Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
435/09.3TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ESTADO
CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE
EFEITOS
CESSAÇÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
DIREITOS DO TRABALHADOR
Data do Acordão: 12/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 427/89, DE 7/12, ARTºS 7º E 8º DA LEI Nº 23/2004, DE 22/06; 116º, Nº 1, 436º, 437º E 439º DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003.
Sumário: I – Um contrato de trabalho nulo, celebrado com o Estado, cessado por declaração unilateral deste em 2007, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, e aos factos extintivos, a ele respeitantes, ocorridos antes da declaração de nulidade, aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato constantes do Código do Trabalho de 2003.

II – Se o contrato nulo cessar por declaração que configure um despedimento ilícito, são-lhe aplicáveis as normas sobre esta forma de cessação, tendo o trabalhador direito a indemnização substitutiva da reintegração, às retribuições intercalares e a indemnização por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor instaurou contra o réu a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum pedindo que: a) se declare a existência de uma relação laboral entre ele e a ré; b) se decida que a resolução do contrato operada pela ré configura uma situação de despedimento ilícito; c) se condene a ré a pagar ao autor a quantia já liquidada de € 27.629,55 a título de indemnização por antiguidade, bem como a que se liquidar em execução de sentença, até ao trânsito em julgado da mesma; d) se condene a ré ao pagamento da quantia de € 1.023,39 a título de retribuições vencidas desde a data de 30 dias antes da entrada da presente petição, continuando o seu vencimento até trânsito em julgado da sentença; e) se condene a ré a pagar-lhe a quantia de € 14.668,60 a título de subsídios de férias e de Natal e de € 850,14 referente as férias proporcionais ao tempo de vigência do contrato no ano da cessação do mesmo; f) se condene a ré ao pagamento da quantia de € 6.601,76 a título de horas extra de trabalho realizado pelo autor nos anos de 2001 a 2005; g) se condene a ré no pagamento da quantia de € 597,56 a título de ajudas de custo pelas deslocações efectuadas pelo autor, nos anos de 2003 a 2007; h) se condene a ré no pagamento da quantia de € 5.590,11 a título de subsídio de alimentação devido ao autor no período compreendido entre 28 de Outubro de 2002 e 27 de Novembro de 2008; i) se condene a ré no pagamento da quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais causados ao autor; j) se condene a ré no pagamento dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento sobre cada uma das quantias peticionadas.

Alegou, em resumo, factos para demonstrar ser trabalhador subordinado da ré desde Dezembro de 1996 (ainda que formalmente sobre a figuração de contrato de prestação de serviços, contrato a termo certo e de avença) e ter sido despedido em 27 de Outubro de 2008, o que lhe causou a alteração profunda da sua vida e frustrou as expectativas que tinha de prosseguir a sua carreira ao serviço da ré, assistindo-lhe o direito aos créditos que peticionou.

A ré contestou a acção alegando, em resumo, que: o autor, entre Dezembro de 1996 e Agosto de 1999, esteve a desempenhar tarefas nos laboratórios da Faculdade B.... por ordem e contra o pagamento do Instituto C.... e não da própria ré; os contratos celebrados em 27 de Maio de 2002 e 28 de Outubro de 2002 são contratos de prestação de serviços, exercendo o autor actividade com autonomia, sendo que no período da respectiva vigência o autor prestou serviços para outras entidades; que, caso se considere que o contrato de trabalho em análise configura um verdadeiro contrato de trabalho, a consequência é a sua nulidade, tendo o autor apenas direito a receber o previsto no clausulado no contrato e não o previsto no regime jurídico do Código do Trabalho, havendo que ter em conta a especificidade que decorre da circunstância de a entidade contratante ser uma pessoa colectiva de direito público e, como tal, sujeita ao regime de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública.

Concluiu pela improcedência da acção.

Na resposta à contestação, o autor defendeu que estando o contrato de trabalho em execução à data da entrada em vigor da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, o contrato convalidou-se por força desta lei. Sustentou que a ré litiga de má fé ao deduzir fundamento cuja falta de fundamento não devia ignorar, devendo ser condenada em multa e em indemnização.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 2.286,14 (a título de ajudas de custo e proporcionais de subsídios de férias e de Natal), acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento – de tudo o demais pedido absolvendo o réu.

É desta decisão que, inconformado, o autor vem apelar.

Alegando, concluiu:                                                                      

[…………………...]

A ré apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado.  

O Ex.mo PGA junto desta Relação apresentou parecer, pronunciando-se pela adequação da sentença recorrida.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto              

Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

1- O autor foi admitido ao serviço da ré, no início do mês de Dezembro de 1996, para exercer a actividade de auxiliar técnico de laboratório, no laboratório de ....., através de acordo que as partes denominaram de contrato de prestação de serviços,

2- (…) situação que se manteve até final de Agosto de 1999.

3- O A., entre Dezembro de 1996 e final de Agosto de 1999, exerceu funções nos laboratórios da ré, a mando e por conta desta.

4- O A., nesse período, foi pago através do Instituto C..., uma vez que era esta entidade que estava encarregada de fazer a contabilidade do laboratório e os pagamentos aos funcionários.

5- Em 1 de Setembro de 1999, o A celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo pelo período de um ano, renovável, conforme despacho 20226/99 (2.ª série) publicado no D.R. – 2.ª Série n.º 249/99 de 20/10,

6- (…) situação que se manteve até 31-08-2001, data em que o mesmo terminou.

7- Em 27 de Maio de 2002, o A. e a ré celebraram entre si o acordo que consta a fls. 255 a 257, cujo teor aqui se dá por reproduzido, mediante o qual o A. se obrigou, pelo período de 5 meses, a prestar à B..., em regime de profissão liberal, serviços técnicos de índole laboratorial, no laboratório de ..., aí se exarando que o A. exerceria a sua actividade com autonomia, sem sujeição à autoridade e à direcção da ré.

8- Em 28 de Outubro de 2002, após convite por parte da ré, o A. celebrou com esta o acordo escrito cuja cópia figura a fls. 32 e 33, que denominaram de “CONTRATO DE AVENÇA”.

9- Em Janeiro de 2005, o A. prestou serviços no âmbito da ACIV e pelos quais foi remunerado.

10- Em Outubro de 2006, em Maio de 2007 e em Fevereiro de 2008, a ACIV remunerou o A. com as quantias de € 605,00, € 30,00 e € 320,00 pela prestação de serviços que o A. lhe prestou ao longo desse período de tempo.

11- Estes serviços foram prestados pelo A. no âmbito da ACIV e no departamento de engenharia ... da ré.

12- A ACIV é uma associação criada pelos responsáveis do Departamento de Engenharia... da B... para realizar projectos nos laboratórios daquele Departamento.

13- A ACIV tem a sua sede nas instalações da ré, utiliza funcionários, equipamentos e instalações da ré na prossecução dos seus fins,

14- (…) sendo um dos seus objectivos primordiais promover o estabelecimento de relações, parcerias e projectos entre a ré, através do seu Departamento de Engenharia ... e o exterior.

15- A ACIV é a "face", um "instrumento" do departamento de engenharia ... da ré para o exterior.

16- Em 5 de Março de 2008 a ré, através da carta junta a fls. 34, cujo teor aqui se dá por reproduzido, comunicou ao A. a rescisão do referido acordo, com efeitos a partir de 27 de Outubro de 2008.

17- A ré abriu novo concurso para contratação de um funcionário para exercer as funções que até a data o A. vinha exercendo.

18- Para esse concurso a ré estipulou requisitos para admissão que o A não reunia, motivo pelo qual foi excluído do mesmo.

19- Outros avençados que exerciam funções para a ré foram contratados no âmbito de concursos que foram abertos para cargos que já vinham exercendo em regime de avença.

20- O A., desde o início do mês de Dezembro de 1996 e até 27 de Outubro de 2008, sempre se manteve ao serviço da ré.

21- Desde a data que foi admitido ao serviço da ré, em Dezembro de 1996, o A sempre exerceu as mesmas funções - auxiliar técnico de laboratório,

22- (…) funções essas que exerceu de forma ininterrupta, entre Dezembro de 1996 e Novembro de 2008.

23- O A. exercia essas funções em instalações da ré, no Departamento de Engenharia ..., ou em local por ela designado.

24- (…) efectuando o autor diversas deslocações ao exterior, em veículo propriedade da ré, a fim de realizar ensaios de materiais, a mando e com o conhecimento e autorização dos seus responsáveis.

25- O autor prestava a sua actividade no estabelecimento pertença da ré, em local designado por esta última.

26- O A. utilizava no desenvolvimento da sua actividade meios e equipamentos da ré ou por esta disponibilizados.

27- As ferramentas de trabalho utilizadas pelo autor no seu dia-a-dia pertenciam à ré.

28- Aquando da sua entrada em funções o A. recebeu da ré uma série de ferramentas, comprometendo-se a cuidar das mesmas e devolvê-las no final do contrato, o que aconteceu.

29- O A. cumpria o horário de trabalho comum a todos os trabalhadores da ré - das 09h00 as 12h30 e das 14h00 as 17h30.

30- (…) "picando" o cartão de ponto (até 2005) ou «passando» o cartão de banda magnética (consoante os sistemas que foram sendo utilizados) como os demais trabalhadores da ré.

31- O A. estava sujeito a controlo de faltas, sendo obrigado pelos responsáveis do laboratório a justificar as ausências.

32- O A. quando faltava tinha que justificar as faltas.

33- A execução dos serviços por parte do A. obedecia a uma fixação/determinação pelos responsáveis do laboratório onde o A. desempenhava as suas funções que previamente determinavam o mapa semanal de serviço a efectuar.

34- A ré fixava o mapa semanal de serviço a efectuar.

35- A ré tem de atribuir ao auxiliar do laboratório o serviço que este tem que prestar.

36- As férias, remuneradas, eram marcadas pelo A., estando sujeitas a parecer favorável do responsável pelo serviço.

37- O A. indicava à ré os períodos em que pretendia gozar férias, tal como os restantes funcionários, sendo que tal marcação estava sujeita a parecer favorável do responsável pelo serviço e

38- (…) uma vez autorizadas, passavam a constar de mapa afixado pela ré.

39- O autor gozava 25 dias úteis de férias e não 22, fruto da antiguidade ao serviço da ré e da assiduidade.

40- O autor gozava as tolerâncias de ponto dadas aos trabalhadores da ré, assinando mapa dos dias pretendidos.

41- O A. recebia remuneração certa e periódica.

42- O A. auferia o valor mensal de € 1.023,39, ilíquidos.

43- O A. recebia ordens dos representantes da ré.

44- O A. fez deslocações ao serviço da ré, na carrinha desta, conforme consta dos documentos juntos a fls. 43 a 89, cujo conteúdo aqui dou por reproduzido e não recebeu ajudas de custo.

45- A ré não moveu ao A. qualquer procedimento disciplinar, limitando-se a comunicar-lhe a rescisão do contrato por carta registada com A/R.

46- O autor sentiu-se profundamente abalado com a cessação do contrato, pois há 12 anos que trabalhava para a ré.

47- O A. sempre cumpriu com zelo, lealdade, competência e assiduidade as ordens que lhe foram dadas pelos superiores hierárquicos nunca tendo sido alvo de processo ou de qualquer outra sanção disciplinar enquanto esteve ao serviço da ré.

48- O A. mereceu diversos agradecimentos pela colaboração nos trabalhos de teses de doutoramento e mestrados dos engenheiros que utilizaram o laboratório ao longo dos anos que o A. lá trabalhou.

49- Aos 34 anos, o autor viu-se privado da sua principal fonte de rendimentos.

50- No período de tempo em que o A. esteve ao serviço da ré, ao abrigo do denominado contrato de avença, esta nunca lhe pagou qualquer importância a título de subsídio de refeição.


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2. De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se se justifica, nos termos pretendidos no recurso, a alteração da decisão sobre a matéria de facto;

- se o contrato que vigorou entre o autor e a ré pode ser considerado como um contrato de trabalho válido;

- se tratando-se de contrato de trabalho nulo, entre o autor e a ré, deve entender-se que o mesmo cessou por despedimento ilícito e conceder ao autor indemnização substitutiva da reintegração, indemnização por danos não patrimoniais e um montante equivalente às retribuições intercalares que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da notificação da contestação como se defende no recurso;

- se, em qualquer caso, se impunha a condenação da ré a pagar ao autor os subsídios de férias e de Natal que este deixou de receber enquanto esteve a trabalhar sob um denominado contrato de avença, bem como as quantias reclamadas a título de trabalho suplementar e, ainda, subsídio de alimentação;

- se se verifica ocorrer o abuso de direito por parte da ré, ao celebrar um contrato com o autor, invocando depois a sua nulidade;

- se se justifica a condenação da ré como litigante de má fé.

2.1. As questões de facto:

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2.2. As questões relacionadas com o contrato de trabalho, sua (in)validade e com o despedimento:

Concluiu-se na sentença da 1ª instância que o autor manteve com o réu um verdadeiro contrato de trabalho, não obstante o nomen juris que lhe foi atribuído em distintas declarações contratuais escritas (“prestação de serviço”, “contrato de trabalho a termo certo”, “avença”). Nela se escreveu que estamos “efectivamente em presença de um contrato de trabalho – por tempo indeterminado – que se manteve desde Dezembro de 1996 a 27 de Outubro de 2008”.

Mas concluiu-se ainda que tal contrato de trabalho é nulo, por violação de preceitos de natureza imperativa, designadamente do D.L. n.º 427/89, de 7/12 (citando: “não era permitido o estabelecimento de relações laborais entre o Estado e o trabalhador mediante a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado, ainda que se entendesse estarem verificados os pressupostos que a legislação laboral exige para a celebração do vínculo, estava vedada a sua constituição por força dos diplomas legais acabados de referir, sendo o mesmo nulo”) e dos artigos 7º e 8.º da Lei 23/2004, de 22/6 (à data da cessação da sua execução, regime este que devia prevalecer, face ao disposto no art.º 26º desta Lei)”.

 Uma vez que a conclusão de que a relação contratual entre autor e ré se tratou de contrato de trabalho, não sendo ela colocada em crise no recurso, deve entender-se que em relação a essa questão de formou caso julgado.

Questão que deve ser tratada, por força do recurso, é a de saber se o mesmo é ou não válido.

O apelante, admitindo que o mesmo era nulo, defende que se “convalidou” perante o regime da Lei n.º 23/2004.

Ora, entendemos que esta posição não pode colher, não tendo de resto acolhimento na jurisprudência que o próprio apelante cita.

Por um lado, o art. 8.º, nº 3 da Lei 23/2004 determina a nulidade do contrato de trabalho não reduzido a escrito ou que não tenha as indicações constantes das als. a), b) e c) do seu n.º 1.

Sendo certo que o contrato de trabalho dos autos não foi reduzido a escrito, não se podendo “convolar” para tanto o “contrato de avença”, escrito, referido no ponto 8. da matéria de facto. Isto porque, a nosso ver, a lei exige que o que deve ser vertido por escrito é o contrato de trabalho como tal designado, na medida em que obriga a um conjunto de indicações nele constantes e específicas do contrato de trabalho. Sendo ainda certo que a al. b) do n.º 1 daquele art. 8.º obriga à indicação no “escrito” do tipo de contrato, sob pena de nulidade (v. n.º 3), e naquele não vem a indicação do tipo de contrato de trabalho.

Por outro lado, o art. 5º do citado diploma sujeita a contratação por tempo indeterminado a um processo prévio de selecção, subordinado aos princípios da publicitação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades e fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos, exigência essa na linha do comando constitucional constante do art. 47.º, n.º 2, da CRP, nos termos do qual “todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”, na interpretação constante que dele tem sido feita pelo Tribunal Constitucional (v. p. ex. o Acórdão do TC, com força obrigatória geral, nº 368/2000, in DR I Série-A, de 30.11.00).

No caso, ao contrário de pretendido pelo autor, não se provou que a sua contratação, inicial ou subsequente, houvesse sido precedida de qualquer procedimento concursório, sendo que a ele competia, porque constitutivo do seu direito, o ónus de alegação e prova de tal facto (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil).

O contrato também teria de ser, então, declarado nulo por esta via (v. neste sentido, por exemplo, o Acórdão do STJ de 26.11.08, in www.dgsi.pt, proc. 08S1982).

Aqui chegados, o apelante defende que, no caso do contrato ser nulo, ainda assim nos seus efeitos deveria ser considerado como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.

Afigura-se-nos que tem razão.

Interessa definir se aquando da cessação do contrato nulo (a sua nulidade deve ter-se por adquirida, como já dissemos), o mesmo devia considerar-se sujeito ao regime do contrato de trabalho por tempo indeterminado, embora de forma ficta dada a sua nulidade.

Ora, à situação dos autos – contrato de trabalho nulo celebrado pela administração pública – deve aplicar-se o disposto no nº 1 do artigo 116º do Código do Trabalho de 2003, por força do artigo 2º do regime aprovado pela Lei 23/2004 de 22 de Junho, que estabelece que aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho se aplicam as normas sobre a cessação do contrato.

Diga-se que o artigo 115º nº 1 do mesmo Código do Trabalho ao estabelecer que “o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução”, impõe a regra geral da não retroactividade dos efeitos da declaração de nulidade ou da anulação do contrato de trabalho executado, ao contrário do que sucede no regime geral da invalidade constante do nº 1 do art.º 289.º do Código Civil (onde se estabelece que “tanto a declaração da nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado …”).

A jurisprudência tem vindo a entender que o contrato produz os seus efeitos como se fosse válido até à declaração de nulidade, estendendo-se aos actos extintivos do mesmo (v. por todos, o Ac. do STJ de 25-06-2009, in www.dgsi.pt, proc. 08S2566).

Por isso, à cessação unilateral do contrato por iniciativa do réu antes da declaração da sua nulidade - e cuja invocação apenas teve lugar na contestação dos autos - aplica-se o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, no caso do Código do Trabalho de 2003.

Ora, resulta dos factos provados que a ré (facto 16.) fez cessar o contrato de trabalho, em 5 de Março de 2008, através da carta na qual comunicou ao autor a rescisão do referido acordo, com efeitos a partir de 27 de Outubro de 2008. Trata-se de um acto extintivo diverso da invocação da nulidade.

Assim, pode concluir-se que, tratando-se de um contrato de trabalho por tempo indeterminado – ainda que de forma ficta, atenta a sua nulidade - fazendo cessar unilateralmente a relação laboral estabelecida com o autor, sem precedência de procedimento adequado, tal acto representa um tipo de despedimento ilícito nos termos do disposto no artigo 429º, alínea a) do CT de 2003.

Divergimos, pois e aqui, da 1ª instância que considerou que, tratando-se de um contrato nulo, o acto extintivo não se reconduziu a despedimento.

Tratando-se de despedimento ilícito (ocorrido, repete-se, antes da invocação da nulidade do contrato) terá o autor direito, como reclama, a receber salários intercalares, indemnização substitutiva da reintegração e indemnização por danos não patrimoniais?

Entendemos que sim, perante a posição constante que vem sendo afirmada pelo STJ (para além do acima referido, v. Acs. do STJ de 01-07-2009, in www.dgsi.pt, proc. 08S3433, de 10-12-2009, proc. 6/08.1TTPTG.S1, de 26-11-2008, proc. 08S1982, de 22-03-2007, proc. 07S364, entre outros) que nada obsta a que se atribua ao autor o direito a indemnização em substituição da reintegração, mesmo sendo esta impossível como é, no caso, perante a nulidade do contrato.

Esta Relação já se pronunciou afirmativamente quanto à questão acima colocada, pelo menos desde o Acórdão de 15 de Julho de 2009 de cujo sumário  consta o seguinte: “se o contrato nulo cessar ilicitamente antes de declarada a nulidade são-lhe aplicáveis as normas sobre esta forma de cessação tendo o trabalhador direito, nos termos do Cód. do Trabalho, à indemnização por antiguidade, aos salários intercalares e à indemnização por danos não patrimoniais”.

Os efeitos da ilicitude do despedimento constam dos artigos 436.°, 437.º, n.° 1 e 439.°, todos do Código do Trabalho. Deles decorre que, no caso e perante os pedidos formulados, o autor tem direito:

- a indemnização por todos os danos não patrimoniais;

- ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do respectivo despedimento, sendo que no caso se devem contabilizar até à data da notificação da contestação, na qual se invocou a nulidade do contrato de trabalho (e com as limitações decorrentes do n.° 2 do art.º 437.º);

- indemnização correspondente a um valor a fixar pelo tribunal entre 15 e 45 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se todo o tempo decorrido até à data da sentença.

Assim, no que toca aos danos não patrimoniais:

Provou-se que (factos 46 e 49) o autor sentiu-se profundamente abalado com a cessação do contrato, pois há 12 anos que trabalhava para a ré e, aos 34 anos, viu-se privado da sua principal fonte de rendimentos.

Tais danos de natureza moral oferecem evidente relevo e gravidade para merecerem a tutela do direito (496º nº 1 do Código Civil) e são consequência do despedimento ilícito. Importa referir que a indemnização por danos não patrimoniais não visa tanto ressarcir os prejuízos sofridos pelo lesado, atenta a natureza imaterial dos bens atingidos. Visa mais atribuir-lhe uma compensação que de algum modo faça minorar os danos sofridos. Ao contrário do que acontece com a indemnização por danos patrimoniais, não se destina a reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento causador do dano (art.º 562.º do Código Civil) nem se destina, nos casos em que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente o dano ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art.º 566.º, n.º 1), a repor o património do lesado no nível em que se encontraria se não fora a lesão praticada (art. 566.º). A lei, por outro lado, não estabelece critérios normativos para o cálculo da indemnização. O n.º 3 do art.º 496.º do Código Civil estabelece que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º do mesmo Código.

Dito isto, o montante da indemnização peticionado (€ 20.000,00) afigura-se-nos excessivo, estando mais ajustado às devidas regras do bom senso, prudência e da justa medida das coisas o montante de € 4.000,00, ponderando o tempo de duração contratual e a situação pessoal do autor.

Quanto ao que toca ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do respectivo despedimento, sendo que no caso se devem contabilizar até à data da notificação da contestação que invocou a nulidade do contrato de trabalho:

A acção deu entrada em juízo a 31-03-2009 e o despedimento ocorreu a 27-10-2008. Assim, de acordo com o n.° 2 do art.º 437.º do CT de 2003, importa deduzir ao montante a calcular o valor das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção.

Ou seja, o autor tem direito ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde 2-3-2008 até 8-6-2009 (data da notificação da contestação).

Considerando o valor da retribuição do autor (€ 1.023,39 – v. facto 42.), concluímos que o montante que lhe é devido a esse título é o de € 17.071,08 (incluindo os subsídios de férias e de Natal).

Quanto à indemnização correspondente a um valor a fixar pelo tribunal entre 15 e 45 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se todo o tempo decorrido até à data da notificação da contestação:

Na fixação da indemnização de antiguidade, manda o artigo 439º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003, atender ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 429.º.

Entendemos, conforme doutrina do Acórdão do STJ de 18 de Maio de 2006 (www.dgsi.pt, refª SJ200605180002914), que assume maior ilicitude o despedimento que tenha sido adoptado sem precedência de qualquer procedimento adequado, daquele outro que, seguindo os procedimentos legalmente previstos e respeitando o direito de defesa do trabalhador, acaba por ser julgado ilícito por insubsistência dos motivos que foram indicados. E que a ponderação da retribuição funciona como um factor de equidade na fixação do montante indemnizatório, de modo a evitar que a natural variação dos níveis de remuneração dos trabalhadores, em função da categoria, qualificação e responsabilidade profissional, possa introduzir desequilíbrios e desvirtuar o carácter ressarcitório da obrigação, que, por regra, deverá ter em conta também a situação económica do lesado (artigo 494º do Código Civil).

Importa, todavia, ponderar, para determinar o grau de ilicitude do despedimento, que ocorreu controvérsia sobre a natureza da relação estabelecida entre as partes, a qual permaneceu até ser proferida a sentença da 1ª instância que a caracterizou como contrato de trabalho. Neste caso, deve considerar-se que a censurabilidade pela inexistência de procedimento adequado para o despedimento não atinge grau tão elevado como ocorreria se fosse certo, para as partes, o seu carácter laboral.

Neste contexto, ponderando o valor da retribuição (€1.023,39) e o tempo de execução do contrato (quase 12 anos), afigura-se adequado fixar a base de cálculo da indemnização em 30 dias de retribuição.

Por isso, considerando a antiguidade do autor, de Dezembro de 1996 até 8-6-2009 (data da notificação da contestação), concluímos que o montante que lhe é devido a título de indemnização de antiguidade é o de € 13.304,07.

2.3. As questões relacionadas com os subsídios de férias e de Natal que o autor deixou de receber enquanto esteve a trabalhar sob um denominado contrato de avença, bem como as quantias reclamadas a título de trabalho suplementar e, ainda, subsídio de alimentação:

No que toca aos subsídios de férias e de Natal, o autor reclamou a condenação da ré no seu pagamento relativos aos anos de 2001 a 2008 (durante os quais prestou serviço ao abrigo de um designado “contrato de avença”).

Na sentença da 1ª instância existe uma omissão quanto à pronúncia sobre estes pedidos, tendo-se limitado a referir:

 “O A. reclama os subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de vigência do contrato no ano da cessação. Efectivamente, tendo o contrato de trabalho cessado, independentemente da causa que levou a essa cessação, legitima o recebimento do crédito correspondente ao subsídio de férias e de Natal proporcional ao tempo de trabalho prestado. Crédito que ascende a € 1.688,58 – (2(1023,39:12x9)+ (1023,39:12:30x27))”.

Ora, se bem entendemos, o autor reclama esses pagamentos do período que vai de 31-08-2001 (data que cessou um designado “contrato a termo”) até à data do despedimento (de 27-10-2008).

Verificamos que, na decisão sobre a matéria de facto, o tribunal a quo considerou provado o “facto” 91., alegado na petição inicial, ou seja que “nos anos em que esteve a trabalhar por conta da ré através do denominado contrato de avença, não recebeu nem subsídios de férias nem subsídios de Natal”.

Certamente por lapso, no entanto, tal “facto” não foi vertido na sentença para o elenco dos factos provados.

Em todo o caso, reconhecendo-se a existência de contrato de trabalho, sempre seria à ré que cumpriria o ónus da prova do seu pagamento, como factos extintivos do direito do autor (342.º n.º 2 do Código Civil).

Não estando provado esse pagamento, reconhecendo-se a vigência do contrato de trabalho, o qual, embora nulo, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, como dissemos, temos que concluir que o autor tem direito a esses subsídios e não apenas aos proporcionais no ano da cessação do contrato (254.º e 255.º do CT/2003).

Ponderando o valor da retribuição (€ 1.023,39), tem assim o autor direito a esse título, até ao despedimento, à quantia de € 15.518,74 que reclama a este título sob a al. e) dos pedidos, na petição inicial – em lugar da atribuída, como acima se disse, na sentença recorrida.

Quanto às quantias reclamadas a título de trabalho suplementar:

Como já acima se deixou expresso, o autor não logrou provar ter prestado suplementar para a ré. Incumbia-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos reclamados a esse título (342.º do Código Civil).

Não pode, assim, proceder o respectivo pedido, tendo de improceder a apelação nesta parte.

Por outro lado, pediu também a condenação da ré a pagar-lhe a quantia total de € 5.590,11 a título de subsídio de alimentação no período compreendido entre 28-10-2002 e 17-11-2008.

Provou-se que (facto 50.), no período de tempo em que o autor esteve ao serviço da ré, ao abrigo do denominado contrato de avença, esta nunca lhe pagou qualquer importância a título de subsídio de refeição.

Na sentença da 1.ª instância negou-se esse pedido com a seguinte fundamentação:

Com efeito, dados os termos como foi fixada a remuneração – a título de prestação de serviços – não é possível concluir, sem mais, que, caso as partes tivessem previsto a presença do contrato de trabalho, a efectivamente paga correspondesse tão só à remuneração base, a que acresceria o subsídio de alimentação (pressuposto de que o A. parte sem avançar qualquer explicação), antes sendo de presumir, numa perspectiva de normalidade, que efectivamente o valor pago mensalmente retribuísse globalmente o A., incluindo na vertente especial de alimentação nos dias de trabalho efectivamente prestado.

O apelante insurge-se quanto a essa fundamentação, defendendo que “o tribunal a quo lançou mão de presunções sem qualquer suporte fáctico ou de direito” e que “não faz qualquer sentido a presunção efectuada pelo tribunal a quo de que o valor pago mensalmente retribuísse globalmente o autor, incluindo na vertente especial de alimentação nos dias de trabalho efectivamente prestado”.

Vejamos:

Já dissemos que estamos perante um contrato individual de trabalho, embora nulo, o qual, nos termos do disposto no artigo 115º nº 1 do CT/2003, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.

Tratando-se de contrato individual de trabalho, embora nulo, aplica-se-lhe o regime do CT/2003 e, antes dele, do Dec. 49.408, de 24.11.1969.

Ora, nenhum desses regimes estabelecia um subsídio de alimentação como atribuição patrimonial obrigatória, correspectiva à prestação de trabalho, no contrato individual de trabalho.

Tal “subsídio” teria, assim, de ter fonte contratual, individual ou colectiva, para que ao autor fosse reconhecido o direito ao mesmo.

O autor não alegou (nem provou, por consequência) factos dos quais se pudesse concluir a fixação contratual entre as partes de tal direito ou a existência de IRCT que seja fonte desse direito. Disso mesmo tinha o ónus (342.º do Código Civil).

A nosso ver, o do DL n.º 57 -B/84, de 20 de Fevereiro, que atribui um subsídio de refeição aos funcionários e agentes da Administração Pública, com as excepções nele referidas, não se aplica a contrato individual de trabalho (embora nulo) sujeito aos regimes legais já referidos.

Por isso, embora com fundamentos diversos dos referidos na sentença recorrida, entendemos não poder proceder o pedido em causa, devendo o recurso improceder também nesta parte.

2.4. O invocado, pelo apelante, abuso do direito por parte da ré:

No recurso vem invocado verificar-se abuso de direito por parte da ré, ao celebrar um contrato em “condições que não o podia fazer, invocando depois a nulidade quando lhe convém, para se tentar livrar do mesmo”.

Segundo percebemos, na economia do recurso, o autor pretende ver reconhecido o abuso do direito para efeitos de se reconhecer as consequências legais de um verdadeiro despedimento ilícito (e não da mera nulidade tal como as apreciou a 1.ª instância).

Ora, como acima dissemos, reconhecemos já ao autor o direito às consequências legais do despedimento ilícito (no quadro da nulidade). Por isso, estaria ultrapassada esta questão em termos práticos.

No entanto, sempre diremos o seguinte:

Estando assente que o contrato está ferido de nulidade, poderia a ré invocá-la a todo o tempo (art.º 286.º Código Civil). E foi o fez, invocando tal nulidade na sua contestação, para o caso de se não entender qualificar o contrato como de prestação de serviço (“avença”).

A invocação e verificação dos efeitos daquela nulidade só se não verificaria se o comportamento da ré, ao invocar aquela nulidade, revestisse um abuso do direito como causa especial da exclusão daquela invocação e seus efeitos.

O abuso do direito está definido no art.º 334º do Código Civil: “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito”.

Para que se esteja perante o abuso do direito é necessário é que o seu titular exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, isto é, que ele o exerça em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida esta ofensa segundo as concepções ético-jurídicas dominantes.

Ora, já vimos que ambas as partes celebraram o contrato atribuindo-lhe um nomem juris diverso daquele que ele realmente era (contrato de trabalho).

O autor, na acção, veio invocar depois essa desconformidade, mas a ré sustentou a qualificação que antes lhe tinham atribuído, na sua contestação, defendendo a nulidade do contrato para o caso de se sufragar a posição do autor quanto à mesma qualificação, arguição que podia, como dissemos invocar a todo o tempo, nos termos do art.º 286.º do Código Civil.

Não vemos, face àquele dispositivo, que essa arguição possa ser tida, sem mais, como abusiva. E também não vemos no quadro dos factos provados que tenha criado, antes, uma situação de confiança por parte do autor de que não iria usar desse seu direito.

A intenção da ré, em qualquer caso, era a de colocar termo ao contrato. Nada há nos autos que permita inferir-se uma situação objectiva de confiança, cuja frustração se apresente como ilegítima e digna da tutela do direito.

Assim, não pode afirmar-se que a invocação da referida nulidade - que constitui uma reacção perante a situação ilícita do contrato – constituía abuso do direito.

2.5. A questão da litigância de má fé por parte da ré:

O apelante discorda ainda que não tenha havido condenação da ré como litigante de má fé.

Defende que a ré sustentou no art.º 13.º da contestação que o autor deixou de trabalhar para si no período compreendido até 26 de Maio de 2002, mas que pela simples análise dos documentos juntos com a petição inicial comprova-se que tal situação não corresponde a verdade.

Da alegação da ré nos arts. 13.º e 14.º da contestação, verificamos que a mesma alegou que em 31 de Agosto de 2001 terminou um contrato de trabalho a termo certo que a vinculava, como empregador, ao autor, tendo este deixado de trabalhar para ela até 26 de Maio de 2002, uma vez que no dia seguinte celebraram entre si um contrato de prestação de serviço.

Ora, não há dúvida que se provou que (facto 20.) o autor, desde o início do mês de Dezembro de 1996 e até 27 de Outubro de 2008, sempre se manteve ao serviço da ré.

O instituto da má fé processual tem assento legal nos artigos 456.º a 459.º do Código de Processo Civil e visa sancionar a parte ou – se esta for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade – o respectivo representante legal, que preencha com a sua actuação processual a respectiva previsão.

Segundo o n.º 2 do art.º 456.º, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: (…) b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação.

Ao sancionar, actualmente, a litigância com negligência grave, a lei está a proibir a também a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro.

Parece-nos que a ré, na alegação de um facto que se provou não ser verdadeiro, alterou a verdade dos factos, como refere o autor.

Todavia, o mesmo autor não identificou o representante da ré que foi responsável pela conduta de má fé que invocou.

E tal era necessário para a condenação por litigância de má fé, em multa ou indemnização, considerando o disposto no art.º 458.º do C. P. Civil.

Quer o dolo, quer a negligência grave, pressupõem um acto volitivo malicioso, geralmente insusceptível de ser imputado materialmente a uma pessoa colectiva.

Como refere no sumário do Ac. do STJ de 27-5-2010, in www.dgsi.pt, proc. 327/1998.S1, daí que a lei regule especificamente a litigância de má fé quando está em causa uma pessoa colectiva, estipulando que a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recairá sobre o seu representante que esteja de má fé (art. 458.º do CPC). Por isso, como se refere no mesmo sumário, a parte “que pretender a condenação por litigância de má fé, sendo a outra parte uma pessoa colectiva, não poderá pedi-la acusando-a simplesmente da prática de actos que integram tal má fé: terá de referir concretamente a pessoa singular a quem imputa a actuação maliciosa, formulando um pedido, autónomo em relação à sociedade, de condenação do seu representante, indicando os actos que fundamentam esse pedido”.

Ora, o autor não identificou o representante da ré responsável pela invocada conduta maliciosa.

Por isso, a condenação por litigância de má fé não pode ter lugar, a nosso ver.

Improcederá, pois, o recurso nesta parte.


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Sumário (artº 713º nº 7 do Cód. Proc. Civil):

I- Um contrato de trabalho nulo celebrado com o Estado, cessado por declaração unilateral deste em 2007, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução e aos factos extintivos, a ele respeitantes, ocorridos antes da declaração de nulidade aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato constantes do Código do Trabalho de 2003.

II- Se o contrato nulo cessar por declaração que configure um despedimento ilícito são-lhe aplicáveis as normas sobre esta forma de cessação, tendo o trabalhador direito a indemnização substitutiva da reintegração, às retribuições intercalares e a indemnização por danos não patrimoniais.


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III- DECISÃO
Por tudo o exposto, delibera-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, declarando ter existido um contrato de trabalho nulo entre as partes, decide-se condenar a ré a pagar ao autor - para além da quantia já fixada na 1ª instância de € 597,56, a título de ajudas de custo - a quantia € 49.893,89 (quarenta e nove mil oitocentos e noventa e três euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais pedido.
Custas, na acção e no recurso, na proporção de 34% para o autor (considerando a isenção de custas de que a ré beneficia).


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Azevedo Mendes (Relator)
Felizardo Paiva
Fernandes da Silva