção da prova mas é certo que a prova foi adquirida sem que tivesse ocorrido qualquer ilicititude no processo da sua produção ou obtenção.
Apesar de se tratar de prova alcançada através de imagem (e medição) esta obtenção da identificação do veículo por imagem não viola qualquer direito do recorrente e é prevista e permitida por lei. Sequer as normas legais que prevêm e protegem a imagem e privacidade do cidadão se mostram beliscadas. O mesmo se diga quanto às normas sobre protecção de dados.
Certo é que não constituindo tal facto elemento do tipo contra-ordenacional ou condição de punibilidade, arguir com a sua falta revela-se inútil.
Razões que escoram a improcedência do recurso.
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C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em declarar improcedente o recurso interposto.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) Ucs.
Notifique.

Évora, 06 de Junho de 2017 (Processado e revisto pelo relator)
João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso

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[1] - Regime geral do Controlo Metrológico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 291/90, de 20-09, Portaria n.º 962/90, de 9-10, que aprova Regulamento Geral do Controlo Metrológico, as portarias de cada instrumento de medição e o Decreto-Lei n.º 71/2012, de 21-03, que aprova a orgânica do Instituto Português da Qualidade, I. P., entre outras.
[2] - Recordemos que os factos ocorreram em 06-06-2014, pelo que todos os despachos a considerar têm que ser anteriores a essa data.