Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
207/07.0GCPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
CUSTAS
Data do Acordão: 11/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 20º CRP,116º CCJ ,44º DA LEI Nº 34/2004 DE 29 DE JULHO
Sumário: Depois da prolação da decisão final, o apoio judiciário só pode ser concedido para a fase de recurso e se for requerido antes da respectiva interposição.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

C..., não se conformando com o despacho proferido pela Mma Juiz que determinou a não produção de efeitos da decisão de deferimento da concessão de benefício de apoio judiciário naqueles autos, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

1- Salvo o devido respeito por opinião contrária, a recorrente não pode concordar com o douto despacho recorrido, na medida em que este não procedeu a uma correcta interpretação do direito aplicável à situação sub judice», subordinada ao regime legal contido Lei 34/2004 de 29 de Julho;

2- Ao contrário do que resulta da promoção do Ministério Público e daquele douto despacho, no momento da formulação do pedido de apoio judiciário pela recorrente junto dos Serviços da Segurança Social, o processe encontrava-se pendente, na medida em que ainda não havia transitado em julgado a decisão final.

3- Com efeito a sentença que condenou a arguida C..., pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86.°, n.º 1, al. d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), e pela prática de uma contra-ordenação p.p. pelo artigo 97.° do mesmo diploma legal, por referência ao artigo 3.°, n.9, al. d) na coima de € 600,00 (seiscentos euros), bem como nas custas do processo, foi proferida em 16 de Outubro de 2008, e o pedido de apoio judiciário foi apresentado pela recorrente junto dos Serviços da Segurança Social a 17 de Outubro de 2008;

4- A recorrente requereu, pois, antes do trânsito em julgado da sentença, a concessão do benefício de apoio judiciário junto dos Serviços de Segurança Social, nas modalidades requeridas;

5- E por decisão da Segurança Social, datada de 20 de Novembro de 2008 e junta aos autos em 27 de Novembro de 2008, foi deferido o pedido de apoio judiciário;

6- Resulta expressamente da lei que compete exclusivamente aos Serviços da Segurança Social a apreciação, e consequente decisão, sobre os pedidos de concessão de apoio judiciário (artigo 20.º da Lei 34/2004 de 29 de Julho);

7- E no que tange à oportunidade da formulação do pedido de apoio judiciário em processo penal é, igualmente, a própria lei a estabelecer, de forma expressa, que o apoio judiciário deve ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final, não havendo qualquer restrição no caso deste ser formulado após sentença (art. 44.°, n.º 1, da Lei 34/2004 de 29 de Julho).

8- Em conformidade com o exposto, pretende a recorrente que, concedido provimento ao presente recurso, seja revogado o despacho recorrido, por este ter violado as disposições legais previstas nos artigos 20.º e 44.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, e seja substituído por outro que declare nestes autos a produção de efeitos da decisão administrativa proferida pelos Serviços da Segurança Social que às arguidas concedeu o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos do processo, bem como pagamento de compensação ao defensor nomeado.

Termos em que, pelo exposto, nos melhores de direito e com o douto suprimento de vossas Excelências, deverá o presente recurso ter provimento, e, em consequência, o despacho recorrido deverá ser revogado, ordenando-se a sua substituição por outro que retire as necessárias consequências de produção de efeitos da decisão administrativa proferida pelos Serviços da Segurança Social de deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos do processo, bem como pagamento de honorários ao defensor nomeado, assim decidindo farão Vossas Excelências A COSTUMADA JUSTIÇA!

Respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual pugna pela improcedência do recurso.

Respondeu a recorrente pugnando pela procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Antes de mais e como questão prévia, entendemos que como estamos perante a interposição de um recurso, no qual o que está em causa é o pedido de apoio judiciário com vista à dispensa de custas, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça pela interposição de recurso, como sustenta o Mº Pº..

É este o despacho recorrido:


Tendo em conta o fundamento invocado no 1º parágrafo da promoção de fls 328, com o qual concordo na íntegra, determino que a decisão proferida pela Segurança Social relativamente aos pedidos de apoio judiciário não tenham efeitos nos presentes autos.

É esta a promoção do Ministério Público:

Dado que no momento em que foi apresentado pelas arguidas o pedido de apoio judiciário na Segurança Social, já não havia causa pendente, havendo apenas que efectuar o pagamento da pena de multa e custas, a decisão ali proferida, não tem qualquer efeito nos presentes autos, o que se promove.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).


Questão a decidir:
Se se encontram preenchidos os requisitos essenciais para a concessão do benefício do apoio judiciário.

Sustenta a recorrente que no momento em que foi formulado o pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social, o processo encontrava-se pendente, na medida em que ainda não havia transitado em julgado a decisão final.
Na verdade o artº 44º da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei nº 47/2007, de 28/8 estatui que, no processo penal, o arguido deve requerer o apoio judiciário “até o termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância”.
No caso vertente, a sentença foi depositada no dia 16/10/2008 e o requerimento de protecção jurídica apresentado nos Serviços da Segurança Social no dia 17/10/2008.
No entanto e tal como refere o Mº Pº, há que ver a história deste preceito e conjugá-lo com o artº 20 da Constituição e o nº 1 Lei 34/2004.
Dispõe o art 20 nº 1 da Constituição da República Portuguesa que:

A todos é assegurado o acesso aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

Este princípio foi vertido na legislação comum que regulamenta o acesso ao direito e aos tribunais, quando designadamente no art 1º da Lei nº 34/2004 de 29/7 se consagra que “o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, (…), ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, e exercício ou a defesa os seus direitos”.

O Instituto do apoio Judiciário visa promover que ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos.

Portanto só àqueles que não disponham de situação económico-financeira que lhes permita suportar as normais despesas de uma causa judicial é que assiste o direito de litigar com apoio judiciário.

Com o apoio judiciário o que se pretende é evitar que a carência económica seja factor impeditivo de acesso aos tribunais, para defesa dos direitos do litigante.

Por outro lado, o apoio não tem como finalidade conceder uma pura isenção de custas e, muito menos assegurar essa isenção antes de concluído o processo.

As custas que forem devidas a final são sempre mera consequência de se ter cometido um crime. A sua cobrança, ou não, deve situar-se em sede de instauração ou não de execução, conforme o arguido tenha ou não bens penhoráveis.

Ora, no caso vertente, atendendo às pretensões formuladas pela arguida, bem como o momento em que as faz, resulta que a finalidade do requerido apoio judiciário é o não pagamento de custas.

A arguida “sabe” qual o seu direito, até porque a sentença já fora publicada.

O instituto de apoio judiciário e com acima se referiu visa assegurar um efectivo direito de defesa. Ora, se a arguida não pretende impugnar a decisão, não há que falar em apoio judiciário.

Dos autos tudo indica que a arguida não pretende impugnar a decisão. Esta não o diz no seu requerimento. Por outro lado, requereu o pagamento da multa em que foi condenada, em prestações.

Tal como refere Salvador da Costa, a “dispensa do pagamento de custas (e não isenção) a que se refere a lei de apoio judiciário, tem sempre a ver com o exercício eficaz do direito de defesa: é dispensado o seu pagamento quando está em causa o efectivo exercício deste direito pelo arguido”. Ora, no caso em apreço a recorrente pretende não pagar as custas. Então, tal questão tem que ser analisada face ao disposto no art 116 do CCJ e não no domínio do apoio judiciário. Na verdade, face a uma verdadeira situação de insuficiência económica, as custas não poderão ser executadas, nos termos legais.

Aliás, as custas e encargos em que a arguida foi condenada são exigíveis e em nada podem ser dispensadas em sede de apoio judiciário, justamente porque foram impostas numa altura em que a insuficiência económica não constituiu impedimento ao exercício dos direitos de defesa. Ou seja, O apoio judiciário só tem efeitos para o futuro.

Neste sentido Salvador da Costa referia em “Apoio Judiciário” refere que “atendendo aos fins do acesso ao direito e aos tribunais, que são os de obstar a que as pessoas não possam fazer valer em juízo ou defender os seus direitos por insuficiência de meios económicos, a expressão em qualquer estado da causa significa até á prolação da decisão final concernente.

Em consequência, depois da prolação da decisão final, o apoio judiciário só pode ser concedido para a fase de recurso e se o requerente o requer antes da respectiva interposição, deve expressar esse fim no respectivo instrumento.

É claro que não pode ser concedido o apoio judiciário apenas para não sujeição ao pagamento das custas já contadas ou liquidadas ou em curso iminente de contagem ou liquidação”.

Em anotação ao artº 44º da nova Lei do Apoio Judiciário, Salvador da Costa refere: “Neste quadro, tendo em vista o fim da lei, entendemos que a parte final do normativo em análise deve ser interpretada restritivamente, no sentido de o apoio judiciário nas mencionadas modalidades só poder ser concedido depois da prolação da sentença final com vista à interposição de recurso.

Assim, se o arguido não recorrer da sentença condenatória nem manifestar a intenção de dela pretender recorrer, deve ser-lhe indeferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas que haja formulado depois dela”.

Portanto, só se justifica a concessão do benefício de apoio judiciário nos casos em que o arguido necessite de despender determinadas quantias para defender os seus direitos e, no caso sub judice, tal só se vislumbraria, na fase de recurso ou em algum incidente que se pudesse suscitar e, diz-se algum incidente porque muitos dos incidentes anómalos tributáveis que se suscitam, não merecem qualquer protecção.

Contudo, no caso vertente, a sentença já foi proferida e já transitou em julgado. Não se vislumbra que a arguida, em algum momento, estivesse impossibilitada, por carência de meios económicos, de exercer e defender os seus direitos em tribunal.

Conceder o apoio judiciário nesta fase seria tão só e apenas para evitar o pagamento das custas em divida nos autos.

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Taxa de justiça que se fixa em 5 cus.

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade