Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | RIBEIRO MARTINS | ||
Descritores: | OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS MAIORIDADE COMPETÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 05/24/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE MONTEMOR-O-VELHO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº.S 1880º E 2005 DO C. CIVIL, ARTº. 250º DO C. PENAL E ARTº.S 70º E 74º DO C. P. PENAL | ||
Sumário: | 1 – O Tribunal Criminal é competente para conhecer do pedido civil formulado em processo crime tendo como causa a violação da obrigação de prestar alimentos fixada em processo de regulação de poder paternal. 2 – Essa obrigação extingue-se com a maioridade do filho. 3 – A partir do momento em que atinge a maioridade, só o próprio filho tem legitimidade para demandar o progenitor com vista à manutenção da obrigação de prestar alimentos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal da Relação de Coimbra: I- 1- No processo comum n.º 61/03 do tribunal judicial de Montemor-O-Velho o arguido A... foi absolvido da prática do crime de violação da obrigação de alimentos p. e p. pelo art.º 250º do Código Penal. Contudo, foi nele condenado no pagamento de €6.120,46 à assistente B... ( mãe da menor C..., também filha do arguido ) e de €10.690,81ao assistente D..., nascido a 21/7/1984 e também seu filho. 2- Inconformado com a condenação no pagamento da indicada importância a favor do filho D..., o demandado recorre concluindo – (…) 3- Apreciação –3.1- Da competência do tribunal - Sendo um pressuposto processual, a questão da competência do tribunal criminal para conhecer do pedido de indemnização formulado pelo demandante haverá de apreciar-se em conformidade com a relação jurídica controvertida tal como foi configurada pelo demandante. O arguido vinha acusado da prática do crime de violação da obrigação de alimentos devidos aos filhos C... e D.... Dos art.ºs 70º e 74º do CPP flui que o pedido de indemnização fundado na prática de um crime é deduzido pelo lesado no processo penal, entendendo-se como lesada a pessoa que sofreu os danos ocasionados pelo crime . O pedido do demandante D... foi formulado com base na violação da obrigação do arguido lhe prestar alimentos, violação criminosa no dizer da acusação. Daqui que se conclua que era o processo crime o próprio para a dedução do pedido, concluindo-se pela competência do tribunal criminal para o seu conhecimento. 3.2- Da persistência da obrigação alimentar - 3.2.1- Não negamos que persista a obrigação do arguido/demandado de comparticipar nas despesas inerentes ao sustento, segurança , saúde e educação do seu filho -, o demandante D.... Tanto que este fez juntar aos autos prova documental da frequência do Curso de Enfermagem, primeiro no Instituto Piaget ( em Viseu) e posteriormente na Escola Superior de Enfermagem Bissaya Barreto ( em Coimbra). Contudo, cremos que o pedido por este formulado não poderá proceder pelas razões que passamos a expor. É inquestionável que os pais têm o dever de prestar alimentos aos filhos menores, assegurando o seu sustento e sendo responsáveis pelas despesas inerentes à sua saúde e educação ( art.º 1878º do Código Civil ). O art.º 2003º/1 do Código Civil define alimentos como aquilo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário. Se o alimentando for menor, os alimentos também compreendem as despesas de instrução e de educação( art.º 1878º/1 do Código Civil ). Da definição alargada de alimentos, resulta que sendo os alimentos devidos a menor, as necessidades a prover pela prestação do obrigado são não só as inerentes à subsistência física do alimentando com também à sua formação escolar, moral e cívica, tendo em conta o sadio desenvolvimento da sua personalidade. Dispõe o art.º 2004º do citado diploma que os alimentos serão proporcionados aos meios de quem tiver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los. Na fixação dos alimentos atender-se-á , outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência. Esta disciplina tem no âmbito do poder paternal o correspondente no art.º 1879º do Código Civil. Deste preceito resulta que se o filho menor estiver em condições de prover, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, ao seu sustento ( segurança, saúde e educação) os pais ficam desobrigados desse dever na medida em que o menor possa arcar com tais despesas. Já dissemos que o pátrio poder tem inerente, além de outros, um poder/dever de educação e sustento dos filhos ( art.º 1878º/1 do Código Civil) . Mas o poder paternal cessa com a maioridade ( art.º 1877º do Código Civil ). 3.2.2- Está provado que no âmbito da acção de regulação do exercício do poder paternal o demandado ficou condenado a pagar à mãe dos menores [a B...] a título de alimentos a estes devidos [ a menor C... e o então também menor D...] a quantia de 50.000$00 e metade das despesas com a educação e a saúde destes. Esta condenação insere-se dentro do conteúdo da regulação do exercício do poder paternal, poder que, como se disse, cessa com a maioridade dos filhos. Tendo também ficado provado que desde Junho de 2001 o arguido deixou de pagar os alimentos estipulados na sentença que regulara o exercício do poder paternal, a assistente B... a quem os menores ficaram confiados, detém título executivo bastante para obrigar coercivamente o arguido a pagar-lhe o devido até ao momento em que o filho D... atingiu a maioridade, a saber , até 21/7/2002. 3.2.3- Mas com o atingir da maioridade [ aos 18 anos], os filhos ficam habilitados a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens ( art.ºs 130º, 132º, 133º do Código Civil), cessando o poder paternal e os deveres que integram o seu conteúdo. Contudo, o art.º 1880º do Código Civil estatui que se no momento em que atingir a maioridade o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação dos pais proverem nas despesas com o seu sustento, segurança, saúde e educação na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete. Esta persistência da obrigação de prestar alimentos no âmbito dos poderes/deveres correspondentes ao conteúdo do poder paternal quando o filho atinge a maioridade tem carácter excepcional (Cfr. Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, vol. V, pág.339, em anotação ao indicado preceito.). Certa jurisprudência afirma que esta excepcionalidade resulta do facto de, atingindo o menor a maioridade legal, cessar o poder paternal sendo a obrigação prevista no art.º 1880º do Código Civil de diversa índole, já não inserida no poder paternal , mas num dever moral e ético de assistência, em vista da completa formação profissional do filho maior (Ac RP de 26/1/2004, in www.dgsi.pt.). Sendo assim, então necessário se tona que o filho já maior alegue e prove em tribunal os requisitos que a lei define no art.º 1880º do Código Civil, a saber, (a) não ter o requerente completado a sua formação profissional no momento em que atingiu a maioridade, (b) ser razoável exigir dos pais o cumprimento dessa obrigação , (c) e a definição do tempo normalmente requerido para a ultimação dessa formação. Ou seja, a continuação da obrigação de prestação alimentar não é automática sempre que se atinja a maioridade. O então maior terá de demandar o obrigado em acção destinada ao efeito.( cfr. art.º 1412º do Código de Processo Civil ) 3.2.4- Recapitulando diremos que a sentença que fixou os alimentos na acção de regulação do exercício do poder paternal constitui título executivo bastante para que a assistente B... obtenha coercivamente o que pelo arguido lhe for devido até à data em que o filho D... atingiu a maioridade (Sentença que continuará a constituir título executivo bastante relativamente à menor C... até que esta, também por sua vez, atinja a maioridade, o que se pensa acontecer a 1/7/2010.). Tendo ele atingido a maioridade a 21/7/2002 e havendo sentença a regular o exercício do poder paternal, a execução dos alimentos nos termos por ela fixados terá de ser promovida pela assistente sua mãe. Porém, diversamente, veio o D... peticionar para si, em pedido declarativo de condenação, o que à assistente sua mãe já é devido desde Junho de 2001 a 21/7/2002. E pedir, ainda, num montante global e sem discriminação de valores e despesas, o que entende também lhe ser devido a partir de tal data, no pressuposto de que o estatuído na sentença que regulou o poder paternal quanto a si ainda se mantenha operante a partir da sua maioridade. Ora, a partir do momento em que o demandante D... atingiu a maioridade, para continuar a beneficiar duma prestação alimentar dos pais terá de alegar e provar em tribunal encontrarem-se reunidos os pressupostos a que alude o art.º 1880º do Código Civil. Só assim poderá obter reconhecimento judicial da manutenção, quanto a si, da obrigação de alimentos pelos pais. O título executivo será a partir de então constituído pela nova sentença que reconheça a continuação dessa obrigação com a consequente condenação do demandado no pagamento do que vier a ser fixado em termos de prestação pecuniária mensal ( art.º 2005º do Código Civil ). E a legitimidade para accionar o demandado na execução do que lhe vier a ser fixado [ a partir da sua maioridade -, 21/7/2002] já não pertencerá à assistente B..., mas ao demandante D.... 3.3- Da viabilidade do respectivo pedido – Só que o demandante D... não alegou no seu petitório ( cfr. fls. 84 a 86) os factos materiais que integram os pressupostos do art.º 1880º do Código Civil. Consequentemente, a sua petição é inepta por ausência de factos que preencham a respectiva causa de pedir bastante. Nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 193º/1 e 2 alínea a) do Código de Processo Civil a petição é inepta quando lhe falta a causa de pedir, sendo nulo o processo e dando lugar à absolvição [ do réu -, no caso do arguido /demandado] da instância -, art.º 288º/1 e 2 alínea b) do mesmo diploma. III- Decisão – Termos em que, provendo-se o recurso, se absolve da instância o demandado relativamente ao pedido contra si formulado pelo demandante D.... Sem custas de recurso por falta de oposição. As devidas em 1ª instância quanto ao pedido do demandante, ficam a cargo deste. Coimbra, |