Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
39/07.5TBFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
MÚTUO
COMPRA E VENDA
Data do Acordão: 06/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 428.º, N.º 1; 798.º E 799.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 12.º, N.º 2 DO DEC.LEI N.º 359/91, DE 12/09
Sumário: 1. Não havendo acordo prévio de exclusividade entre o credor e o vendedor, em virtude do qual este se obrigue a direccionar os seus clientes para aquele com vista à concessão de crédito para o financiamento dos bens que vende a terceiros, o contrato de mútuo não pode ser afectado pelas vicissitudes do contrato de compra e venda, com a consequente impossibilidade de lhe ser oposta, com tal fundamento, a excepção de não cumprimento.
2. Mas se foi acordado entre as partes contratantes que ao mutuante incumbiria a legalização e entrega de todos os documentos inerentes à transferência de propriedade da coisa vendida para o comprador, tendo sido com base neste pressuposto que este subscreveu o contrato de mútuo, então assiste-lhe o direito de suspender o pagamento das prestações correspondentes ao contrato de mútuo, enquanto não for integralmente cumprida a prestação inerente ao vendedor e aqui assumida pelo mutuante.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A….. intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra B…e mulher C....e D...., já todos identificados nos autos, pedindo a condenação, solidária, dos réus a pagarem-lhe a quantia de 9.291,00 €, de capital em dívida, acrescida da de 1.218,87 €, de juros de mora vencidos até à data da propositura da acção, a de 48,75 € de imposto de selo sobre estes juros e ainda os juros de mora vincendos, à taxa anual de 16,98%, desde 18 de Janeiro de 2007 e até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair.
Para tanto, alegou que, no exercício da sua actividade comercial, em 28 de Dezembro de 2004, emprestou ao 1.º réu, a quantia de 7.856,22 €, para aquisição de um veículo automóvel, com juros à taxa nominal de 12,98%, ao ano, a ser reembolsada em 72 prestações mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de Fevereiro de 2005 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes, no montante mensal de 163,00 €.
Foi acordado que a falta de pagamento de uma das prestações implicava o vencimento das demais, mas não obstante, o 1.º réu não pagou a 15.ª e seg.s, vencida, a primeira, em 10 de Abril de 2006, o que confere ao autor o recebimento das quantias peticionadas, por assim contratado.
Alega que a responsabilidade da ora 2.ª ré advém do facto de o veículo adquirido se destinar ao património comum do casal e a do 3.º réu, na qualidade de fiador do 1.º réu.

Contestando, os réus, aceitam a existência e validade do contrato celebrado entre o autor e o 1.º réu, mas alegam a excepção de não cumprimento do contrato, com o fundamento em que, na execução daquele contrato, o autor trataria de toda a documentação necessária à formalização do negócio e inerente à transferência da propriedade sobre tal veículo, para o adquirente, o que não se veio a verificar, já que não lhe foi entregue o título de registo de propriedade, do que alertou o autor, que não resolveu a situação, em função do que deixou de pagar as prestações acordadas, pugnando pela improcedência da acção.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, tendo o autor, no início da mesma, oferecido resposta à excepção deduzida, pugnando pela sua improcedência, a qual foi admitida.
Após o que foi proferida a sentença de fl.s 90 a 98, na qual se procedeu ao saneamento dos autos, se fixou a matéria de facto dada como provada e respectiva motivação, se aplicou o direito e se decidiu pela improcedência da presente acção, com a consequente absolvição dos réus do pedido, ficando as custas a cargo do autor.

Inconformado com tal decisão, interpôs recurso o autor, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 105), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida, face à matéria de facto dada como provada, violou o disposto no artigo 428.º do Código Civil já que a excepção invocada pelo recorrido não é correspectiva ou correlativa do contrato de mútuo dos autos.
2. Deve, assim, o recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência revogar-se a decisão recorrida e substituir-se a mesma por outra que, julgando inteiramente procedente a acção e improcedente a excepção deduzida, condenando os réus ora recorridos, solidariamente entre si, na totalidade do pedido formulado na petição inicial.

Contra-alegando, os recorridos, pugnam pela manutenção da decisão em análise, apoiando-se nos fundamentos na mesma invocados.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se os réus se podem, ou não, socorrer da excepção de não cumprimento do contrato.

São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:
1. Em 28/12/2004, autor e 1.º réu outorgaram, por escrito particular, um acordo, que denominaram de “Contrato de Mútuo com Fiança n.º707031”, nos termos do qual aquele se obrigou a entregar a este a quantia de €7.856,52, e este a devolver-lhe tal quantia, em 72 prestações mensais no valor de €163,00, cada uma, vencendo-se a primeira, 10 de Fevereiro de 2005 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.
2. Autor e 1.º réu acordaram ainda que a importância de cada uma das prestações deveria ser paga através de transferência bancária, a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações para a conta D.O. n.º 40001607223, da qual é titular o autor.
3. Mais acordaram que a falta de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.
4. Acordaram igualmente que, em caso de mora, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como de outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora.
5. Acordaram igualmente que sobre a quantia referida em 1. vencem juros à taxa nominal de 12,98% ao ano.
6. A quantia entregue destinava-se à aquisição, por parte do 1.º réu, da viatura de marca Renault, modelo Clio, 1.2 RXE, de matrícula 46-17-QB, fornecida por Ancarloco Lda., Zona Industrial – Apartado 42, 3270-Pedrógão Grande.
7. O autor entregou ao 1.º réu a quantia referida em 1.
8. O 1.º réu não pagou a 15.ª e seguintes prestações, vencida a primeira, em 10 de Abril de 2006, tendo contudo pago a 23.ª prestação, com data de vencimento em 10 de Dezembro de 2006.
9. A autora é uma instituição de crédito, tendo outorgado o acordo referido em 1. no exercício da sua actividade.
10. Em 28/12/2004, o 3.º réu, através de documento denominado “Termo de Fiança”, declarou, além do mais, que: ”(…) [se] constitui perante e para com o Banco Mais, com sede na Rua Soeiro Pereira, n.º7, sala 2, em Lisboa, ao diante designada por Banco Mais, fiador de todas e quaisquer obrigações que para B...., resultem do contrato de mútuo com fiança n.º 707031. Mais declara que a presente garantia tem o conteúdo e âmbito legal de uma fiança solidária, incluindo a assunção das obrigações do afiançado.”
11. O 1.º réu adquiriu em finais de 2004 à firma Ancarloco, Lda., com sede na Zona Industrial de Pedrógão Grande, um veículo ligeiro da marca Renault Clio 1.2. RXE, matrícula 46-17-QB.
12. Nessa altura o gerente da firma, E...., propôs-lhe a aquisição, por via de um contrato de empréstimo, por via de um “contrato de empréstimo” com o autor.
13. Tal acordo foi outorgado nos termos e com as condições referidas em 1. a 6.
14. Mais foi o 1.º réu informado por E...., que o autor pagaria o preço à sociedade referida em 11., e que providenciaria pela legalização de todos os documentos inerentes à transferência de propriedade para 1.º réu, do veículo referido em 11.
15. Foi neste pressuposto que o 1.º réu subscreveu o acordo referido em 1., assumindo as condições de financiamento do mesmo.
16. Após a outorga do referido acordo, o 1.º réu recebeu o livrete do veículo em causa.
17. O título de registo de propriedade do referido veículo não foi recebido pelo réu.
18. O 1.º réu informou F...., funcionário do autor do referido em 17.
19. Em Junho/Julho de 2006, deslocou-se a Carapinhal/Figueiró dos Vinhos um funcionário do autor.
20. O 1.º réu teve problemas com as autoridades que o abordaram, quer em Portugal, quer em França, onde reside.
Mais se provou que:
21. Em 11/05/2007 foi emitida uma 2.ª via do registo de propriedade.

Passando à decisão da questão sub judice, importa, então, averiguar se os réus podem, ou não, socorrer-se da excepção de não cumprimento do contrato, como forma de obstarem à procedência da acção.
Como resulta demonstrado nos autos, o autor fundamenta a sua pretensão no incumprimento por parte do 1.º réu, relativamente ao contrato de mútuo que ambos celebraram, alegando os réus que as prestações, referentes a este contrato de mútuo, só não foram pagas porque o autor, contrariamente ao acordado, não lhes forneceu o título de registo de propriedade sobre o veículo adquirido, do que, o 1.º réu, deu conhecimento ao autor, pelo que, considera, ter o direito de não pagar as referidas prestações dado o incumprimento de uma das obrigações assumidas pelo autor.
Na sentença recorrida, considerou-se que foram celebrados dois contratos: um de compra e venda e outro de crédito ou mútuo, interdependentes e correspectivos um do outro, ficando a validade de um dependente da validade e vigência do outro (citando em abono de tal tese dois Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e A. Varela, in Das Obrigações Em Geral, Vol. I, pág.s 282 e 283 e Fernando de Gravato Morais, in União de Contratos de Crédito e Venda para Consumo, pág. 400), em função do que se decidiu assistir aos réus a excepção de não cumprimento do contrato, dada a existência de incumprimento por parte do autor, ao não fornecer ao réu o título de registo de propriedade.

A questão da trilateralidade do contrato celebrado entre as partes, classificando-o como uma união de um contrato de um compra e venda e de um contrato de mútuo, interdependentes e correspectivos entre si, com vista à aquisição, financiada, da viatura automóvel identificada nos autos, não foi posta em causa pelas partes e é de aceitar, tal como fundamentado na decisão recorrida, com o apoio da doutrina e jurisprudência ali referidas.
Posto isto, importa, pois, averiguar da possibilidade de os réus se recusarem a cumprir o contrato com base na aludida excepção de não cumprimento do contrato, o mesmo é dizer, se aos réus assiste, ou não, o direito de suspender o pagamento das prestações resultantes do contrato de mútuo celebrado com o autor, pelo facto de este não ter providenciado pela entrega do título de registo de propriedade referente ao veículo transaccionado nas condições acima já descritas.
O recorrente entende que tal possibilidade lhes está vedada, porque tal excepção não é correspectiva do contrato de mútuo, mas sim do de compra e venda, a que é alheio.

Como resulta do disposto no artigo 428.º, n.º 1, CC:
“Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”
Como o referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág.s 380 e 381, tal excepção pode ter lugar nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra, sendo invocável nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos, não bastando que o contrato seja obrigatório, ou crie obrigações para ambas as partes, exigindo-se que as obrigações sejam correspectivas ou correlativas, que uma seja o sinalagma da outra, visando assegurar o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral.
Por outro lado, atento a que se trata de um contrato de crédito ao consumo para aquisição de uma viatura automóvel, importa ter presente o regime instituído pelo DL 359/91, de 21/9, designadamente o disposto no seu artigo 12.º.
Assim, verificadas que sejam as condições ali previstas e dada a relação de trilateralidade consagrada no n.º 2 do artigo 12.º ora referido, quanto aos efeitos do incumprimento contratual do vendedor, é conferida ao consumidor a faculdade de accionar o financiador, ou de, quando demandado, alegar a excepção de incumprimento, fazendo-o repercutir no contrato de financiamento – neste sentido, para além dos elementos doutrinais e jurisprudenciais referidos na decisão recorrida, por último, o Acórdão do STJ, de 24/04/2007, Processo 07A685, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj; desta Relação de 22/01/2008, Processo 2695/06 (com situação factual bastante aproximada da aqui demonstrada), disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc e da Relação do Porto, de 17/03/2005, Processo 0530505 e de 15/10/2007, Processo 0723560, ambos disponíveis in http://www.dsgi.pt/trp, e nos quais, principalmente no desta Relação, se citam outros, em idêntico sentido.
Consequentemente, importa analisar o teor do artigo12.º do referido DL 359/91, a fim de concluir pela sua aplicabilidade ao caso aqui em apreço.
Dispõe-se neste que:
“1 – Se o crédito for concedido para financiar o pagamento de um bem vendido por terceiro, a validade e eficácia do contrato de compra e venda depende da validade e eficácia do contrato de crédito, sempre que exista qualquer tipo de colaboração entre o credor e o vendedor na preparação ou na conclusão do contrato de crédito.
2 – O consumidor pode demandar o credor em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor desde que, não tendo obtido do vendedor a satisfação do seu direito, se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a) Existir entre o credor e o vendedor um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para a aquisição de bens fornecidos por este último;
b) Ter o consumidor obtido o crédito no âmbito do acordo referido na alínea anterior.

Ora, no caso dos autos não se verifica a existência do acordo prévio de exclusividade entre o credor e o vendedor, em virtude do qual este se obrigue a direccionar os seus clientes para aquele com vista à concessão de crédito para o financiamento dos bens que vende a terceiros, pelo que, nos termos previstos naquele preceito, o contrato de mútuo não poderia ser afectado pelas vicissitudes do contrato de compra e venda, designadamente, pela falta de entrega do título de registo de propriedade, com a consequente impossibilidade de lhe ser oposta, com tal fundamento, a excepção de não cumprimento.
Como se refere no Acórdão do STJ, acima citado, se não se verificarem os dois requisitos enumerados no artigo 12.º, n.º 2 do DL 359/91 “… o credor não responde pelo incumprimento do vendedor: entendeu o legislador que só em situações com estes contornos a conexão entre os dois contratos é suficientemente apertada para que se possa justificar, mediante a extensão da responsabilidade do vendedor ao financiador, terceiro em relação ao contrato de compra e venda e em nome da efectiva protecção ao consumidor, uma tão clara derrogação do princípio da relatividade dos contratos”, aí citando, no mesmo sentido, Meneses Leitão, in Direito das Obrigações, I, 200 e Gravato de Morais, União de Contratos de Crédito e de Venda para Consumo, 95, 253 e 415.
Pelo que, com base neste fundamento, improcederia a presente acção, por não se verificarem os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 12.º do DL 359/91.

No entanto, cf. itens 14 e 15 dos factos provados, foi acordado entre as partes contratantes que ao autor incumbiria a legalização de todos os documentos inerentes à transferência de propriedade para o 1.º réu, do veículo que este adquiriu, tendo sido com base neste pressuposto que o 1.º réu subscreveu o contrato de mútuo.
Acordo este que outorgaram no domínio da liberdade contratual e que, como tal, deve ser cumprido, cf. artigos 405.º e 406.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
Ora, assim sendo, já ao 1.º réu assiste o direito de suspender o pagamento das prestações correspondentes ao contrato de mútuo, enquanto não lhe fosse, como não foi, entregue o título de registo de propriedade (cf. itens 17 e 21 dos factos provados).
Conforme o disposto no artigo 882, n.º 2, também, do Código Civil, a obrigação de entrega abrange, também, salvo estipulação em contrário (inexistente no caso dos autos) os documentos relativos à coisa ou direito, a qual, em princípio, incumbe ao vendedor.
Tal normativo “justifica-se pela ideia básica de colocar o comprador em condições de fruir plenamente o seu direito”.- P. Lima e A. Varela, in Código Civil, anotado, vol. II, 2.a ed.ão Revista e Actualizada, pág. 157, neles se integrando o título de propriedade e registo, sem os quais a viatura não pode circular - cf. artigos 5, n.º 1, al. a e 2 e 9, do DL 54/75, de 12/02, sob pena de, em caso de detecção, ser apreendida.
Não obstante o cumprimento defeituoso tanto poder derivar da violação de deveres principais como de deveres acessórios de conduta - cf. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra E Venda E Na Empreitada, pág.s 519 e 520, o facto é que a excepção de inadimplência ou de contrato incumprido só se verifica em relação às obrigações essenciais ou fundamentais, assim não acontecendo em relação às obrigações secundárias ou obrigações acessórias - neste sentido, podem ver-se os Acórdãos da Relação do Porto, de 26/09/96 e de 11/11/99, respectivamente, in CJ, ano XXI, tomo 4, pág. 201 e seg.s e ano XXIV, tomo 5, pág. 187 e seg.s, aí se citando numerosa doutrina e jurisprudência em idêntico sentido, designadamente A. Varela, in RLJ, ano 128, bem, como mais recentemente, os Acórdãos do STJ, de 23/3/06 e de 12/10/06, Processo 06B722 e 06B2620, respectivamente, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj, sendo que a obrigação de entrega dos documentos tendentes à efectivação do registo constitui um dever acessório do vendedor.
Como acima referido, o incumprimento da obrigação de entregar o título de registo de propriedade do veículo, impossibilita o 1.º réu de fruir plenamente o veículo adquirido e não obstante a entrega do veículo, o facto é que persiste em falta a entrega dos respectivos documentos. Verificou-se a observância da obrigação principal mas persiste o incumprimento em relação ao citado documento (isto por referência ao contrato de compra e venda).
Tanto mais que tratando-se de um veículo automóvel, o registo é obrigatório e a sua circulação está dependente desse registo, tal como decorre do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do DL 54/75, de 12/2, pelo que o vendedor só cumpre pontualmente o contrato quando emite a declaração de venda necessária à aquisição no registo da aquisição automóvel a favor do comprador, tal como decorre do disposto no artigo 25, n.º 1, do DL 55/75, de 12/2.

Mas, se em condições normais, a responsabilidade pela não entrega do título de registo de propriedade só poderia ser assacada ao vendedor e não ao financiador, no caso em apreço, dado que se trata de dois contratos: mútuo e compra e venda, interdependentes entre si, por força do qual o autor financiou a aquisição de um bem transaccionado pelo vendedor e porque se acordou que a obrigação de legalização de todos os documentos inerentes à transferência da propriedade de tal veículo para o 1.º réu incumbia ao autor, já a este pode ser assacada a responsabilização pelo incumprimento de tal cláusula contratual.
Se é certo que, nos termos expostos, legalmente, a obrigação da obtenção e entrega dos documentos respeitantes ao veículo onera o devedor, no caso em apreço, por via do expressamente contratado pelas partes, tal obrigação foi transferida para a esfera jurídica do autor, financiador, que a incumpriu, donde se tem de concluir que ao réu é conferida a possibilidade de invocar a excepção de não cumprimento para suspender o pagamento das prestações relativas ao contrato de mútuo que celebrou com o ora recorrente, até lhe ser entregue o documento em falta – cf. artigos 428.º e 798.º e 799.º, n.º 1, todos do Código Civil.
Em consequência do que, tem o presente recurso de improceder.

Nestes termos se decide:
Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Coimbra, 03 de Junho de 2008.