Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1091/14.2YLPRT-A.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: DESPEJO ADMINISTRATIVO
OPOSIÇÃO
CAUÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em incidente de oposição ao despejo por falta do pagamento de rendas, a concessão do apoio judiciário ao arrendatário apenas o isenta do pagamento da taxa de justiça devida e não também do depósito da caução no valor das rendas em atraso, pelo que se o não fizer, a oposição tem-se por não deduzida. Sumário do Relator
Decisão Texto Integral:
RECURSO Nº. 1.091/14.2YLPRT-A.E1


Acordam os juízes nesta Relação:


A Ré/apelante (…), com residência na Rua (…), n.º 45, 4.º-Esq., em (…), vem interpor recurso do douto despacho que foi proferido a 28 de Maio de 2014 (agora a fls. 79 a 81 dos autos), na presente acção especial de despejo, que lhe instaurou no 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de (…), a Autora/apelada (…), residente na Avenida 5 de Outubro, n.º 2, 3.º-Direito, em (…), e que considerou inadmissível a oposição apresentada pela Ré, por não ter depositado as rendas em dívida – com o fundamento aí aduzido de que “se depreende que a ratio legis subjacente foi a de impedir a dedução de oposições infundadas, razão pela qual será curial concluir que a atribuição do benefício de apoio judiciário em nada contende quer com o dever do pagamento das rendas, que a todos obriga, e sendo pois incompreensível que a lei estabelecesse diferenças injustificadas quer com a intenção legislativa de obviar à dedução de oposições infundadas” –, intentando a sua revogação e alegando, para tanto e em síntese, que aquela interpretação do preceito é feita contra legem, pois que “a norma a aplicar, isto é, o artigo 15.º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, estabelece expressamente a isenção deste depósito nos casos de apoio judiciário”. Realmente, “parece-nos ilógico que a lei obrigasse ao depósito prévio das rendas em atraso, em casos de apoio judiciário”, aduz. São, pois, termos em que deverá julgar-se procedente o recurso e, assim, vir a ser “julgada admissível a Oposição apresentada”.
Não foram deduzidas quaisquer contra-alegações.
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Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:

1) A Autora é proprietária da Fracção J, correspondente ao 4º andar, Esq., do prédio urbano sito na Rua (…), n.º 45, freguesia da (…), concelho de (…), inscrito na matriz predial sob o artigo (…) (vide a matéria de facto que consta da douta sentença entretanto proferida na acção, a fls. 82 a 89 dos autos).
2) A Autora, na qualidade de senhoria, celebrou, em 01 de Fevereiro de 2012, e pelo período de 5 (cinco) anos, contrato de arrendamento, sobre a dita fracção, com a Ré, esta na qualidade de arrendatária, contra o pagamento duma renda mensal de € 300,00 (trezentos euros) – (idem).
3) Através de notificação judicial avulsa, conhecida pela Ré no dia 04 de Outubro de 2013, a Autora resolveu esse contrato de arrendamento, alegando a falta de pagamento de rendas desde a data de Agosto de 2012 (idem).
4) Por carta datada de 06 de Março de 2014, e recebida pela Ré em 11 de Março de 2014, a Autora informou a mesma de que se encontrava em atraso o pagamento de rendas, num valor total de € 6.000,00 (seis mil euros), pedindo, assim, o seu pagamento (idem).
5) Em 30 de Abril de 2014, a Ré estava grávida de vinte e oito semanas, sendo tal gravidez de risco (idem).
6) A Ré é beneficiária do rendimento social de inserção, no valor mensal de € 320,67 (trezentos e vinte euros e sessenta e sete cêntimos) – (idem).
7) A senhoria intentou procedimento especial de despejo – que foi depois transmutado em acção de despejo – contra a inquilina, pedindo a desocupação do locado, por falta de pagamento de rendas, e ainda o seu pagamento (idem).
8) Devidamente citada, a Ré apresentou contestação, requerendo também o diferimento de desocupação do imóvel (idem).
9) Pelo que, face a uma tal oposição da Ré, foram os autos remetidos à distribuição (idem).
10) Em 28 de Maio de 2014 foi proferido o douto despacho recorrido – a fls. 79 a 81 dos autos, e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido –, no qual se determinou como não escrita a oposição da Ré, admitindo-se no entanto o requerimento para o diferimento de desocupação do locado (idem).
11) E, regularmente notificada, a Autora não veio a contestar o pedido de diferimento formulado pela Ré (idem).
12) À Ré foi concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono (vide fls. 49 a 53 dos autos).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se foi bem julgada pelo Tribunal a quo a problemática da exigência da prestação da caução pelo arrendatário (correspondente ao valor das rendas em atraso) aquando da dedução da sua oposição ao pedido de despejo do senhorio, com fundamento na falta de pagamento de rendas, quando o inquilino beneficie do apoio judiciário. É só isso que hic et nunc está em causa, como se extrai do conteúdo das conclusões alinhadas no recurso apresentado.
Mas vejamos porque não assiste razão à Apelante/inquilina.

Nos termos previstos no artigo 15.º-F, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro – aditado pelo artigo 5.º da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto (diploma que instituiu o Balcão Nacional do Arrendamento e o procedimento especial de despejo) –, o requerido que deduza oposição nesse procedimento tem que juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e proceder ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, sob pena de, não o fazendo, se ter a oposição por não deduzida (vide o seu nº 4).
Tal artigo vem excepcionar desse regime os casos de apoio judiciário.
Porém, ao contrário do entendimento defendido pela recorrente/inquilina, e no seguimento da decisão da 1ª instância, o apoio judiciário apenas se refere e evita o pagamento – pela sua própria natureza – da taxa de justiça, e nunca da caução do valor das rendas atrasadas. De resto, como parece óbvio, pois o apoio judiciário não isenta ninguém de dívidas ou encargos de que o seu beneficiário seja titular, mas apenas daqueles para que foi expressamente previsto na lei. É que, doutra forma, o beneficiário do apoio judiciário nunca mais pagava nada nos processos, nem taxa de justiça, nem honorários ao seu defensor, nem multas processuais, nem cauções, nem dívidas exequendas – não sendo assim, como é sobejamente sabido.

O artigo em apreço tem de interpretar-se dentro do espírito do sistema, e para preservar precisamente a sua unidade, nos termos do artigo 9.º do Código Civil (o apoio judiciário não foi criado, de maneira alguma, para isentar os seus beneficiários doutras dívidas que não as relativas aos processos).
[Note-se que o legislador, mesmo para precaver casos de parcos recursos dos inquilinos, ou de dívidas de rendas já de alto valor, a fim de não inviabilizar a sua oposição, e manter o seu direito constitucional de defesa, fixou um tecto para o depósito da caução “até ao valor máximo correspondente a seis rendas” (citado artigo 15.º-F, n.º 3), o que mostra que as suas preocupações para com os inquilinos mais pobres não passam, nem podiam passar, pelo apoio judiciário, mas pelos outros meios estabelecidos e ao dispor.]

É ainda sintomático que o n.º 5 desse referido artigo 15.º-F se reporte às consequências do indeferimento do pedido de apoio judiciário – oposição tida também por não deduzida se o oponente não pagar a taxa de justiça nos cinco dias seguintes à notificação da decisão definitiva desse indeferimento. Reporta-se apenas à taxa de justiça e não também à caução das rendas, que, na tese da Apelante, teria então que ser ainda depositada nesse prazo depois de indeferido o apoio judiciário (mas como o apoio judiciário nunca se pode referir à caução, tal nº 5 a ela naturalmente se não reporta, mas apenas à taxa de justiça em falta).

E foi assim que a Portaria a que se reporta o mesmo preceito (Portaria n.º 9/2013, de 10 de Janeiro) veio estabelecer que o documento comprovativo do pagamento de tal caução do valor das rendas em atraso “deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário” (sic – sublinhado nosso), assim se clarificando toda a situação (vide o seu artigo 10.º, n.os 1 e 2).
E não que uma Portaria venha derrogar um regime estabelecido numa Lei da República. Aquela Portaria veio precisamente operacionalizar – tornando-o prático para os seus destinatários – um regime que já constava daquela Lei que se destinava a regulamentar. Nem doutro modo as coisas se poderiam passar.

Pelo que, nesse enquadramento fáctico e jurídico, tem a presente apelação que improceder in totum, em consequência do que se mantém, intacta na ordem jurídica, a douta decisão da 1ª instância, objecto desta impugnação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.

Évora, 25 de Setembro de 2014

Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Maria Rosa Barroso