Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
43/12.1GBETZ.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: AUTO DE NOTÍCIA
NULIDADE DA ACUSAÇÃO
INVALIDADE DA PROVA
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
Existindo discrepância entre a data de verificação do alcoolímetro exarada no auto de notícia e aquela que consta do talão do resultado emitido pelo próprio aparelho, e que corresponde também à mencionada no certificado de verificação emitido pelo I.P.Q., deve atender-se à data constante do referido talão que constitui também prova privilegiada e “autêntica”, afastando, no caso e nesta parte, a força probatória do auto.
Decisão Texto Integral:
Acordam na secção criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Processo sumário n.º 43/12.1GBETZ do Tribunal Judicial de Estremoz foi proferida sentença em que se decidiu:

- Condenar o arguido NC, como autor material de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, previsto e punido no artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante de € 360,00 (trezentos e sessenta euros);

- Condenar o arguido na proibição de conduzir veículos automóveis com motor pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias, nos termos do disposto no artigo 69.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, devendo o arguido entregar a sua carta de condução neste tribunal ou em qualquer posto policial no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de não o fazendo, ser determinada a apreensão daquela carta e incorrer na prática de um crime de desobediência (artigo 500.º n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do Código de Processo Penal.

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo da forma seguinte:

“1. A douta acusação dá por reproduzida e na íntegra a factualidade descrita no auto de notícia;

2. tendo sido requerida a sua leitura, nos termos do n.º 2 do Art.º 389º do CPP;

3.O auto de notícia tem assim, o valor de acusação;

4. Nos termos do n.º 3 do Art.º 283º do CPP, a acusação contém sob pena de nulidade um conjunto de elementos indispensáveis ao exercício de defesa do arguido;

5. A acusação deve conter, toda e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção, como prescreve a parte final da alínea b) do Art.º 283º n.º 3 do CPP;

6. Bem como a indicação das disposições legais aplicáveis, nos termos previstos na alínea c) do nº 3 do citado Art.º 283º do CPP;

7. Estes requisitos, visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa;

8. Só com pleno conhecimento das normas legais, em que se enquadram os factos que lhe são imputados, o arguido pode exercer plenamente os seus direitos de defesa;

9. O direito de defesa em processo criminal tem garantia constitucional, plasmada no Art.º 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP);

10. Entendimento diverso sempre violaria a garantia de defesa do arguido, consagrada constitucionalmente, no citado Art.º 32º da CRP;

11. O auto de notícia, não contém todos os elementos de facto e de direito necessários para que o arguido conheça a totalidade dos aspectos relevantes da acusação;

12. O que constitui, nulidade da acusação cuja arguição se deixa alegada;

13. O arguido no dia e hora em que ocorreram os factos, não conduziu a viatura no IP2;

14. O recorrente conduziu o seu veículo automóvel, numa estrada municipal, de terra batida, contígua ao IP2;

15. Local onde foi interceptado pela GNR;

16. O n.º 1 do Art.º 158º do Código da Estrada (CE) prevê que sejam fixados em Regulamento o tipo de material a utilizar na determinação da presença do álcool no ar expirado;

17. O alcoolímetro quantitativo, chamado aparelho de ar expirado para determinação quantitativa da taxa do álcool e do sangue é, entre outros, o Drager modelo Alcoteste 7110 MK III P a que se referem os autos;

18. Compete à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) aprovar os aparelhos ou instrumentos utilizados na fiscalização do trânsito;

19. O teste quantitativo é a prova nobre do tipo de crime de que o arguido foi acusado de ter praticado e a única válida para efeitos de condenação;

20. Só podem ser utilizados nos testes quantitativos de álcool expirado no ar analisadores que obedeçam às características fixadas em portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna, da Justiça e da Saúde e aprovados por despacho da ANSR;

21. No entanto a referida aprovação é precedida de aprovação da marca e modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ), nos termos fixados pelo Regulamento do Controlo Metrológico (RCM) dos Alcoolímetros;

22. É a Portaria n.º 902-B/2007, de 13.08 que fixa os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos;

23. Os analisadores quantitativos são instrumentos de medição de concentração de álcool por análise alveolar expirado;

24. Nos termos do despacho nº 001/DGV/ALC./98 de 6 de Agosto, de entre os alcoolímetros cuja utilização foi autorizada, consta, efectivamente, a marca Drager, mod. Alcotest 7110 MK III., cujo modelo de aprovação pelo IPQ foi publicado no D.R. III Série, nº 223 de 25/09/1996 e no D.R. III Série, nº 54 de 05/03/1998, posteriormente renovado pelo Despacho n.º 11037/07 de 24 de Abril;

25. O despacho de aprovação do IPQ, supra citado, obriga à verificação de determinados requisitos de utilização do referido aparelho;

26. Entre outras, destacam-se as seguintes características metrológicas (DR nº 223/96, III Série de 25/9, pág, 16896):

• Cada alcoolímetro deve conter, de forma legível e indelével as indicações seguintes: marca, modelo, fabricante, unidade de leitura, factor de conversão (TAE/TAS), temperatura de utilização e símbolo de aprovação de modelo;

• Os alcoolímetros devem conter zonas de selagem, de forma a serem apostos os símbolos de controlo metrológico em local visível e acessível;

27. O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros publicado em anexo à Portaria nº 1556/2007 de 10.02, diploma cuja indicação não consta do auto de notícia e que é fundamental para a apreciação da infracção de que o arguido foi acusado estipula, no seu Art.º 5, que o controlo metrológico dos alcoolímetros compreende as seguintes operações:

• Aprovação de modelo;
• Primeira verificação;
• Verificação periódica e
• Verificação extraordinária;

28. O n.º 2 do Art.º 5º do referido Regulamento determina que a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo;
29. Do auto de notícia consta expressamente, que o concreto aparelho de medição utilizado nos autos, foi verificado em 15.05.2009;

30. Os resultados dos testes efectuados pelo alcoolímetro marca Drager, mod. Alcotest 7110 MK III., cujo modelo de aprovação pelo IPQ foi publicado no D.R. III Série, nº 223 de 25/09/1996 e no D.R. III Série, n.º 54 de 05/03/1998 só podem ser validados se a verificação periódica tivesse ocorrido dentro do prazo de um ano, o que manifestamente não sucedeu;

31. O recorrente não desconhece que consta também dos autos, a fls. 12, uma cópia de um certificado de verificação, que menciona a data de verificação periódica efectuada em 24.04.2012;

32. O que faz fé em juízo, é o auto de notícia emitido pela autoridade policial;

33. O referido certificado junto a fls. 12 dos autos, é uma cópia de um documento sem força capaz de contrariar a fé pública, que por via, do n.º 4 do art.º 170º do CE está investido o auto de notícia;”

Pelo que termina peticionando que seja concedido provimento ao recurso, “declarando-se a nulidade da acusação, revogando a sentença e substituindo-a por outra que determine a absolvição do arguido.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência e concluindo por seu turno.

1. A acusação deduzida nos autos deu por reproduzida a factualidade descrita no auto de notícia de fls. 3, tendo-se requerido a sua leitura, ao abrigo do disposto no artigo 389.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

2. Conforme decorre da acta da audiência de julgamento, “após a leitura do auto de notícia, que substitui a acusação (…), o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe são imputados, tendo a sua confissão sido gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal” – cfr. fls. 25 dos autos.

3. Foram devidamente comunicados ao arguido os factos que lhe eram imputados, bem como o circunstancialismo de tempo, modo e lugar em que tais factos ocorreram e que constavam do auto de notícia, tendo o arguido declarado que pretendia confessar, de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe eram imputados, jamais tendo posto em causa quer o local quer os demais elementos indicados no auto de notícia, tendo-se conformado com o mesmo.

4. Pelo contrário, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados, sendo a acusação procedente por pão procedente por provada.

5. Como facilmente se constata através de uma leitura do texto da sentença recorrida, bem como da audição da gravação da audiência de julgamento, inexiste qualquer vício.

6. O Recorrente pugna, ainda, pela sua absolvição, uma vez que o aparelho utilizado para efectuar o teste de pesquisa de álcool não foi objecto de verificação há menos de um ano antes da ocorrência dos factos, tendo, ao invés, tido a sua última verificação em 15.05.2009, data indicada no auto de notícia.

7. Não obstante, o Recorrente diz não desconhecer que a fls. 12 dos autos consta uma cópia de um certificado de verificação, que menciona a data de verificação periódica efectuada em 24.04.2012, mas que como tal informação não consta do auto de notícia não pode fazer fé em juízo.

8. As regras gerais do regime de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição constam do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, sendo que a Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro, contém a respectiva regulamentação. Por outro lado, para cada instrumento de medição existe um outro diploma específico de regulamentação que, no caso dos alcoolímetros, corresponde à Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro (que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros).

9. Estatui o artigo 4.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro que a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário. Por outro lado, prevê o artigo 7.º, n.º 2 da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro que a verificação dos alcoolímetros deve ser realizada de forma anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo.

10. Entre estas duas normas, salvo o devido respeito, não existe divergência, porquanto quando se diz que a verificação dos alcoolímetros é anual diz-se exactamente isso: uma vez por ano, não se aditando que entre uma verificação e outra deve decorrer um período completo correspondente a um ano de intervalo. Com efeito, a palavra anual reporta-se àquilo que ocorre uma vez por ano, sem especificação de espaçamento certo ou determinado entre o evento inicial e o subsequente (neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Dezembro de 2011, processo n.º 63/10.0GASBR.P1, relator: Ricardo Costa e Silva, www.dgsi.pt).

11. Mesmo adoptando-se posição contrária – exigindo-se que a verificação tenha lugar antes de decorrido um ano sobre o último controlo efectuado – refira-se que o talão de alcoolímetro recolhido apesar de perder o valor de prova pericial não poderá deixar de ser sujeito à livre apreciação do julgador, em sede de prova documental.

12. A verificação periódica dos alcoolímetros destina-se a diminuir a possibilidade de qualquer descalibragem e, por isso, de erros de medição, pelo que atendendo às margens de erro previstas na lei, tudo indica que o mesmo será de poucas décimas e, portanto, incapaz de transformar em inferior ao limite legal uma condução com uma taxa medida de 1,61 g/l como sucede no caso concreto.

13. Conclui-se, portanto, que no que concerne ao período que deve mediar entre as provas de aferição de qualidade dos alcoolímetros a lei apenas exige que o controlo seja efectuado no decurso de cada ano civil, independentemente de data.

14. Pese embora no auto de notícia seja indicada a data de 15.05.2009 como data de verificação do alcoolímetro Drager, modelo 7110 MKIII P, com o n.º de série ARAN 0039, o certo é que do talão emitido pelo referido aparelho, bem como da cópia do certificado de verificação, resulta que o alcoolímetro Drager utilizado nos presentes autos foi objecto de verificação, pela última vez, em 24.04.2012 (cfr. fls. 12 e 13).

15.Contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, não se verifica qualquer impedimento a que a prova documental questionada seja valorada como meio de prova.

16. Com efeito, tais documentos constam do processo desde momento anterior à audiência de julgamento, tendo o Recorrente tido acesso aos mesmos, pelo que poderia ter exercido o contraditório sobre os mesmos, antes ou no decurso da audiência de julgamento, só não o tendo feito porque não quis.

17. Pelo que se conclui que o meio de prova em causa foi validamente produzido e não só podia, como devia, fundamentar a convicção do Tribunal.

18. Assim, atendendo à prova produzida, não podia o Tribunal ter decidido de forma diversa.

19. A sentença recorrida fez uma correcta valoração da prova produzida e aplicação da lei, pelo que deve a mesma ser mantida e o recurso interposto ser julgado improcedente.”

Neste Tribunal, o Sr. Procuradora-geral Adjunto emitiu parecer também no sentido da improcedência.
Foram apostos os vistos e teve lugar a conferência.

2. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes:

- Nulidade da acusação

- Invalidade da prova obtida por via do alcoolímetro

Da nulidade da acusação

Situa o recorrente esta nulidade na circunstância da acusação incumprir os requisitos de forma e de conteúdo, ínsitos no art. 283º, nº2 do Código de Processo Penal, ou seja, no caso, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis (als. b) e c)).

Mas, depois, não concretiza quais os factos omissos ou quais as disposições legais em falta.

Da estrutura acusatória do processo decorre que impende sobre o acusador a exposição total do facto que imputa ao arguido. De acordo com o modelo acusatório, estruturante do processo penal português, é ao acusador, e só a ele, que cabe a iniciativa da definição do objecto de uma acusação e, por via dela, a delimitação do tema do próprio processo e dos poderes de cognição do tribunal.

Os autos seguiram a forma de processo sumário.

O Ministério Público na sua “acusação” de fls. 20 deu como reproduzida a factualidade descrita no auto de notícia, aditou os factos integrantes do tipo subjectivo de ilícito e nomeou o tipo de crime imputado.

A substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedera à detenção do arguido encontra-se ainda documentada na acta (art. 389º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal).

E, como bem nota este magistrado na sua resposta ao recurso, “conforme decorre da acta da audiência de julgamento, «após a leitura do auto de notícia, que substitui a acusação (…), o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe são imputados, tendo a sua confissão sido gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal». Foram devidamente comunicados ao arguido os factos que lhe eram imputados, bem como o circunstancialismo de tempo, modo e lugar em que tais factos ocorreram e que constavam do auto de notícia, tendo o arguido declarado que pretendia confessar, de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe eram imputados, jamais tendo posto em causa quer o local quer os demais elementos indicados no auto de notícia, tendo-se conformado com o mesmo”.

O auto de notícia contém a descrição dos factos integrantes do tipo de crime imputado, sendo que o recorrente não esclarece, repita-se, onde funda e em que consiste a omissão.

Limita-se, no fundo, a afirmar que não há acusação bastante, esquecendo a disciplina legal – especial – do processo sumário.

Foram asseguradas as garantias de defesa do arguido pelo que inexiste violação do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.

Da (in)validade da prova obtida através do alcoolímetro.

Alega o recorrente que do auto de notícia consta que o aparelho de medição utilizado foi verificado em 15.05.2009, que os resultados dos testes efectuados pelo alcoolímetro (marca Drager, mod. Alcotest 7110 MK III., cujo modelo de aprovação pelo IPQ foi publicado no D.R. III Série, nº 223 de 25/09/1996 e no D.R. III Série, n.º 54 de 05/03/1998) só podem ser validados se a verificação periódica tiver ocorrido dentro do prazo de um ano, o que não terá sucedido.

É o próprio, no entanto, a reconhecer “não desconhecer que consta também dos autos, a fls. 12, uma cópia de um certificado de verificação, que menciona a data de verificação periódica efectuada em 24.04.2012”, mas para concluir que “o que faz fé em juízo, é o auto de notícia emitido pela autoridade policial”.

Nos termos do art. 153º, nº 1 do Código da Estrada, “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.

De acordo com os nºs 3 e 4 do art. 170º do Código da Estrada, os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos, aprovados nos termos legais e regulamentares, fazem fé sobre os factos até prova em contrário.

A prova do facto “taxa de álcool no sangue”, integrante do tipo objectivo do crime (e, reflexamente, do tipo subjectivo), depende da “legalidade” do instrumento medidor da alcoolemia, e, logo, da sua regular verificação periódica.

O artigo 170º do Código da Estrada, que trata do auto de notícia e de denúncia, preceitua no nº3 que “o auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário”, acrescentando o nº 4 que “o disposto no numero anterior se aplica aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares”.

Esta força probatória privilegiada – até prova em contrário – assenta na prévia certificação do aparelho medidor e nas posteriores verificações, condições formais de garantia das medições efectuadas, sem as quais não será viável aderir ao resultado ou ao valor medido.

Ou seja, todo este processo legal – de aprovação do modelo de alcoolímetro e das posteriores verificações – atesta os requisitos de desempenho do instrumento medidor e certifica que o controlo metrológico se processará em termos rigorosos, fiáveis e seguros, segurança mantida com as verificações periódicas, repete-se.

Daí que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só possam ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação, cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (art. 14º nº1 da Lei 18/2007).

No caso, a taxa de alcoolemia no sangue do Arguido foi apurada através do alcoolímetro Drager, Modelo 7110 MKIIIP, nº de série ARAN-0039, modelo aprovado nos termos regulamentares e com data de verificação de 27.05.2012

Esta data de verificação é a que resulta do talão de resultado que acompanha o auto (fls.12), emitido pelo próprio aparelho medidor, e da cópia do certificado de verificação emitido pelo I.P.Q. junta a fls. 13.

A data plasmada no auto de notícia não coincide, é certo, com esta. Mas foi a esta – e não àquela – que o tribunal atendeu, pois ela resulta do documento de leitura exarado pelo próprio instrumento medidor, bem como do certificado de verificação emitido pelo I.P.Q..

Sendo o auto de notícia um documento elaborado por agente autuante, só pode a discrepância da data dele constante ter ficado a dever-se a lapso de escrita da pessoa do subscritor.

O auto de notícia faz fé em juízo até prova em contrário. E a data constante do talão emitido pelo próprio aparelho é também prova privilegiada e “autêntica”, afastando, no caso, a força probatória do auto, nesta parte.

Nenhuma dúvida persiste, pois, no que toca às condições legais e fidedignas do aparelho medidor da taxa de alcoolemia do recorrente. Aliás, a discrepância de datas de verificação só poderia relevar juridicamente se ela fosse indiciante de eventual troca de talões de leitura, e assim fragilizasse a prova da concreta taxa de alcoolemia do arguido.

Mas tal não aconteceu. Nem esta é, sequer, a tese defendida pelo recorrente, assente na mera pretensão de desacreditação do alcoolímetro e do auto de notícia, com uma clara aspiração de defesa da preponderância da forma sobre a substância. Assim pretendendo a inversão do sentido, que é o nosso, de que, em matéria de direitos – de reconhecimento e protecção de direitos –, a forma serve a substância.

Uma referência final à alegação de que o recorrente não conduziu a sua viatura no IP2, mas sim numa estrada municipal, de terra batida, contígua ao IP2.

O recorrente atém-se à mera afirmação sem dela retirar qualquer consequência. Esquecendo que uma intervenção processual por via do recurso visa sempre a alteração da decisão de que se recorre e não a mera rectificação da fundamentação dessa decisão. O Código de Processo Penal “assume claramente os recursos como remédios jurídicos” e, “como remédios jurídicos, os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de uma “melhor justiça”, ou seja, como meio de “refinamento jurisprudencial” (Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Cej, 1988, pp. 386/7).

Para além de que não foi interposto recurso da matéria de facto.

Impõe o art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas. Essa especificação faz-se por referência ao consignado na acta devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (nº4) mas bastando “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que não transcritas, na ausência de consignação nas acta do início e termo das declarações” (Acórdão de fixação de jurisprudência nº 3/2012 de 08.03).

O incumprimento destas formalidades, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, obsta ao conhecimento do recurso da matéria de facto, o que ocorreria sempre no caso, uma vez que o recurso é totalmente omisso nessa parte.

Consigna-se, por último, que, tendo o tribunal de julgamento constatado, após audição do arguido, que as declarações deste eram confessórias, auscultou-o quanto à liberdade e integralidade desta confissão e ouviu também o seu defensor, o qual disse nada ter a opor (à consignação da confissão com todos os seus legais efeitos e consequências) ou a requerer.

A matéria de facto encontra-se definitivamente fixada e também não ocorre nenhuma das invalidades suscitadas.

3. Face ao exposto, decide-se:

Julgar improcedente o recurso confirmando-se a sentença recorrida.

Condena-se o recorrente em 4 UCC.

Évora, 16.10.2012

(Ana Maria Barata de Brito)

(Carlos Jorge Berguete Coelho)